A matéria abaixo é ótima, mas não fala no livro de Anthony Burgess, A Sinfonia Napoleão, que foi escrito para o filme de Kubrick que nunca foi produzido. O livro tem quatro “movimentos”, seguindo à risca a Sinfonia Eroica de Beethoven. O romance existe, pode ser lido inclusive em português, e é dedicado a Stanley Kubrick, que havia dirigido a adaptação cinematográfica de um romance anterior de Burgess, A Clockwork Orange (A Laranja Mecânica). Kubrick tinha a intenção de fazer um filme biográfico sobre Bonaparte, mas estava insatisfeito com seu próprio roteiro. Os dois trocaram cartas e, em seguida, reuniram-se em dezembro de 1971. Burgess sugeriu a Kubrick que a estrutura do filme poderia se basear na Sinfonia Eroica, e Kubrick pediu para que Burgess escrevesse uma novela baseada nesse conceito para servir de base para um roteiro. Usando seu próprio conhecimento da estrutura sinfônica, Burgess baseou sua escrita muito próxima da Sinfonia. Em junho de 1972, ele enviou o primeiro “movimento” a Kubrick, que respondeu que, lamentavelmente, o tratamento não era adequado para um filme. “Este manuscrito não me ajuda a fazer um filme sobre a vida de Napoleão “.
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Stanley Kubrick passou dois anos preparando um filme sobre Napoleão Bonaparte, mas isso acabou nunca acontecendor. A Taschen vai agora juntar num só volume a caixa de edição limitada que lançou em 2009 sobre o projeto e dar acesso à quase totalidade da pesquisa do realizador.
Quando estava na pós-produção de 2001: Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick (1928-1999) começou a preparar aquele que, achava, seria o seu projeto seguinte: um épico sobre Napoleão Bonaparte. Napoleon acabou por nunca ser feito, tendo sido rejeitado primeiro pela MGM e depois pela United Artists por acharem que o orçamento elevado que seria necessário para a reconstituição de época não iria compensar nas bilheteiras. Mas o obsessivo Kubrick passou dois anos a preparar o filme, a pesquisar e reunir material sobre a época e o imperador e a escrever o roteiro.
Em 2005, a Taschen editou The Stanley Kubrick Archives Book, com orientação de Alison Castle, que reunia parte do arquivo do realizador, para ilustrar a forma meticulosa como o cineasta de Barry Lyndon e Dr. Strangelove trabalhava. Na altura, houve muito que ficou de fora sobre a intensa preparação do filme.
O capítulo do livro a ele dedicado só representava uma parte ínfima do material que Castle reuniu e, logo na altura de publicação, já se noticiava haver planos para um livro exclusivamente dedicado a esse projeto. Em 2009, saiu Stanley Kubrick’s Napoleon: The Greatest Movie Never Made, caixa de edição limitada com dez livros a detalhar todo o processo. Em Março, será lançada uma nova edição que reúne todo esse material num só livro. Quem o comprar – o custo será à volta de 50€ – terá também direito ao acesso online à totalidade dos arquivos reunidos sobre o filme.
Este arquivo inclui as 15 mil fotografias de cenários e 17 mil imagens napoleônicas que Kubrick juntou. O livro publica rascunhos do guião que Kubrick escreveu, entrevistas a Kubrick pelo professor universitário Felix Markham, estudos para o guarda-roupa – os uniformes militares iriam ser feitos em papel para manter os custos baixos, por exemplo –, entre muitos outros elementos.
Esta nova edição não é a única novidade kubrickiana de 2018. De 18 de Outubro até ao final de Março do próximo ano, o Centre de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB) vai ter uma exposição dedicada ao realizador, que procurará traçar paralelos entre a sua obra e o mundo atual.
Para abordar qualquer autor, é bom antes medir seu tamanho, só que Shakespeare é tão alto que jamais este pobre comentarista poderá subir sobre seus ombros a fim de admirar com clareza sua criação. E o que digo não é exagerado. William Shakespeare, nascido e morto na mesma Stratford-upon-Avon, no mesmo dia 23 de abril, o primeiro de 1564, o segundo de 1616, ocupa a mesma posição de Johann Sebastian Bach na música, a de pedra fundamental, a de base, referência e refúgio, a de religião secular de escritores, dramaturgos, atores e interessados na cultura. Por exemplo, o ensaísta Harold Bloom, em seu livro Shakespeare: a Invenção do Humano, pergunta: O que era o homem antes de Shakespeare? E responde, com certo exagero, que era um Personagem de dimensão quase inexistente.
É difícil de acreditar que Shakespeare tenha vivido apenas 52 anos. Sua obra é imensa em extensão e em qualidade mesmo que se considere o aspecto colaborativo existente entre os autores elisabetanos. Explico: os escritores do século XVI produziam e tinham perfis muito pouco romantizados. Talvez apenas os poetas escreviam para “expressarem-se”. Os ficcionistas e dramaturgos eram operários com prazos a cumprir. A necessidade ditava o ritmo e as companhias teatrais muitas vezes recorriam a diversos autores para chegar ao texto final de uma peça. E os autores não tinham pudor para pegar emprestados trabalhos alheios.
