Mahler & Mendelssohn (uma contextualização para o próximo concerto da Ospa)

Mahler & Mendelssohn (uma contextualização para o próximo concerto da Ospa)

O primeiro concerto da Ospa deste ano tem um programa muito interessante. Muito interessante em parte… Sob a regência de Evandro Matté, serão interpretadas a Sinfonia Nº 1 de Gustav Mahler (1860-1911) e o Concerto Nº 2 para Piano e Orquestra de Felix Mendelssohn (1809-1847). A última peça foi programada em substituição ao Concerto para Piano de Ravel. Realmente, é uma pena que o pianista de Ravel tenha ficado doente, porque o Concerto do francês é muito mais interessante do que o do alemão. Mas a Sinfonia de Mahler vale tranquilamente a ida à bela e renovada Casa da Ospa. Abaixo, alguma coisa sobre ambas as obras.

A Sinfonia Nº 1 de Mahler

Uma caricatura de Gustav Mahler conduzindo sua Sinfonia nº 1 (imagem de 1898)

A Sinfonia nº 1 em Ré Maior de Gustav Mahler, também conhecida como “Titan”, foi composta entre janeiro e março de 1888 em Leipzig, embora o trabalho utilize temas e ideias de composições anteriores. Em 1889, no programa da estreia, sob regência de Mahler, ela não foi chamada de sinfonia, mas de “Poema Sinfônico em Duas Seções”. O trabalho foi mal recebido. Sua segunda apresentação só ocorreu três anos depois em Hamburgo, após Mahler fazer grandes revisões no trabalho. Mahler seguiu revisando o trabalho até que a partitura foi finalmente publicada em 1899, dez anos depois.

Na época da composição, Mahler trabalhava como regente assistente no Teatro Municipal de Leipzig, onde trabalhou de agosto de 1886 a maio de 1888. Como dissemos, as primeiras sinfonias de Mahler muitas vezes incorporam ideias musicais baseadas em obras anteriores. O compositor escreveu a Natalie Bauer-Lechner: “Compor é como brincar com blocos de construção, onde novos edifícios são criados repetidamente, usando os mesmos blocos. De fato, esses blocos estão lá, prontos para serem usados”.

Voltemos à estreia. Ela foi um desastre: Mahler havia apresentado ao público um poema sinfônico programático, mas nenhuma nota explicava o programa. Isso causou muita confusão e aborrecimento entre o público, que ficou particularmente perplexo com a mudança extrema e dramática de humor estabelecida pela marcha fúnebre. O que é a música programática? É uma obra musical que visa contar uma história, ilustrar ideias literárias ou evocar cenas pictóricas. A música de programa foi introduzida pela primeira vez pelo compositor húngaro Franz Liszt.

Para a estreia, Mahler descreveu a obra como um “Poema Sinfônico em Duas Seções e acrescentou “Titan”. Na segunda apresentação, ela foi chamada apenas de “Poema Sinfônico” e na terceira ficou simplesmente como “Sinfonia em Ré Maior, Titan. Da quarta apresentação em diante, Mahler passou a chamá-la apenas como “Sinfonia em Ré Maior. Fim.

Após o fracasso da sinfonia na estreia em Budapeste, a obra permaneceu intocada por três anos. Mahler começou a fazer revisões da sinfonia entre janeiro e agosto de 1893. Ele regeu a nova versão da sinfonia em 27 de outubro de 1893, em Hamburgo. Essa apresentação foi um sucesso, recebendo críticas amplamente positivas.

Mahler procurando um rumo para sua Sinfonia

Mahler fez mais alterações para uma apresentação em Weimar, como parte de um festival de música organizado por Richard Strauss. A performance recebeu uma reação controversa, como evidenciado por uma carta de Mahler a um amigo: “Minha sinfonia foi recebida com furiosa oposição por alguns e com total aprovação por outros. As opiniões se chocaram de maneira divertida, nas ruas e nos salões”.

