A Sinfonia Nº 4 de Brahms

A Sinfonia Nº 4 de Brahms

Fonte principal: o Symphony Guide do Guardian

Johannes Brahms (1833-1897)

No próximo sábado, dia 7 de maio, a Ospa apresentará a Sinfonia Nº 4 de Brahms. Ah, também está no programa o Concerto para Piano Besame Mucho de Schumann, interpretado pelo excelente Jean Louis Steuerman. Mas meu foco vai para o que me interessa, a Sinfonia de Brahms.

É curioso. Em vida e a contragosto, Brahms foi chamado de conservador e reacionário em contraposição a Wagner, o revolucionário. Como os wagnerianos acabaram por dominar a maior parte da crítica na virada do século, demorou muito para que a obra de Brahms fosse colocada no lugar que merecia. Um dos que mais contribuíram para mudar esse estado de coisas foi Arnold Schoenberg, que expôs, numa conferência realizada nos Estados Unidos em 1933, o quanto Brahms era inovador. Tanto Schoenberg quanto Brahms foram fiéis à essência da música de câmara e a algumas de suas técnicas de composição — como a variação contínua dos motivos e a diversidade nos modos de repetição — que permitiam criar diferentes perspectivas da mesma prosa musical.

As primeiras pessoas a ouvirem a Quarta Sinfonia de Brahms em 1885 ficaram surpresas, muito surpresas, tanto que cometeram heresias, em minha opinião… Em dois pianos, acompanhado, é claro, por outro pianista, Brahms tocou a sinfonia em um sarau para um grupo de amigos próximos e a reação foi um daqueles silêncios desconfortáveis. Eduard Hanslick comentou: “Sinto que acabei de ser espancado por duas pessoas terrivelmente inteligente”. Outro, o escritor Max Kalbeck, apareceu no apartamento de Brahms no dia seguinte para recomendar que o compositor não mostrasse a peça ao público na forma mostrada no sarau. Em vez disso, ele sugeriu manter o final como uma peça independente e substituir tanto o movimento lento quanto o scherzo. (Para nós, isso soa como rematada loucura). Tudo isso criou enormes dúvidas em Brahms… Ele não tinha mais certeza de que permitiria que a peça tivesse vida além de sua estreia. Mas a recepção altamente positiva da obra por parte do público convenceram Brahms de que a Quarta Sinfonia deveria sobreviver. Um correspondente do Neue Musik-Zeitung noticiou o “enorme sucesso” da obra considerando-a “a conquista mais poderosa” de Brahms no domínio sinfônico.

Como sugeri acima, tais fatos são difíceis de acreditar hoje em dia, quando a Quarta Sinfonia de Brahms é apresentada em programas de concerto como uma obra infalível, com suas lindas melodias, sua melancolia confortavelmente familiar e apelo aparentemente fácil para músicos, maestros e plateias. Mas tente ouvi-la com total concentração. Ouça-a com se fosse uma novidade — ou com velhos ouvidos do final século XIX… Na verdade, ela contém algumas das músicas mais sombrias e profundas de que se tem notícia. Aqueles primeiros comentaristas estavam certos — não em termos de fracasso da obra –, mas no sentido da intransigente complexidade intelectual, expressiva tragédia e refinamento dessa música. Por exemplo, o movimento final, a passacaglia, termina com uma das melodias mais soturnos da música sinfônica.

Ouvindo-a com atenção, ficamos conscientes de que esta é uma música escrita para machucar emocionalmente o ouvinte. A gente se dá conta de que é bizarra a ideia de que a Quarta Sinfonia de Brahms represente uma sessão agradável na sua sala de concertos preferida. O que você está ouvindo nela é a impossibilidade de um final feliz. Jan Swafford vai ainda mais longe, chamando a peça de “uma canção fúnebre” que “narra uma progressão de um crepúsculo para uma noite escura”. Em vez das trajetórias “da escuridão para a luz” de tantas sinfonias em tom menor do século XIX — pensem da Quinta e Nona de Beethoven, ou de todas as sinfonias em tons menores de Bruckner –, Brahms faz o caminho contrário. Para o musicólogo Reinhold Brinkmann, “os corais de Brahms na 1ª e a 3ª Sinfonias ressoam como ‘esperança’, mas, com seu final negativo, a 4ª revoga essa esperança”.