Com isso, não desejo de modo algum diminuir Shakespeare — afinal, os manuscritos demonstram a autoria de suas peças –, mas ele mesmo dizia roubar trechos de outros e brincava que, às vezes, “boas filhas nascem em más famílias” e que cumpria corrigir a natureza… É claro que ocorria também o contrário, pois era comum uma filha bem estabelecida migrar para uma família disfuncional. Porém, se você é desses que odeia plágio, pense no que escreveu Jorge Luis Borges: Sou todos os autores que li, todas as pessoas que conheci, todas as aventuras que vivi.
Entre os plagiados por Shakespeare, há autores como Robert Greene, Marlowe e muitos outros. Mas, meus amigos, a obra é de Shakespeare. Carradas de versos de suas peças apareceram pela primeira vez… nas suas peças. Por falar em versos, como é complicado encontrar uma boa tradução de Shakespeare! Minha mulher conheceu Shakespeare em seu país, em traduções de Boris Pasternak e Samuil Marshak para o russo. Quando pegou uma edição brasileira de Sonhos de uma noite de verão, não entendeu nada. Sua primeira pergunta foi Cadê as rimas? Como não os encontrou na edição que ganhara de um (grande) amigo nosso, largou o volume. Sim, Shakespeare escreveu tudo aquilo em versos, mas o que se lê no Brasil é quase sempre prosa. As traduções em verso parecem coisa do passado. E não considero grande coisa as traduções disponíveis, apesar da liberdade autoconcedida. A escolha da estratégia poderia variar muito: traduzir em prosa ou em verso, com rima ou sem rima, em decassílabos ou dodecassílabos ou em verso livre, aproximar a linguagem do leitor contemporâneo ou procurar manter um certo distanciamento recorrendo a um vocabulário mais arcaico. Enfim.
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William Shakespeare foi poeta, dramaturgo e ator. Na verdade, como todos sabem, é tido como o maior escritor do idioma e o mais influente dramaturgo do mundo. É chamado frequentemente de poeta nacional da Inglaterra e de “O Bardo”. De suas obras, incluindo aquelas em colaboração, restaram até os dias de hoje 38 peças, 154 sonetos, dois longos poemas narrativos, e mais alguns versos esparsos. É bastante coisa. Suas peças foram traduzidas para todas as principais línguas modernas e são mais encenadas que as de qualquer outro dramaturgo. Muitos de seus textos e temas, especialmente os do teatro, permanecem vivos e são revisitados até hoje.
Shakespeare nasceu e foi criado em Stratford-upon-Avon. Aos 18 anos, casou-se com Anne Hathaway. Tiveram 3 filhos: Susanna e os gêmeos Hamnet e Judith. Entre 1585 e 1592, Shakespeare começou uma carreira bem-sucedida em Londres como ator, escritor e empresário teatral. Era um dos proprietários de uma companhia de teatro chamada Lord Chamberlain’s Men, mais tarde conhecida como King’s Men. Acredita-se que ele tenha retornado a Stratford em torno de 1613, morrendo três anos depois. Pouco se sabe da vida privada de Shakespeare, e há muitas especulações sobre sua aparência física, sexualidade, crenças religiosas, etc.
Shakespeare produziu a maior parte de sua obra entre 1590 e 1613. Suas primeiras peças eram principalmente comédias ou obras baseadas em eventos e personagens históricos, gêneros que levou ao ápice da sofisticação e do talento artístico. Depois, passou às tragédias, criando Hamlet, Rei Lear e Macbeth, consideradas algumas das obras mais importantes na língua inglesa. Na sua última fase, escreveu conjuntos de peças classificadas normalmente como tragicomédias, mas que mais parecem poesias, obras de alguém dotado de pleno e tranquilo domínio de sua arte.
Diversas edições de suas obras foram publicadas com variados graus de qualidade e precisão, durante sua vida. Em 1623, John Heminges and Henry Condell, dois atores e velhos amigos de Shakespeare, publicaram o chamado First Folio, uma coletânea de obras dramáticas que incluía todas as peças (com a exceção de duas) reconhecidas atualmente como sendo de sua autoria.
Shakespeare foi respeitado em sua própria época, porém mas sua reputação só viria a atingir níveis planetários duzentos anos depois, no século XIX. Foram os românticos vitorianos que aclamaram a genialidade de Shakespeare, idolatrando-o como herói. a tal “bardolatria” a que se referia George Bernard Shaw.
O pouco do que se sabe: os primeiros anos
William Shakespeare era filho de John Shakespeare, um bem-sucedido luveiro e sub-prefeito de Stratford, e Mary Arden, filha de um rico proprietário de terras. Embora sua data de nascimento seja desconhecida, admite-se o 23 de Abril de 1564 com base no registro de seu batizado. Shakespeare foi o terceiro filho de uma prole de oito e o mais velho a sobreviver.
Shakespeare foi educado em uma boa escola, no entanto, há indícios de que seu pai foi obrigado a retirá-lo da educação formal quando William tinha quinze ou dezesseis anos. O motivo foi financeiro. É que, na década de 1570, John foi rapidamente à falência. Tudo indica que Shakespeare precisou trabalhar cedo para ajudar a família, aprendendo, inclusive, a tarefa de esquartejar bois e abater carneiros.
Em 1582, aos 18 anos de idade, casou-se com Anne Hathaway, uma mulher de 26 anos que estava grávida dele. Anne era de uma família endinheirada e é quase certo que o casamento de Anne e Shakespeare teria sido forçado pelos Hathaway. Pouco se sabe dela. Anne apareceria escondida em vários escritos de seu famoso marido, como ao final do Soneto 145. Ele amava a mulher.
