Porque hoje é sábado, Vanusa Spindler (vintage nacional)

Porque hoje é sábado, Vanusa Spindler (vintage nacional)

Para Felipe Prestes, Igor Natusch e Pedro Palaoro.

Era o meio da tarde de ontem, quando alguém lembrou Vanusa Spindler na redação.

Meu pasmo foi considerável, porque trabalho com pessoas sub-30, sendo que …

… a famosa Playboy vanusiana é de 1989 e a Sexy é de 1994.

É realmente notável a cultura daqueles jovens. Pensei que só pessoas da minha idade, …

… ou pouco menos, como o Rafael Galvão, a conhecessem. (Cliquem aqui, CLIQUEM).

Pensei que Vanusa fosse um fenômeno desconhecido para aqueles meninos.

Meu pasmo foi ainda maior quando um deles disse as seguintes palavras:

Isadora Ribeiro e Magda Cotrofe, ô dupla de ataque que castigou minha pré-adolescência.

Lembro que uma namorada abriu minha Playboy vanusiana e mediu a moça, …

… detalhadamente, de cabo a rabo. O veredito foi: “Gorda!”.

Naquela época eu ainda não tinha perdido o pudor, …

… então, olhei para Vanusa, fiz um ar científico e confirmei: “gordinha”.

A hipocrisia e a mentira são estatutos fundamentais em algumas relações.

Agora, preocupa-me esses jovens. Ouvem Led Zeppelin, Beatles, Stones, …

The Who, Pink Floyd… Não têm nem símbolos sexuais próprios! Querem não apenas …

… ouvir nossas músicas como sonham comer nossas fantasias!

Para o próximo PHES, será que consigo fotos de …

… Rose di Primo?

.oOo.

(Prezados usuários desta seção: Se vocês tiverem fotos da Rose, por favor, cedam).

Uma semana, um texto: O entardecer de um fauno, de Rafael Galvão

Quando inventei essa coisa de, a cada domingo, republicar em meu blog o melhor post ou texto lido na Internet durante os últimos sete dias, sabia que Rafael Galvão não tardaria. Após uma disputa interna com Marcelo Coelho, escolhi o Rafa com um texto a respeito das novas, porém inexoráveis, limitações experimentadas por um amigo comum: o Hermenauta. Na forma de uma compreensiva missiva enviada a um amigo em dificuldades irremediáveis, Rafael expõe toda sua cultura e tristeza em contido tom elegíaco.

Com vocês, O Entardecer de um Fauno, elegante título certamente baseado em Claude Debussy, autor de Prélude à l’après-midi d’un Faune (Prelúdio à Tarde de um Fauno). Preparem os lenços. É dilacerante.

O entardecer de um fauno

Confesso que ando muito preocupado com o Hermenauta. Um post deu o sinal de que algo está muito errado com o meu amigo:

My own private Cicero

“Velhice” é quando aquelas limitações que você imagina provisórias se revelam mais permanentes do que você gostaria.

É de uma tristeza pungente esse pequeno post do Hermenauta. Ali está, em tons contidos e quase cartesianos, como convém a um engenheiro, toda a dor da velhice. No começo dava para agüentar. Uma falha aqui, outra ali, isso poderia acontecer de vez em quando. Sim, ele diria “Isso nunca me aconteceu antes, querida”, e ela fingiria que acreditaria; mas quando tal limitação se revela permanente não há mais espaço para desculpas; apenas um olhar triste e desconsolado, nada mais que isso, e então palavras são desnecessárias. A tristeza absoluta dispensa explicações.

Em outros tempos, voando para Paris, o Hermenauta procuraria os banheiros do avião para seguir o exemplo de Emanuelle. (Se você não sabe quem foi Emanuelle, não se preocupe. É do tempo do Hermenauta.). Hoje ele apenas se contenta em observar o vaivém de passageiros dispostos a alguma diversão em uma longa e tediosa viagem transatlântica, e a consciência de que o seu tempo não é mais aquele o faz filosofar e lembrar de Cícero.

