Porque era ela, porque era eu, de Clara Corleone

Este é o segundo livro e primeiro romance de Clara Corleone. Primeiro vieram as excelentes crônicas de O homem infelizmente tem que acabar. Este Porque era ela, porque era eu tem todo o jeito de história real, mas, sabe-se lá, talvez seja apenas uma realidade ficcional. Uma das personagens principais — chamada Clara Corleone — e passa por um conflito interno entre feminismo e estilo de vida. Afinal, ela aceita de ser a “amante”, a “outra”, de um homem. Sim, é uma crise, mas o é leve, bem humorado e é novamente escrito na prosa afiada e fluida de Clara.

Pois não é um tratado feminista ou filosófico. O conflito de que falei é perfeitamente encoberto por conversas jogadas fora, mil detalhes, garrafas de cerveja, por descrições de encontros entre amigas, entre amantes, em bares e em camas, tudo com a autora no controle. A história é contada pela Clara personagem. por um lado, e por Clarissa, de outro. No início do romance, a autora nos confunde sobre quem está narrando.

Quase todo mundo já lançou olhares ou se apaixonou ou ficou com alguém “comprometido”, creio eu. E é simplificar muito as coisas considerar a(o) amante um(a) mera vilã. Porém, para além do desejo, pegar um cara casado é uma opção ética. Neste caso, ela se une a ele no desrespeito que tem pela esposa, correto? Ela se une a ele e não à outra… Uma mulher que faz isto não estaria sendo machista? O feminismo não deveria ser também uma construção de apoio mútuo entre mulheres? É saudável uma relação que aniquila outra?

Mas a gente se diverte muito lendo Porque era ela… Há uma visão real e colorida da contemporaneidade do bairro Bom Fim e adjacências de Porto Alegre. É onde moro e é uma maravilha poder ir ao Miau da Cabral e pensar se podemos mesmo levantar (vá ler o livro). É uma delícia entrar na Lancheria do Parque pensando nas conversas e no aconselhamento entre as mulheres nas mesas. Aliás, anteontem, fui na Lancheria com a Elena quando repentinamente surgiu Clara Corleone herself na nossa frente.

A cena final do livro é realmente muito boa. Não há facadas, gritos e nem canos fumegantes. Ninguém arranca os cabelos. Há elegância.

Leia!

P.S. 1 — Clara leu esta resenha e esclareceu que só 10% daquilo ali aconteceu de fato.

P.S. 2 — O título do livro foi inspirado pela canção de Chico Buarque que, por sua vez, a trouxe de Montaigne, conforme está bem explicado aqui.

Clara na festa em que recebeu o Prêmio Jacarandá de “Aurora do Ano” | Foto de Bruna Paulin

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Porque era ela, porque sou eu

Porque era ela, porque sou eu

Encontrei a Clara Corleone sábado, na Feira do Livro. Ela estava com o meu livro na mão e pediu um autógrafo. Lembrei da dedicatória que ela me escrevera em seu livro anterior e busquei no cérebro algo de qualidade semelhante — isto é, de alta qualidade — enquanto conversava com ela e sua irmã Joana Alencastro. Elas são duas agitadas beldades, para usar um termo antiquado, mas evidentemente real.

De meu combalido cérebro não chegou nada de bom. Mas ouvi que eu era um dos poucos héteros brancos da minha geração com o qual valia a pena conversar. Ou não foi isso que ouvi?

O fato é que, se este branco hétero fosse um sujeito decente, deveria ter comprado o último livro da Clara e feito com que ela o assinasse de volta. Mas fiquei ali, de papo, lembrando que ela, falando sobre seu novo romance num encontro casual na Fernandes Vieira, tinha me dito que ficara com receio de alguma confusão de direito autoral que envolvesse Chico Buarque. Afinal Porque era ela, porque era eu é uma canção de Chico. Só que alguém lhe assoprou que a expressão viera de Montaigne.

Chegando em casa, pesquisei e mandei um Whats pra ela:

‘Porque era ele, porque era eu’: foi assim que Montaigne explicou as razões de sua amizade com Étienne de La Boétie. A explicação de uma amizade, no fundo, envolve a recusa de qualquer explicação, né? Estaríamos no campo da pura afinidade eletiva, ou melhor, da paixão, do amor.

Logo depois que mandei, fiquei pensando que fizera um típico mansplaining e já fui ficando puto comigo e com minha geração que NÃO APRENDE a não dizer obviedades para as mulheres. Sim, acho que tenho medo da nova geração de feministas. Mas, agora que soube que sou um velhinho hétero branco até que aceitável, tô de boas.