‘I hate’ from hate away she threw, And saved my life, saying ‘not you.’
Estes lábios que a mão do Amor criou,
Entreabriram-se para dizer, “Eu odeio”,
A mim que sofria de saudades dela:
Mas, ao ver meu estado desolado,
Seu coração se tomou de piedade,
Repreendendo a língua, que, sempre tão doce,
Foi gentilmente usada para me exterminar;
E ensinou-lhe, assim, a dizer, novamente:
“Eu odeio”, alterou-se, por fim, sua voz,
Que se seguiu como a noite
Segue o dia, que, como um demônio,
Do céu ao inferno é atirado.
“Eu odeio”, do ódio ela gritou,
E salvou-me a vida, dizendo – “Tu, não”.
Após o nascimento dos gêmeos, há pouquíssimos vestígios históricos a respeito de Shakespeare, até que ele é mencionado como parte da cena teatral de Londres em 1592. Os estudiosos referem-se aos anos de 1586 a 1592 como os “anos perdidos de Shakespeare”. As tentativas de explicar por onde andou William Shakespeare durante esses seis anos fizeram surgir dezenas de histórias, provavelmente mentirosas. Nicholagas Rowe, o primeiro biógrafo de Shakespeare, conta que ele fugiu de Stratford para Londres devido a uma acusação envolvendo o assassinato de um veado numa caça não permitida.
O período londrino e a morte
Não se sabe exatamente quando Shakespeare começou a escrever, mas registros de performances mostram que várias de suas peças foram representadas em Londres em 1592. A época, sob Elizabeth I, favorecia o desenvolvimento cultural e artístico. O teatro deste período, conhecido como elisabetano, foi de grande importância para os ingleses — da alta sociedade, claro. Na época, além de muito popular, o teatro também era também publicado, vendido e lido. Havia companhias que compravam os textos dos autores em voga e depois vendiam-nos para as tipografias. Estas tinham um grande público leitor, o qual fazia com que as obras se popularizassem rapidamente.
Certamente a carreira de Shakespeare começou em qualquer momento a partir de meados dos anos 1580. Ao chegar em Londres, há uma tradição que diz que Shakespeare não tinha amigos nem dinheiro. Não obstante a família de Anne, ele estaria arruinado. Segundo quase todos os biógrafos do século XVIII, ele foi arranjou um emprego numa companhia de teatro. Começou num serviço pequeno, e logo foi subindo de cargo, chegando a atuar. Ele dividiria suas atividades entre tomar conta dos cavalos dos espectadores do teatro, atuar no palco e auxiliar nos bastidores. Porém, segundo Rowe, Shakespeare entrou no teatro como ponto, encarregado de avisar os atores o momento de entrarem em cena.
Contudo, o grande Shakespeare era um mau ator e seu limitado talento o teria levado a experimentar escrever peças. Shakespeare teria voltado para Stratford algum tempo antes de sua morte; mas a aposentadoria ainda não tinha sido inventada e ele continuou a visitar Londres para ver sua filha que morava na cidade e apresentar novas peças suas a grupos teatrais.
William Shakespeare morreu em 23 de Abril de 1616, mesmo dia de seu aniversário. Há lendas a respeito. Dizem que ele, já doente, teria se embriagado com os dramaturgos e poetas Ben Jonson e Michael Drayton e seu estado se agravou.
Ele deixou a maior parte de sua herança para sua filha mais velha, Susanna. Isso intriga os biógrafos, porque Anne Hathaway sobreviveu dez anos ao dramaturgo. O escritor Anthony Burgess tem uma explicação ficcional sobre isso. Em Nada como o Sol, ele cita que Shakespeare viu seu irmão Richard com Anne. Nus e abraçados. Tudo invenção.
Os restos mortais de Shakespeare foram sepultados na igreja da Santíssima Trindade (Holy Trinity Church) em Stratford-upon-Avon. Parece que sem o crânio… Acredita-se que Shakespeare temia o costume de sua época de esvaziar as sepulturas mais antigas para abrir espaços a novas e, por isso, fez questão de colocar um claro epitáfio na sua lápide, que anunciava uma maldição para quem removesse seus ossos.
Bom amigo, por Jesus, abstém-te de profanar o corpo aqui enterrado. Bendito seja o homem que respeite estas pedras, e maldito o que remover meus ossos.
Rápidos comentários sobre as peças
Os estudiosos costumam dividir a dramaturgia de Shakespeare em quatro períodos. Até meados de 1590, ele escreveu principalmente comédias e dramas históricos, influenciado por modelos de peças romanas e italianas. O segundo período iniciou-se aproximadamente em 1595 e seria o “romântico”. De 1600 a 1608, seria o “período sombrio”, o de grandes como tragédias Hamlet, Rei Lear e Macbeth. E entre 1608 a 1613, os das tragicomédias.
Os primeiros trabalhos conhecidos de Shakespeare são os dramas históricos Ricardo III e Henry V, escritos em 1590. É complicado datar as primeiras peças de Shakespeare, mas estudiosos de seus textos sugerem que A Megera Domada, A Comédia dos Erros e Titus Andronicus pertencem também ao seu primeiro período. Suas primeiras histórias dramatizam os resultados destrutivos da corrupção do Estado. São textos influenciados por obras de outros dramaturgos elisabetanos, especialmente Thomas Kyd e Christopher Marlowe, assim como pelas tradições do teatro medieval.
