As tantas marés de Edu Lobo

Por Eric Nepomuceno | Para o Valor, do Rio

Tudo o que diz respeito a Edu Lobo tem sempre pelo menos três marcas vigorosas: qualidade, discrição e rigor. Assim ele se transformou, desde os primeiros trabalhos, num referencial entre os compositores de sua geração. Assim conquistou o respeito de seus pares. E assim está sendo essa etapa de suas apresentações Brasil afora, que começaram há dois anos com o lançamento de seu disco “Tantas Marés”. Até agora, na sequência de shows realizados sem grande alarde, mas com público robusto, ele passou por Belém e Porto Alegre, Recife e Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte, Maceió e Salvador, além, claro, do Rio. Em algumas dessas cidades (Rio, São Paulo, Recife) precisou voltar mais de uma vez com o mesmo show. Há uma polpuda lista de espera, e os chamados vão sendo atendidos aos poucos.

Além da temporada que nasceu com “Tantas Marés”, vem mais Edu Lobo por aí. Há dois discos previstos para o ano que vem: o relançamento de “Corrupião” e o lançamento de um disco novo, gravado na Holanda em 2011. Outra novidade é que ele, sempre avesso ao que chama de “vida de cantor”, está gostando imensamente do palco. E mais: se a vida inteira preferiu enfrentar a plateia em locais menores, de pouco público e ambiente mais intimista, passou a sentir-se à vontade em espaços grandes, como o Palácio das Artes, em Belo Horizonte, com mais de 1.600 lugares e bilheteria esgotada.

Ele concorda e reconhece: “O que mudou é que hoje faço os shows com alegria, com um prazer enorme. O fato de não tocar violão nos shows me aproxima bem mais dos meus músicos e também do público. Tocando violão, me preocupo com o que estou fazendo, deixo os músicos em segundo plano. É que o violão protege, mas também afasta. Agora já não tenho as preocupações de antes, sumiu aquele frio na barriga na hora de entrar no palco. Entendo você usar o verbo ‘enfrentar’ o público. Mas esse verbo foi demitido, espero que para sempre. Sinto que já não enfrento o público: agora, encontro”.

O resultado é um intérprete maduro e seguro, dono de um repertório de canções extremamente elaboradas e refinadas que são sucessos impregnados na memória coletiva, transmitidos gerações afora. Muitas das canções, que nunca foram propriamente sucesso de vendas, são entoadas em coro por milhares de pessoas que souberam guardá-las. Essa permanência de uma obra é o que justifica o título de clássico. E Edu Lobo é autor de vários clássicos.

Nessa espécie de reencontro com o público, além de “Tantas Marés”, Edu relançou, há alguns meses, “Meia-Noite”, que estava fora de catálogo. Para ele, não existe intervalo algum entre seus discos individuais (“Corrupião” é de 1993, “Meia-Noite”, de 1995, “Tantas Marés”, de 2010) e o que chama de “discos de projeto” (“O Grande Circo Místico” é de 1983, “Dança da Meia-Lua” e “O Corsário do Rei” são de 1985, e “Álbum de Teatro”, que é de 1997, reuniu temas criados para montagens teatrais; “Cambaio”, de 2002, foi escrito por ele e Chico Buarque para uma peça de João Falcão).

“Sempre digo que os discos de projeto são tão meus quanto qualquer um dos individuais. Nesses discos eu trabalho com os orquestradores, passo ideias, acompanho todas as gravações, acabo cantando algumas canções. E o fato de não ser o único cantor do disco não me incomoda. Afinal, e também já disse isso muitas vezes, sou fundamentalmente um compositor. Trabalhar em projetos é, para mim, tão importante como fazer um disco só meu”, diz.

“Meia-Noite” é um desses discos só dele. Relançado pela gravadora Biscoito Fino, passou, nessa reedição, por uma mudança. “Pra Dizer Adeus”, gravada por Edu e Dori Caymmi na edição original, foi posta de lado. Com letra de Torquato Neto, “Pra Dizer Adeus”, conta Edu, “é uma música que foi gravada por meio mundo, Sarah Vaughan inclusive, e não achei que tivesse muito sentido mantê-la. Em seu lugar, preferi a gravação que Dori fez do ‘Choro Bandido’, com letra do Chico Buarque”. Com seu rigoroso sentido de exigência, diz que agora “Meia-Noite” ficou do jeito que gostaria que ficasse. Entre as canções estão clássicos como “Beatriz” e “Meia-Noite” (com Chico Buarque), “Candeias” (letra do próprio Edu) e “Canto Triste” (com Vinícius de Moraes).

E para seguir na toada de novidades, Edu está terminando as mixagens do disco, ainda sem nome, gravado na Holanda, durante sua apresentação com a Metropole Orkestra de Amsterdã, uma das bandas de jazz mais reverenciadas da Europa. Ser convidado para se apresentar com ela é sinal de prestígio indiscutível. Já se apresentaram com a Metropole Dizzie Gillespie, Ella Fitzgerald, Bill Evans e Sarah Vaughan, entre outros. Do Brasil, Ivan Lins e Wagner Tiso. Para essa missão, Edu convocou o pianista e orquestrador Gilson Peranzzetta e o saxofonista Mauro Senise.

Sua maior preocupação era como a orquestra se daria com a alma marcadamente brasileira, em especial no aspecto rítmico, de algumas de suas canções. Já nos ensaios, essa preocupação desapareceu. A integração entre os músicos europeus, os arranjos de Peranzzetta, os sopros de Senise e as canções foi total.

O resultado é uma cuidadosa releitura, cheia de vigor, de parte substancial de sua obra. De “Vento Bravo” a “Casa Forte”, de “Zanzibar” a “A História de Lily Braun”, “Frevo Diabo” e outras canções escritas com Chico Buarque, o “disco holandês” surpreende até quem conhece de perto o trabalho de Edu.

Tudo isso – apresentações no Brasil, relançamento de discos, álbum novo – não significa exatamente uma retomada. Afinal, só se retoma algo que foi interrompido. E ele não abandonou nem interrompeu nada. O que Edu Lobo tem feito, ao longo dos anos, é ficar quieto no seu canto, trabalhando com seu rigor e exigência extrema e volta e meia deixar chegar ao público uma obra que, com justa razão, fez e faz dele motivo de respeito e reverência de seus colegas de ofício. E fez dele um dos autores mais presentes na memória de todos nós.