Banal, piegas, fake. Paul Auster?!

Marcos Nunes me envia por e-mail uma boa polêmica: uma avaliação sobre a literatura de Paul Auster escrita pelo importante crítico James Wood. Lembro de ter achado — durante a leitura da Trilogia de Nova Iorque e de A Noite do Oráculo — que Auster era uma espécie de Woody Allen: novaiorquino, excelente narrador, cria conflitos interessantes, humanos, mas onde o conteúdo dramático costuma ser sacrificado em nome de uma elegância blasé muito sedutora e hábil para contornar os conflitos criados através de uma pieguice muito bem escondida sob engenhosos artifícios. Ou seja, minha impressão foi a de que estava lendo romances convencionais, sob um filtro agradável. James Wood, porém, é muito mais agressivo. O Charlles Campos é que vai adorar esta polêmica, suponho.

Está na “New Yorker” a leitura-obrigatória/mote-para-discussão-cabeça-em-mesa-de-bar do mundo literário desta semana. Num artigo intitulado “Covas rasas”, o crítico James Wood arregaça as mangas e vai com tudo para cima dos livros de Paul Auster. É provavelmente o mais negativo texto de crítica já dirigido à ficção de Auster na grande imprensa americana, e vai escrito pelo mais influente crítico do mundo anglófono hoje. Por certo que nos próximos dias vai repercutir por toda parte.

Resumindo bastante, o argumento fundamental de Wood é que Auster é um pós-modernista de almanaque, um diluidor que incorpora de modo ornamental e chamativo (“Atenção, eu sou pós-moderno!”) elementos como a narração autorreflexiva, o ceticismo e o pastiche a histórias que no fundo exprimem uma visão de mundo convencional, impregnada de clichê e sentimentalismo.

O livro mais recente de Auster, “Invisible”, acaba de ser lançado nos EUA, e o texto de Wood deve dar um travo amargo à recepção usualmente exclamatória que os críticos reservam ao escritor. Abaixo, os melhores momentos com o cerne dos argumentos de Wood.

Paul Auster é provavelmente o mais conhecido romancista pós-moderno dos Estados Unidos; sua “Trilogia de Nova York” deve ter sido lida por milhares que geralmente não leem ficção de vanguarda. Auster claramente compartilha [com autores modernos e pós-modernos] um compromisso com a mediação e o tomar emprestado – daí seus enredos com jeito de cinema e diálogos de segunda linha – e no entanto ele não faz nada com o clichê a não ser usá-lo.

Isso é surpreendente, a princípio, mas afinal Auster é um tipo peculiar de pós-modernista. Ou será que ele é mesmo um pós-modernista? Oitenta porcento de um típico romance de Auster procedem de modo indistinguível do realismo americano; os 20% restantes fazem uma espécie de cirurgia pós-modernista nos 80%, com frequência jogando dúvida sobre a veracidade do enredo.

(…) O que é problemático nesses livros não é seu ceticismo pós-moderno a respeito da estabilidade da narrativa, algo padrão, mas a gravidade e a lógica emocional que Auster tenta extrair do lado “realista” de suas histórias. Auster é sempre mais solene naqueles momentos de seus livros que são os menos plausíveis e os mais insípidos.

O resultado é que ele com frequência consegue o pior de ambos os mundos: realismo fake e ceticismo superficial. As duas fraquezas estão relacionadas. Auster é um contador de histórias envolvente, mas suas histórias são asserções em vez de persuasões. Elas se declaram; elas perseguem a próxima revelação. Como nada é construído de modo persuasivo, a desconstrução pós-moderna deixa o leitor em boa parte intocado.

(…) As formulações clássicas do pós-modernismo, por filósofos como Maurice Blanchot e Ihab Hassan, enfatizam o modo como a linguagem contemporânea toca o silêncio. Para Blanchot, como para Beckett, a linguagem está sempre anunciando sua invalidade. Os textos gaguejam e se fragmentam, se despedaçam em torno de um vazio. Talvez o mais estranho na reputação de Auster como um pós-modernista é que sua linguagem nunca registre esse tipo de ausência no nível da frase. O vazio é sempre muito dizível na obra de Auster. Agradáveis, algo complacentes, os livros são lançados quase todo ano, tão arrumadinhos e pontuais como selos de correio, e os resenhistas laudatórios entram na fila como colecionadores ansiosos para pegar o número mais recente.

Retirado daqui.