Em meados da década de 1590, o amor e a comédia tomou conta de sua obra. Sonho de uma Noite de Verão é uma deliciosa mistura de romance espirituoso e fantasia. Muito Barulho por Nada, O Mercador de Veneza, Tudo está bem quando acaba bem, As Alegres Comadres de Windsor, Trabalhos de Amores Perdidos, Do jeito que você gosta (As you like it) e Noite de Reis fazem parte de uma sequência de ótimas comédias.
Depois, seus personagens tornam-se cada vez mais complexos e alternam entre o cômico e o dramático, expandindo suas identidades. O chamado período “trágico” começou com Romeu e Julieta e durou de 1600 a 1608, embora durante esse período ele tenha escrito também a cômica Medida por medida. O auge de sua obra seria Hamlet. Provavelmente, é o personagem shakespeariano mais discutido dentre todos. Hamlet pensa antes de agir, é inteligente, perceptivo e observador. Porém, ao contrário do reflexivo Hamlet, os heróis das tragédias que se seguiram, em especial Otelo e Rei Lear, são precipitados e mais agem do que pensam. Tais atitudes acabam por destruí-los assim como a quem amam. Em Otelo, o ciumento personagem-título acaba assassinando sua mulher, por quem estava apaixonado. Ela era inocente. Em Rei Lear, o velho rei comete o erro de abdicar de seus poderes. Outra obra-prima. Segundo o crítico Frank Kermode, “a peça não oferece nenhum personagem divino ou bom, e não supre da audiência qualquer tipo de alívio de sua crueldade”. Macbeth, a mais curta e compacta tragédia shakespeariana, narra a incontrolável ambição de Macbeth e sua esposa, Lady Macbeth, que matam o rei da Escócia para acabarem num mar de corrupção, culpa e sangue.
No seu último período, Shakespeare centrou-se na tragicomédia, escrevendo três importantes peças: Cimbelino, Conto de Inverno e A Tempestade. Menos sombrias do que as tragédias, estas revelam um tom mais grave de comédia, com suas personagens reconciliando-se ao final e perdoando todos os erros uns dos outros. É uma mudança de estilo para a serenidade. Na minha opinião, A Tempestade, com personagens como Próspero, Miranda e Caliban, é a maior de suas peças. Ou a que mais gosto de ler.
“Nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos;
com nossa curta vida cercada por dois sonos”.
Sonetos
Publicado em 1609, Sonetos não tinham fins dramáticos, era apenas poesia. Não há certeza sobre quando cada um dos 154 sonetos da obra foram compostos, mas evidências sugerem que Shakespeare as escreveu durante toda sua carreira para leitores particulares. Também é incerto se foram escritos para pessoas reais. São profundas meditações sobre a natureza do amor, a paixão, a morte e o tempo.
Poemas
Em 1593 e 94, os teatros foram fechados por causa da peste. Sem trabalho, Shakespeare publicou dois poemas eróticos, hoje conhecidos como Vênus e Adônis e O Estupro de Lucrécia. Ele os dedica a Henry Wriothesley, o que fez com que houvesse várias especulações a respeito. Em Vênus e Adônis, um inocente Adônis rejeita os avanços sexuais de Vênus (mitologia); enquanto que o segundo poema descreve a virtuosa esposa Lucrécia que é violada sexualmente. Ambos os poemas, influenciados pelas Metamorfoses de Ovídio, demonstram a culpa e a confusão moral versus volúpia descontrolada. Ambos tornaram-se populares e foram diversas vezes republicados durante a vida de Shakespeare. Uma terceira narrativa poética acompanhava os Sonetos: em A Lover’s Complaint, uma jovem lamenta ter sido seduzida.
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O Globe, palco de Shakespeare em Londres
O Globe Theatre de Londres é associado ao maior dramaturgo de todos os tempos: William Shakespeare. A casa foi construída em 1599 por sua companhia de teatro. Shakespeare detinha 12,5 % das ações da mesma. Dois dos seis acionistas – Richard Burbage e seu irmão Cuthbert Burbage – possuíam 25% cada e um quarteto de 12,5% cada era formado por John Heminges, Agostinho Phillips, Thomas Pope e o famoso dramaturgo. Foi o primeiro teatro construído por atores para atores. Porém, após estrear várias peças do grande autor, o Globe foi destruído por um incêndio no dia 29 de junho de 1613, exatamente há 400 anos. O Globe foi inaugurado no outono de 1599, com Júlio César e a maioria das grandes peças de Shakespeare pós-1599 foram escritas para o teatro.
No século XVII, qualquer incêndio podia transformar-se numa grande tragédia, tanto que em 1666, um terço da cidade foi destruída pelo fogo. As ruas eram estreitas, herança da transformação urbana acelerada a partir do século XIII, quando Londres virou capital do reino. A técnica contra incêndios era muito prosaica: eram usados baldes d`água e, quando não funcionavam, era providenciada a derrubada das construções contíguas para impedir o espraiamento do fogo. Só que a decisão de derrubar casas dependia de uma autorização do prefeito da cidade, que analisava empiricamente os ventos e a umidade do ar e das casas. Risco completo.