Mahler conduziu uma quarta apresentação da sinfonia em 16 de março de 1896 em Berlim. Nesta, ele removeu o segundo movimento, “Blumine”, e descartou todos os aspectos programáticos da obra.

O tal movimento “Blumine”: as três primeiras apresentações da Sinfonia Nº 1 continham um segundo movimento semelhante a uma serenata, intitulado “Andante” ou “Blumine”. Este movimento recebeu duras críticas e acabou sendo suprimido para sempre. Deste modo, a primeira sinfonia de Mahler foi tocada como uma obra de quatro movimentos desde a quarta apresentação.

(Mas esta bela gravação aqui traz o polêmico Blumine).

Então, a versão publicada da primeira sinfonia de Mahler consiste de quatro movimentos. É curioso ler o que Mahler escreveu em seu programa inicial: “No primeiro movimento somos levados por um humor dionisíaco, jubiloso, que ainda não foi quebrado ou embotado por nada.” O deletado Blumine foi descrito como um “episódio de amor”. O scherzo: “o jovem rapaz que perambula pelo mundo é muito mais forte, mais áspero e mais apto para a vida.” A marcha fúnebre: “Agora ele encontrou um fio de cabelo em sua sopa e sua refeição está estragada”. O final seria “A súbita explosão… de desespero de um coração profundamente ferido e partido”.

Pois é, melhor considerar a obra como música absoluta.

Aqui, uma excelente versão da Sinfonia Nº 1 de Mahler.

Mahler dando um rolê pelas montanhas

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O Concerto Nº 2 para Piano e Orquestra de Mendelssohn

Se Mahler compôs sua Sinfonia Nº 1 em Leipzig, o mesmo ocorreu com este Concerto, mas as semelhanças param por aí. No ano de 1835, Mendelssohn aceitou o convite para dirigir a Sociedade dos Concertos da Gewandhaus, de Leipzig. A cidade tinha um significado especial para o compositor. Lá, um século antes, vivera seu ídolo maior, Johann Sebastian Bach. O ambiente de Leipzig inspirou Mendelssohn a compor uma grande obra de estilo bachiano, o Oratório São Paulo, concluído em 1836. A obra foi executada durante o Festival de Birmingham de 1837, na Inglaterra. Nessa ocasião, Mendelssohn também estreou seu “Concerto para piano N° 2”.  Este concerto foi estreado lá com o próprio Mendelssohn ao piano.

A obra foi escrita logo após a lua de mel do compositor. Ele escreveu em carta para um amigo: “Eu gostaria de escrever um concerto para a Inglaterra e não consigo. Quero saber o motivo pelo qual isso é tão difícil para mim”. As dificuldades de Mendelssohn — reputado pianista que costumava compor muito bem e de forma rápida e inventiva — provavelmente se originaram de um desejo de se destacar no novo trabalho, escrito expressamente para o Festival, e assim impressionar o público inglês. A tarefa é atestada pelo fato de que existem mais versões autografadas para o Concerto do que para qualquer outra composição sua. O trabalho durou de abril até o início de setembro de 1837 — um exagero para os padrões de Mendelssohn. Em outubro, ocorreu uma segunda apresentação no Gewandhaus de Leipzig. Mesmo depois da segunda apresentação, ele continuou a trabalhar na partitura, entregando uma partitura final a seus editores só em 12 de dezembro. Depois da publicação, os problemas continuaram: Mendelssohn ficou descontente com o resultado, reclamando, entre outros assuntos, que a página de rosto estava em francês e não em alemão. O compositor Robert Schumann, na sua crítica, chamou-a de “uma obra menor”. Acertou em cheio. Infelizmente, teremos um Mendelssohn mais ou menos no retorno da Ospa. A única coisa que me agrada é o movimento lento. O resto nem parece o Felix de sempre.

Aqui, uma excelente versão deste concerto meia-boca de Mendelssohn.

