Cruyff se recusou a jogar a Copa de 1978 na Argentina. E ele morreu no dia dos 40 anos do golpe militar argentino.
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Johan Cruyff: o mais revolucionário dos jogadores
Por Bruno H.B. Rebouças, no Substantivo Plural
Quando Pep Guardiola chamou Xavi Hernández para uma conversa em particular, com o intuito de lhe contar o novo esquema que o FC Barcelona utilizaria a partir daquela temporada, o meia pensou que o treinador estava ficando louco.
A ideia era muito simples: “recuperar a bola em seis segundos”.
Xavi saiu atônito da conversa pensando que isso era impossível.
Era um ano de mudanças no Barça, Temporada 2008-2009.
Xavi havia liderado há pouco tempo a seleção espanhola de Luis Aragonês no título da Eurocopa, depois de 44 anos de jejum.
Guardiola não estava brincando e começou uma revolução que fora iniciada em 1974, quando Johan Cruyff comandou o Carrossel holandês na Copa de 1974.
O técnico Rinus Michels criou o sistema conhecido como ‘Laranja mecânica’.
Segundo a lenda, Pedro Rocha, ídolo uruguaio e ícone do São Paulo FC nos 1970, disse querer chamar sua mãe duas vezes quando esteve em campo: a primeira com 17 anos, na sua estreia no clássico Peñarol e Nacional, com o estádio Centenário repleto.
A segunda, aos 32 anos, quando enfrentou a Holanda na Copa de 1974.
“Quando peguei a bola pela primeira vez, quatro jogadores vieram para cima de mim e me tiraram a bola. Não entendi nada, mas na segunda vez, a cena se repetiu, e foi assim o jogo todo. Ali, eu quis a minha mãe”, disse o craque da Celeste Olímpica.
A “laranja mecânica” ficou conhecida assim pela maneira que fulminava seus adversários/vítimas, tal qual no filme de mesmo nome de Stanley Kubrick.
Eram duas faces de um mesmo time.
Com a bola era um Carrossel em um sistema de jogo equilibrado, conciso, paciente, em que todos jogam, giram, defendem, atacam, em posicionamentos giratórios.
Atacante na defesa, defensor na área.
Foi assim no primeiro gol da Holanda contra a Alemanha, na final de 1974. Vinte dois jogadores no campo de atacante. A Holanda sai jogando e depois de vários toques Cruyff recebe no meio-campo, sozinho.
Às suas costas apenas o goleiro Jongbloed.
Cruyff avança, dribla seu marcador, leva mais dois, até ser derrubado na área alemã.
Silêncio em Berlim.
Neeskens cobra e faz Holanda 1 a 0.
Finalmente a Alemanha pega na bola.
No sistema do Carrossel há altos e baixos. O jogador que sobe também desce. Como num parque de diversões – alguns dos cavalos ficam estáticos em sua posição como jogadores de pebolim.
O carrossel laranja é mais moderno. Ele se mexe. O sistema podia vencer o talento individual, um grande time. Sem a bola era fulminante, todos atrás do esférico, parecendo moleques no tempo da escola.
O Brasil encantou o mundo com a melhor seleção de todos os tempos em 1970.
A Holanda quebrou a roda giratória do talento individual misturado em uma mesma equipe.
Um ditado holandês diz: “Deus fez o mundo. E o holandês fez a Holanda”.
Seguindo o mesmo exemplo: o brasileiro criou o futebol arte.
O holandês o revolucionou com seu futebol total.
Quando camisas laranjas reluziam em campo com três listras horizontais nos ombros dos atletas, a de Cruyff estampava duas.
Johan se negou a usar a camisa da patrocinadora da seleção, a Adidas, com suas tradicionais três listras. A Federação holandesa acabou cedendo por pressão popular e midiática, e por não poder perder sua maior estrela.
Naquela Copa a Holanda triturou o Uruguai, fulminou a Argentina e amassou o Brasil, em Dortmund, apesar das chances que o time de Zagalo teve para abrir o placar.
Perdeu a final de virada, mas é mais lembrada e festejada que a campeã Alemanha.
