O Bola em Transe dessa semana já está disponível no SoundCloud. Em debate, a presença cada vez maior da tecnologia nas partidas de futebol. Confere o podcast abaixo. Com Débora Nunes, Francisco Éboli, Milton Ribeiro e Moysés Pinto Neto.
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A internet e as relações humanas
Os compositores de obras musicais costumam dar indicações quanto ao modo como deve ser tocada esta ou aquela peça. Entre cronistas não existe este hábito. Mesmo assim, aviso aos meus leitores que esta crônica deve ser lida con amore.
HERBERT CARO
Talvez esta seja uma experiência comum a muita gente, talvez não. Antes da Internet e, principalmente, dos blogs, eu utilizava muito o telefone. Conscientemente ou não, reservava horários noturnos para fazer longas visitas telefônicas aos amigos. Eram comuns os telefonemas de mais de uma hora onde exercitava meu razoável dom de escutar e minha discutível oratória. Nesta época, já ouvia uma crítica interna que advertia ter sido um erro grosseiro o quase ter abandonado as conversas que antes tinha em sebos e livrarias nos finais de tarde, assim como a tradicional discussão sobre música erudita na King`s Discos dos sábados pela manhã (onde recebia verdadeiras aulas quando jovem). O telefone, pensava, substituíra pobremente a observação da postura, do olhar e dos gestos dos amigos. É certo que tenho a sorte de possuir muitos amigos e nunca deixei de encontrá-los. Porém aqueles civilizados, alegres, gentis e “casuais” encontros em locais onde se podia jogar conversa fora sem maiores objetivos foi pouco a pouco substituído por vozes ao telefone.
O telefone impedia que se abrisse o leque de amizades como acontece nas livrarias e discotecas. Aos que já estão pensando que foram meus filhos os culpados disto, respondo que a utilização do telefone foi pré-prole e aos que acusarem nossos relacionamentos amorosos de exigências exclusivistas não posso responder, pois não lembro de meu primeiro casamento, tendo até esquecido se o nome de minha esposa era Suélen ou Pâmela…
Já viram que hoje estou em ritmo de conversa… Continuemos. As mudanças foram um sinal dos tempos? Acho que não. Ainda hoje, dia desses, fui passear por algumas livrarias do centro ao final da tarde e encontrei — sempre fora do âmbito das horrendas mega — pessoas falando em livros e contando casos. (Para quem mora em Porto Alegre, posso indicar a Ventura Livros como um local com enorme potencial para se comprar livros e para boas palestras. Os donos são acolhedores e conhecem muito bem aquilo que vendem. O Gustavo e seu sócio são representantes de uma raça que as mega-livrarias – sei lá por quê – parecem desejar extintas: são leitores de primeira linha, sabem muito e são civilizados, solidários, dando até descontos aos amigos…)
Também a Sala dos Clássicos é um local em que pode-se encontrar apaixonados debatedores defendendo o vulgar Concerto Nº 5 para Piano e Orquestra de Beethoven em detrimento do maravilhoso Nº 1 de Brahms. (Importante: eu amo Beethoven, mas este Concerto cujo primeiro movimento é pura ornamentação é de matar. Concordo: há gosto para tudo — no mundo há, inclusive, vegetarianos e pessoas que só ouvem Wagner.)
Voltemos a nosso assunto, pois quero lhes falar que, após abandonar o olhar, o ambiente e o gesto, troquei a voz pelos e-mails e blogs. Hoje, quase não falo mais ao telefone, só o utilizo para recados e conversas curtas. Mesmo as consultas que fiz a alguns amigos e, principalmente, àquela psicanalista formada pela Sorbonne, acerca da interpretação “do tal post da cizânia” resultaram curtíssimas; todos têm computadores conectados à rede em suas casas e as conversas foram esclarecedoras e exclamativas, mas breves. O grosso foi por MSN.
De qualquer forma, os novos vínculos formados pelos blogs e pala rede são muito fortes e creio que este seja um dos maiores elogios que possam ser feitos aos textos numa época em que a literatura fracassa diante de outros meios de expressão. E o leque de amizades potenciais guardado pela rede é aparentemente inesgotável. Não ousaria listar aqui os novos amigos com receio de ofender alguém pelo esquecimento, mas digo que, se eles têm a desvantagem de estar longe, têm a vantagem de nunca terem me decepcionado quando os conheci pessoalmente — ao contrário! Mas não me convenço muito: é raro vê-los, ouvir suas vozes, apertar suas mãos, beijar as bochechas ou alcançar-lhes um copo. Acho triste.