Um local da cidade: Bonobo, café com conceito

Um local da cidade: Bonobo, café com conceito

Acordei hoje e, por algum motivo, lembrei desta reportagem que fiz para o Sul21 em agosto de 2011. Apesar de não ser nada hostil e de eventualmente comer comida vegana, não faço parte da tribo. Porém, na época, mal sabia o que era aquilo, poucos sabiam o que era. Gostei muito do tratamento que recebi no Bonobo e vai ver que foi isto que me fez lembrar deste texto bem simples.

Um lugar incomum, o Café Bonobo | Ramiro Furquim/Sul21

Café Bonobo fica a dez minutos de caminhada do Parque da Redenção, exatamente na esquina da Castro Alves com a Felipe Camarão, em Porto Alegre. É uma bela casa de dois andares. No térreo fica o Café e no andar de cima moram os proprietários, o casal Valesca Sierakowski Kuhn e Marcelo Guidoux Kalil.

Se considerarmos a comida oferecida, a postura e o conceito que o apoia, o local não é nada tradicional. Para começar é um café vegano — os veganos se abstêm de utilizar quaisquer produtos que provenham de aninais ou da exploração destes. Então, além de não ingerir carnes, peixes, aves, ovos, leite, mel e seus subprodutos, como gelatina, soro, gordura, etc., os veganos não vestem tecidos de origem animal, como couro, seda, lã e peles, nem produtos testados em animais.

“O veganismo é um vegetarianismo puro e eminentemente ético”, explica Marcelo, sócio do Bonobo. “Com o tempo, a gente foi incorporando outros conceitos ao veganismo, coisas libertárias, algumas ideias anarquistas anti-hierarquia, que fomentam a horizontalidade.”

A estante do bookcrossing | Ramiro Furquim/Sul21

Tais opções estão presentes por todo o restaurante – chamamos de restaurante, pois frequentemente são servidos almoços aos sábados. Ao lado da mesa onde sentamos, por exemplo, há uma pequena estante de livros. Ao ser perguntado sobre o motivo da existência da pequena biblioteca, Marcelo esclareceu que era para fazer bookcrossing, que é a prática de deixar um livro num local público para que outros o encontrem, leiam e voltem a “libertá-lo”, seja devolvendo-o ao local onde foi encontrado, seja deixando-o por aí para que outros leiam. “Queremos divulgar as ideias que achamos boas. Recentemente, demos destaque à questão da mobilidade, do uso de bicicleta, que nós apoiamos. Então, quem chega de bicicleta aqui tem um espaço legal para estacioná-la”.

Os pratos oferecidos pelo Bonobo são produzidos a partir de alimentos comprados em feiras ecológicas, direto do produtor. “Acho que a única coisa que passa por processos industriais é o vinho. O resto fazemos tudo: o pão, os burgers, os molhos, os bolos, os sorvetes. A cerveja é um amigo nosso que faz. Até os produtos de limpeza são naturais.”

O menu do Café Bonobo | Ramiro Furquim/Sul21

Os burgers é uma das especialidade da casa. Tudo é vegetariano. O pão é branco ou integral, o “bife” pode ser ou de lentilha com curry e grão-de-bico ou de cenoura, amendoim e arroz integral. Os molhos são de catchup caseiro de tomate, pasta de grão-de-bico ou guacamole. Para quem quiser se aquecer no inverno, há o tradicional chocolate quente com leite de amêndoas. Os preços não são nada altos e ainda há promoções: por exemplo, há o bolo sem preço, pelo qual cada um paga o quanto pode ou quanto acha que vale. E hoje (10/08/2011) o almoço é sem preço, ou seja, você come e paga o que achar justo.

Val e Marcelo vivem modestamente do Bonobo. Não pretendem mais e seu café tem o slogan “compre menos, trabalhe menos e viva mais”.