Na semifinal, Jairzinho pega na bola na altura do meio-campo. Gira para direita, esquerda, recua, tenta se safar do marcador holandês. Chega mais um, dois, três. O furacão da Copa de 1970 tenta um passe no meio, procura respirar, mas chegam dois holandeses e antes do Brasil tocar novamente na bola a Holanda a recupera.
Algo em torno de seis segundos, como pediu Guardiola a Xavi 34 anos depois.
Cruyff foi o grande nome daquele sistema.
Tricampeão continental com o Ajax, depois da Copa do Mundo chegou à Barcelona. Tempos difíceis aqueles. Quatorze anos sem vencer a Liga, final do regime franquista. O FC Barcelona já era “Més que un club’, por sua resistência ao regime e todas as suas arbitrariedades dentro e fora do mundo do futebol.
Quando o revolucionário Cruyff pisou em Barcelona já era um ídolo da Catalunha, pois se negara a jogar no Real Madrid e forçou a direção do Ajax a aceitar a proposta do Barça: 60 milhões de pesetas, na maior transação do futebol mundial até meados dos anos 1990.
O Barcelona voltou a ser campeão espanhol depois de 14 anos, com direito a histórica vitória por 5 a 0 contra o Real Madrid dentro do Santiago Bernabéu.
Se um Barça-Madrid fosse somente um jogo de futebol, aquele resultado já seria épico. Como não é, aquela goleada dentro do coração de Madri foi o grito preso na garganta contra a opressão e proibição que catalães e barcelonistas (culés) sofreram durante o regime franquista – como não poder celebrar títulos em público.
A semente da revolução foi plantada na Catalunha na sua passagem como jogador do FC Barcelona.
Em 1988, 20 anos antes de Pep Guardiola assumir o comando do Barça e quebrar recordes de títulos conquistados em quatro anos de Santos e Ajax, Cruyff transformou o Barcelona naquilo que seria hoje em dia o ‘dream team’ campeão europeu de 1992, com Koeman, Guardiola, Laudrup, Stoichkov e outros.
A história do FC Barcelona tem um antes e depois de Cruyff, como a do futebol passa por antes e depois de Pelé.
Futebol é religião. E se todas as religiões têm messias, profetas e apóstolos, Cruyff se posiciona em uma Santíssima Trindade subjetiva, na qual cada um de nós têm ao menos um na mesa de 12 apóstolos, junto com o Criador.
O futebol total que o ‘Pep team’ jogou e encantou o mundo com posse de bola inimagináveis de 70% contra equipes tops do mundo é a evolução do ‘Carrossel Laranja-Laranja Mecânica’, do ‘Dream team’ do Barcelona de Cruyff.
Johan Cruyff nos deu adeus hoje pela manhã, o mais revolucionário dos jogadores de futebol que existiu.
Conhecedor das regras do jogo, em dezembro de 1982 rolou a bola para frente em um pênalti na vitória do Ajax por 5 a 0 contra o Helmond Sport, na qual adversários ficaram sem entender o que acontecia.
Foi o primeiro e, talvez um dos poucos, que se rebelou contra um patrocinador por não achar justo reluzir a marcar de uma empresa capitalista e não receber nada por isso.
Foi expulso contra o La Coruña em 1974, em Riazor, e por considerar injusta a expulsão se negou a sair de campo. Só saiu quando a polícia entrou em campo para retirá-lo – momento registrado em fotografia no Museu do Barcelona.
Em 1992, quando perdeu a final do mundial de clubes para o São Paulo de Telê Santana, de virada, proferiu uma das mais lindas frases sobre futebol, que envaidece muito a todos os são-paulinos como eu, ao demonstrar um exemplar espírito esportivo ao dizer:
“Se é para ser atropelado, que seja por uma Ferrari”.
Hoje o mundo do futebol amanheceu de luto e de luto ficará por oficiais três dias.
Perdemos não somente um grande e brilhante jogador, mas um filósofo, idealista e revolucionário jogador e técnico que preparou 20 anos antes como um time de futebol iria jogar e conquistar o mundo com o melhor futebol de todos os tempos.
A France Footbal resumiu a história do FC Barcelona com uma foto. Nela se vê a camisa 14 de Cruyff, a 4 de Guardiola e a 10 de Messi. Na legenda se lê, respectivamente: o Pai, o Filho, e o Espírito Santo.