Mendelssohn descabelou-se para escrever seu Concerto Nº 2

Segundos Fora, de Martín Kohan

Segundos Fora, de Martín Kohan

segundos_foraSegundos fora (Cia. das Letras, 252 páginas) é dos melhores romances latino-americanos modernos que li no século XXI e, se tivesse que descrevê-lo em apenas uma expressão, diria que é um estudo sobre a velocidade, sobre o ritmo. Um dos principais méritos do livro está na diferença de ritmo com que as três histórias são contadas. Meus sete leitores podem permanecer calmos: eu não vou contar como se desenvolvem nem onde desaguarão.

Neste livro de Kohan, um jornal de Trelew, no litoral da Patagônia, está completando 50 anos. Isso em 1973. Então, eles decidem fazer um número especial destacando algo que aconteceu em 1923, ano da fundação do jornal. A editoria de esportes, através do jornalista Verani, quer a muito polêmica luta de boxe entre Jack Dempsey e Luis Ángel Firpo e a de cultura, com Ledesma, quer a estreia da Sinfonia Nº 1 de Mahler sob a regência de Richard Strauss, em Buenos Aires. O embate entre as duas editorias e mais um crime misterioso ocorrido no mesmo ano rende um romance esplêndido.

A história da curtíssima e muito polêmica luta entre Dempsey e Firpo é contada nos mínimos detalhes, com deliberada lentidão, como num romance de Saer. Os diálogos de entre Verani e Ledesma não têm descrições, são velocíssimos. Com travessões e mai travessões, são como falas teatrais onde um tenta convencer o outro de sua opinião. Entre eles, fica o crime, narrado de forma convencional.

O intrincado plano de desenvolvimento do romance encontra em Kohan um estupendo narrador. Segundos fora resulta de notável legibilidade. É como uma canção complexa tratada por um excelente cantor — tudo soa simples e natural. Também é como uma sinfonia de Mahler, que em segundos muda seu de gênero, por exemplo, do contraponto mais sublime para uma bandinha alemã — e suas sinfonias são exatamente assim. Dentro desta estrutura, Kohan vai brincando com as diferentes velocidades narrativas.

Enorme destaque para o personagem Ledesma, um típico e apaixonado amante da música erudita. Sim, identifiquei-me totalmente e muitas vezes adivinhava seus argumentos seguintes.

Fiquei totalmente apaixonado pelo romance, assim como já tinha ficado por Duas Vezes Junho. O outro livro que li de Kohan, Ciências Morais, me pareceu mais fraco. E justamente este virou filme (Olhar Invisível, no original La Mirada Invisible, de Diego Lerman). Nem sempre dá para acertar, né, Martín?

Martín Kohan
Martín Kohan

A Sinfonia Nº 1 de Brahms

A Sinfonia Nº 1 de Brahms

Mas voltemos a Brahms. Sei, há Beethoven, Mozart, Bruckner, Mahler e Shostakovich, mas, no meu sentir, esta sinfonia é a melhor que conheço. Brahms era visto como o sucessor de Beethoven e estava muito preocupado em ser digno da tradição sinfônica do mestre. Tão preocupado que preparou sua primeira sinfonia ao longo de mais de 20 anos. Sua composição iniciou-se em 1854 e sua finalização só ocorreu em 1876.

