Um local da cidade: Bonobo, café com conceito

Um local da cidade: Bonobo, café com conceito

Acordei hoje e, por algum motivo, lembrei desta reportagem que fiz para o Sul21 em agosto de 2011. Apesar de não ser nada hostil e de eventualmente comer comida vegana, não faço parte da tribo. Porém, na época, mal sabia o que era aquilo, poucos sabiam o que era. Gostei muito do tratamento que recebi no Bonobo e vai ver que foi isto que me fez lembrar deste texto bem simples.

Um lugar incomum, o Café Bonobo | Ramiro Furquim/Sul21

Café Bonobo fica a dez minutos de caminhada do Parque da Redenção, exatamente na esquina da Castro Alves com a Felipe Camarão, em Porto Alegre. É uma bela casa de dois andares. No térreo fica o Café e no andar de cima moram os proprietários, o casal Valesca Sierakowski Kuhn e Marcelo Guidoux Kalil.

Se considerarmos a comida oferecida, a postura e o conceito que o apoia, o local não é nada tradicional. Para começar é um café vegano — os veganos se abstêm de utilizar quaisquer produtos que provenham de aninais ou da exploração destes. Então, além de não ingerir carnes, peixes, aves, ovos, leite, mel e seus subprodutos, como gelatina, soro, gordura, etc., os veganos não vestem tecidos de origem animal, como couro, seda, lã e peles, nem produtos testados em animais.

“O veganismo é um vegetarianismo puro e eminentemente ético”, explica Marcelo, sócio do Bonobo. “Com o tempo, a gente foi incorporando outros conceitos ao veganismo, coisas libertárias, algumas ideias anarquistas anti-hierarquia, que fomentam a horizontalidade.”

A estante do bookcrossing | Ramiro Furquim/Sul21

Tais opções estão presentes por todo o restaurante – chamamos de restaurante, pois frequentemente são servidos almoços aos sábados. Ao lado da mesa onde sentamos, por exemplo, há uma pequena estante de livros. Ao ser perguntado sobre o motivo da existência da pequena biblioteca, Marcelo esclareceu que era para fazer bookcrossing, que é a prática de deixar um livro num local público para que outros o encontrem, leiam e voltem a “libertá-lo”, seja devolvendo-o ao local onde foi encontrado, seja deixando-o por aí para que outros leiam. “Queremos divulgar as ideias que achamos boas. Recentemente, demos destaque à questão da mobilidade, do uso de bicicleta, que nós apoiamos. Então, quem chega de bicicleta aqui tem um espaço legal para estacioná-la”.

Os pratos oferecidos pelo Bonobo são produzidos a partir de alimentos comprados em feiras ecológicas, direto do produtor. “Acho que a única coisa que passa por processos industriais é o vinho. O resto fazemos tudo: o pão, os burgers, os molhos, os bolos, os sorvetes. A cerveja é um amigo nosso que faz. Até os produtos de limpeza são naturais.”

O menu do Café Bonobo | Ramiro Furquim/Sul21

Os burgers é uma das especialidade da casa. Tudo é vegetariano. O pão é branco ou integral, o “bife” pode ser ou de lentilha com curry e grão-de-bico ou de cenoura, amendoim e arroz integral. Os molhos são de catchup caseiro de tomate, pasta de grão-de-bico ou guacamole. Para quem quiser se aquecer no inverno, há o tradicional chocolate quente com leite de amêndoas. Os preços não são nada altos e ainda há promoções: por exemplo, há o bolo sem preço, pelo qual cada um paga o quanto pode ou quanto acha que vale. E hoje (10/08/2011) o almoço é sem preço, ou seja, você come e paga o que achar justo.

Val e Marcelo vivem modestamente do Bonobo. Não pretendem mais e seu café tem o slogan “compre menos, trabalhe menos e viva mais”.