O futebol ficou de luto, mas em especial todos nós, culés, ficamos órfãos.
Descanse em paz Johan.
E obrigado!
Cruyff colocou o futebol holandês no mapa
Por Felipe dos Santos Souza, no blog de Juca Kfouri
Antes de Pelé? Ah, antes de Pelé houvera Friedenreich, Leônidas, Zizinho, Ademir de Menezes. Antes de Maradona? Ah, antes de Maradona houvera Loustau, Pedernera, Di Stéfano. Antes de Beckenbauer? Ah, antes de Beckenbauer houvera Fritz Walter, Helmut Rahn. Antes de Zidane? Ah, antes de Zidane houvera Michel Platini, Raymond Kopa, Just Fontaine. Antes de Roberto Baggio? Ah, antes de Baggio houvera Silvio Piola, Giuseppe Meazza, Giampiero Boniperti, Gigi Riva…
Claro, houve gente da Holanda que tratou bem a bola antes dele. Mas nenhum (ressalte-se: NENHUM) com a capacidade de pensar sobre o jogo, colocar em prática um estilo de jogar futebol que marcasse tanto um país, que criasse raízes tão fundas, até hoje seguidas de um modo ou de outro pelos times e pelas seleções holandesas depois dele. Por isso, é justo dizer: não havia futebol holandês, não havia seleção holandesa antes de Hendrik Johannes Cruyff, falecido nesta quinta aos 68 anos, vestir a camiseta laranja.
Nascido em Amsterdã (cresceu na Akkerstraat, no bairro de Betondorp), Cruyff foi maturando sua habilidade nas peladas pelas ruas de Amsterdã – isso, quando não tinha de trabalhar na quitanda mantida pela mãe, Petronella “Nel” Bernarda Draaijen, e pelo pai, Hermanus “Manus” Cornelis Cruyff. Porém, em 1959, seu pai “Manus” morreu, vitimado por um ataque cardíaco, no que foi um dos maiores traumas de sua vida. A perda também levou-o para um caminho decisivo em sua carreira: já trabalhando voluntariamente no Ajax, não só “Nel” passou a ser remunerada pelo clube, mas também foi trabalhar como empregada doméstica na casa do inglês Vic Buckingham, técnico do Ajax. Enquanto isso, “Jopie” (apelido de infância de Cruyff) já estava na escolinha do Ajax desde 1957. E não demorou a ascender para marcar época. Veloz e técnico ao mesmo tempo. Parecia correr o que não pudera na infância, por um problema de saúde. Ao mesmo tempo, parecia ter o campo todo em sua cabeça.
Tanto é que marcou gol logo em sua estreia pelos profissionais do Ajax, ainda com Vic Buckingham como o treinador – o único do time na derrota por 3 a 1 para o GVAV, em 15 de novembro de 1964, pela 11ª rodada do Campeonato Holandês 1964/65. E justamente em 1965, chegou aquele que seria seu mestre, o sujeito que exigiria demais dele – mas também o trataria como seu pupilo, numa relação de amor e ódio: Rinus Michels. Que faria de Cruyff o ponto principal, o “primus inter pares”, o craque entre craques, o personagem a ajudá-lo em campo no caminho que levou o Ajax a se transformar num clube lendário no futebol europeu e mundial. O pupilo reconheceu isso quando Michels faleceu, em março de 2005: “Ele me deu muitas broncas, mas me fez ser o que sou”.
Também ficou marcada desde cedo a irascibilidade do gênio. Basta mencionar sua primeira partida pela seleção holandesa, em 7 de setembro de 1966, contra a Hungria, num amistoso. Ele já marcou o primeiro de seus 33 gols pela Oranje. Mas também foi o primeiro jogador da história da equipe nacional holandesa a ser expulso de campo. Afetou tanto sua imagem que recebeu uma suspensão de um ano. Seu temperamento pode ser resumido numa frase dita orgulhosamente: “Nunca aceitei uma ordem”.
