Uma lista preciosa: a dos livros para rir

Uma lista preciosa: a dos livros para rir

Nestes anos de 2020 e 2021, apareceram muitas pessoas na Livraria Bamboletras pedindo livros para rir. Sim, a coisa foi complicada e vários leitores foram bem explícitos ao me pedirem livros para segurar quem está sucumbindo.

Aqui na livraria, muitas vezes a gente é também divã. Por exemplo, no dia em que Bolsonaro foi eleito, tivemos clientes que choraram em nosso balcão. Como consolar alguém que está triste porque elegemos um idiota, sabendo que o eleito é uma besta pior do que o tio do churrasco após 3 cervejas?

Mas volto ao tema inicial. Preparei uma lista de livros cômicos. Mas não basta ser cômico, tem que ser MUITO BOM. Nada tenho contra as palhaçadas, mas acho que rir de nervoso também é rir.

Fiz uma lista de improviso:

— Oblómov, de Ivan Gontcharóv
— Enclausurado, de Ian McEwan
— As Intermitências da Morte, de José Saramago
— O Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov
— Complexo de Portnoy, de Philip Roth
— Os livros de Claudia Tajes
— Uma Confraria de Tolos, de John Kennedy Toole
— A Guerra das Salamandras, de Karel Čapek
— Matadouro Nº 5, de Kurt Vonnegut
— Lucky Jim, de Kingsley Amis
— A Gargalhada de Sócrates, de Nelson Moraes
— Ingresia, de Franciel Cruz
— Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift

Perguntei, no meu perfil do Facebook, que livros deveria acrescentar à lista e a resposta foi uma chuva de excelentes sugestões. Confiram abaixo:

— Incidente em Antares, Érico Veríssimo;
— O Nariz, Gogol;
— Casos do Romualdo, Simões Lopes Neto;
— Escola de Mulheres, Molière;
— O Burguês Fidalgo, Molière;
— A Megera Domada, Shakespeare;
— A Comédia sos Erros, Shakespeare;
— As Alegres Comadres de Windsor, Shakespeare;
— Lisístrata, Aristófanes;
— As Rãs, Aristófanes;
— As Nuvens, Aristófanes;
— Dez Quase Amores, Cláudia Tajes;
— A Casa dos Budas Ditosos, João Ubaldo Ribeiro;
— Um, nenhum, cem mil, de Pirandello
— Contos do Tchekov. “Um sobrenome cavalar” alegra o dia do mais amargo dos turrões.
— A ironia do Machado não seria um tipo de humor? Se sim, Memórias Póstumas!
— Histórias da Vida Privada, do Verissimo
— LFV é minha leitura para tempos difíceis
— As cosmicômicas – Italo Calvino
— Auto da compadecida ☺️
— Anotações de um jovem médico.
— A morte de um estranho
— Instruções para os criados
— Bartleby
— Contos da Cantuária. Chaucer. Penguin Companhia.
— O Complexo de Portnoy, do Roth; Meus Prêmios, do Bernhard; Minha Mocidade, do Churchill; Memórias do Subsolo
— O Homem Nu do Fernando Sabino
— Tia Julia e o Escrevinhador, do Vargas Llosa
— O autor mais engraçado que existe é o P. G. Wodehouse. Qualquer livro seu é prazer garantido e muita risada. Só não sei como andam seus livros em catálogo no Brasil.
— A mulher que escreveu a Bíblia, Moacyr Scliar
— A peregrina de araque
— Faltou o Paul Beatty, especialmente em “O Vendido” e todos os livros do Pynchon
— A Consciência de Zeno e Tristram Shandy.
— O Compromisso e O Ofício, ambos de Serguei Dovlátov, são muitíssimo engraçados. E o recém lançado no Brasil, Tchevengur, do Andrei Platônov, tem a mesma hilaridade ácida e absurda do Dom Quixote.
— A esposa de Gogol do italiano Landolfi.
— “As nuvens” , Aristófanes.
— “Esperando Godot ” do Becket e “Muito Barulho por Nada” do Shakespeare.
— “Uma Proposta Modesta e Outros Ensaios” do Jonathan Swift.
— E o Henfil ? Nenhum livro com os Fradins, o bode Orellana e a Grauna?
— Qualquer coisa do Verissimo, mas acho que A velhinha de Taubaté seria meio agridoce demais…
— O remorso de Baltazar Serapião – Walter Hugo Mãe
— Comédias da vida privada. A autobiografia do Billy Wilder. Qualquer treco do Reinaldo Moraes. — A trilogia de Bridget Jones.
— As rãs – Mo Yan
— Eu amava os contos da coleção “Para gostar de ler” – eram excelentes, muita leveza.
— O Analista de Bagé
— Suas histórias da Bamboletras renderiam um ótimo livro, meu caro.
— As melhores tiradas de PQP Bach” tb…
— O Senhor da Foice, de Terry Pratchett
— Tomar um café com papo com Milton Ribeiro é o melhor!
— Todos do Olavo de Carvalho.
— Veríssimo (LF) e Antonio Prata.
— Recomendo também o pai, Mário Prata.
— Woody Allen
— “Cuca Fundida” e “Sem Plumas” são ótimos, bem lembrado!!!
— Barão de Itararé
— Dom Quixote.
— Biografia do Deltan Dallagnol. Parei nas primeiras 20 páginas, porque não conseguia parar de rir.
— É interessante como Dostoievksi é engraçadíssimo. O jogador, por exemplo, tem partes maravilhosas para o riso. Assim como Os demônios e O idiota. Mas as páginas a que me referi de Memórias entraria em qualquer antologia das mais hilárias da literatura
— Já leu “O Eterno Marido”? Muito engraçado.
— Olha o livro que me fez gargalhar esse ano foi A vida pela frente do Roman Gary, mesmo não estando na minha forma olímpica
— “O Homem ao Quadrado”, de Leon Eliachar. Piadas ótimas e outras não tanto, mas o conceito dos capítulos do livro é genial (capítulos pra ler no banheiro q tem papel hig… Ver mais
— O apocalipse dos trabalhadores, do Valter Hugo Mãe, tem cenas engraçadíssimas, apesar de toda a tragédia.
— Também qualquer Woody Allen
— Quase Memória do Cony
— Ainda não está em livro, mas está no Facebook, “As Corônicas”, do Fernando Corona
— Ouvi dizer que A Gargalhada de Sócrates arranca algumas risadas. 🙂