A indecisão para se fazerem as derrubadas era compreensível diante de seus custos, tanto de demolição quanto de reconstrução. No grande incêndio de 1666, houve demasiada hesitação e, quando as demolições foram autorizadas, grande parte da cidade já estava em chamas. Então os imóveis passaram a ser simplesmente explodidos, o que criou outros focos de fogo. Também não se sabia o número de vítimas dos sinistros pelo simples fato de que os não nobres não eram registrados. Do ponto de vista do estado, sumia gente que não existia. No grande Incêndio foram destruídas, pelo fogo e pela ação humana, 13.200 casas e uma área de 1,7 km²
Antes do incêndio, nos quase 15 anos em que esteve ativo, o Globe foi um estrondoso sucesso. No século XVI, as companhias de teatro apresentavam-se em locais improvisados, geralmente em bares ou na rua. Em 1576, James Burbage construiu o The Theater, primeira casa do gênero do país. Em 1581, Shakespeare juntou-se a Burbage escrevendo peças e trabalhando como ator. Apesar da casa sempre lotada, sobrevieram problemas financeiros e a casa acabou fechada. A curiosidade é que o Globe foi construído com a madeira do desmonte do The Theater. Do mesmo modo que o Theater, o Globe vivia com a casa cheia e as peças apresentadas eram normalmente de seu famoso sócio.
Então, no dia 29 de junho de 1613, o Globe incendiou durante uma performance de Henrique VIII. Um canhão de luz pegou fogo, inflamando as vigas de madeira. De acordo com os poucos documentos existentes, ninguém ficou ferido, exceto um homem que perdeu as calças, tendo sido apagadas com cerveja por seus amigos. Era o que estava à mão. As peças teatrais, naquela época, recebiam um povo ruidoso e festivo, que vibrava com as cenas, vaiava os vilões e assobiava, desejando ou não as seduções . Não havia estatuto que impedisse o uso do álcool.
O Globe foi reconstruído no ano seguinte, porém, como todos os outros teatros de Londres, foi fechado e destruído pelos puritanos em 1642, dando lugar a outro tipo de construção. Atualmente, Londres ostenta o Globe na margem do Tâmisa, na região de Southwark. Não é o ponto exato do ex-teatro de Shakespeare. Ele se localizava há uns 230m de onde está hoje. Não ficava exatamente na margem. A reconstrução é fiel e foi feita com base nos edifícios de 1599 e 1614. O atual Globe apresenta exclusivamente peças de Shakespeare. O Grupo Galpão, de Belo Horizonte, é a única companhia brasileira que se apresentou lá. Houve uma temporada de Romeu & Julieta que está documentada em DVD.
Há em Shakespeare paixão, ambição, amor, inveja, traição, tudo isso temperado por poesia e lirismo absolutamente originais. O Globe era e é um edifício de forma octogonal, com abertura no centro. De dentro do teatro, vê-se o céu. Não existia cortina e, por causa disso, os personagens mortos – muita gente morre nas sanguinárias peças de Shakespeare – tinham que ser retirados por auxiliares. Todos os papéis eram representados pelos homens – mulheres eram proibidas de entrar em cena – , sendo os mais jovens os encarregados de fazerem papéis femininos. No período Globe, é certo que o autor estreou Hamlet, Otelo, Rei Lear e Macbeth, talvez Romeu e Julieta e Júlio César. Foi o chamado “Período Trágico”.
Falar de Shakespeare é como falar de um ser mitológico, de um produtor de tragédias, comédias, dramas históricos e sonetos geniais. Sua obra, assim como a de pouquíssimos outros artistas, é quase indiscutível. Em Shakespeare, a Invenção do Humano, do crítico literário Harold Bloom, nota-se a dificuldade de falar de um autor tão completo. Para Bloom, Shakespeare não apenas era dono de um cérebro muito privilegiado, como também criou personagens igualmente inteligentíssimos, que seriam capazes de refletirem sobre si próprios, sobre a interação com os outros para, a partir daí, crescerem dentro das histórias, modificando suas maneiras de pensar e agir. Mas a agudeza mental dos personagens são muito bem temperadas, não existem personagens meramente frios ou chatos. Os personagens têm humor, sarcasmo, poder de sedução e são muito diferentes entre si.
Bloom destaca Hamlet e Rosalinda (de As You like it), mas talvez seja Falstaff o maior de todos. Falstaff é o soldado que não quer saber da guerra. Foi o personagem mais popular na época em que Shakespeare estava vivo. Ele aparece no drama histórico Henrique IV e na comédia As Alegres Comadres de Windsor. “Não quero glória. Deem-me vida”. Hamlet é alguém que não acredita em nada, principalmente em si mesmo, não obstante estar entregue a uma permanente reflexão. Ele tem sete monólogos absolutamente céticos na enorme peça. E Rosalinda é uma mulher apaixonada que corteja homens e é irônica em relação àquilo que mais deseja: o amor.
Mas é impossível estabelecer a grandeza de Shakespeare em uma pequena crônica, que na verdade, era sobre aquela curiosa construção que restou queimada há 400 anos.