Tão logo voltou, viu-se que não se poderia prescindir daquele jogador único. E único não só dentro de campo. Sua parceria com o sogro Cor Coster (sogro a partir de 1968, após o casamento com Danny) o transformou no primeiro jogador holandês a capitalizar em cima da própria imagem naquele futebol de riqueza crescente. Cada patrocínio, cada camisa que vestia, cada produto que propagandeava: tudo rendia a Johan milhares de florins, a moeda holandesa antes do euro. Vale dizer: Cruyff não era só um símbolo do futebol holandês, era um símbolo da mudança da sociedade holandesa nos anos 1960-70. Basta lembrar da camisa de duas listras que a Adidas fez para ele na Copa de 1974, já que ele se negava a usar a camisa com as três listras que marcam a multinacional de material esportivo – rival da… Puma, que patrocinava… Cruyff.
E tudo isso – seu brilhantismo dentro de campo, seu temperamento fortíssimo, sua capacidade para promover sua imagem – foi visto no início dos anos 1970. No Ajax, como já dito, ele foi o personagem principal daquela equipe que colocou os Ajacieden no mapa, com o tricampeonato da Copa dos Campeões, mais Mundial Interclubes de 1972 (nos outros anos, o Ajax declinou da participação), três títulos holandeses (1969/70, 1971/72 e 1972/73) e três Copas da Holanda (1969/70, 1970/71 e 1971/72). Pessoalmente, foi o goleador da Eredivisie em 1966/67 e em 1971/72. Sem contar seus três prêmios como melhor jogador da Europa, em 1971, 1973 e 1974.
Nesse tempo de Ajax, duas histórias merecem menção. Em 30 de agosto de 1970, Cruyff voltava de uma lesão na virilha, num clássico contra o PSV, pela rodada do Campeonato Holandês. Na reserva, vestia a camisa 14, enquanto a 9 (seu número habitual até então) ficou com Gerrie Mühren. O Ajax venceu por 1 a 0. Na semana seguinte, por “ter achado legal”, Cruyff usou novamente a 14. E estva definido o número que usou por toda a carreira, e que até lhe rendeu um de seus apelidos. A outra história: em 1973, o técnico Stefan Kovacs decidiu fazer uma votação para ver quem seria o capitão do Ajax. Cruyff era o titular da braçadeira, mas o atacante Piet Keizer a exigia. Por 13 votos a 3, o elenco decidiu que Keizer seria o novo capitão. Bastou: julgando que o elenco cometera uma quebra de confiança, o “Nummer 14″ saiu da sala de votação direto para seu quarto no hotel, ligando para o sogro e empresário Cor Coster. Suas palavras: “Ligue imediatamente para o Barcelona. Estou saindo”. E assim Cruyff tomou o caminho de Les Corts, onde também fez história definitiva.
Na Oranje, participou das eliminatórias para as Copas de 1970 e 1974. Mas, acima de tudo, teve fundamental papel na decisão de trazer Rinus Michels para o comando da seleção, no início de 1974. E, óbvio, foi o principal interlocutor e principal peça da equipe que assombrou o mundo na Copa daquele ano. De fato, Cruyff merecia cada um dos apelidos que ganhou a partir dali: “Nummer 14” (Número 14), “Pitágoras de chuteiras”, “O salvador” (dado pela torcida do Barcelona, após o título espanhol de 1973/74, encerrando 14 anos de jejum). Enfim, o personagem principal do Totaalvoetbal.
Depois da Copa de 1974, é justo dizer que Cruyff estaria para sempre na história do futebol mundial. Tanto é que seu nome só ganhou o “y” então, para facilitar a leitura do resto do mundo, distanciando-o da grafia holandesa “Cruijff”. Porém, a partir dali seu nome perdeu um pouco de força. Na seleção, uma participação turbulenta na Euro 1976, e a recusa em participar da Copa de 1978. Até hoje, vários motivos são ventilados: a ameaça de sequestro da família, recusa em viajar à Argentina então sob ditadura militar, eventual ordem da mulher após suposta noite passada com prostitutas às vésperas da final de 1974… enfim, o fato é que Cruyff parou com a Laranja após 48 jogos e 33 gols.