— Os livros de crônicas do Aldir Blanc.
— Millôr Fernandes
— A dica que me ocorre primeiro já está na lista, As intermitências do morte. Talvez Incidente em Antares caiba aí. Nu de botas, do Antonio Prata, mesmo sem ser ficção, é uma ótima pedida pra quem cresceu nos anos 80. Eu me divirto com Emma, da Jane Austen
— Millor Fernandes e o Luiz Fernando Veríssimo!
— Reacionarismo católico inglês: qualquer um do Evelyn Waugh e O Homem que era Terça Feira, do CK Chesteron.
— Os contos do Mark Twain, são autêntica literatura de emergência para tempos sombrios.
— Asno de Ouro; D.Quixote; Gargantua e Pantagruel; Gil Blas; O Sofá
— As aventuras de Huckleberry Finn
— Lembro de ter rido bastante com o Digam a satã que o recado foi entendido. Do Daniel Pellizzari. — — Encontro muito humor tb nos livros da Veronica Stigger. ❤❤ A Veronica Stigger tem uma preciosidades de humor cruel
— Milton, se você não leu ainda o Estacao Atocha, do Ben Lerner, leia. É hilário e excelente.
— Asco, de Castellanos Moya, e O Inspetor Geral, de Gogol.
— O Tirza é um romance que te choca ao mesmo tempo que te faz rir bastante. Recomendo.
— Jô Soares, romances e autobiografias; Beckett, Stanislaw e Ricardo Araújo Pereira
— Livros dos chargistas… Santiago Neltair Abreu,
— A Gargalhada de Sócrates, do Nelson Moraes;
— Qualquer um do Alasdair Gray;
— Tristram Shandy.
— Sempre uns 80 por cento dos autores que você cita eu só nunca ouvi falar, como acho que na verdade nem existem. 😃
— Lembra de “Porcos com Asas”? Eu rio até hoje só de lembrar uma parte. E “Patty Diphusa” também é de matar de rir.
— Ri muito com Resposta certa, do David Nichols. Não sei se está à altura da bamboletras, mas foi o terceiro livro que mais me fez rir nos últimos tempos. O segundo foi A gargalhada de Sócrates. O primeiro foi o programa do evento do Brasil paralelo.
— Eu ia sugerir “Cágada”, do Gladstone O. Mársico, mas deve estar esgotado… infelizmente.
— Ia indicar A Gargalhada de Sócrates, mas seu radar não o deixou escapar…
— Os do L.F. Verissimo em primeiro lugar.
— O conto “Comportamento nos velórios”, do Cortázar. Está no livro Histórias de cronópios e de famas e na antologia Autoestrada do sul, da L&PM.
— Bah, os da Cláudia Tajes são hilários, dá para rir muito!
— Acrescente ‘Bilac vê estrelas’, de Ruy Castro. Classicamente falando, O Asno de Ouro de Apuleio e Satiricon.
— Candido Urbano Urubu.
— O livro de crônicas do Nelson Rodrigues, A Cabra Vadia, é para rir demais.
— A Auto da Compadecida de Ariano Suassuna
— Novela de Eduardo Mendoza Garriga
— Caviar é uma ova do Gregório Duvivier
— Luis Fernando Verissimo
— Mais um, maravilhosamente engraçado: Uma casa para o sr Biswas.
— “Quem matou Roland Barthes?”
— Os velhos marinheiros, de Jorge Amado
— Cuca Fundida, do Woody Allen
— Qualquer um do Gabo
— A Importância de Ser Prudente, Oscar Wilde.
— Nao digo rir, mas sorri muito lendo o barão das arvores, do ítalo calvino.
— “Macaco preso pra interrogatório” e “O riso dos torturados”…
— “A uruguaia” e “As desventuras de Arthur Less” – engraçados e boa literatura
— Fábulas fabulosas, do Millor. Cabaret Demenzial, da Veronica Stigger. Esse último é humor cruel, mas ri muito com algumas das histórias, como a do casal que vai se mudando pra lugares cada vez mais minusculos por falta de grana.
— Lembrei dum conto dos cervantes, acho que se chamava os faladores. Era dos de gargalhar. E as comédias de Shakespeare ou Moliére. 🤣
— “A morte e a morte de Quincas Berro D´água”
— Podes colocar um sub-título: Livraria Bamboletras, uma Farmácia Literária. Que tal?
— “manual prático de bons modos em livrarias”. pequenino e engraçadíssimo.
— Cândido de Voltaire; O Inspetor Geral de Gógol; O Santo e a Porca, Auto da Compadecida, de Suassuna.