Velhice é uma coisa medonha, porque embora nunca venha de repente, ninguém está preparado para ela. Ninguém sabe, de verdade, o que são as dores crônicas, a sucessão de problemas, as impossibilidades tantas antes de vivê-las. Velhice é pior que a morte, porque depois da morte você não fica mais pensando no que deixou de fazer, ou no que não pode mais fazer. Na velhice, não. Na velhice o sujeito se alimenta de suas próprias memórias. O Hermenauta, por exemplo, fica relembrando os bons tempos no Posto 9.

Pior do que as falhas, pior do que nervos e vasos cavernosos que se recusam a obedecer as ordens do cérebro e seguir os conselhos das mãos, é citar Cícero. Só os antigos citam Cícero. O velho professor de latim: “Os romanos, senhor! Os romanos eram batutas!” Mas Cícero não era tudo isso que dizem dele. É só lembrar que Nero teve mais trabalho para matar sua mãe Agripina do que para dar cabo do velhote. Quando alguém em meio à tristeza da impossibilidade lembra de Cïcero, é porque não há mais jeito. Está velho, irremediavelmente velho, e tudo o que seu corpo cansado e dolorido pede é uma cadeira de balanço, onde possa acalentar lembranças gloriosas de um passado cada dia mais distante.

Ao mesmo tempo, velhice por si só não é o grande problema. Todos nós, se tivermos sorte, ficaremos velhos. O problema é quando o coração continua jovem, e sente desejos com os quais seu corpo não é mais compatível. Nesses casos a gente cita Cícero. E às vezes, como no caso do Hermenauta, uma certa angústia se manifesta. “Por quê?”, ele se pergunta, “Por que o Grande Designer me deu a experiência necessária somente agora, quando este velho corpo já não responde aos meus desejos?

Resta afirmar então que o círculo da vida (imagine agora a trilha de “O Rei Leão” enquanto lê isso) é sábio. Adolescentes correm atrás de mulheres mais velhas porque elas são mais experientes e normalmente financeiramente independentes, o que torna tudo mais fácil; velhos babam por ninfetas como Scarlett Johansson, peitos enormes que sublimam de maneira profana todo e qualquer complexo de Édipo porque a experiência lhes ensinou que a juventude e a firmeza de carnes são um valor tão desejável quanto efêmero. Mas se é sábia, a natureza não é justa; e por isso o Hermenauta hoje lamenta a sua sina.

Sabe, há histórias que a gente pode contar sempre para dourar essa pílula indigesta. Eu sempre lembro de Rossano Brazzi em “A Condessa Descalça”, vítima de um tenebroso acidente de guerra (e obviamente corno, que capado nenhum casa impunemente com a Ava Gardner). Há uma certa dignidade senil nesses casos — era Aristóteles quem dizia dar graças pelo arrefecimento de seus desejos? Por isso, da próxima vez em que o Hermenauta se vir compelido a inventar uma justificativa, ao invés de desfiar a velha ladainha do “isso nunca me aconteceu antes”, bem poderia colocar a culpa no Bush. “Foi em Mosul. Uma patrulha nos escoltava até o lugar onde iríamos construir uma torre de celular quando…” Irromperia então em lágrimas, soluçaria, mas cuidando em manter a dignidade masculina. Ele vai dar, assim, uma história de que a moça se lembrará pelo resto da vida — e que se tenha a certeza de que ela vai contar essa história ao seu novo namorado, suada e arfante, daqui a alguns dias. Por isso, recomendo ao Hermenauta apenas pegar moças burrinhas — porque uma mulher inteligente vai entender tudo, e a história que ela contará ao namorado será diferente: “Mô, peguei um velho broxa uma vez, tu não imagina o caô que ele tentou jogar em cima de mim”.

Uma vez, ouvi um velhinho no ônibus falar ao cobrador: “Meu filho, no dia que o pau cair, os dedos entrevarem e a língua enrolar, eu dou a bunda, mas da sacanagem eu não saio.” E já que a velhice despertou no Hermenauta todo o seu latinório, não custa lembrá-lo de que outro grande romano, um romano maior que Cícero, o Adriano original, arranjou para si um Antínoo. É nisso que dá andar com esses romanos.

Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles, ou Como tornar Saramago cinema?

Uma das coisas que mais me irrita é este lugar comum de dizer que “o livro é sempre melhor que o filme”. Dã. É uma burrice completa. Se quem diz isso ao menos soubesse que quase todos os Hitchcocks vieram de romances de segunda linha…

Há histórias filmáveis e outras não. Há livros que são quase roteiros, outros não. Apesar da vasta intersecção, há cordas que podem apenas ser tocadas pelo cinema e outras apenas pelos livros. Há especificidades.