O que é bonobo? Bonobo é uma espécie de primata que age de forma contrária a do chimpanzé. Este costuma resolver seus problemas – inclusive os do amor – pela força, enquanto os bonobos decidem suas questões através do amor. Por exemplo, se estão disputando comida, um faz carinho no outro e acabam compartilhando. É uma visão que seria mais harmoniosa do que a dos chimpanzés, que fazem guerras entre eles, com mortes, muitas vezes. “Aqui no café somos eu e a Val. Fazemos, dividimos e compartilhamos tudo, até a limpeza”.

“Vez ou outra nos damos o luxo de não abrir” | Ramiro Furquim/Sul21

O Bonobo abre geralmente de quartas a sábados, das 18 às 22h. Mas nem sempre este horário é cumprido. Às vezes abre para o almoços, às vezes em outros horários, às vezes não abre. Os clientes se informam pelo telefone, twitter, facebook ou pelo blog do café. “Geralmente funcionamos de quarta a sábado, mas uma vez e outra nos damos o luxo de não abrir… Quando fazemos isso, sempre avisamos. Por exemplo, hoje, depois de um monte de dias de chuva, abriu um sol e era o aniversário da Val, então escolhemos não ficar presos aqui dentro na cozinha.”

Além da estante do bookcrossing, há uma biblioteca que vende e empresta livros. Há outros produtos também: “Temos até absorventes femininos ecológicos para vender. São aqueles antigos que nossas avós usavam. São de usar e lavar para reaproveitar. A própria água com que é lavado pode ser usada para regar as plantas, é ótimo.”

O Bonobo mantém a política de compartilhamento também na cozinha. Nada é segredo. Então, se um cliente quiser saber como as pratos são preparados, é convidado a visitar a cozinha para auxiliar a fazer as coisas e aprender. “Estamos mais interessados em divulgar o veganismo do que em guardar segredos de cozinha.”

“Quem chega de bicicleta aqui tem um espaço legal para estacioná-la” | Ramiro Furquim/Sul21

Segundo o casal, são raros os casos de comensais que pedem uma picanha sangrenta. “A maioria do público sabe como é, já temos um público bem fiel. Às vezes, quando está cheio, as pessoas olham e vão embora. Nós nem aconselhamos as pessoas a esperarem, pois quando o pessoal senta aqui demora muito para sair.”

Val e Marcelo tentam plantar alguma coisa no próprio espaço do Bonobo. “A gente planta mas aqui têm muitos prédios ao redor, pouca luz e é muito úmido. Agora um amigo trouxe uma mudinha de juçara, que é como o açaí da mata atlântica. Ele acha que vai pegar. Temos pimenta, maracujá, guaco, amoreira… bastante coisa. Os móveis aqui do café nós achamos na rua ou em briques, arrumamos tudo. Viste como são bonitos?”.

Além da estante de bookcroosing, há uma pequena livraria que faz vendas ou empréstimos de livros |Ramiro Furquim/Sul21

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Uma história moderna de terror (ou de como as Redes Sociais tomaram conta de nossas vidas)

Uma história moderna de terror (ou de como as Redes Sociais tomaram conta de nossas vidas)

O incrível é que me foi mandado por um cara que só tem Whatsapp e que se identifica com o personagem masculino. Devo certamente evitá-lo.

Enviado pelo amigo Paulo Oliveira.

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Como o Facebook pretende dominar o mundo

Como o Facebook pretende dominar o mundo

Pues no hay nadie perfecto..

No Brasil, 80% dos internautas têm perfil no Facebook. O enorme alcance da empresa de Mark Zuckerberg faz com que ela seja fundamental para os meios de comunicação. Estes colocam em nossas timelines suas notícias e textos. Ou colocavam, pois o Face está interferindo severamente nesta distribuição de links. E não adianta tentar evitar ou enganar o gigante. Ele vê claramente as nossas ações em seu aplicativo e nos manipula feito marionetes. Quem produz conteúdo e quer vê-lo lido tem que entender o que o monstro deseja.