Diego Michel GÓGOL!!!!!
— eu citaria o Pornopopeia de Reinaldo Moraes.
— “Os amores difíceis”, livro de contos do Ítalo Calvino apresenta alguns contos muito hilários
— Autobiografia da Rita Lee. Os subterrâneos do Vaticano de André Gide.
— FEBEAPÁ -Festival de besteiras que assolam o país. Sérgio Porto -Stanislaw Ponte Preta.
— O Livro dos Seres Imaginários, de Jorge Luis Borges.
— Comédias da Vida Privada, do Veríssimo.
— Efraim (ou Ephraim) Kishon, vários titulos…lembro agora de Como Aborrecer um Guarda e outras…, Trad. Luis Fernando Verissimo. Muito bom.
— Ephrain Kishon húngaro israelense’ tb dramaturgo. Millôr Fernandes traduziu uma peça dele, “Pô, Romeu!”, muito engraçada.
— O Mundo é Pequeno, do David Lodge. É o mais engraçado dos romances dele, mas Invertendo os Papéis (mesmos personagens, alguns anos antes), e Terapia também são divertidos.
— E tem os João Ubaldos, além de tudo, engraçados.
— Bah, os do Verissimo sempre são hilários. Incluiria na lista o 10:04 do Ben Lerner e o Ninguém precisa acreditar em mim, do Juan Pablo Villalobos.
— Os livros do mochileiro das galaxias
— “Anedotário da Rua da Praia”. Um clássico! Indico também “O Imortal”, do Maurício Lyrio.
— Procurem Tom Cardoso ele manda muito bem cronista jornalista se é pra rir, ele manda pelo correio ! De chorar!
— Eu ri muito lendo “o grande mentecapto”, do fernando sabino
— Dementia 21 de shintaro kago, adoro o nu de botas do Antônio Prata.
— Tristram Shandy!
— KD o LVF?? São tão bons! E o Gregório Duvivier também! (Put some farofa) e também o “Nu de botas” do Antônio Prata. Livros muito engraçados e bons
— Alain de Botton. Esqueci o título, mas tem um ensaio sobre o amor que é hilário
— A Aldeia de Stiepantikov e seus habitantes, um adoravel livro pequeno e cômico do velho Fiodor Dostoiévski
— Se quiserem livro pra rir, cujos personagens são cachorros, recomendo Sítio Caipora, de uma certa Núbia Bento Rodrigues, né, bispo Franciel
— Cem anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. A parte do tapete voador é impagável!
— Pantaleao e as Visitadoras
— O furo, Evelyn Vaughn. Antigo. Será que tem?
— Eu ia indicar o Dom Quixote, mas já foi citado. É o meu livro favorito e tem trechos MUITO engraçados. Em uma de minhas internações hospitalares mais recentes, levei o Dom Quixote para (re)ler, mas tive que interromper a leitura porque ria muito…
— Luís Fernando Veríssimo na veia!
— O Auto da Compadecida!! Me diverti muito lendo
— A biografia da Rita Lee tinha cenas hilárias q eu não conseguia parar de rir
— “Porque almocei meu pai” de roy lewis, um clássico…..kkkk
— Matadouro 5 é de rir? Eita eu li errado então 🤦🏻‍♀️ Vou ter que reler 😅
— Melhor ler tudo sobre os irmãos Marx agora, nunca se sabe né?
— Woody Allen. Eu tinha que parar de traduzir pra rir.
— Mario Prata, hilário
— Claudia Tajes é de passar mal de rir
— Todos do Douglas Adams, mas principalmente O Guia do Mochileiro das Galáxias!
— Luís Fernando Verissimo TODOS
— Eu colocaria também Cama de gato do Vonnegut
— Confraria de tolos eu devo te agradecer, eu chorei de rir com esse livro
— Ri bem com o último do Kundera, A festa da insignificância
— Malícia negra, de Evelyn Waugh. Impagável…
— Livros do L F Verissimo, tens?
— “A gargalhada de Sócrates” – Nelson Moraes
— Todos de P.G. Wodehouse, principalmente, “Obrigado, Jeeves”.… Ver mais
— Rua dos Artistas e Arredores do Aldir Blanc
— Dois do KV Jr.: “Destinos Piores que a Morte” e “Um Homem sem Pátria”. Adequados, realistas, modernos.
— Ter meu humilde Ingresia nesta lista é motivo pra choro, digo, pra riso. Bom, não sei mais…Só sei que minhas 18 pontes de safenas quase estouraram agora.
— Pra rir … Luís Fernando
— O Proscrito, Ruy Tapioca
— Cântico pra Leibowitz
— Exército de um homem só