Pior: também sua produtividade pelos clubes caiu. A ponto dele declarar o fim da carreira já em 1978, um dos seus mais melancólicos anos. Na partida de “despedida”, o Ajax encarou o Bayern Munique… e perdeu por 8 a 0, a mais dura derrota da carreira de Cruyff. Mais: carreira encerrada, ele tentou viver dos negócios em Barcelona com o amigo Michel Basilevitch, na criação de porcos e na exportação de vinho, cimento e imóveis. Fracasso, prejuízo e fuga de Basilevitch, deixando Cruyff com seis milhões de florins em débitos variados.
Restou tirar as chuteiras do armário e aceitar ofertas variadas para pagar as dívidas. Na lucrativa NASL, a liga norte-americana da época, passagens pelo Los Angeles Aztecs e pelo Washington Diplomats; um jogo único pelo Milan; um semestre rapidíssimo no Levante-ESP… mas sua carreira só voltou aos eixos após o retorno ao Ajax, em 1981. Inicialmente, nem era para jogar, mas para auxiliar o treinador Leo Beenhakker. Qual nada: Cruyff voltou aos gramados e foi personagem fundamental nos títulos holandeses de 1981/82 e 1982/83. Daí, o Ajax acreditou que ele estava “velho”, e não renovou seu contrato. Bastou para a vingança maligna: Cruyff aceitou a proposta do arquirrival Feyenoord, onde conquistou a Eredivisie e a Copa da Holanda na temporada 1983/84.
Carreira encerrada no campo, Cruyff começou no banco de reservas. Treinando o Ajax entre 1985 e 1988, não só levou os Amsterdammers ao título da Recopa europeia, em 1987/88, mas também revelou vários jogadores: os De Boer, Dennis Bergkamp, Sonny Silooy… sem contar gente com quem havia jogado e que ganhou espaço com ele no banco, como Marco van Basten e Frank Rijkaard. Como não poderia deixar de ser, um desentendimento com a diretoria do Ajax o tirou do clube, em 1988, levando-o ao Barcelona – sua outra casa, o outro clube em que fez história.
Também por sua personalidade irascível é que a federação holandesa nunca o chamou seriamente para treinar a Oranje, coisa que muito se esperou até hoje. E por ela, também, sua relação com o Ajax sempre foi turbulenta – basta citar o projeto natimorto de trabalho com Van Basten quando este assumiu o clube, em 2008, ou a “Revolução de veludo” rachada nesta temporada.
Ainda assim, se a importância de Cruyff no Barcelona é gigante, no futebol holandês ela é ainda maior, definitiva. Basta saber que até livros foram editados com suas frases. “Toda desvantagem tem sua vantagem”; “Os italianos não podem lhe vencer, mas você pode perder para eles”; “Antes de cometer um erro, eu não cometo um erro”… viraram marcas das “Cruijfiaans”, suas tiradas misteriosas e até curiosas.
Mas hoje, neste dia em que a Holanda para, pela perda de um de seus símbolos mundiais (Cruyff foi eleito o sexto holandês mais importante da história do país, numa pesquisa de 2004 – à frente de Anne Frank, Rembrandt e Vincent van Gogh), basta lembrar duas frases para dimensionar sua importância. A primeira: “Jogar futebol é muito simples, mas jogar o futebol de modo simples é a coisa mais difícil que há”. E a segunda: “Em qualquer sentido, eu provavelmente sou imortal”. De fato: em cada Cruyff Court (quadras destinadas a crianças carentes para a prática do futebol), em cada aluno da Cruyff University (faculdade destinada à formação de dirigentes esportivos), em cada mudança tática vista atualmente, em cada elogio de gente como Josep Guardiola, não há como não reconhecer: Verdade, Johan, verdade. De fato, você é imortal.
*Felipe dos Santos Souza é historiador formado na PUC e especialista em futebol holandês.
Morreu um dos grandes: 25 frases de Johan Cruyff que vão mudar sua visão do futebol
O site oficial de Cruyff acaba de informar:
Em 24 de março de 2016, Johan Cruyff (68) morreu pacificamente em Barcelona, cercado de sua família após uma dura batalha contra um câncer. É com grande tristeza que pedimos que você respeite a privacidade da família durante este tempo de pesar.