O maestro Hans von Bülow apelidou-a de “A Décima de Beethoven”, o que é apenas uma frase de efeito. Não pretendo desconsiderar que há uma citação da Nona de Beethoven no último movimento, porém os fatos obrigam-me a encarar isto como uma demonstração de gratidão a seu antecessor, ao qual tanto devia – ou, corrigindo, ao qual tanto devemos… Depois de anos e anos como ouvinte, afirmo tranquilamente que, até mais do Beethoven, o que há aqui é Schumann, principalmente na forma inteligente como foram desenvolvidos os elos entre os movimentos que parecem brotar logicamente um do outro. No mais, a Primeira de Brahms é uma derivação autêntica, exclusiva e original do estilo empregado por Brahms em sua música de câmara. Ademais, Brahms – que estreava sua sinfonia 49 anos após a morte de Beethoven – aborda o gênero de forma diversa, dando, por exemplo, extremo cuidado à orquestração e chegando a verdadeiros achados timbrísticos no segundo movimento e na introdução ao tema do último tema: aquele esplêndido solo de trompa, seguido da flauta e do arrepiante trio de trombones. Tais cuidados orquestrais evidentemente não revelam um compositor maior que Beethoven, apenas revelam que o tempo tinha passado, que Brahms já tivera contato com as orquestrações de Rimsky-Korsakov, Berlioz, Wagner, Liszt (os dois últimos eram seus inimigos), que Mahler tinha 16 anos de idade e que a Sinfonia Titan estaria pronta dali a 12 anos…

Em sua primeira sinfonia, Brahms resolveu apresentar todas as suas armas como compositor. A solidez da intrincada estrutura do primeiro movimento (Un poco sostenuto – Allegro) vem diretamente de alguns outros notáveis “primeiros movimentos” de sua música de câmara. Sua complicada estrutura rítmica e aparente rispidez causa certo desconforto a ouvintes mais acostumados a gentilezas. Sua estrutura não é nada beethoveniana, os temas são mostrados logo de cara, sem as lentas introduções nem os motivos curtos e afirmativos de nosso homem de Bonn. Afinal, estamos ouvindo nosso homem de Hamburgo! Se o primeiro movimento demonstra toda a maestria do compositor ao lidar com diversas vozes e linhas rítmicas, o próximo é um arrebatador andante (Andante sostenuto) que parece pretender mostrar “vejam bem: além daquilo que ouviram, eu também faço melodias sublimes”. A melodia levada pelo primeiro violino ao final do andante é belíssima e inesquecível. O terceiro movimento (Un poco Allegretto e grazioso) nos diz que “além daquilo que ouviram, eu também faço scherzi divertidíssimos, viram?”. Claro que não chegamos à alegria demonstrada nos scherzi de Bruckner, porém, para um sujeito contido como Brahms, a terceira parte da sinfonia chega a ser uma galinhagem.

O último movimento é um capítulo à parte. É a música perfeita. Há a já citada introdução de trompas e trombones, mas há principalmente um dos mais belos temas já compostos. No romance Doutor Fausto, de Thomas Mann, o personagem principal Adrian Leverkühn vende sua alma ao demônio em troca da glória e da imortalidade como compositor. Feito o negócio – num dos mais belos capítulos já escritos: o diálogo entre Adrian e o Demônio –, Adrian vai compor e… bem, sai-lhe uma peça muito parecida com o tema a que me refiro. Ele o abandona. Seria este um sinal de Mann, indicando que seu personagem partiria do ponto mais alto existente para a construção de uma obra estupefaciente? Creio que sim, creio que sim, meus queridos sete leitores. Mas, sabem?, não vou gastar meu latim descrevendo o tema que aparece aos 5 minutos do último movimento da sinfonia para ser transformado e retorcido até seu final.

Afinal, ele está aqui. A sinfonia completa está. Sim, neste maravilhoso blog. Trata-se da versão de Claudio Abbado.

Não é música para diletantes leigos como eu. Porém, como a ouço há anos, posso avaliar como deve ser difícil equilibrar a rigidez formal e a imaginação melódica de uma sinfonia que – inteiramente dentro da tradição de contrastes das sinfonias – parece pretender abarcar o mundo, mostrando-se ora imponente, ora delicada; ora jocosa, ora séria.