Illustration: A comedy mask reads a book.

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Enclausurado, de Ian McEwan

Enclausurado, de Ian McEwan

enclausurado-mcewanA ideia é insólita e tinha tudo para dar errado, acho. Mas do outro lado não estava um diretor de comédias norte-americanas e sim Ian McEwan. Bem, gente, o narrador de Enclausurado é um feto. Dentro do útero, ele aprende as coisas da vida ouvindo programas de rádio que sua mãe tanto aprecia. Ouvindo tais programas, que falam da política e da situação mundial, o feto teme por seu futuro. Além disso, degusta e tem opiniões acerca dos vinhos que ela ingere não obstante a gravidez. Sua mãe prefere o Borgonha, ele, o Sancerre. (McEwan afirmou que se trata de um feto alcoolista). E ali, dentro do útero de sua genitora, fica sabendo dos planos de Trudy, a mãe, para matar o pai em conluio com o amante que é irmão do pai, ou seja, seu tio.

Apesar de estarem sempre misturados ao desconforto e, às vezes, à burrice e ao descontrole, o livro tem momentos absolutamente hilariantes. Há alta e baixa comédia. O feto declara-se impotente para alterar tanto o destino da trama que vê ocorrer em torno de si, como da situação do mundo onde vai chegar, mas faz comentários acerca de tudo. Preocupa-se demais, inclusive em se esquivar das estocadas do pênis do tio, o insuportável Claude. Então, o romance tem uma base absolutamente fantasiosa, momentos de comédia e outros de grande realismo e sinceridade, guardando também pontos de contato com as tragédias shakespearianas, apesar da ambientação 100% contemporânea. O nome da mãe, Trudy, obviamente vem de Gertrudes, a Rainha da Dinamarca de Hamlet; enquanto que o nome do irmão do pai é Claude, um sujeito traidor, assassino e tolo. Lembram que o irmão de Hamlet chama-se Claudius?

O feto desaprova os planos, porém não consegue detestar a mãe e sua placenta saudável e alcoolizada. Neste livro, McEwan mantém as detalhadas descrições de seus melhores textos, mas revisita o espírito de suas primeiras obras que lhe valeram o apelido de Ian MacAbre (Ian Macabro).

Há um momento em que levantei e comecei a caminhar rindo. O marido inverte o discurso e Trudy fica enfurecida em razão de que o abandono deve ser uma decisão dela, não dele. Ela quer se separar, não ele… A raiva de Trudy é “vasta e profunda e é seu meio ambiente, sua personalidade”. Puxa, como eu conheço isso!

Enclausurado é uma pequena joia. De início tão inverossímil quanto Memórias Póstumas de Brás Cubas, o livro ganha enorme força através da arte de um McEwan inspiradissimo como em Reparação e Amsterdam.

Recomendo fortemente!

Livro comprado na Bamboletras.

Ian McEwan
Ian McEwan

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Valeu a pena ver Ian McEwan ontem no Araújo Vianna

Valeu a pena ver Ian McEwan ontem no Araújo Vianna

Ontem, fui assistir à palestra de Ian McEwan no Fronteiras do Pensamento. Foi uma boa palestra sobre seu projeto de literatura realista. O que me encantou é que foi uma fala de ficcionista, com as teses explicadas através de exemplos curiosos e engraçados. O resultado foi claro e elegante. McEwan não tentou dar soluções para o mundo, limitando-se ao campo da literatura, que já é suficientemente vasto. Muito tranquilo e pausado, de fala mansa, ele é um inglês que demonstra um surpreendente espírito italiano para se expressar. Mexe-se e usa os braços.

ian-mcewan

Falou sobre a importância dos detalhes. Relatou que, para escrever Sábado, passou dois anos seguindo um amigo neurocirurgião. Muitas vezes, acordava às 6h e dirigia-se para o hospital a fim de observar a rotina do cara. McEwan contou que um dia estava numa sala tomando notas, vestido com um jaleco, e foi abordado por duas residentes de neurocirurgia que queriam assistir ao procedimento e o confundiram com o médico. Para saber se já havia aprendido o suficiente, ele conversou com elas por cinco minutos como um especialista o faria. Quis saber em que nível elas estavam e explicou-lhes a cirurgia. Elas não notaram nada de estranho nele.