Vou começar pelo livro. Saramago escreve, em média, um bom livro a cada década. Hoje, principalmente no Brasil, estabeleceu-se a regra de falar mal dos livros do único Prêmio Nobel de língua portuguesa. Trata-se do conhecido Complexo de Vira-Latas que acomete Brasil e Portugal — desde sempre para o primeiro e desde que o segundo deixou de ser um grande império colonial… Ganha-se algum destaque e este é sempre falso. Preconceito puro. Saramago não mudou. Segue publicando bastante — não o critico por este motivo — e acerta uma vez a cada dez anos. Sem problemas. É uma média altíssima. Nos últimos dezoito anos, melhorou sua média ao produzir três grandes livros: O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991), Ensaio sobre a cegueira (1995) e As intermitências da morte (2005). O resto que fez neste período parecem ensaios para os acertos. Nada de anormal nisso.

Surpreendentemente, pego-me pensando em outro fato: a separação dos Beatles. Este foi um acontecimento mundial. Em 1970, estavam juntos e eram brilhantes. Em 1971, eram todos famosíssimos e médios… Rafael Galvão, num post antológico que não consegui localizar (upgrade: que o Rafael acaba de me passar), comprovou que nada mudara. Em todo disco do grupo havia 5 boas canções de McCartney, 5 de Lennon e 2 de Harrison. Com esta informação, o Rafa montou o disco de 1971, o de 72, 73, etc., com músicas pinçadas no trabalho individual de cada um. O resultado foram trabalhos portentosos… Mas algumas amam a decadência de tal forma que procuram-na em todo lugar.

Ensaio sobre a cegueira é um livro de alta intensidade e criatividade. Sua leitura não é nada enfadonha e a força da parábola de Saramago atinge-nos em cheio. Esta é reforçada pelo fato de que os personagens não possuem nome: são “a mulher do médico”, “o médico”, “a rapariga de óculos escuros”, etc. No filme, tal impessoalidade se perde. Vemos, é claro, os rostos de Julianne Moore, de Mark Ruffalo, de Alice Braga e de Danny Glover, isto já basta para individualizar personagens que funcionavam como símbolos ou funções no original. OK, Literatura 1 x 0 Cinema. Neste 1 x 0, quem danou-se foi a profunda e geral desesperança de Saramago. Porém, “a responsabilidade de ter olhos quando todos os outros os perderam”, frase repetida à exaustão no livro de Saramago, está preservada no filme. Julianne Moore faz uma atuação maravilhosa e demonstra claramente que, apesar de sua vontade — de indiscutível feminilidade — de tudo resolver pelo melhor, a tarefa é inviável.

Um ponto fraco do filme é que a chegada dos doentes ao hospital-manicômio não nos dá a mesma idéia do livro: a de que aquilo está em todos os lugares. O ponto forte são as imagens do caos absoluto no momento que “a mulher do médico” leva-os para a rua. Talvez Meirelles tenha procurado justamente explorar o contraste entre uma situação que parecia inicialmente pontual e que se torna paulatinamente geral para o espectador. Mas não sei, algo não deu certo nesta transferência do particular para o geral. Outro ponto forte foi a fotografia esbranquiçada — a cegueira branca — e a música: no ponto certo de irritar, mas não demais.

Se não possui a grandiosidade do livro, é um bom filme; se não incomoda como o livro, atrapalha o suficiente; se parte da parábola perdeu-se, Meirelles não a deturpou — o que seria pecado mortal. Escapou de Meirelles o profundo e justificado pessimismo de Saramago. Seu filme não possui este tom e, com isso, perde impacto, ganhando certa gratuidade para os espectadores mais superficiais. Mas é um bom filme, sem dúvida.

Fico feliz que Ensaio sobre a cegueira (“Blindness”) tenha levado 118.145 espectadores aos cinemas em apenas três dias. Fui um deles, pois vi o filme logo no primeiro dia. Tal fato o torna a segunda melhor bilheteria nacional de estréia de 2008. Um fenômeno. Fico feliz com isso, repito; afinal, Meirelles merece mais filmes.