Há algumas semanas, a presença dos meios de comunicação na rede social diminuiu muito. Caiu o alcance das notícias que os veículos publicam em suas páginas. Tal queda coincide, obviamente, com a mudança no algoritmo de distribuição.

Agora o Facebook não quer mais funcionar como um distribuidor de links — quem faria isso é o twitter. Distribuir links manda os usuários para fora do Face e agora ele quer manter os usuários o máximo de tempo possível dentro do aplicativo.

O funcionamento geral do Facebook é bastante simples. De um lado, existe a pilha de postagens criada por você (pessoa física ou veículo), de outro você tem uma pilha de amigos (ou curtidores, no caso de fan pages). Então, o Facebook mostra as postagens na chamada “Página inicial” dos amigos ou curtidores, mas não para todos. Ele mostra apenas para aquelas pessoas com as quais você mais se relaciona ou para seus parentes. É ele quem decide para quantos vai mostrar a postagem. É ele quem decide se a sua postagem ficará incógnita ou se fará sucesso. Claro, se o veículo pagar pela distribuição, o algoritmo lhe devolverá um sorriso e entregará o conteúdo para um maior número de seguidores.

Mas agora o Facebook não quer apenas isso, ele quer que o tráfego de seus usuários permaneça dentro da rede social. Ou seja, ele não quer mais os links. E coloca os meios de comunicação diante de um dilema inédito: para melhorar a distribuição de seu conteúdo, eles precisam publicá-lo na página do Facebook.

Não adianta tentar enganar o Face. Rindo, ele vê os jornais inventarem estratégias para melhorar a distribuição de notícias… Zuckerberg deve achar graça de tais estratégias, pois é ele quem decide, põe e dispõe.

Por outro lado, o Facebook sabe da importância dos veículos de comunicação. Diversos estudos, como o da consultora digital Parsely, indicam que o tempo dedicado a ler ou assistir notícias é maior que o de outros conteúdos. Além disso, os leitores de notícias, em busca de atualizações, consultam a rede mais frequentemente. São usuários importantes para as redes sociais.

Para tanto, o Facebook criou uma ferramenta para que as pessoas leiam as notícias e vejam os vídeos SEMPRE DENTRO DO FACEBOOK, sem sair dele. É o Instant Articles. Dentro dele, há um editor mais completo para que o veículo possa manter sua identidade. Publicando no IA, o Facebook remunerará o veículo conforme o número de leituras.

O que houve? Ora, o Facebook colaborou com os veículos de comunicação, seduziu-os habilmente e neste momento em que todos estavam felizes e instalados confortavelmente, quer cobrar pelo conforto. Era de se esperar.

Google

O Google já fazia o mesmo de outra forma. Cobrava dos produtores de conteúdo para que aparecessem nas primeiras páginas das pesquisa. Outro fato importante é que a ferramenta privilegia o produtores originais de textos. Os meros copiadores de notícias produzidas por outros veículos vão perdendo e perdendo posições nas pesquisas, caindo no ranking. O Ctrl-C Ctrl-V não é aprovado pela ferramenta. O “vou repicar esta notícia porque achei importante” pode ser um belo tiro no pé.

Com isso, quem se prejudica são os sites que produzem conteúdo E copiam notícias, penso eu…

Twitter

Até o twitter já tem um algoritmo que escolhe as notícias que mais possam interessar ao usuário da plataforma.

Conclusão óbvia

Claro, que este texto é apenas uma introdução a um assunto vastíssimo, mas a conclusão não cairá muito longe do “Não existe almoço grátis”. Ou seja, é impossível conseguir algo sem dar nada em troca. O termo “almoço grátis” faz referência a uma prática comum entre bares americanos do século XIX, que ofereciam refeições a custo zero. Mas apenas para os clientes que consumissem bebidas.