Também seguiu uma juíza especialista em direito de família para criar Fiona Maye, narradora de A Balada de Adam Henry, uma respeitada juíza do Tribunal Superior da Inglaterra.

E falou dos erros que tais detalhes podem causar. Seus personagens já viram estrelas que só eram possíveis de ver no hemisfério sul em julho. Estavam em Veneza. Também em Sábado, seu médico fala de características que não existem em seu carro, um certo modelo de Mercedez Benz. Contou a história de William Golding e de seu O Senhor das Moscas, onde o menino de óculos tinha um problema visual que era corrigido por um tipo de lente que não poderia concentrar os raios solares para fazer fogo, mas que no livro fazia. Falou das cartas de leitores que apontavam estes erros e que ele os corrigia todos nas novas edições, mas que Golding negava-se.

Defendeu o realismo e os detalhes usando o exemplo da primeira página de A Metamorfose. Há algo extraordinário acontecendo, mas aquilo só se torna crível quando Kafka cita as perninhas. Há o sensacional início: “Quando, certa manhã, Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Mas o final do parágrafo é que joga a “realidade” na cara do leitor: Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos. Sim, o detalhe é que torna tudo crível.

Ao falar do humor, disse que não gostava das comic novels. Parece que o escritor está continuamente fazendo cócegas no leitor para que este ria. Ele prefere o humor que surge naturalmente, como consequência inevitável. Cria-se a situação humorística e a questão do quanto explorá-la.

Ao comentar seu último livro, Enclausurado, defendeu sua ideia de realismo:

— É biologicamente impossível que um feto narre histórias, mas considero que meu romance é realista, porque depois dos primeiros parágrafos, onde deixo claro o acordo que desejo estabelecer com o leitor, tudo o mais é escrito na tradição do realismo. Por exemplo, como a mãe bebe, o feto passa a fazer comentários avaliando a qualidade dos vinhos ingeridos e estabelece seus gostos como sommelier. E ouve um crime sendo preparado.

Também criticou acidamente Hollywood, dizendo que lá estão as piores pessoas. Como vários escritores, tentou enfiar à fórceps profundidade e inteligência em filmes para o grande público, mas disse que isto era muito raro e que foi vítima de uma traição em seu roteiro para O Anjo Malvado. “Em Hollywood, as pessoas são más como Maquiavel descreveu em O Príncipe. É como se tivéssemos penetrado na corte de César Bórgia”.

Bem, não vou resumir tudo. Vou apenas completar dizendo que a inabilidade do entrevistador Daniel Galera ia contra a boa qualidade do evento. Não é proibido ficar nervoso, mas é inaceitável não ouvir o palestrante. Galera conseguiu fazer perguntas amigáveis que sugeriam a negação daquilo que McEwan recém falara em sua palestra. Ou seja, devia estar tratando seu nervosismo ao invés de ouvir o inglês. Não tem o traquejo do entrevistador que leva mil perguntas pré-prontas e que evita aquelas que não contribuirão ou que farão a estrela repetir coisas. Galera é bom escritor e será complicado evitar tais eventos, mas tem de ser melhor orientado. Tulio Milman, mesmo desculpando-se por não ser um expert em literatura, foi muito mais interessante ao perguntar sobre o Nobel de Dylan, o Brexit, os filmes baseados em suas obras e sobre como despedir-se de um livro — esta talvez tenha sido uma pergunta da plateia.

Foi muito bom ver McEwan e comprar alguns volumes que faltavam, além de presentear a Bárbara com o esplêndido Na Praia. Também foi ver o Araújo Vianna quase lotado para ver um escritor, mesmo que nem todos saibam se comportar.

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