O primeiro movimento (Allegro non troppo) é em forma de sonata, mas não o compositor não se mostra tão fanático pelas regras. Por exemplo, não há repetição da exposição, a música é continuamente desdobrada. O tema de abertura é sereno e fragmentado dando-nos um leve sentimento de conflito.

O Andante Moderato é lindo, com uma sonoridade estranhamente antiga. O Allegro giocoso chegou a ser utilizado — em formato resumido — pelo grupo de rock progressivo Yes, na faixa Cans and Brahms do LP Fragile. É um scherzo a la Beethoven, transbordante de alegria.

O movimento final, a passacaglia, é notável. É formado por 30 variações (e uma coda final) na melodia que você ouve inicialmente pelos metais e sopros. Essa melodia permanece presente na textura de cada variação, como exige a forma da passacaglia. A melodia principal é uma expansão de uma chacona da Cantata BWV 150 de Bach (movimento final) e o utilização por parte de Brahms de um método de construção barroco é sua homenagem a uma era cheia de religiosidade e tragédia da história musical, que esta peça honra. Para mim, o final tem o poder arrasador de um drama shakespeareano. É uma profecia sombria que se cumpre. A viagem da 1ª Sinfonia de Brahms à sua 4ª é do otimismo ao pessimismo, da possibilidade de remodelar o mundo à resignação. Em 1885, com 50 e poucos anos, já um tanto velho para sua época, essa era uma trajetória que Brahms sentia ser sua também. No entanto, como todas as tragédias, a Quarta Sinfonia tem um poder catártico — o que é uma explicação, pelo menos, para a popularidade dessa sinfonia desesperadora, perturbadora e surpreendente.

Principais gravações

Orquestra Sinfônica de Boston / Andris Nelsons: mostrando cada detalhe, é das melhores gravações que a Quarta recebeu neste século.

Orquestra Filarmônica de Viena / Carlos Kleiber: uma das gravações mais marcantes da obra – ouça e fique preso da primeira à última nota.

Orquestra Filarmônica de Berlim / Simon Rattle: a delicada e transparente abordagem de Rattle capta nossa imaginação de uma forma muito especial.

Orchestre Révolutionnaire et Romantique / John Eliot Gardiner: a versão de Gardiner é poderosa e realizada em instrumentos de época. Um tremendo disco!

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A BBC elegeu as dez melhores orquestras do mundo atualmente

A BBC elegeu as dez melhores orquestras do mundo atualmente

Uma delas eu vi em fevereiro. Não me arrependi.

Orquestra Sinfônica da Rádio de Baviera (Munique)
Orquestra Filarmônica de Berlim
Orquestra do Festival de Budapest
Orquestra Hallé (Manchester)
Orquestra do Gewandhaus de Leipzig
Orquestra Sinfônica de Londres
Orquestra Filarmônica de Los Angeles
Orquestra da Academia Nacional de Santa Cecilia (Roma)
Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam
Orquestra Filarmônica de Viena

Assisti 4 delas — Berlim, Londres, Concertgebouw — e a de Santa Cecilia este ano em Roma, tocando a 5ª de Mahler e outras cositas. Para quem, como eu, é apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, nem parentes importantes, está bom.

