Meus cabelos

Hoje, eles estão mais dos lados do que sobre a cabeça, mas já tive muito.

Às vezes não parece, mas saibam que sou uma natureza fiel. Gosto de repetir o mesmo restaurante, a mesma mesa, os mesmos rituais e gosto de cumprir agendas como um cão. Aliás, amo os cães.

Também gosto de repetir o mesmo cabeleireiro ou o mesmo barbeiro. Tanto que fui cliente do Nei por mais de 35 anos. Comecei com ele no atual Shopping João Pessoa, lá por 1969. Permaneci com ele quando ele atravessou a rua e foi parar à frente e ao lado de meu ex-colégio, o Júlio de Castilhos.

Durante o longo período em que cortei cabelo no Nei, surgiu o Trianon e todos os jogadores de futebol passaram a deixar suas madeixas com ele. Não obstante minha presença, ele ficou famoso.

Uma vez, o Nei estava trabalhando na minha cabeça, enquanto Falcão tinha sua careca lavada ao lado. O Nei me perguntou:

— Há quantos anos tu vens aqui?
— Há uns 20.

E Falcão se meteu no papo:

— E como é que tu ainda tem cabelo?

Pois é, na época eu ainda tinha bastante.

Com o tempo, começaram a aparecer bolas de futebol desenhadas nas paredes do Nei. Todos os jogadores que iam ali deixavam seus autógrafos em tinta preta ou branca. No começo, eram só colorados e gremistas, mas logo apareceram nomes como Sócrates, Zico, Reinaldo… Em poucos anos, as paredes foram totalmente preenchidas pelos craques.

Depois, o Nei — que era colorado, claro — se aposentou e eu passei a cortar o cabelo por R$ 5,00 ali na Azenha. O cara vinha e apenas metia a máquina na altura 3. Era rápido e eu achava que, de acordo com o cheiro dele, ele pegava aquela pouca grana e comprava tudo de cachaça barata.

Então foi a vez do Reinaldo. Ele perguntava se eu queria ler durante o corte e me mostrava as últimas playboys. Se eu parasse no rosto, nos peitos ou na bunda de uma mulher, ele dizia, gentil:

— O senhor tem muito bom gosto.

Não fiquei muito tempo com ele. Hoje, eu corto no Régis, aqui ao lado de casa, na BarberShop Independencia. Só que, após 5 anos de fidelidade, a pandemia me impede de visitá-lo. Acho que nossas respirações ficariam muito próximas. A última que o visitei foi em fevereiro. Uma pena. Gosto muito dele.

A Elena cortou meu cabelo lá por maio, fez bom trabalho, mas depois a coisa ficou selvagem. Tenho cabelos sobre as orelhas. Tento fazer rabo de cavalo, mas ainda não dá. Lembro de quando jogava futebol no colégio. Eram os anos 70. Havia um monte de colegas lindas. Meus momentos mais eróticos eram quando eu pedia para uma delas — sempre a mesma — fazer um rabo de cavalo em mim para que meus cabelos não atrapalhassem meu modesto desempenho futebolístico. Ela puxava meus cabelos com as mãos rastreando o pescoço. Era algo arrepiante e eu passava uns dois dias pensando naquilo.

O problema agora é saber quem vencerá. Ganhei de aniversário uma máquina de cortar cabelo. Será que ela chegará antes da Elena fazer um rabo de cavalo em mim?

(Mas eu sou fiel, tá, Régis? Voltarei.)