Ih, rapaz, mais de novas políticas do Facebook aqui.

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Facebook, 10 anos e mais de 1 bilhão de usuários

Facebook, 10 anos e mais de 1 bilhão de usuários
Atrás apenas do Google e da Amazon, por ora | Foto: Facebook/ Diulgação
Atrás apenas do Google e da Amazon, por ora | Foto: Facebook/ Diulgação

Publicado em 8 de fevereiro de 2014 no Sul21.

O Facebook, um vício irremediável, lançado em 4 de fevereiro de 2004, tem o mesmo número de usuários que a internet toda tinha em 2007. Em âmbito mundial, o Facebook já ultrapassou o número de 1 bilhão de usuários.

Traçando um paralelo simplório — pois desconsidera os perfis de empresas e de outras organizações — , diríamos que 14% da humanidade tem conta no Facebook. Proporcionalmente, o Brasil foi o país que mais deu usuários a Mark Zuckerberg nos últimos anos. O país saltou de 35 milhões de usuários em 2011 para 76 milhões. Mais da metade acessa pelo celular. Todos os dias, 61,4% dos usuários que residem na América Latina conectam-se à rede social. Isso representa uma audiência de 47 milhões de brasileiros, 28 milhões de mexicanos e 14 milhões de argentinos, porcentagem é significativamente mais alta que a média dos outros países.

Atualmente, o Brasil está na terceira colocação em número de usuários, perdendo apenas para os Estados Unidos e a Índia (41,3). Se o Facebook fosse um país, seria o segundo mais populoso do mundo, empatado com a Índia e apenas atrás da China, tendo ultrapassado de longe os Estados Unidos da América com seus 310 milhões de habitantes. Recentemente, o valor da empresa foi avaliado em mais de 100 bilhões de dólares, ficando atrás apenas do Google e da Amazon dentre as empresas da Internet. Mark Zuckerberg, principal proprietário da rede social, tem uma fortuna avaliada em 16,8 bilhões de dólares.

Nesta semana, a empresa lançou um novo e bonitinho produto. Como aos dez anos de idade já dá para ser nostálgico, o Recorde Momentos cria um filme com trilha dramática cheio de fotos animadas do indivíduo desde que este entrou na rede social, também mostra as postagens mais curtidas, os melhores amigos, etc. Foi a forma encontrada pela empresa para que os usuários participassem da festa dos dez anos. Ainda que pareça meio emocionado demais.

Recorde momentos:

Parte do pacote de aniversário

Parte do pacote de aniversário
Para saber das últimas, Facebook! | Fonte: FreePik

As razões do sucesso

Se o Google serve como plataforma de pesquisa, se o Twitter é rápido em suas frases e links e se o YouTube aos vídeos, principalmente os de entretenimento, o Facebook dá um importante retorno emocional a seus seguidores.

Estes veem seus pequenos textos e opiniões aprovadas, veem fotos de amigos sumidos, batem papo um com o outro ou em grupo, formam grupos por interesse, pesquisam sobre os amigos dos amigos (“quem será essa pessoa?”) acompanham se aquela(e) amiga(o) está tendo um “relacionamento sério” com outrem (analisamos quem é e examinamos as fotos, se tivermos permissão), reagem quando um destes status se altera (às vezes com alegria, outras vezes com inveja ou ódio), ficam preocupados com a falta de uma resposta (“será que ele(a) não se conecta ou não deseja responder?”), compartilham imagens e textos entre os amigos (“gostei tanto daquilo que meu amigo escreveu que repassei a todos os meus seguidores”) e bloqueiam seus desafetos (“para que ela(e) não saiba nada de minha vida!”).

Surgem com grande frequência notícias que relacionam o site com fatos que parecem saídos de revistas de fofocas do gênero a-mulher-que-descobriu-que-o-marido-já-era-casado ou pai-descobre-filhos-desaparecidos-há-anos, mas o site — concebido justamente para utilização pessoal — também passou a ser utilizado com finalidades políticas e pelos jornais que buscam interatividade com seus leitores e divulgam suas notícias.

