Ospa, gingando na chuva sob a malemolência argentina do maestro suíço

Ospa, gingando na chuva sob a malemolência argentina do maestro suíço
Nicolas Rauss: o homem do bom trenzinho veloz
O suíço Nicolas Rauss: trenzinho veloz

Sem dúvida, o suíço Nicolas Rauss é um excelente regente. Trabalha em Rosário, na Argentina, desde 2008, o que explica nosso título. Ontem, para além dos raios e da chuva lá fora, o concerto do Ospa foi cheio de contratempos — até um microfone, que ficou aberto por um erro operacional, começou a cuspir ruídos pelas caixas bem no coração da Sinfonia de Schumann, a qual teve de ser interrompida! –, mas a música sempre saiu soberana. Rauss viu coisas em Villa-Lobos que estão fora de nosso padrão de deixar nosso maior compositor descer a ladeira na banguela. E Carrara tocou muito. E Rauss fez um grande Schumann. E o suíço gingou e dançou com Gnatalli e Villa. Eu vi. Todos os que estavam lá viram.

A noite começou com o Concerto Noel Rosa para piano e orquestra (1978), de Radamés Gnattali. Seus movimentos são arranjos sobre três clássicos de Noel: As Pastorinhas, Feitio de Oração e Conversa de Botequim. André Carrara esteve perfeitamente à vontade, principalmente na melhor das peças, uma encantadora Conversa de Botequim, onde pode demonstrar uma antes insuspeitada faceta: a do jazz sem glúten by Carrara. Um belo início de concerto.

Mais ambiciosa, depois veio a Bachianas Brasileiras nº 2 (1930), de Heitor Villa-Lobos. Não sou muito apaixonado pela obra, feita de movimentos rearranjados a partir de peças mais antigas, escritas originalmente para piano solo ou para violoncelo e piano. Nos três primeiro movimentos, eu ouvia a música com meia atenção. Na verdade, estava observando os músicos da Ospa, desejando saber quais deles eram ou tinham se filiado ao PP ou a um de seus coligados nas próximas eleições estaduais. Não, não desejo a Ana Amélia nem ao pior de meus inimigos, mas sei que quem tiver feito isso, é sério candidato a um CC, creio. Deus me livre!

Mas voltamos a Villa. Não dá para negar que as locomotivas suíças são mais velozes e confortáveis do que os trens do interior do Brasil. Rauss acelerou o O Trenzinho do Caipira já de cara, ficando muito mais próximo da interpretação cantada por Edu Lobo (com letra extraída do Poema Sujo de Ferreira Gullar) no disco Camaleão, do que do comum dos regentes. A ousadia foi premiada, a peça ficou linda e a Reitoria do UFRGS veio abaixo em aplausos.

Após o intervalo, tivemos a ultra-romântica Sinfonia Nº 4 de Robert Schumann. Restabelecidos do choque — jamais Schumann deveria suceder Villa — pudemos até curtir a complexidade da obra que não foi, cronologicamente, a última sinfonia a ser composta por Schumann e sim a segunda. Tal como a primeira, a sinfonia foi composta em 1841, mas a sua instrumentação foi revista em 1851 (quando já tinham sido estreadas a segunda e a terceira). O seu título original dizia Fantasia Sinfônica. É a mais original das sinfonias de Schumann, uma vez que os quatro andamentos se encadeiam sem interrupção, pondo em prática o procedimento cíclico que viria a ser utilizado depois por outros compositores, onde os temas vão reaparecendo ao longo dos vários andamentos.

A Ospa foi digna de uma obra difícil e estranha, que parece mais adequada ao piano do que a uma orquestra. Pois, não adianta, Schumann escrevia para orquestra pensando em seu piano.

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Ferreira Gullar, uma triste figura no Roda Viva

Ferreira Gullar, uma triste figura no Roda Viva

Ferreira Gullar foi o entrevistado de ontem no Roda Viva. O programa, agora capitaneado por Marília Gabriela, é parecido com o Manhattan Connection, ou seja, parece uma sucursal televisiva da Veja. Gullar, aos 80, é ainda uma figura sedutora, fluente, de ar jovial, com a qual é complicado não estabelecer imediatamente empatia.

Além disso, também não sou indiferente a sua poesia. Como tenho 53 anos, pude comprar a primeira edição do Poema Sujo e também a primeira versão do Toda Poesia, onde havia por inteiro toda sua obra poética de antes dos anos 80. Li aquilo com devoção. Gullar era um de meus deuses por suas qualidades de poeta e não pretendo atacar o que considero inatacável. Após Barulhos (1988?, 87?), começou a decadência. O homem ficou cada vez mais crítico de arte e menos poeta.

É óbvio que tenho vontade de ligar seu direitismo tardio à decadência da poesia. Acho que há ligações mesmo, pois quem se une à direita mais truculenta (Augusto Nunes e amigos), dificilmente terá uma produção que faça sombra ao ex-Gullar, atual José Ribamar Ferreira, simplesmente. Porém, também sei que há Pound e Céline com seus Mussolini e Hitler e que Augusto Nunes não poderia comparar-se a estes, pois está abaixo em realizações — não consegue nem obter votos para o Serra, imaginem.

Então, minha afirmativa de ontem no twitter de que “Ferreira Gullar preservou pouca coisa daquilo que o levou a ser Ferreira Gullar” é baseada não apenas numa posição política, mas numa sensilidade de leitor. Principalmente depois de Muitas vozes, mas já clara em O Formigueiro (acho que é este o nome do livro do início dos anos 90), o poeta já tinha abandonado o barco para dar lugar a um bom crítico de arte.

Então, fiquei realmente deprimido ao ouvir a multidão de lugares comuns do programa de ontem. Fui dormir cedo para esquecer.

P.S. — Ah, eu sempre brincava com meus amigos dizendo que eu cantara em casa O Trenzinho do Caipira de Villa-Lobos com a letra de Gullar antes do Edu Lobo gravar a música. E era verdade! A letra está no Poema Sujo com uma ordem mais ou menos assim: leia os versos a seguir cantando sobre a melodia do Trenzinho Caipira das Bachianas Brasileiras Nº 2. Este é um de meus orgulhos mais bobos da juventude…

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