Tem gente que nem sabe que Tchaikovsky tem um segundo e terceiro Concertos para Piano. Muitos músicos de orquestra, inclusive, pensam que há apenas um, o famoso primeiro.
Só que meu pai era um colecionador de música romântica que reclamava de minha predileção pelas músicas mais difíceis, coisa que a Elena repete, mas sem a voz de um pai ou de uma mãe quando a gente é pré-adolescente. Ele tinha um LP com o segundo concerto e eu dizia que aquele era melhor que o primeiro. Olha, até hoje concordo comigo. Gosto da decisão do primeiro movimento, mas minha maior consideração vai para o muito estranho segundo movimento, que é quase um não-concerto.
Este movimento lento começa com um trio. Acompanhado apenas pelas cordas, o violino toca um tema belíssimo, depois o piano dialoga primeiro com o violino e depois com o violoncelo, como se fossem três solistas em vez de um piano com acompanhamento orquestral. Ora, essa estrutura é mais típica de música de câmara do que de um concerto romântico para piano.
Neste movimento, o piano não é o protagonista imediato — ele entra apenas depois de longas passagens do violino e do violoncelo. Quando finalmente aparece, ele assume um papel mais de acompanhamento, o que é totalmente incomum para um concerto.
É tudo muito melancólico e introspectivo. Aos poucos, a orquestra entra com delicadeza, expandindo a música de câmara, mas o violino e o violoncelo sempre voltam. É um noturno, se me entendem, não é o movimento lento típico de um concerto.
Houve um idiota, o pianista e maestro russo Alexander Siloti, que fez cortes para torná-lo mais palatável ao público. O cara era louco, só pode.
E o terceiro movimento é sensacional.
Estou ouvindo a gravação na forma original, como o disco do meu pai, que pode soar mais estranha para ouvintes acostumados ao conforto de um formato convencional. Tchaikovsky mesmo admitiu que buscava experimentar formas mais complexas, que essa obra era “difícil” e menos acessível que o primeiro concerto.
Mas ele é tão raro de ser programado que NUNCA o assisti ao vivo. E, desculpem, é o melhor dos três.
Xô, Siloti! Deixem o Tchai, ele já sofria bastante sendo gay na Rússia Czarista.
O primeiro concerto da Ospa deste ano tem um programa muito interessante. Muito interessante em parte… Sob a regência de Evandro Matté, serão interpretadas a Sinfonia Nº 1 de Gustav Mahler (1860-1911) e o Concerto Nº 2 para Piano e Orquestra de Felix Mendelssohn (1809-1847). A última peça foi programada em substituição ao Concerto para Piano de Ravel. Realmente, é uma pena que o pianista de Ravel tenha ficado doente, porque o Concerto do francês é muito mais interessante do que o do alemão. Mas a Sinfonia de Mahler vale tranquilamente a ida à bela e renovada Casa da Ospa. Abaixo, alguma coisa sobre ambas as obras.
A Sinfonia Nº 1 de Mahler
Uma caricatura de Gustav Mahler conduzindo sua Sinfonia nº 1 (imagem de 1898)
A Sinfonia nº 1 em Ré Maior de Gustav Mahler, também conhecida como “Titan”, foi composta entre janeiro e março de 1888 em Leipzig, embora o trabalho utilize temas e ideias de composições anteriores. Em 1889, no programa da estreia, sob regência de Mahler, ela não foi chamada de sinfonia, mas de “Poema Sinfônico em Duas Seções”. O trabalho foi mal recebido. Sua segunda apresentação só ocorreu três anos depois em Hamburgo, após Mahler fazer grandes revisões no trabalho. Mahler seguiu revisando o trabalho até que a partitura foi finalmente publicada em 1899, dez anos depois.
Na época da composição, Mahler trabalhava como regente assistente no Teatro Municipal de Leipzig, onde trabalhou de agosto de 1886 a maio de 1888. Como dissemos, as primeiras sinfonias de Mahler muitas vezes incorporam ideias musicais baseadas em obras anteriores. O compositor escreveu a Natalie Bauer-Lechner: “Compor é como brincar com blocos de construção, onde novos edifícios são criados repetidamente, usando os mesmos blocos. De fato, esses blocos estão lá, prontos para serem usados”.
Voltemos à estreia. Ela foi um desastre: Mahler havia apresentado ao público um poema sinfônico programático, mas nenhuma nota explicava o programa. Isso causou muita confusão e aborrecimento entre o público, que ficou particularmente perplexo com a mudança extrema e dramática de humor estabelecida pela marcha fúnebre. O que é a música programática? É uma obra musical que visa contar uma história, ilustrar ideias literárias ou evocar cenas pictóricas. A música de programa foi introduzida pela primeira vez pelo compositor húngaro Franz Liszt.
