É incrível o número de bons combositores cuja primeira letra do sobrenome é B. Estava bebendo vinho agora e falando pra Elena: Bach, Beethoven, Bartók, Brahms, Bruckner, Biber, Buxtehude, Britten, Borodin, Bowie, BacCartney, Barber, Boulez, Bizet, Brokofiev, Bernstein, Beatles, Berlioz, Bahler, Bozart, Berg, Bussorgsky, Bellini, Bley, Bottesini, Bendelssohn, Joe Bean — autor de Garota de Ibanema –, enfim, são muitos.
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Os 200 anos do genial e ainda polêmico Richard Wagner
Publicado em 19 de maio de 2013 no Sul21
Uma mente madura deve ser capaz de admitir a coexistência de dois fatos contraditórios: que Wagner foi um grande artista e, segundo, que Wagner foi um ser humano abominável.
Edward Said, em Paralelos e Paradoxos (obra escrita em parceria com Daniel Barenboim)
Cinquenta anos após a morte, a biografia de qualquer autor costuma recuar em favor de sua obra. Isso se ele for se bom nível; se não for, ambos desaparecerão. Porém, nos anos 30 do século passado, a biografia e as opiniões pessoais do compositor Richard Wagner reapareceram em função de um grande fã que divulgava sua obra onde ia e sempre que podia: Adolf Hitler. O ditador não apenas amava Wagner como tinha sempre à mão um toca-discos com uma versão de Parsifal. O aparelho servia para que Hitler demonstrasse a seus assessores o verdadeiro espírito alemão. Tudo isto está muito bem documentado; então, desde a época da ascensão do nacional-socialismo, Wagner deixou de ser um fenômeno apenas musical para tornar-se também geopolítico.
Para nós já é possível eliminar as conexões de Wagner e enterrar de vez os cadáveres? Será que já podemos esquecer seu antissemitismo a fim de deixar a música falar por ele? Talvez não. Há dez dias, uma ópera de Wagner — Tannhäuser — transposta para a época do nazismo foi retirada de cartaz na Alemanha. Muitos protestaram violentamente, outros sentiram-se mal. Antissemita, misógino, defensor da pureza racial reivindicada pelo nazismo, Wagner ainda tem sua herança política, social e musical em debate.
Nascido em Leipzig no dia 22 de maio de 1813, Wagner faleceu em Veneza em 13 de fevereiro de 1883. Seu empenho era no sentido de renovar a ópera tradicional pela introdução da chamada “melodia contínua” e do leitmotiv (motivo condutor). O projeto foi acompanhado pelas concepções filosóficas do autor, fundadas na admiração pelo mitos do drama grego e na força irracional da música, que haveriam de resultar em uma nova arte alemã. O aspecto nacionalista deste projeto prestou-se a uma utilização ideológica e deturpada por ocasião do Terceiro Reich, a Alemanha de Hitler. Se Wagner já estava morto há cinquenta anos quando Hitler subiu ao poder, é certamente um equívoco considerá-lo um precursor do nazismo. Quando o grande maestro judeu Daniel Barenboim finalmente regeu a abertura de Tristão e Isolda em Israel, no dia 7 de julho de 2001, houve protestos, porém não gostar de Wagner por motivos políticos não é uma exclusividade israelense ou judaica.
E Wagner não pode ser simplesmente ignorado, tendo seu nome riscado da história da música. Ele é efetivamente incontornável por ser um elo na evolução musical que desaguou na revolução do início do século XX. Com Richard Wagner, a linguagem musical e a própria concepção da música, sua função e o papel do compositor, passaram por uma transformação tão grande que demarcam toda a música ocidental posterior. Pode-se dizer que muitos compositores do século XX partiram dos procedimentos e da estética de Wagner mais do que da herança clássica.
Ao radicalizar, por meio da infiltração do cromatismo, as tentativas já esboçadas no século XIX de abalar os alicerces da todo-poderosa música tonal, Wagner preparou a transgressão. A dissolução da tonalidade pelo cromatismo em Tristão e Isolda foi um acontecimento histórico que deu impulso às pesquisas dos compositores da Escola de Viena (Schoenberg, Berg e Webern) e de outros no século XX.
Embora sua produção inclua lieder (canções), sonatas para piano, sinfonias, um poema sinfônico, marchas, etc., foi na ópera que Wagner manifestou mais intensamente sua capacidade de inovação. Wagner queria buscava a “obra de arte total” e esta iria na contramão dos limites impostos pela Arte até o século XIX, que considerava apenas as linguagens artísticas de forma separada. Wagner acreditava que a pintura, a música e a poesia já haviam alcançado o fim de suas evoluções e que, para inovar, seria necessário combinar as linguagens em uma Gesamtkunstwerk. Elaborou então um projeto pioneiro: construiu um edifício projetado especificamente para suas óperas, criando uma entidade unificada entre a orquestra e o palco. A “obra de arte total” necessitaria também a formação de um novo ouvinte, bem mais atento que costumavam ser seus contemporâneos.
Como Wagner “tornou-se nazista”
Mesmo no terreno da ópera, com a necessidade de se contar uma história, fazer “poesia”, ser teatro e música ao mesmo tempo, é complicado fazer teses. Mas é bom lembrar que Shostakovich, durante o stalinismo, provocava estranhamentos, comunicava intenções e protestava com música instrumental, sem palavras, conseguindo muitas vezes ser censurado. No caso de Wagner, há Wagner e Wagner, o autor e o homem. Inteligentemente, ele deixou quaisquer referências diretas aos judeus fora de sua música. É curioso o mecanismo de ocultamento que faz alguns autores escreverem pequenos ensaios como Das Judenthum in der Musik (O Judaísmo na Música, de 1850) – caso de Wagner – mas deixarem suas obras maiores livres de referências seculares. Também Céline, Hamsun e Pound – todos simpáticos ou apoiadores do nazismo – não entremearam sua obra com referências antissemitas ou nazistas, deixando essas coisas para os panfletos e jornais.
Foi Hitler quem trouxe Wagner ao centro da discussão, tornando-o o maior dos antissemitas, mas é indiscutível que, em Das Judenthum in der Musik, o compositor vai longe. Primeiro, ataca a influência dos judeus na música e cultura alemãs, descreve os judeus como ex-canibais de fato e agora canibais das finanças. Afirma também que são de natureza muito pouco profunda, acusa-os de corruptores da língua alemã e ataca Meyerbeer e Mendelssohn, compositores judeus que considerava inimigos. Em uma carta para Lizst, Wagner confessa: “Sinto um ódio, por muito tempo reprimido, contra os judeus e esta luta é tão necessária a minha natureza como meu sangue… Quero que deixem de ser nossos amos. Afinal, não são nossos príncipes, mas nossos banqueiros e filisteus”.