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Bar do bardo, por Nelson Moraes
Pensando aqui em montar o Bar do Bardo, todo erguido em arquitetura elisabetana, e com o cardápio e a carta de drinks, obviamente, também temáticos: teremos, de entrada, a Júlio César’s Salad e, nas guarnições, o filé Ricardo III (que você tem que pedir gritando “Meu cavalo por um bife!”) e o Hamlete (carne de hambúrguer com omelete); pra beber, a Bloody Mary à Lady MacBeth (onde a bartender, depois de acrescentar o suco de tomate, lava as mãos dizendo teatralmente “Sangue, sangue!”) e uma cerveja majestática, a Rei Beer. Além disso teremos a sobremesa mais óbvia de todos os tempos, o Mikshakespeare, e um maître especialista em responder contextualmente a eventuais reclamações de clientes:
– Você chama ISSO de porção?
– Assim é, se lhe parece…
Teremos também som ao vivo aos sábados, só com heavy metal, onde não cobraremos couvert artístico: é o circuito “Muito Barulho por Nada”, que…
Sabiam que antes de gravar qualquer canção, Roberto Carlos consultava Tom Jobim a respeito? Só após o OK de Tom é que Roberto aprovava a divulgação de qualquer obra. O Rei ficou inconsolável com a morte de seu mentor em 1994. Ficou perdido no mundo. O mesmo aconteceu com Paulo Coelho e José Saramago. O mago só mandava seus escritos para o prelo se o português lhe dizia: tá bom, alquimista, vá em frente. Fernando Sabino fazia o mesmo com Clarice Lispector; se a autora de Água Viva e Laços de Família não lhe escrevesse “Alles klar. Clarice.”, estaríamos livres de Zélia, Uma Paixão.
Claro que o parágrafo acima é inteiramente mentiroso. Mas o título deste texto é verdadeiro. Spielberg e Kubrick eram amicíssimos e se consultavam a respeito de seus filmes. Várias sugestões trafegavam e eram aceitas nos dois sentidos. O erudito mestre Stanley Kubrick prezava muito o mestre do entrenimento Steven Spielberg e vice-versa. Amo o cinema de Kubrick e nada tenho contra Spielberg, mas penso que dificilmente haverá dois amigos e colaboradores (mesmo que informais) mais diferentes entre si.
A importância de Stanley Kubrick para o cinema mundial pode ser medida pela qualidade e variedade dos poucos filmes que produziu. Muito pensam que ele era inglês, mas ele foi um novaiorquino que produziu parte de sua obra na Inglaterra. Kubrick criou ficção científica, suspense, reconstituição histórica, filmes de guerra, filmes intimistas e comédia sempre com brilhantismo — com brilhantismo ofuscante, creio eu. Ele — que se definiu para Anthony Burgess como um maestro dei colore que lia bons livros, que gostava de boa música e que tentava trazer isto para seus filmes — produziu apenas 13 filmes em 46 anos de carreira. E eu garanto que você viu ou pelo menos sabe da existência de mais da metade deles. Quer comprovar?
1. Fear and desire (1953) – Que Kubrick rejeitava por ser péssimo.
2. A morte passou por perto (1955) – Idem
3. O grande golpe (1956) * – Suspense
4. Glória feita de sangue (1957) * – Guerra
5. Spartacus (1960) * – Épico romano
6. Lolita (1962) – Intimismo politicamente incorreto
7. Doutor Fantástico (1964) – Comédia
8. 2001- Uma Odisséia no Espaço (1968) * – Ficção Científica
9. Laranja Mecânica (1971) * – Futurismo anarquista
10. Barry Lyndon (1975) – Romance vitoriano de Thackeray, passado no século XVII
11. O Iluminado (1980) * – Terror
12. Nascido para Matar (1987) * – Guerra
13. De Olhos Bem Fechados (1999) * – Intimista, baseado na grande novela Breve Romance de Sonho, de Arthur Schnitzler
Esta não é uma série de filmes clássicos, é apenas a obra de Kubrick. O que mais o distingue é a inteligência e o fato de sempre se propor a esgotar os temas aos quais se dedica, chegando, às vezes, a produzir três filmes contrastantes dentro de um só. É como se produzisse variações sobre um mesmo tema, ao estilo dos compositores eruditos. Fez isto no tríptico Laranja Mecânica — (1) Ultra-violência, (2) Tratamento Ludovico e (3) Retorno à sociedade –, em De Olhos Bem Fechados — (1) Amor, (2) Ciúme e medo e (3) Aventura mórbida — e em outros, como 2001.
A surpreendente amizade com Spielberg só ganhou notoriedade quando da morte de Kubrick. A quem foi passada a tarefa de finalizar De Olhos Bem Fechados? Ora, a Spielberg, que era quem tinha conhecimento de todo o projeto. É sintomático que Spielberg, após este trabalho, voltasse a outro projeto de Kubrick: Inteligência Artificial. Porém, curiosamente, ao filmar a história que Kubrick filmaria a seguir, acabou realizando um tríptico típico do mestre: (1) Conhecendo e rejeitando o robô, (2) O robô solto no mundo e (3) Final açucarado para você chorar de emoção ou raiva. Esta característica musical de reapresentar o mesmo tema de diversas formas foi também assumida por Spieberg em seu filme seguinte, Minority Report. Porém, insisto…
Kubrick não se repetia, Spielberg fez 3 Indiana Jones e não sei quantos Parques dos Dinossauros. Kubrick era um erudito generalista ao estilo dos grandes homens do renascimento, Spielberg é o tarado da ação, mesmo que se declare um apaixonado pela literatura. Kubrick quase não dava entrevistas, Spielberg não para de falar. Kubrick sempre foi hostil às estéticas aceitas por hollywood e não ficou milionário, Spielberg aderiu e é produtor riquíssimo em hollywood. Kubrick realizava filmes secos, profundos, corrosivos e analíticos, Spielberg os faz normalmente divertidos, superficiais, açucarados e infantis. Kubrick fazia um filme a cada 4 anos, Spielberg faz um por ano. Um concentra, o outro dilui. Mas nada disto os impedia de discutirem seus respectivos projetos em detalhe e a resultante destas discussões poderia ser tão diferente quanto o são Parque dos Dinossauros, Indiana Jones, Nascido para Matar ou O Iluminado.
