Mr. Gwyn, de Alessandro Baricco

Mr. Gwyn, de Alessandro Baricco

Mr. Gwyn Alessandro BariccoA Elena ganhou este livro de presente de aniversário, em 19 de maio de 2014. Quem lhe deu foram os conhecidos psicanalistas porto-alegrenses Lucia Serrano e Robson Pereira. Ela o leu há pouco tempo e mandou eu ler também. Ela tinha gostado muito e me fez uma curiosa observação. A Balada de Adam Henry, de Ian McEwan, que tinha lido logo antes, seria um livro onde as coisas que acontecem são completamente reais, mas as consequências e as impressões do leitor são surreais. Já em Mr. Gwyn acontecem coisas surreais, mas a sensação é de normalidade, de isso-deve-ser-assim. Não sei se fui feliz ao reproduzir as frases da Elena. O que digo é que o livro da Baricco é extraordinário. São 68 capítulos em 219 páginas da uma história surpreendente que inicia com Jasper Gwyn, um escritor de sucesso, publicando no The Guardian 52 motivos para abandonar a escrita.

Seu editor e melhor amigo desespera-se, mas afirma que Gwyn vai voltar a escrever. Na verdade (sem spoilers), o escritor está atrás de outra atividade que ainda não existe. Ou seja, sua Síndrome de Bartleby não é tão severa. Ele mais ou menos deixa de publicar. E começa a escrever retratos. A ser um copista de pessoas. O texto de Baricco é poético e intrigante. Mesmo que não haja um tremendo mistério a ser revelado, a história faz com que pulemos de um capítulo para outro para saber mais. Afinal, é necessário saber onde Gwyn quer chegar.

Hábil, Baricco dá reviravoltas na história, acelera e freia, entrega pistas erradas, sempre mantendo a poesia do relato. O livro pode ter várias interpretações, mas creio que a mais inconsistente é a que está na contracapa do volume (algo como “o escritor precisa desaparecer para se reencontrar”…) e uma das mais consistentes é que os escritos poéticos e metafóricos captam melhor a essência desta rarefeita nuvem de sonhos que é o ser humano. Infelizmente, não posso dar detalhes que estragariam a surpresas contidas na história.

Fico pensando na relação que o casal de psicanalistas presenteadores pode ter com a história, mas, para discorrer a respeito, também teria que entrar em detalhes indesejados por um futuro leitor. Afinal, o livro pode ser lido também como uma metáfora do entendimento dos personagens-pacientes. Porém, para mim, a obra é sobre o fazer literário.

Mr. Gwyn é entusiasmante. Tanto que desejo conhecer as outras obras traduzidas de Baricco.

P.S. final — Este romance teria vida difícil no Brasil. Se um escritor brasileiro escrevesse um romance passado em Londres, com personagens exclusivamente ingleses, sem referências ao torrão natal, seria considerado “colonizado”, antipatriota e outras besteiras. A crítica politicamente correta tentaria escorraçá-lo das letras nacionais.

P.S. 2 — Ignorem capa da edição brasileira. Fiquem com essas

Alessandro Baricco (1958)
Alessandro Baricco (1958)