Considerando-se apenas dos anos 60 para cá, Johan Cruyff (1947-2016) foi um dos três maiores craques que vi jogar. Os outros foram Pelé e Maradona. Ele tinha um câncer de pulmão. A doença tinha sido diagnosticada em outubro de 2015.
Seu futebol unia habilidade, velocidade, passes miraculosos que só ele via e algo que até hoje parece ser exclusivo: um invulgar conhecimento tático. Junto com Rinus Michels, comandou a seleção holandesa na Copa de 1974, sendo um dos protagonistas do time que ficou conhecido como a “Laranja Mecânica”, que tinha uma estrutura tática inovadora que só funcionaria à perfeição com ele no time.
Era uma seleção com fortíssimo senso coletivo onde os jogadores não guardavam posições fixas. O que importava era que todas as funções fossem cumpridas. Aquilo desnorteava os adversários. Antes da seleção da Holanda, Cruyff já fazia o mesmo no Ajax, clube pelo qual conquistou tudo dentro da Europa. Jogou pelo Ajax, Barcelona e pala seleção holandesa. Foi ele quem tornou o Barcelona do tamanho e maior que o Real Madrid, criando o estilo catalão de jogar. A instituição soube manter seu espírito de revolucionário do futebol. Depois, como técnico, foi tetracampeão espanhol entre os anos de 1990 e 1994, além de ter vencido a Champions.
Pela seleção holandesa, a qual defendeu entre 1966 e 1977, Cruyff somou 48 partidas e 33 gols marcados.Ganhou a Bola de Ouro em 1971, 1973 e 1974. Talvez seja ele o centro de uma das maiores injustiças que o futebol insiste em cometer. Afinal, o jogador que eternizou a camisa 14 nunca venceu uma Copa do Mundo. Mas ficou perto, muito perto em sua única tentativa em 1974.
Azar da Copa do Mundo, como disse a ESPN.
Genial dentro de campo, Johan Cruyff tinha uma visão única sobre o futebol e uma maneira igualmente distinta de falar sobre ele.
Foi a visão de Cruyff no campo que fez dele um dos maiores jogadores de todos os tempos, enxergando passes que ninguém mais podia enxergar. Tinha também uma enorme consciência para acelerar ou deixar mais lenta uma partida com a finalidade de controlá-la. Por isso, quando Cruyff falava, as pessoas ouviam.
As 25 frases abaixo, citadas por Cruyff como jogador, treinador e comentarista, mostram a maneira que Cruyff via o futebol.
1. Técnica não é poder fazer 100 embaixadas. Qualquer um pode fazer isso se praticar. Dá até para trabalhar no circo. Técnica é passar a bola com um toque, na velocidade correta, no pé certo do seu companheiro.
2. Alguém que faz graça com a bola no ar durante um jogo, dando tempo para os quatro defensores adversários voltarem, é o jogador que as pessoas pensam ser ótimo. Não é.
3. Escolha o melhor jogador para cada posição e você não terá a melhor equipe, apenas 11 bons de cada uma.
4. No meu time, o goleiro é o primeiro atacante e o atacante, o primeiro defensor.
5. Por que não se pode vencer um clube rico? Nunca vi um saco de dinheiro marcar gol.
6. Eu sempre jogava a bola para frente porque se eu a recebesse de volta, era o único jogador desmarcado.
7. Sou um ex-jogador, ex-dirigente, ex-treinador, ex-presidente honorário. Uma lista bacana que, mais uma vez, mostra que tudo chega a um fim.
8. Jogadores que não são verdadeiros líderes mas tentam ser, sempre brigam com os outros depois de um erro. Líderes de verdade dentro de campo já sabem que erros inevitáveis.
9. O que é velocidade? A mídia esportiva sempre confunde velocidade com visão. Veja, se eu começar a correr antes que os outros vou sempre parecer mais rápido.
10. Tem apenas um momento para chegar numa jogada. Não adianta chegar atrasado nem adiantado.
11. Antes de cometer um erro, já pense em como reagir se ele realmente acontecer.
12. Em uma partida de futebol, se não descontarmos os momentos em que o jogo para, cada jogador terá a posse de bola por 3 minutos, em média. Então, o mais importante é o que fazer nos 87 minutos em que você não tem a bola. Isso é fundamental para um bom jogador.