Seria respeito profissional? Admiração mútua? Amor ao que o outro tinha de inatingível? Não sei, apenas acho curioso.
(*) Filmes de Kubrick que, em minha opinião, qualquer um de nós deveria ver a fim de crescer mais alguns centímetros.
A chamada Grande Peste de Londres (1665-1666) foi uma epidemia que vitimou entre 75.000 e 100.000 pessoas, ou seja, um quinto da população da cidade. Um Diário do Ano da Peste (A Journal of the Plague Year) é um livro muito enganador escrito por Daniel Defoe (1660-1731), escritor e jornalista que completa mais um aniversário de morte neste domingo, 21 de abril. Até Gabriel García Márquez, que não é exatamente um tolo, quando se encantou pela obra, caiu no conto de que era uma reportagem da lavra do grande jornalista que o inglês também era. Sua perspectiva alterou-se muito ao ser informado de que Defoe tinha entre quatro e cinco anos de idade quando ocorreu a peste bubônica londrina. O autor descreve a peste como um repórter gonzo que, espicaçado pela curiosidade, vive de rua em rua cada drama, apesar do receio de contrair a doença. Como Defoe conversa com famílias que contam seus dramas em detalhes, é óbvio que se trata de um relato parcialmente ficcional. Defoe também era um ficcionista de mão cheia e estilo bastante original: num ambiente em que os escritores eram cheios de floreios e de citações à mitologia, ele era o escritor simples e direto que criara o livro mais mais vendido da Inglaterra três anos antes: Robinson Crusoe.
No livro, todo o esforço é para que o contato com os doentes seja minimizado a fim de que fosse evitada a transmissão da peste. Casas eram fechadas com doentes dentro. Também eram tomados cuidados extremos com a água. A angústia do leitor moderno aumenta muito ao saber que tudo aquilo era em vão. Os contemporâneos do escritor ignoravam como a peste bubônica era disseminada: a doença contaminava os ratos, as pulgas sugavam sangue contendo bacilos e as mesmas atacavam homens, inoculando-os. A contaminação dava-se de rato para homem através da pulga. O incrível é que Defoe faz referências aos grande número de ratos, mas não chega a apontá-los como um potencial problema. Os sintomas eram dor de cabeça, frio, dores nas costas, pulso e respiração aceleradas, febre alta e grande inquietação. Em 70% dos casos, a morte acontecia entre três e quatro dias.
Daniel Foe, de pseudônimo um pouco mais nobre – Daniel Defoe –, foi o autor, dentre outros, de três livros extraordinários: além de Um Diário do Ano da Peste e do conhecidíssimo Robinson Crusoe, Defoe foi o autor do igualmente clássico Moll Flanders, outro exemplo de romance realista “com interesses práticos e imediatos, não clássicos e remotos”, como escreveu Anthony Burgess (autor de Laranja Mecânia). Com efeito, sua formação foi o jornalismo. Pode-se dizer que a primeira versão de Defoe foi a do jornalista combativo e posicionado. A segunda foi ainda jornalística: ele percorreu seu país em busca de relatos rápidos, curiosos e despretensiosos. Será que eram todos ficção? A pergunta se justifica. Afinal, às vezes, Defoe trazia entrevistas surpreendentes com criminosos à beira do patíbulo. Ninguém testemunhou nenhuma delas, mas tais “confissões” ainda quentes, presumivelmente saídas da boca do inferno, faziam enorme sucesso.
Aos 43 anos de idade, na época da Rainha Ana, Defoe — um dissenter, nome dado aos protestantes ingleses não anglicanos — passou a atacá-la em razão de ela ser anglicana. O escritor acabou preso e condenado à exposição no pelourinho. Voltou a liberdade mas, dez anos depois, voltou ao cárcere em razão de outros panfletos contrários ao governo. Cansado das lutas, quando já tinha mais de 60 anos, veio a terceira versão e ele passou a dedicar-se exclusivamente ao romance. Mas mesmo o romancista não abria mão do jornalista. O estilo de Defoe é direto e abre mão de floreios e das demonstrações de erudição e outros que tais, tão apreciados por seus colegas. Ele sempre utilizou o verídico e o crível como apoio.
