O Peido

O Peido

Conheci Tchékhov na coletânea de contos O Beijo, em gloriosa tradução de Boris Schnaiderman. Apenas duas consoantes diferenciam o título desta ocorrência real do conto do russo, mas vocês verão como uma pequena alteração pode ser dramática. Minha história não aspira ser doce ou amorosa. O que posso dizer em meu favor? Nada. Fatos são fatos e não podemos discutir com eles.

Era o mês de janeiro e eu e Elena estávamos na Pousada Oceânica, em Zimbros, no litoral catarinense. Nossa vida era aquela coisa de acordar, dar uma caminhada na praia, tomar café, ler um pouco, almoçar, ler ou dormir, mais um café, praia, banho e jantar. Muitas vezes não conseguíamos cumprir tão dura rotina e acabávamos por dormir e comer mais.

O local onde ficamos hospedados era um conjugado de quarto e banheiro bastante adequado, mas sem grande espaço para a privacidade individual. Tivemos vários vizinhos durante nossa temporada. No início, os da porta ao lado nos deixaram preocupados. Eram uns argentinos que bebiam e riam até tarde. Mas logo foram embora para serem substituídos por algo pior: paulistas. Eles trouxeram uma caixa de som que cuspia sertanejo universitário. Reclamamos para o dono da pousada e ele os calou. Passaram a nos olhar de longe, coisa que não nos preocupou. Queríamos apenas preservar nossas férias. Depois veio um casal com filhos já crescidos. Educadíssimos e quase silenciosos, às vezes faziam churrasco e nos ofereciam. Nós ficávamos loucos para aceitar, mas, a fim de manter nossa vida preservada, agradecíamos e declinávamos.

Um dia, eu estava lendo uma coletânea de contos de Luís Augusto Farinatti no chamado espaço gourmet. Ele tinha me mandado o material num arquivo word para que eu os avaliasse. Eu lia e pensava em como eram bons. Melhores ainda se comparados com algumas merdas que via publicadas e nas quais nem é bom falar. Foi quando meu vizinho se aproximou e se apresentou. Magro, em forma, com aproximadamente 50 anos, revelou que seu nome era Joaquim Pedro e que sabia que meu nome era Milton, pois era leitor deste blog. Ele também sabia de Elena. Disse que era um admirador meu. Conversamos o tempo exato. Um pouco sobre futebol, um pouquinho sobre o que eu publicava aqui, outro pouco sobre quem ele era, o que fazia e onde morava. Residia em Concórdia (SC). O homem era mesmo um gentleman e não queria incomodar nem ser incomodado. No final, disse que conhecera a pousada também por causa do blog. Eu tinha escrito algo aqui a respeito.

No dia seguinte, sua esposa me perguntou se Joaquim tinha falado comigo. Respondi que sim e ela me afirmou que ele estava na dúvida se deveria dizer que me lia há anos, etc. Tudo muito simpático. Eu estava envaidecido.

Pois pode não parecer, mas sou gentil. De manhã, por exemplo, quando estou num hotel, vou ao banheiro geral da pousada, deixando o do quarto para a Elena. Então, certo dia, saí cedo para meu passeio ao segundo banheiro. Mapeei bem a coisa. A Elena estava fechada no banheiro, a pousada com todos os hóspedes em seus quartos com os ares-condicionados a pleno vapor. Senti que estava em plena segurança acústica e resolvi que poderia expelir meus gases ali mesmo, sem ser notado, no varandão aberto em frente aos quartos. Sim, tinha profundos desejos de flatulência, aspirava por uma boa ventosidade, também conhecida por peido.

E comecei. Olha, foi longo e em quatro movimentos, como uma sinfonia de Haydn: Grave-Allegro, Adagio, Minueto e Presto-Finale. Um alívio. Um alívio e um show. Quando virei para o lado esquerdo, notei um movimento bem próximo de mim: sim, o educado, recatado e principalmente silencioso Sr. Joaquim Pedro estava de joelhos, passando parafina numa prancha de surf. Ele era tão discreto que estava de costas para mim, mas certamente ouvira tudo.

Eu estava exatamente ali, na frente daquela rede
Eu estava exatamente na frente daquela rede que mal se vê na esquina do térreo da pousada. O banheiro 2 é aqui à esquerda das bicicletas. Longe, né? | Foto: site da Pousada

Fiz a volta pelo outro lado para não ter contato visual com o vizinho e voltei para o quarto morto de vergonha. Mas minha tragédia não parou aí. Quando entrei no quarto, Elena me denunciou: “Pensa que eu não ouvi? Mas que coisa horrível!”. E caiu na risada.