Where the hell is Dudamel? Está aqui, ó

Maestro titular em Los Angeles e Gotemburgo, Gustavo Dudamel ainda viaja pelo mundo inteiro, além de gravar para a Deutsche Grammophon. Muitas vezes, o público de Los Angeles reclama da ausência de seu regente perguntando Where the hell is Dudamel? Pois o encontramos na França, regendo a Sinfonia Nº 1 de Brahms.

http://youtu.be/xARnZ6_8bYI

Ospa com Copland, Rossini e Brahms no Dante Barone…

Ospa com Copland, Rossini e Brahms no Dante Barone…
Milan Rericha: sensacional
Milan Rericha: sensacional

Lembro do Augusto Maurer em Capão da Canoa. Eram os anos 80, éramos jovens e às vezes íamos para a praia no inverno. Ficávamos na casa de uma namorada dele. Eles faziam a comida, eu lavava a louça. Eu lia, ela estudava e o Augusto ensaiava. E o que o Augusto mais ensaiava era a cadência do Concerto de Copland. E o fazia de um modo muito estranho, dando voltas em nossa quadra vazia da praia. Eu o localizava pelo som do clarinete.

Ontem, a Ospa iniciou seu excelente programa justamente com o lindo Concerto para Clarinete de Aaron Copland. O virtuose checo Milan Rericha é um caso à parte. Toca demais, tem som e musicalidade impressionantes. Trata-se de um sujeito sorridente e com o ar zombeteiro de quem vai abrir uma cerveja para beber conosco. Toca sorrindo, dando a impressão de fazer tudo com facilidade. A obra de Copland é formada por dois movimentos unidos pela citada cadência. O primeiro movimento é lento e lírico. A cadência dá ao solista a chance de mostrar seu virtuosismo, introduzindo temas jazzísticos — não esqueçam de que a peça foi dedicada a Benny Goodman. O segundo movimento é alegre, dando seguimento ao jazz e puxando aplausos. Rericha deu um banho.

Tanto que nem precisava da xaroposa Introdução, tema e variações para clarinete e orquestra de Gioacchino Rossini. Mero vetor de virtuosismo, desta feita sem mérito artístico, a obra serve apenas para brilhaturas do solista. Sim, o público adorou. Eu apenas pedi aos céus que a peça fosse curta. Fui atendido.

Após o intervalo, tivemos a Sinfonia Nº 1 de Johannes Brahms (1833-1897). É uma das melhores sinfonias que conheço e, dia desses, estava brigando por ela no Facebook como uma das cinco melhores de todos os tempos. Só que… Olha o Dante Barone não dá! O esforço dos músicos é comovente, não sei o que os metais e as madeiras fizeram para salvarem-se mas, desculpem, o resultado final não foi o que Brahms merece. Acho que o jeito é tornar os concertos na AL cada vez menos sinfônicos, privilegiando as instrumentações rarefeitas. O Copland estava até bem, mas quando a orquestra teve que fazer “barulho”, tudo nos chegava empastelado. Não dá. Simples assim.

E Johannes Brahms faz 180 anos

O jovem Brahms em 1853
O jovem Brahms em 1853

Brahms nasceu em Hamburgo no dia 7 de maio de 1833. Como se não bastasse o trocadilho infame que o nome Brahms sugere a nós, brasileiros, ele era filho de um contrabaixista de Hamburgo que tocava em cervejarias. A partir dos dez anos de idade, o pequeno Johannes passou a trabalhar como pianista com seu pai, nas tabernas. Não sabemos se estas atividades foram nocivas à saúde do menino, sabemos apenas que ele, mais tarde, fez bom uso de seu conhecimento sobre o repertório popular alemão. Brahms teve apenas dois professores, ambos durante a infância e adolescência. E estava pronto. Acho que nasceu pronto, pois há obras perfeitamente maduras desde os primeiros opus. Ele não concordava, tanto que deixou passarem-se anos até arriscar-se no gênero sinfônico. Tinha algum receio da inevitável comparação com Beethoven.