A tela de abertura do Facebook original

Mas antes um pouco de história. O Facebook foi um sucesso instantâneo. Mark Zuckerberg, juntamente com Dustin Moskovitz, Eduardo Saverin e Chris Hughes, fundou o “The Facebook” enquanto frequentava a Universidade de Harvard. Era 4 de fevereiro de 2004 e, até o final do mês, mais da metade dos estudantes da Universidade foi registrada no serviço. Então Zuckerberg partiu para a promoção do site e o Facebook ficou disponível também para a Universidade de Stanford, Columbia e Yale. Esta expansão continuou em abril de 2004 com as universidades de Cornell, Brown, Dartmouth, Pensilvânia e Princeton. Logo foi aberto para fora do ambiente universitário e… Bem, o número de usuários chegou ao primeiro milhão em dezembro de 2004, apenas 10 meses após a fundação.

O serviço é gratuito e a receita é gerada por publicidade, incluindo banners, destaques patrocinados na coluna de notícias e grupos patrocinados. Os usuários criam perfis que contêm fotos e listas de interesses pessoais, trocando mensagens privadas e públicas entre si. As pessoas e empresas que estiverem interessadas em serem vistas na timeline de usuários escolhidos por profissão, interesses, região etc., podem pagar uma módica quantia que Mr. Zuckerberg divulga a eles. A visualização dos perfis detalhados dos membros é restrita a amigos confirmados e para membros de uma mesma rede, conforme as opções de privacidade. Há também opções de jogos. Trata-se de uma receita aparentemente perfeita e que faz com que cada usuário tenha uma média de 200 amigos e permaneça cerca de 750 minutos por mês no site.

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Oscar Niemeyer e seu perfil fake no Twitter

Eu admiro Oscar Niemeyer. E, apesar de não ter a menor participação do moço, ultimamente tenho me divertido também com seu perfil fake no Twitter. O @ONiemeyer (“Arquiteto. Comunista. Centenário. O único brasileiro do século XX cuja obra durará mil anos. E estará lá pra conferir. ATENÇÃO: PERFIL FAKE!”) é engraçadíssimo. Vale a pena acompanhar as piadas de humor negro e as ianda mais negras sobre comunismo. Há boas chances de que o autor do perfil seja também arquiteto.

Algumas entradas:

— Caro @fidelcastro, perdoe o desabafo, mas a última leva de charutos que você me enviou estava uma merda.

— Acabei de ver uma manteigueira que renderia uma sala de concertos perfeita. Vou copiar.

— Zé Alencar, Tuma, Sarney, tudo no hospital. Esses jovens de hoje se detonam muito rápido.

— Se eu mandasse um cartão de melhoras pra toda vez que o Zé Alencar deixasse o hospital, eu teria que abrir uma gráfica.

— Comecei a pagar um plano de previdência privada hoje. Nunca se sabe o futuro.

— Quando o sol bater ♪♬ Na janela do teu quarto ♪♬ Lembra e vê que foi erro de projeto.

— Projetei um escorregador pra minha bisneta. Dane-se que não dá pra escorregar, é BO-NI-TO.

— Eu só vou morrer no dia em que o Brasil tiver um presidente comunista. E falo SÉRIO! 

— Já tentei fazer regressão a vidas passadas, mas o mais longe que consigo chegar é nos meus 5 anos de idade.

— Nada é mais comunista do que minha obra: seja rico, pobre, ou burguês, todo mundo se sente desconfortável dentro dela.

— Plínio não vence esta eleição e nem em 2014. Mas será o grande nome de 2018. Podem escrever!

— Vi a Mulher Melancia na Fazenda e tive uma idéia para um centro de convenções gigantesco. Já volto.

