Londres, 17 de fevereiro (segunda-feira): o Victoria and Albert Museum e a primeira visita ao Wigmore Hall

Londres, 17 de fevereiro (segunda-feira): o Victoria and Albert Museum e a primeira visita ao Wigmore Hall

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O Victoria and Albert Museum — quase sempre abreviado para V&A — talvez seja o maior museu de artes decorativas e design do mundo, com uma coleção permanente de mais de 5 milhões de objetos. Fica ao lado do Museu de História Natural. Os dois ficam um de cada lado nas esquinas da Exhibition Road com Cromwell Road, pertinho do Hyde Park e do Royal Albert Hall. Quem conhece sabe, estávamos num dos corações culturais da cidade e pertinho do nosso hotel e imenso quarto.

Guardamos as melhores lembranças desta visita, mas antes é bom lembrar que quase todos os museus de Londres — principalmente os maiores e mais famosos — têm entrada gratuita. O V&A não é diferente. Ele foi fundado em 1852. Suas coleções mostram 5.000 anos de arte decorativa, desde os tempos antigos até ao presente. Ficamos lá o dia inteiro e poderíamos ter permanecido muito mais. Não é um local cansativo e quase inacessível como o Louvre. As coisas estão dispostas para serem vistas, sem empilhamento nem quadros até o teto.

Com um mapa na mão, fomos avançando pelas artes decorativas que os ingleses compraram ou mais provavelmente surrupiaram de todo o planeta. Não estávamos ainda com aquele espírito nipônico de viver para tirar fotos, então, quando vejo nossas fotos, penso, putz, por que não registrei e tal qual momento? Mas curtimos muito o V&A. passamos toda viagem de bom humor, mas este foi um dia realmente excelente.

Na primeira foto e na de baixo, tento pegar o reflexo da Elena ao observar as joias chinesas (chinesas?) que pretendíamos roubar.

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Passeando pelos largos corredores do V&A, encontramos uma dupla de esculturas de Alfred Stevens (1817-1876). Seus significados foram jogados na nossa frente com surpreendente clareza. A Elena é quem exclamou “veja que beleza, veja que metáfora!”. A primeira chama-se Valour and Cowardice

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… e a segunda Truth and Falsehood. E em verdade vos digo que, mormente a segunda, tem tanto a ver com o que vivi (vivemos?) em 2013 que fiquei embasbacado olhando todos os detalhes e depois pesquisando a respeito do significado de cada detalhe. A coisa parecia uma encomenda para mim. Os museus de arte são assim: a gente vê milhares de coisas, mas só quatro ou cinco grudam na memória e lá ficam dando voltas. Creio que são funções muitíssimos nobres, dos museus e da memória.

A ação da verdade pode ser vista de modo claro e quase deselegante. Com um rosto sereno, ela puxa a língua da mentira para fora. Um pesadelo e um sonho, certamente.

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Depois disso, fomos para o café regulamentar da Elena. É que, ali pelas 11h da manhã, minha namorada tem de ser religada e a forma é a utilização do líquido escuro que agitava loucamente as mulheres na época de Bach. E o café do V&A fica no jardim central do enorme edifício. O local é aprazibilíssimo, como podem ver. Sentar lá e não fazer nada é perfeito.

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Depois, a gente se perdeu e demos de cara com a época atual. Gostei muito deste armário dos anos 60.

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E da biblioteca abaixo.

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Lá de cima, temos uma vista do jardim interno.

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Voltando à arte, paramos para descansar bem ao lado de um belíssimo e clássico Dante Gabriel Rossetti que conhecia apenas dos livros..

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Numa parte do museu, há exposições de roupas usadas no teatro. Sim, claro, é um museu de artes decorativas, lembram? E eles oferecem vários tipos de roupas para a gente experimentar. Bem, sabemos que, nem que seja por um dia lá na infância, todas as mulheres sonharam em serem princesas…

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… e todos os meninos pensaram em terem todo o poder para satisfazer todos os seus desejos, os mais sublimes e os mais perversos.

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Enquanto eu posava de reizinho, uma menina pegou um lápis e riscou TOTALMENTE meu mapa do museu, tornando ilegíveis as marcações das salas visitadas e das por visitar. Era uma inglesinha ruivinha e diabólica, que estava por ali com um pai assustadoramente tatuado.

A Elena ficou encantada com um sujeito que depois, revelou-se ser…

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… Georg Friedrich Handel. É uma bonita obra de Louis Francois Roubiliac, esculpida em 1738. E é puro século XVIII, credo. Muito típico, parece saída da páginas de Henry Fielding.

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E é claro que a gente tira fotos evitáveis de pombinhos bobos.

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À noite, fomos ao lendário Wigmore Hall para assistir ao recital do pianista Piotr Anderszewski que conhecia de várias gravações. A acústica do local é es-pan-to-sa, Sr. Marcos Abreu. É local relativamente pequeno e em forma de caixa de sapato, como manda o melhor figurino para os ouvidos. E se a boa acústica é um refrigério para a alma, também não perdoa ninguém, claro. No primeiro acorde de Anderszewski já deu para entender porque aquele local é de devoção á música. Na fila para compra do programa, havia um senhor que reconheci como o romancista Ian McEwan (chupa, Charlles Campos). Olhei bem e foi ele quem pegou o programa depois de mim e se dirigiu para o banheiro masculino, mancando como se estivesse com dores musculares.

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O programa tinha a Abertura Francesa de Bach; as seis Bagatelas, Op. 126, de Beethoven; a Novelette Op. 21 Nº 8 de Schumann; e a Sonata Op. 110 de Beethoven. Numa palavra, o polonês que hoje vive em Lisboa é um monstro.

Segundo Eric Hobsbawm, que conhecia música como poucos, talvez o Wigmore seja hoje a melhor sala para a Música de Câmara no mundo. Ao menos é o que o ele afirmava isso a todos por anos e anos.

Ao final, o cara deu três bis. Eu conhecia somente a Sarabanda da Partita Nº 5 de Bach. A Elena não conhecia nenhuma das três peças mas me humilhou acertando as outras duas com base no estilo e na harmonia das mesmas: era um Schumann (Cenas da Floresta) e uma bagatela de Bartók. Mas acho natural perder SEMPRE para alguém que tem um ouvido como o dela.