Começou a compor cedo e, antes de completar 20 anos, seu Scherzo opus 4 já tinha entusiasmado e revelado afinidades com Schumann, a quem Brahms ainda desconhecia. Foi visitar Schumann e então os fatos são mais conhecidos: primeiro, Schumann escreve em seu diário “Visita de Brahms, um gênio!”, depois publica um artigo altamente elogioso ao compositor, fazendo com que o jovem Brahms tivesse a melhor publicidade que um artista pudesse desejar. Schumann o considerava um filho espiritual e a esposa de Schumann, Clara, chamava-o de seu “deus loiro”. Muitas hipóteses são possíveis sobre a relação entre Clara e Brahms, mas só uma coisa é certa: eles destruíram a maior parte das cartas que dizia respeito a ela. Porém, a versão de que houve um forte componente amoroso — ao menos no âmbito de uma grande amizade — tem tudo para estar próxima da verdade.

Em minha opinião, o que caracteriza Brahms são a densidade, o lirismo e a intensidade. Quando digo intensidade, refiro-me ao lado emocional; quando digo densidade, refiro-me a profunda inteligência musical e a muito artificiosa fusão que ele consegue entre a expressividade romântica e as preocupações formais clássicas. Foi um revolucionário amante dos tons menores e da economia de meios. Num mundo em que as orquestras cresciam desmesuradamente, não fez uso de exércitos orquestrais. Compreensivelmente, em sua época foi adotado pelos conservadores. Ele colaborou bastante com esta adoção ao assinar um manifesto contra a chamada escola neo-alemã de Liszt e Wagner. Um conservador? Nada mais equivocado. Ele nem precisaria ser desagravado por Schoenberg em Brahms, o Progressista, para ser reconhecido como uma voz original, distinta e um passo adiante de seus contemporâneos. Um passo dado numa outra direção do que a adotada por Bruckner e Mahler, mas adiante.

O que ouvir hoje? Olha, eu iniciaria com o Sexteto Op. 18, passaria ao Quarteto para Piano Op. 25, depois pelo Concerto para Violino Op. 77, pela Sinfonia Nº 1 e me despediria com uns Lieder (link quebrado, PQP!). Hoje, jamais ouviria o Um Réquiem Alemão; afinal o aniversário é de nascimento, certo?

Aqui, bem mais velho, em 1896
Aqui, bem mais velho, em 1896

Mahler, Sinfonia Nº 1, Titã, 3º movimento

Para aquele advogado que (re)conheci quarta-feira
— deixei o cartão no escritório… era Herr Volkweiss? —
e que adora Mahler.

Mahler nunca teve problemas de autoestima, tanto que tinha certeza de que ficaria rico e famoso desde sua Sinfonia Nº 1. Mas algo deu errado. Este algo tem motivações que nossos ouvidos modernos não compreendem e que Sir Simon Rattle, atual regente da Orquestra Filarmônica de Berlim, tenta explicar abaixo. Os primeiros ouvintes julgaram inconcebível o trecho mais simples e melodioso da sinfonia, o 3º movimento baseado na antiquíssima canção de ninar francesa Frade Jacques (Frère Jacques). As ousadias do restante da obra passaram batidas, já a cançãozinha…

Abaixo, deixo-vos com a sempre tranquila explicação de Rattle e, após, com a interpretação do maestro anterior da Filarmônica de Berlim, Claudio Abbado, para a peça:

Que orquestra! Fico taquicárdico.

São fragmentos, mas que fragmentos! Abaixo, a Orquestra Filarmônica de Berlim, regida por Pierre Boulez, dá um show no Finale da Música para Cordas, Percussão e Celesta de Béla Bartók.

E aqui, com Hélène Grimaud ao piano e sob a regência de Tugan Sokhiev, no Concerto para Piano e Orquestra em Sol Maior de Maurice Ravel:

Aqui, com o regente titular Simon Rattle, parte do Finale da Sinfonia Nº 1 de Brahms (notem sua felicidade ao reger uma das melodias mas belas jamais compostas e que foi utilizada no Fausto de Mann):

Novamente com Rattle na Sinfonia Nº 10 de Shostakovich:

E com Gustavo Dudamel na Sinfonia Nº 5 de Prokofiev: