Três vezes ao amanhecer, de Alessandro Baricco

Três vezes ao amanhecer, de Alessandro Baricco

Eu adoro os pequenos livros de Alessandro Baricco. Três vezes ao amanhecer (Alfaguara, R$ 39,90) pode ser lido em uma sentada (ou deitada) e é entusiasmante, de deixar feliz mesmo. São três histórias que ocorrem ao amanhecer, claro. A primeira é sobre um homem solitário que conversa com uma mulher no saguão de um hotel, ela o convence a fazer certas coisas. A segunda é a respeito de um porteiro idoso que tenta persuadir uma adolescente muito louca a abandonar o namorado violento. E a terceira é a linda história de uma policial de meia-idade que decide levar um menino órfão até a casa do homem que ama e que não vê há anos.

As histórias são habilmente entrelaçadas, os diálogos são rápidos, com alternância entre os discursos direto e indireto. São descritos três fatos onde os personagens dão de cara com a possibilidade de alterar o rumo de suas vidas ao amanhecer.

Três vezes ao amanhecer era um livro imaginário, criado em outro romance de Baricco, Mr. Gwyn. Perto do final de Gwyn, há uma discussão sobre um livro intitulado Three Times at Dawn, atribuído a Akash Narayan. Como a nota inicial sugere, Three Times at Dawn é o trabalho que o escritor ficcional Jasper Gwyn achou mais difícil de abandonar…

Três vezes ao amanhecer foi escrito por Baricco aparentemente após Mr. Gwyn, mas não há maiores ligações os ou continuidade entre os dois livros. São obras independentes.

Como escrevi no início, o livro é formado por três episódios separados, mas eles são conectados por intervalos de tempo bastante longos. Cada parte centraliza-se em um encontro entre uma figura masculina e feminina. Outras figuras também aparecem, mas são incidentais. Um dos personagens está de alguma forma fugindo, às vezes sem ser encorajado, outras vezes sendo trazido à segurança.

O primeiro encontro acontece no saguão de um hotel, com uma mulher entrando ali nas primeiras horas da madrugada e encontrando apenas um homem sentado, esperando a hora de sair para uma importante reunião de negócios. Ela parece ter se divertido um pouco demais à noite e puxa conversa, encontrando uma série de desculpas para mantê-lo ali. É um episódio que tem uma conclusão muito inesperada, com o encontro adquirindo uma natureza muito diferente daquela que fomos levados a acreditar. A primeira história fica um pouco mais explicada no episódio seguinte, que ocorre muitos anos antes e que começa com outro encontro no lobby do hotel nas primeiras horas do dia.

Não são exatamente os “retratos” que se poderiam esperar que Gwyn tenha escrito… “Você teria se esforçado para descobrir a história, vendo-a”, observa Baricco enquanto um dupla de personagens caminha nas primeiras horas da manhã. Sempre inteligente e sutil, Baricco nos apresenta os detalhes certos para que as peças se encaixem, aqui e lá adiante.

Recomendo!

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A Noiva Jovem, de Alessandro Baricco

A Noiva Jovem, de Alessandro Baricco

A Noiva Jovem Baricco(Sem spoilers). De escrita primorosa e de grande originalidade, A Noiva Jovem deixou-me verdadeiramente embasbacado. Em entrevista que li agora, concedida ao Estado de S. Paulo, Alessandro Baricco afirma que se propôs a escrever um livro com 20% de realismo mágico, 20% de Lampedusa e 60% dele mesmo. Deu razão a este leitor que, sem entender de onde vinha aquele argumento, pensou em uma mistura de García Márquez e Lampedusa. Uma mistura altamente poética e potente. Só que ainda predominam, é claro, os 60 % de Baricco, com as constantes e curiosas intervenções do escritor no texto, que fala até num notebook perdido e numa namorada que critica a obra que está sendo escrita, além das perfeitas mudanças de foco narrativo. Também há Baricco na criação de um clima estranho, que faz com que o livro grude em nossas mãos, como já me acontecera na leitura de Mr. Gwyn.

Tudo acontece em um ambiente familiar muito curioso. Não há nomes, mas um Pai, uma Mãe, um Filho, uma Filha, um Tio. E a Jovem Noiva. O único que ganha nome é Modesto, o gentil mordomo que tudo vigia para que a felicidade seja um estado permanente. As relações são delicadamente insanas, as manias e medos são muitos.

O Filho conhece a Jovem Noiva ainda adolescente e ela é prometida a ele. Conheceram-se na Europa, mas a família dela, falida, foi tentar a sorte na Argentina. Quando completa 18 anos, a Jovem Noiva atravessa o oceano de volta para chegar a uma paisagem que parece a Sicília de Lampedusa. Vem para juntar-se ao Filho. Ela entra numa casa que parece cheia de personagens de García Márquez, todos eles docemente malucos, dando respostas e tomando atitudes entre o desconcertante e o poético, mas de um realismo mágico altamente racional.

Mas o Filho não está lá e demora. Entre os mil fatos, novidades e experiências que a casa oferece, o far niente começa trabalhar. Passam-se meses e a tensão cresce. E o Filho não chega. Isto atormenta e faz amadurecer a Jovem Noiva. Ela mantém a certeza de que ele virá.

Parabéns para a excelente tradutora Joana Angélica d`Avila Melo. Não deve ser fácil traduzir um livro que muda tantas vezes seu foco narrativo.

Baricco é um escritor altamente sofisticado que também faz crítica musical de música erudita, é pianista e apresenta um programa na televisão italiana. Seria bom iniciar correntes de orações para que tivéssemos alguém tão talentoso por aqui.

Recomendo fortemente!

Livro comprado na Bamboletras.

Baricco também faz critica musical. De eruditos, claro.
Baricco também faz critica musical. De eruditos, claro.

 

 

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Seda, de Alessandro Baricco

Seda, de Alessandro Baricco

sedaEste livro me foi indicado após a leitura de Mr. Gwyn, romance do mesmo autor e do qual tinha gostado muito. Mas gostei menos deste Seda, apesar da história ampla, interessante, contada num estilo de minicontos com trechos que se repetem como numa fábula. A história narra a trajetória de Hervé Joncour, morador de Lavilledieu, uma cidade francesa cuja economia floresce, na metade do século XIX, com a produção de seda.

Joncour compra e vende ovos de bichos-da-seda. Ele mora com a amada esposa Hélène em Lavilledieu numa casa confortável. Só que uma praga dizima os bichos-da-seda do Mediterrâneo e cria-se a necessidade de comprar o produto num local onde a praga não chegou: o Japão. Baldabiou — o mais rico de todos os fabricantes de seda — pede-lhe que vá ao país do sol nascente buscar os ovos.

O paradoxo do livro está no homem de vida rotineira transformado em aventureiro. Ele vai ao Japão quatro vezes. Leva meses em cada uma das viagens. Vai de trem, cavalo e em navios de contrabandistas. Nas viagens que faz ao Japão para comprar o produto, abre-se um mundo novo para aquele crasso europeu. Lá, ele vê uma bela mulher de rosto ocidental e passa a ter um segundo motivo para viajar. Quer revê-la e sentir seu toque de seda. Mas volta pelos negócios e, fundamentalmente, porque não consegue esquecer a linda voz de sua mulher na França.

Foi com esse livro que Baricco ficou famoso, mas, sabe?, faltou poesia. Como em Mr. Gwyn, mais uma vez Baricco procura “um modo exato de estar no mundo” para um personagem seu. Esta é a poesia maior do livro. E talvez de todos nós.

Livro comprado na Bamboletras.

Baricco: "o modo exato de estar no mundo"
Baricco: “o modo exato de estar no mundo”

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Mr. Gwyn, de Alessandro Baricco

Mr. Gwyn, de Alessandro Baricco

Mr. Gwyn Alessandro BariccoA Elena ganhou este livro de presente de aniversário, em 19 de maio de 2014. Quem lhe deu foram os conhecidos psicanalistas porto-alegrenses Lucia Serrano e Robson Pereira. Ela o leu há pouco tempo e mandou eu ler também. Ela tinha gostado muito e me fez uma curiosa observação. A Balada de Adam Henry, de Ian McEwan, que tinha lido logo antes, seria um livro onde as coisas que acontecem são completamente reais, mas as consequências e as impressões do leitor são surreais. Já em Mr. Gwyn acontecem coisas surreais, mas a sensação é de normalidade, de isso-deve-ser-assim. Não sei se fui feliz ao reproduzir as frases da Elena. O que digo é que o livro da Baricco é extraordinário. São 68 capítulos em 219 páginas da uma história surpreendente que inicia com Jasper Gwyn, um escritor de sucesso, publicando no The Guardian 52 motivos para abandonar a escrita.

Seu editor e melhor amigo desespera-se, mas afirma que Gwyn vai voltar a escrever. Na verdade (sem spoilers), o escritor está atrás de outra atividade que ainda não existe. Ou seja, sua Síndrome de Bartleby não é tão severa. Ele mais ou menos deixa de publicar. E começa a escrever retratos. A ser um copista de pessoas. O texto de Baricco é poético e intrigante. Mesmo que não haja um tremendo mistério a ser revelado, a história faz com que pulemos de um capítulo para outro para saber mais. Afinal, é necessário saber onde Gwyn quer chegar.

Hábil, Baricco dá reviravoltas na história, acelera e freia, entrega pistas erradas, sempre mantendo a poesia do relato. O livro pode ter várias interpretações, mas creio que a mais inconsistente é a que está na contracapa do volume (algo como “o escritor precisa desaparecer para se reencontrar”…) e uma das mais consistentes é que os escritos poéticos e metafóricos captam melhor a essência desta rarefeita nuvem de sonhos que é o ser humano. Infelizmente, não posso dar detalhes que estragariam a surpresas contidas na história.

Fico pensando na relação que o casal de psicanalistas presenteadores pode ter com a história, mas, para discorrer a respeito, também teria que entrar em detalhes indesejados por um futuro leitor. Afinal, o livro pode ser lido também como uma metáfora do entendimento dos personagens-pacientes. Porém, para mim, a obra é sobre o fazer literário.

Mr. Gwyn é entusiasmante. Tanto que desejo conhecer as outras obras traduzidas de Baricco.

P.S. final — Este romance teria vida difícil no Brasil. Se um escritor brasileiro escrevesse um romance passado em Londres, com personagens exclusivamente ingleses, sem referências ao torrão natal, seria considerado “colonizado”, antipatriota e outras besteiras. A crítica politicamente correta tentaria escorraçá-lo das letras nacionais.

P.S. 2 — Ignorem capa da edição brasileira. Fiquem com essas

Alessandro Baricco (1958)
Alessandro Baricco (1958)

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