Orquestra da Academia Nacional de Santa Cecilia | Fonte: Wikipedia

 

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E Andris Nelsons grava sua integral das Sinfonias de Beethoven

E Andris Nelsons grava sua integral das Sinfonias de Beethoven

Andris Nelsons (1978) é um jovem maestro letão. Atualmente, ele é o diretor musical da Orquestra Sinfônica de Boston e da Gewandhaus Orchestra de Leipzig. Também já foi chefe da respeitada City of Birmingham Symphony Orchestra (CBSO). É uma estrela em plena ascensão e a Deutsche Grammophon já o contratou para gravar integrais das Sinfonias de Bruckner (Gewandhaus), de Shostakovich (Boston) e de Beethoven (com a Filarmônica de Viena).  As duas primeiras séries ainda estão sendo gravadas, mas a de Beethoven foi lançada neste mês.

E que esplêndido trabalho Nelsons fez com os filarmônicos de Viena! Um Beethoven forte e redondo, escandaloso e alegre, porém jamais, mas jamais mesmo, grosso. Certo pessoal do século XX achava que para tocar Beethoven, em certos trechos mais agitados, era só dar ênfase e berrar que estava bom. Era tudo muito emocional. Isso é ignorar a cultura. Beethoven foi um enorme artista de transição do classicismo para o romantismo. Se este é um dos fatores que o torna tão grande, também nos obriga a abordá-lo com conhecimento.

E Nelsons, com fraseados muito trabalhados, vai pelo outro lado e mata a questão com classe. E a Filarmônica de Viena fala beethoveniano, respira Beethoven. Creio que Nelsons deva ter ouvido muito os músicos da orquestra. Sei que se trata de um homem profundamente sensível e inteligente, conheço músicos que trabalham com ele. Sei das surpresas que apronta e que costuma dialogar.

O desenho do primeiro movimento da Eroica é quase erótico com a mágica das passagens da melodia de um instrumento para outro. Isso se repete a cada sinfonia, sublinhando a qualidade da orquestração. Raramente ouvi coisa mais natural, fluida e perfeita. E a sonoridade nem se fala.

Bem, ouvi as 4 primeiras sinfonias de Beethoven com Nelsons de enfiada. As duas primeiras — que jamais chamaram minha atenção — cresceram muito. A Eroica está sensacional, apesar de certas alegres liberdades tomadas na Marcha Fúnebre. A 4ª nem se fala. Mas logo voltei à Eroica (3ª), que está anormal de tão boa. Depois fui para uma excelente 5ª, cheia de sinuosidades e plena de tradição no terceiro movimento. Mas parece que Nelsons se dá melhor na delicadeza, pois sua 6ª é um primor, uma campeã.

Não, me enganei, sua sétima — com a sucessão fantástica de danças e o rock pauleira do último movimento — é um primor.

(Comecei a frequentar os concertos de música erudita com a idade de 4 ou 5 anos. Meu pai me levava. Ele disse que, por uns 5 anos, eu sistematicamente dormia após dez minutos. Ele queria saber quando eu pararia com aquilo, ainda mais porque eu dizia que gostava de ir… Certamente gostava era da companhia dele, claro.

Mas houve um dia em que eu passei a não mais dormir. Foi quando assisti uma 7ª Sinfonia de Beethoven regida por Pablo Kómlos. Aquilo era enlouquecedor. Uma sucessão de agitadas danças com aquele Alegretto (uma Pavana) no meio.

Ouvi hoje a 7ª e, pela enésima vez… Toda aquela primeira impressão permanece viva. Eu sou o mesmo, de certa forma. De certa forma bem distorcida.)

A oitava está menos haydniana do que o costume e mais parruda. A nona se vem dentro do padrão de alta qualidade do restante. Adorei.

A DG rouba sempre a cena quando o assunto é Beethoven, né?

E Nelsons, contrariamente àquela outra grande estrela da DG no século XX, está mais pela música do que pelo negócio. Isto é muito claro.

E, para deixar claro, QUE NOTÁVEL ORQUESTRA É A FILARMÔNICA DE VIENA. Não creio que possa haver algo melhor atualmente!

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