Gente, às vezes é melhor não acordar. E saímos para nossa caminhada. Para minha sorte, não cruzei mais com o Sr. Joaquim Pedro, ao qual peço desculpas nove meses depois, nesta manhã chuvosa em Porto Alegre. Ele foi embora logo depois. Espero que ele não tenha se decepcionado muito comigo e que ainda leia este blog.

Vista da janela do Espaço Gourmet da Pousada Oceânica | Foto: Milton Ribeiro
Vista da janela do Espaço Gourmet da Pousada Oceânica | Foto: Milton Ribeiro

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Bombinhas em dia de sol e água perfeitos

Bombinhas em dia de sol e água perfeitos

Dia de sol e água espetaculares, dia de brincar de pas de deux na arrebentação, dia de um bolo de abacaxi e coco arrebentar o regime, dia da confirmação da visita de um amigo, dia de um banho inesquecível de duas horas sem sair da água, dia de auxiliar a Elena após uma onda e quase retirar-lhe a parte de cima do biquini, dia de terminar um excelente e estimulante livro, noite de comer um linguado sensacional no restaurante Olímpio, noite de comprar cerveja tcheca, noite de passeio.

A chegada na praia, lá pelas 8h, te mete!
A chegada na praia, lá pelas 8h, te mete!
Este que vos escreve, de nome Milton Ribeiro, finalmente em frente às câmeras
Este que vos escreve, finalmente em frente às câmeras
Brincando com um cachorro que apareceu por ali. O cara se animou e começou a me morder carinhosamente. Adoro cães, fazer o quê?
Brincando com um cachorro que apareceu por ali. O cara se animou e começou a me morder carinhosamente. Adoro cães, fazer o quê?
Paisagem com banhistas
Paisagem com banhistas
Elena perdida no mar
Elena foi pro mar e eu fiquei a ver navios
O linguado do Restaurante Olímpio, na beira do mar
O linguado do Restaurante Olímpio, na beira do mar. Pedi para a Elena colocar as mãos ao lado do prato a fim de ficar bem caracterizado o tamanho do filé, que era maravilhoso
Um torcedor do San Lorenzo passou por aqui...
Um torcedor do San Lorenzo passou por aqui

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Férias

Estarei em viagem entre os dias 31 de janeiro e 19 de fevereiro. Vou dar uma volta com a Bárbara. Acho estranho viajar só com minha filha e lamento muito o fato de que meu filho Bernardo chegue de sua longuíssima turnê pela América do Sul — está fora desde 20 de dezembro — apenas no dia primeiro, o que fará com que eu fique dois meses sem vê-lo, algo inédito desde o dia 4 de janeiro de 1991.

Os acontecimentos de Santa Maria também influenciam. Nunca vi tamanha comoção, nem um prefeito tão anão frente a ela. O caso é para pedir renúncia, mas talvez ele jamais se dê conta disso.

Imaginem que nem olhei a programação de concertos em Londres, cidade onde há ingressos de todos os tipos e dá acesso à cultura como nenhuma outra que conheço.

Vou levar um netbook. Não é dos melhores, mas deve servir para que eu deixe aqui algumas fotos e comentários para meus sete leitores durante o período. Como dizia nosso amigo, Dr. Herbert Caro, vamos fugir da canícula em Roma (2 dias), Londres (12 dias) e Praga (4 dias), tudo por obra das milhas de minha cara-metade e do booking.com, onde reservamos alguns hotéis bem em conta.

Praga é assim, dizem.

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4 diazinhos

De quinta-feira a domingo, o blog estará na praia, inútil, comendo frutos do mar e banhando-se ao final da tarde. Sim, é o melhor horário. Talvez, entre uma caipirinha e um camarão, escreva uma resenha sobre o belíssimo Ribamar, de José Castello, ou sobre os geniais Aforismos de Karl Kraus. Mas acho que deixarei para depois. O que é certo é pretendo começar a leitura da tradução de Rubens Figueiredo para Anna Kariênina. Durante a viagem, ouvirei Bruckner ou Bach no carro. Na boa, mereço. Na volta, só quero escrever matérias complicadas como essa.

Fui.

Ah, porra, esqueci. A fundamental matéria foi encontrada por Igor Natusch (sim, dois links).

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