Em 1719, ele publicou Robinson Crusoe. Naquela primavera, esgotaram-se quatro edições do livro, revelando-se um excelente negócio para Defoe, que o considerava uma mercadoria, uma ficção popular, algo que dava mais lucro que o jornalismo. A história é conhecida. O personagem-título é um náufrago que passou 28 anos em uma remota ilha tropical, encontrando índios – alguns deles canibais – e todo o gênero de aventuras pelo caminho. De grande sucesso, o livro recebeu considerações inclusive de Karl Marx, que escreveu que Crusoe não representava aquilo que diziam dele – uns diziam que ele seria uma representação do homem universal, outros da superioridade do homem branco – e sim o homem capitalista em seu momento heroico. A leitura de Marx, assim como as outras citadas podem ser facilmente reconhecidas no livro de Defoe.
Mas seus grandes livros são Moll Flanders e Um Diário do Ano da Peste. Na época de Defoe, os romances tinham títulos enormes. O de Moll Flandres diz quase tudo a respeito:
Neste final de semana, minha filha pediu para conhecer o filme Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), de Stanley Kubrick. Esta é uma das delícias da paternidade — pode rever coisas acompanhado daquele olhar juvenil que perdemos. Ela adorou o filme. A curiosidade é que neste tempo de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e de tentar mudar as políticas de enfrentamento ao tráfico e ao crime, o filme está mais atual do que nunca, apesar do seu visual estranho e dos escritores do futuro usarem máquinas de escrever…
Não vou descrever o filme, pois acho que todos os que passam por aqui sabem de tudo: da violência estilizada, da prisão, do tratamento Ludovico e da primeira e segunda curas.
A Claudia fez uma rápida pesquisa sobre as circunstâncias em que foi filmada aquela maravilha e demos boas risadas com sua leitura. As filmagens foram o que esperávamos. Copio abaixo, de forma algo editada, algumas observações deliciosas da Wikipedia:
Stanley Kubrick e o objeto de arte futurista que será fatal para a mulher dos gatos
Durante a cena em que Alex (Malcolm McDowell) é submetido ao tratamento Ludovico, o ator arranhou a córnea e ficou temporariamente cego. Revendo as cenas não é de surpreender. O cara recebe garras de metal para manter os olhos abertos.
O médico que acompanha Alex durante o tratamento no filme era realmente médico e estava lá por motivos de segurança para o protagonista.
Malcolm também teve costelas quebradas durante a filmagem da cena de humilhação após o tratamento.
Malcolm quase se afogou de verdade devido a uma falha no equipamento que o ajudaria a respirar, na cena em que os seus ex-“droogies” — naquele momento já no cargo de policiais — o encontram e o submetem a uma tortura em uma banheira.
Stanley Kubrick propositalmente cometeu alguns erros de continuidade em Laranja Mecânica. Os pratos em cima das mesa trocam de posição e o nível de vinho nas garrafas muda em diversas tomadas, com a intenção de causar desorientação ao espectador.
O filme foi retirado de cartaz no Reino Unido a mando de Stanley Kubrick. Irritado com as críticas recebidas, de que Laranja Mecânica seria muito violento, Kubrick declarou que o filme apenas seria exibido lá após sua morte, ocorrida em 1999.
A linguagem utilizada por Alex, chamada de nadsat, foi inventada pelo autor Anthony Burgess, que misturou palavras em inglês, em russo e gírias.
A cobra foi colocada nas filmagens após o diretor Stanley Kubrick descobrir que Malcolm McDowell tinha medo delas.
A música de Beethoven que perpassa todo o filme foi executada no revolucionário “sintetizador” de Walter Carlos. Depois, famoso, o moço mudou de sexo, rebatizando-se como Wendy Carlos.
No livro, o sobrenome de Alex não é revelado em momento algum. Comenta-se que DeLarge seja uma referência a um momento no livro em que Alex chama a si mesmo de “Alexander the Large”.
O orçamento total do filme foi de apenas US$ 2 milhões.
Stanley Kubrick certa vez declarou que, se não pudesse contar com Malcolm McDowell, provavelmente não teria feito Laranja Mecânica.
A canção Singing in the Rain, cantada por Alex durante a cena em que ele e seus colegas violentam uma mulher na frente de seu marido, só está no filme porque esta era a única música que Malcolm McDowell sabia cantar por inteiro.
O filme foi proibido no Brasil na época do lançamento, mas liberado depois de alguns anos com a condição de que a genitália da mulher na cena de estupro fosse encoberta por meio de manchas pretas sobrepostas à cena. Quem assistiu ao filme naquela época pôde perceber que tais “manchas pretas” nem sempre acompanhavam a vagina com os pêlos pubianos. Isso sem contar que a censura era de 18 anos. Tais acontecimentos no Brasil serviram para a que a oposição ao governo militar ridicularizasse a censura.
Durante a Copa do Mundo de 1974, disputada na Alemanha Ocidental, graças ao seu futebol envolvente, revolucionário e taticamente perfeito, a Seleção Holandesa de Futebol foi batizada pelos jornalistas europeus de Laranja Mecânica. A “Laranja” faz referência também ao vistoso equipamento utilizado por essa lendária seleção de futebol, comandada por Johan Cruijff e Rinus Michels.
Na cena em que Alex está em uma loja de discos, pode-se notar que um dos discos que está na prateleira da loja, na fileira central, é o da trilha sonora do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, além do Magical Mystery Tour dos Beatles e Atom Heart Mother do Pink Floyd.
A banda Sepultura lançou, no início de 2009, o álbum A-lex, inspirado inteiramente no livro. Inclusive todos os títulos das músicas têm relação com a obra de Anthony Burgess.