13. Depois de ganhar alguma coisa, você não estará mais 100%, mas 90%. É como uma garrafa de água com gás quando fica sem tampa. Pouco tempo depois fica com menos gás dentro.
14. Há apenas uma bola em jogo, então você precisa ficar com ela.
15. Não sou religioso. Na Espanha todos os 22 jogadores faziam o sinal da cruz antes de entrar em campo. Se isso funcionasse, todas as partidas terminariam empatadas.
16. Precisamos fazer com que o pior jogador deles tenha a posse da bola. Então, receberemos logo ela de volta.
17. Se você tem a posse da bola, precisa fazer com que o campo seja o maior possível, mas se você não tem, precisa fazer com que fiquei o menor possível.
18. Todo jogador profissional de golfe tem um treinador para suas tacadas, outro para suas colocadas, para seus tiros. No futebol temos um treinador. Isso é absurdo.
19. Sobreviver à primeira fase nunca é o meu objetivo. O ideal seria estar com Brasil, Argentina e Alemanha no mesmo grupo. Assim eu teria eliminado dois rivais na primeira fase. É como eu penso.
20. Os jogadores hoje só sabem chutar com o peito do pé. Modéstia à parte, eu podia chutar com o peito, de chapa e a parte de fora de ambos os pés.
21. Qualidade sem resultado é inútil. Resultado sem qualidade é entediante.
22. Existem poucos jogadores que sabem o que fazer quando não estão marcados. Então as vezes você fala para o seu jogador: aquele atacante é muito bom, mas não marque ele.
23. Acho ridículo quando um talento é rejeitando baseado em estatísticas de computador. Baseado nos critérios do Ajax de hoje eu teria sido rejeitado. Quando tinha 15 anos não conseguia chutar uma bola mais de 15 metros com minha perna esquerda e talvez 20 com a direita. Minhas visão de não podem ser detectadas por um computador.
24. Jogar futebol é muito simples, mas jogar um futebol simples é a parte mais difícil do jogo.
25. Se eu quisesse que você entendesse tudo isso, eu teria explicado melhor.
E aqui, dois filmes com lances de Cruyff. O problema é que eles focam apenas na habilidade do jogador, não dando a noção de suas outras contribuições para seus times.
Bom dia, Argel (com os gols e as leis de Santos 3 x 1 Inter)
Argel tentou passar por cima de duas Leis Pétreas do Futebol. Sem sucesso, é claro. A de Bielsa e a de Andrade. Foi como lutar contra a gravidade. Vejamos. Reza a Lei de Bielsa:
O time que abdica de jogar com a bola, multiplica o número de bolas que o adversário terá.
Claro, se você não está nunca com a bola e se você defende-se dando chutões para qualquer lado, você está dando a bola e argumentos para que o adversário volte e volte e volte a atacá-lo. Avise Paulão a respeito, Argel. Ensine a todos sobre esta importante Lei do Futebol.
Porém, como se não bastasse, nosso time fora de forma física ignorou outra Lei Pétrea, a Lei de Andrade. O ex-grande jogador e treinador do Flamengo dizia:
O time que está sem a bola corre o dobro.
Há também uma Lei de Cruyff, que diz:
Tem apenas uma bola em campo, então você precisa tê-la.
Então, por mais desfalcado que esteja o teu time, ele não pode errar os passes que erra, nem dar os chutões que dá, nem dar o campo que dá ao adversário. Argel, tu treinas o Internacional de Porto Alegre, não o Figueira. Temos que jogar mais.
Há algo de muito errado no Beira-Rio. Ah, Argel, criei uma Lei pra ti, a Lei de Advertência a Argel :
Todo treinador será cobrado de acordo com a grandeza do seu clube.
E aí tu te ferras, porque a diretoria do clube desmanchou o grupo e tu não tens quase nada nas mãos. Sobre o jogo de ontem, para que falar mais? Ver Wellington onde antes estava Aránguiz… Parabéns, Píffero.