Para a estreia, Mahler descreveu a obra como um “Poema Sinfônico em Duas Seções“ e acrescentou “Titan”. Na segunda apresentação, ela foi chamada apenas de “Poema Sinfônico” e na terceira ficou simplesmente como “Sinfonia em Ré Maior, Titan“. Da quarta apresentação em diante, Mahler passou a chamá-la apenas como “Sinfonia em Ré Maior“. Fim.
Após o fracasso da sinfonia na estreia em Budapeste, a obra permaneceu intocada por três anos. Mahler começou a fazer revisões da sinfonia entre janeiro e agosto de 1893. Ele regeu a nova versão da sinfonia em 27 de outubro de 1893, em Hamburgo. Essa apresentação foi um sucesso, recebendo críticas amplamente positivas.
Mahler procurando um rumo para sua Sinfonia
Mahler fez mais alterações para uma apresentação em Weimar, como parte de um festival de música organizado por Richard Strauss. A performance recebeu uma reação controversa, como evidenciado por uma carta de Mahler a um amigo: “Minha sinfonia foi recebida com furiosa oposição por alguns e com total aprovação por outros. As opiniões se chocaram de maneira divertida, nas ruas e nos salões”.
Mahler conduziu uma quarta apresentação da sinfonia em 16 de março de 1896 em Berlim. Nesta, ele removeu o segundo movimento, “Blumine”, e descartou todos os aspectos programáticos da obra.
O tal movimento “Blumine”: as três primeiras apresentações da Sinfonia Nº 1 continham um segundo movimento semelhante a uma serenata, intitulado “Andante” ou “Blumine”. Este movimento recebeu duras críticas e acabou sendo suprimido para sempre. Deste modo, a primeira sinfonia de Mahler foi tocada como uma obra de quatro movimentos desde a quarta apresentação.
Então, a versão publicada da primeira sinfonia de Mahler consiste de quatro movimentos. É curioso ler o que Mahler escreveu em seu programa inicial: “No primeiro movimento somos levados por um humor dionisíaco, jubiloso, que ainda não foi quebrado ou embotado por nada.” O deletado Blumine foi descrito como um “episódio de amor”. O scherzo: “o jovem rapaz que perambula pelo mundo é muito mais forte, mais áspero e mais apto para a vida.” A marcha fúnebre: “Agora ele encontrou um fio de cabelo em sua sopa e sua refeição está estragada”. O final seria “A súbita explosão… de desespero de um coração profundamente ferido e partido”.
Pois é, melhor considerar a obra como música absoluta.
Aqui, uma excelente versão da Sinfonia Nº 1 de Mahler.
Mahler dando um rolê pelas montanhas
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O Concerto Nº 2 para Piano e Orquestra de Mendelssohn
Se Mahler compôs sua Sinfonia Nº 1 em Leipzig, o mesmo ocorreu com este Concerto, mas as semelhanças param por aí. No ano de 1835, Mendelssohn aceitou o convite para dirigir a Sociedade dos Concertos da Gewandhaus, de Leipzig. A cidade tinha um significado especial para o compositor. Lá, um século antes, vivera seu ídolo maior, Johann Sebastian Bach. O ambiente de Leipzig inspirou Mendelssohn a compor uma grande obra de estilo bachiano, o Oratório São Paulo, concluído em 1836. A obra foi executada durante o Festival de Birmingham de 1837, na Inglaterra. Nessa ocasião, Mendelssohn também estreou seu “Concerto para piano N° 2”. Este concerto foi estreado lá com o próprio Mendelssohn ao piano.
A obra foi escrita logo após a lua de mel do compositor. Ele escreveu em carta para um amigo: “Eu gostaria de escrever um concerto para a Inglaterra e não consigo. Quero saber o motivo pelo qual isso é tão difícil para mim”. As dificuldades de Mendelssohn — reputado pianista que costumava compor muito bem e de forma rápida e inventiva — provavelmente se originaram de um desejo de se destacar no novo trabalho, escrito expressamente para o Festival, e assim impressionar o público inglês. A tarefa é atestada pelo fato de que existem mais versões autografadas para o Concerto do que para qualquer outra composição sua. O trabalho durou de abril até o início de setembro de 1837 — um exagero para os padrões de Mendelssohn. Em outubro, ocorreu uma segunda apresentação no Gewandhaus de Leipzig. Mesmo depois da segunda apresentação, ele continuou a trabalhar na partitura, entregando uma partitura final a seus editores só em 12 de dezembro. Depois da publicação, os problemas continuaram: Mendelssohn ficou descontente com o resultado, reclamando, entre outros assuntos, que a página de rosto estava em francês e não em alemão. O compositor Robert Schumann, na sua crítica, chamou-a de “uma obra menor”. Acertou em cheio. Infelizmente, teremos um Mendelssohn mais ou menos no retorno da Ospa. A única coisa que me agrada é o movimento lento. O resto nem parece o Felix de sempre.
Aqui, uma excelente versão deste concerto meia-boca de Mendelssohn.
Mendelssohn descabelou-se para escrever seu Concerto Nº 2