E comecei a ler o livro dela. Calma, tô só na página 33, mas gostando muito.

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A Bamboletras recomenda três ótimos livros muito diferentes entre si

A Bamboletras recomenda três ótimos livros muito diferentes entre si

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Sim, muito diferentes entre si. E ótimos! O livro de Clara Corleone é uma espécie de Sex and the City melhorado, atualizado e acontecendo no Bom Fim e Cidade Baixa. O de Felitti é a biografia de Elke Maravilha, livro que tem surpreendido e encantado seus primeiros leitores aqui na Bamboletras. E o do chileno Zambra é uma importante obra latino-americana, um livro que vai ficar. Quem viu Zambra no Fronteiras do Pensamento, sabe do que ele é capaz.

Boa semana e boas leituras!

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Porque era ela, porque era eu, de Clara Corleone (L&PM, 168 páginas, R$ 39,90)

Após o excelente livro de crônicas O homem infelizmente tem que acabar, Clara Corleone reaparece com um seu primeiro romance. Em Porque era ela, porque era eu, a autora aborda as relações amorosas-sexuais do século XXI, com homens e mulheres ora buscando novas formas de estar junto, ora reencenando antigos papéis. O belo título do livro nos remete primeiro a Chico Buarque e depois a Montaigne, verdadeiro autor da frase. “Porque era ele, porque era eu”, foi assim que Montaigne explicou as razões de sua amizade com Étienne de La Boétie. A explicação de uma amizade, no fundo, envolve a recusa de qualquer explicação. Estaríamos no campo da pura afinidade eletiva, ou melhor, da paixão, do amor. E Clara, num estilo arejado, com diálogos certeiros e instigantes, celebra a amizade entre mulheres e o poder de se reinventar. Um romance pulsante e grudante.

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Elke – Mulher Maravilha, de Chico Felitti (Todavia, 200 páginas, R$ 69,90)

Elke Grünupp nasceu na Alemanha em 1945. Tinha quatro anos ao desembarcar no Brasil, onde sua família se fixou no interior de Minas Gerais, para depois morar em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Altíssima e loira, ela destoava esplendorosamente das belezas locais. Elke começou vencendo muito jovem um concurso de misses em Belo Horizonte — de onde saiu para as passarelas das capitais da moda. A carreira meteórica de modelo, condimentada pela irreverência teatral com que vestia as peças de alta-costura, abriu-lhe as portas da TV, que acabava de ganhar cores. Trabalhou como atriz e jurada nos programas do Chacrinha e de Silvio Santos, tornando-se muito famosa. Mas até agora só dissemos coisas pouco importantes. Elke foi dionisíaca e livre como os personagens que encarnou. Estudou medicina, filosofia e letras. Nos anos 1970, revoltada com a ditadura militar, chegou a ser presa por rasgar um cartaz com fotos de procurados pelo regime. Colecionou casamentos e namoros nem sempre felizes, como a união com um fã que não tardou a se revelar violento. Este perfil biográfico reúne a agilidade da reportagem e a argúcia do ensaio para retratar a santa padroeira da alegria na TV nacional e musa eterna do glamour para seus admiradores.

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Poeta Chileno, de Alejandro Zambra (Cia. das Letras, 432 páginas, R$ 74,90)

Verdadeira declaração de amor à poesia e aos poetas e retorno de Alejandro Zambra ao romance, Poeta chileno é uma história encantadora sobre família, literatura e paternidade. O protagonista deste romance, Gonzalo, é um aspirante a poeta e padrasto de Vicente, um menino viciado em comida de gatos, que mais tarde vai se recusar a ir à faculdade porque seu sonho é seguir os passos do pai postiço e se tornar também poeta — apesar dos conselhos de sua mãe Carla, e de seu pai, León, um tipo duvidoso. O poderoso mito da poesia chilena – “somos bicampeões na Copa do Mundo de poesia”, diz um personagem, referindo-se aos Nobel conquistados por Mistral e Neruda – é revisitado por Zambra, um dos principais narradores do continente. O livro é sobre poesia, é sobre poetas que desprezam o romance, é sobre a América Latina, é sobre os labirintos da masculinidade contemporânea (as recalcitrantes, as novas, as que estão em transição), é sobre os trágicos vaivéns do amor, é sobre famílias modernas e fragmentadas, é sobre o desejo de pertencimento e, sobretudo, é sobre o sentido de ler e escrever no mundo atual.

Clara Corleone em um de seus tradicionais saraus no Von Teese Bar | Foto: Carolina Disegna

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