Agora, sirvam três façanhas de nossa direção anterior de modelo a toda terra. Lembra o Euclides Bitelo que Ricardo Goulart foi um dos melhores jogadores do Brasileiro de 2014 e que Lucas Lima é um dos melhores de 2015. O que eles têm em comum? Os dois foram doados pelo Inter como inaproveitáveis. E lembro eu que o autor do primeiro gol do Santos, Marquinhos Gabriel, também.
Parabéns, Luigi.
Após sobrevivermos (mal) à gestão Luigi, veio o Píffero e…
https://youtu.be/gFTfPN4vYUM
Equilibrando-me entre o futebol e o tênis
Sou daqueles homens que podem passar horas abobalhados assistindo a um jogo de futebol ou de tênis. O que fazer se nascemos com esta estranha necessidade, tão comum entre os homens e tão rara entre as mulheres? Tenho absoluta certeza de que o motivo maior pelo qual fico vendo futebol não é o ódio mortal (e perfeitamente natural) que cultivo ao Grêmio nem o amor que devoto ao Inter (algo mais natural ainda). Posso ficar igualmente hipnotizado se a atração for Boca X River, Manchester United X Milan, Náutico X Íbis ou uma pelada entre garotos. Trata-se de um defeito de fabricação muito comum entre nós, seres mais apreciados por elas pela produção de testoterona.
E o pior é que tenho absoluta certeza de que o motivo pelo qual gosto de futebol e tênis é estético, é plástico… Entendem? O futebol, principalmente quando visto no campo, é algo belíssimo, digníssimas senhoras. A movimentação, a tática que os jogadores obedecem ou não, é muito interessante. A dinâmica do jogo é complexa e alguns treinadores levam enorme tempo para gerar aquela sincronia a qual denominamos bom futebol. Tá bom, concordo que isto é parcialmente desmentido pelas entrevistas que ouvimos aos finais de jogos. Nossas mulheres devem questionar se a mente de quem fala daquela maneira pode gerar, noutras circunstâncias, quaisquer pensamentos abstratos. Outra dúvida possível é se a complexidade do futebol não é um fato apenas imaginado por nós com a finalidade de valorizar o triste fato de sermos fanáticos adoradores de algo imbecil. Mas sei que alguns jogadores podem ser verdadeiramente geniais dentro de campo, tal como Johan Cruyff, Tostão e Zidane; enquanto que outros — como Ronaldinho Gaúcho — são provas vivas de que uma excepcional coordenação motora pode ser comandada por um cérebro burro sem grandes problemas…
Algumas mulheres se irritam conosco, outras — mais espertas — suportam bravamente nossas características. A minha está no segundo time. Ela já foi adestrada (desculpe, meu amor) por um marido italiano que passava todo o domingo na frente da televisão em Verona. Como sou capaz de ficar apenas 3 horas contínuas atento aos jogos, talvez eu seja uma evolução em sua vida. Semana passada, durante uma preguiçosa e amorosa manhã, víamos um torneio de tênis e tratei de explicar-lhe as regras que regem um jogo daqueles. Foi complicado, pois não conheço a raiz histórica que faz com que contemos os pontos de forma tão estapafúrdia — 1 a 0 no game é 15-0, 2 a 0 é 30-0, 3 a 0 é 40-0… –, só sei que é assim. Como ela não costuma aceitar explicações vagas, tendo a irritante mania de dominar todos os conceitos fundamentais, não é adequado dizer-lhe que é assim porque é. Graças ao bom Deus, ela concluiu que devia ser algo inventado por ingleses, povo que tem o sistema monetário e de medidas mais complicado do planeta. No final, ela já estava até fazendo comentários pertinentes…
Ontem pela manhã, liguei a TV para ver LDU x Pachuca. Me entusiasmei além da conta com a cobrança de falta de Bolaños e disse o que deveria ter evitado: Olha, a trajetória desta bola! Não é pura arte? E completei a merda de forma condigna: Parece um traço de Picasso. De onde tirei uma besteira dessas? Recebi de volta apenas um arquear de sobrancelhas. Aquele arquear, entendem? Aquele que significa 100% de ceticismo, que nos reduz a meros adoradores de algo que não vale coisa alguma e que só poderá ser reequilibrado se ela ficar duas horas se arrumando para uma festa, provocando constrangedor atraso…
Céus, quanto investimento jogado fora!