Abaixo, o verdadeiro abre seu voto para 31 de outubro:

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O peso relativo das palavras no Judiciário

Digamos que as palavras tenham seus pesos determinados não por sua densidade ou consistência, nem por sua massa multiplicada pela aceleração da gravidade, mas pela quantidade de leitores atentos que elas possam obter durante sua vida útil. Peço aos meus sete leitores que comparem a “perenidade dos livros” com o número de pessoas paradas e atentas em frente a um dazibao. Se, após editado, uma palavra dentro de um livro obtiver 500 leitores que passarão os olhos por ela e a compreenderão, ela terá peso menor que outra, chinesa, que terá 10.000 leitores no jornal mural chinês e que amanhã será substituída por outra. Aqui, neste texto, não me interessa a beleza ou a razão, mas o número de leitores compreensivos — adjetivo que uso na acepção que Herbert Caro utilizava em nossas manhãs musicais de sábado na King`s Discos, onde compreensivo era o intérprete ou tradutor que demonstrava empatia para procurar sempre entender o autor. Deste modo, uma palavra dita no rádio para 50.000 ouvintes também teria peso superior a de qualquer palavra escrita por um bom e ignorado escritor brasileiro.

Curioso, este assunto me ocorreu quando estava na presença de um psiquiatra forense. Tive duas sessões com ele, cada uma de quase três horas. A finalidade era a de saber se eu poderia obter a guarda de minha filha, ou seja, a de saber se eu era louco ou não. Sua opinião foi muito benigna a meu respeito e, ao final da segunda sessão, ele me comentou que achara meu processo confuso e mal montado. Montado? Ele me explicou que num processo o mais importante é a montagem e o motivo era simples. Os juízes não liam os processos, apenas davam davam um “vistaço”. Vistaço? Ah, sim, folheavam os processos, liam os títulos, algumas frases de um ou outro item e decidiam. Como? Ora, através da experiência. Os juizes então liam os processos como lemos um livro que estamos detestando, mas do qual, meio de má vontade, queremos vagamente descobrir o final? Sim, só que eles não avaliam a qualidade, apenas têm pressa.

O ambiente psiquiátrico é dos mais civilizados que conheço. Peço desculpas a meus amigos terapeutas, mas aquilo é pura diversão para alguém que nunca precisou de tratamento. A gente vai lá e tem uma boa conversa com um sujeito especializado em conviver e manipular, fazendo-nos mudar de assunto ou penetrar em coisas que nem sempre apreciaríamos, mas que ali, bem, ali vale tudo. É como uma dança. O terapeuta faz uma forcinha para um lado sugerindo uma mudança de rumo ou ritmo e nós vamos atrás; se quisermos comandar, vamos ter de enganá-lo ou convencê-lo, tarefa bem complicada, pois ele tem interesses muito definidos e normalmente dá mais importância à nossa insistência em comandar do que ao conteúdo que desejamos introduzir. Sempre saí leve das poucas consultas que fiz, pois era agradável ser “levado” numa dança em que tudo o que não precisara fazer era pensar. Deixava-me ser manipulado e gostava. Mas aquilo que ouvira era demais! Por isso, mudei de posição na cadeira e comecei a questionar. A partir do momento em que ele dissera que eu não era doido varrido e não daria muito dinheiro às pessoas de sua profissão (sim, ele O disse), eu, bem, poderia me mostrar ao natural… Então, resumindo, o processo tem de ter bons títulos, que fossem sedutores ou escandalosos o suficiente para chamar a atenção do apressadinho? Sim, claro. E letras bem grandes? Evidentemente. E os textos deveriam ser curtos e grossos? You got it.

Naquele momento, eu descobri duas coisas: (1) que perderia um outro processo e (2) que qualquer advogado de inteligência mediana saberia que não adianta escrever laudas e laudas citando Pontes de Miranda, Ortega y Gasset e milhões de artigos perdidos na teia de fios em curto circuito do “sábio legislador”, quando o melhor seria a abertura de um processo twitter, que receberia inclusive a simpatia de um incompreensivo (ainda na acepção de Caro) juiz.

Cheguei em casa e liguei para meu advogado. Perguntei-lhe quantas páginas ele escrevera (um monte!), o tamanho da fonte (10, imaginem!) e o número de títulos de itens (poucos). Stendhal dizia ironicamente que sonhava escrever como um advogado, pretendia que seus livros saíssem direto do cartório para o prelo, pois admirava a exatidão jurídica — hoje nem lida… Ali, as palavras eram exploradas em seu preciso significado, as metáforas estavam varridas, mas Stendhal, o imenso, seco, esquecido e genial Henri-Marie Beyle, faleceu em 1842, estamos quase dois séculos adiante e, apesar de os advogados tentarem manter a utilização de palavras etimologicamente corretas… hoje escrevem para não serem lidos.

Então, quando anunciam como grande coisa a informatização do Poder Judiciário, com a eliminação daquelas montanhas de processos, só posso pensar que é um caminho naturalíssimo. Há milhões de processos mal analisados atravancando as salas e agora tudo ficará registrado, e não lido, em discos rígidos. Ah, mas os juízes terão acesso mais rápido aos textos? Pode ser, porém você tem de considerar o novo suporte.

Os monitores e as janelas têm características físicas que favorecem o Reino da Desatenção que é a Internet. Tudo no computador favorece o “scanning”, a busca de palavras-chave ou trechos de interesse. Há a ansiedade da informação, há a janela em background piscando ali embaixo, tudo é difuso. Como diz este interessante site, Manifesto contra a leitura desatenta, a leitura rápida é útil, mas só leitura rápida é fútil. Eu reformularia a frase do Fred, só que a rima iria para o saco (expressão impensável juridicamente — a que saco Vossa Senhoria se refere?). A leitura não será como a do músico que lê a partitura em clusters (conjuntos, pencas) de notas conhecidas e que as toca todas. A qualidade do “vistaço” será menor ainda nos vídeos, pois a ele associa-se a pressão das janelas abertas e do fazer tudo ao mesmo tempo agora.

Então, meus caros advogados, eu sugiro que vocês deem peso a suas palavras treinando no twitter. Ou que tuítem direto com os juízes. Claro que estou brincando. Mas acho mesmo que o sucesso do twitter deve-se à diluição da atenção provocada pelo suporte onde trafegam textos que são só mais ou menos lidos. 140 caracteres é um bom número para um “vistaço”.

Obviamente, tudo isso NÃO passou pela minha limitada cabeça enquanto estava sentado na frente do psiquiatra forense, até porque, ainda que estivesse arguindo, estava com resquícios daquele clima bom de dança. Todavia, fiz-lhe as perguntas decisivas, aquelas duas óbvias, as que não iriam calar. Como então eles decidem? Ora, pelo senso comum, sem atentar a detalhes. Essa era a resposta que temia ouvir e suas consequências nefastas dariam assunto para vinte posts. Poderia abrir um curso para advogados, pois o peso, a importância de suas palavras será diretamente proporcional à aderência, fingida ou não, ao senso comum. Quem estiver mais perto de nossa tradição cultural, de nossos costumes e do Programa Raul Gil irá vencer. Meu curso prometeria aos advogados que suas palavras teriam o insustentável peso de uma palavra de juiz. E fiz-lhe a outra pergunta. Juízes fazem psicanálise? Sentem-se culpados? Eu achei que ele apenas riria e já até olhava para um canto qualquer quando ele, rindo muito, cruzou as pernas e respondeu com uma frase avassaladora. Não precisam, a maioria vai à igreja.

Eu não era louco, mas me deu um desejo incrível de morder o pé do psiquiatra, que balançava satisfeito, disponível, bem na minha frente, divertido.

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