O que é bonobo? Bonobo é uma espécie de primata que age de forma contrária a do chimpanzé. Este costuma resolver seus problemas – inclusive os do amor – pela força, enquanto os bonobos decidem suas questões através do amor. Por exemplo, se estão disputando comida, um faz carinho no outro e acabam compartilhando. É uma visão que seria mais harmoniosa do que a dos chimpanzés, que fazem guerras entre eles, com mortes, muitas vezes. “Aqui no café somos eu e a Val. Fazemos, dividimos e compartilhamos tudo, até a limpeza”.

“Vez ou outra nos damos o luxo de não abrir” | Ramiro Furquim/Sul21

O Bonobo abre geralmente de quartas a sábados, das 18 às 22h. Mas nem sempre este horário é cumprido. Às vezes abre para o almoços, às vezes em outros horários, às vezes não abre. Os clientes se informam pelo telefone, twitter, facebook ou pelo blog do café. “Geralmente funcionamos de quarta a sábado, mas uma vez e outra nos damos o luxo de não abrir… Quando fazemos isso, sempre avisamos. Por exemplo, hoje, depois de um monte de dias de chuva, abriu um sol e era o aniversário da Val, então escolhemos não ficar presos aqui dentro na cozinha.”

Além da estante do bookcrossing, há uma biblioteca que vende e empresta livros. Há outros produtos também: “Temos até absorventes femininos ecológicos para vender. São aqueles antigos que nossas avós usavam. São de usar e lavar para reaproveitar. A própria água com que é lavado pode ser usada para regar as plantas, é ótimo.”

O Bonobo mantém a política de compartilhamento também na cozinha. Nada é segredo. Então, se um cliente quiser saber como as pratos são preparados, é convidado a visitar a cozinha para auxiliar a fazer as coisas e aprender. “Estamos mais interessados em divulgar o veganismo do que em guardar segredos de cozinha.”

“Quem chega de bicicleta aqui tem um espaço legal para estacioná-la” | Ramiro Furquim/Sul21

Segundo o casal, são raros os casos de comensais que pedem uma picanha sangrenta. “A maioria do público sabe como é, já temos um público bem fiel. Às vezes, quando está cheio, as pessoas olham e vão embora. Nós nem aconselhamos as pessoas a esperarem, pois quando o pessoal senta aqui demora muito para sair.”

Val e Marcelo tentam plantar alguma coisa no próprio espaço do Bonobo. “A gente planta mas aqui têm muitos prédios ao redor, pouca luz e é muito úmido. Agora um amigo trouxe uma mudinha de juçara, que é como o açaí da mata atlântica. Ele acha que vai pegar. Temos pimenta, maracujá, guaco, amoreira… bastante coisa. Os móveis aqui do café nós achamos na rua ou em briques, arrumamos tudo. Viste como são bonitos?”.

Além da estante de bookcroosing, há uma pequena livraria que faz vendas ou empréstimos de livros |Ramiro Furquim/Sul21

Buscando uma pizza na Fermentô e o retorno para casa

Buscando uma pizza na Fermentô e o retorno para casa

Eu fui comprar uma pizza na Fermentô Pizzaria e aconteceu uma coisa admirável. Estava todo mundo naquele azáfama (está na hora de recuperar esta bela palavra), naquela correria louca de pegar ingredientes, montar as pizzas, colocá-las no forno, de empilhar as pizzas sobre o forno até que fossem buscadas quando, subitamente, começou a tocar Whole Lotta Love. Estavam todos de costas para o caixa, onde eu estava, menos a moça que trabalhou no Bonobo e que estava de frente. Quando Jimmy Page atacou o riff e Bonham ligou o motor, todas as bundas começaram a se mexer da mesma forma, em perfeita sincronia, menos a menina do Bonobo, que mexia os ombros. Era lindo, parecia que eu tinha entrado num musical. Até que um dos caixas pediu para baixar o som, porque aquilo o atrapalhava para conversar com os clientes no Whats. Hã???? Sim, ele conversava por escrito! Pois é, o cara acabou com nossa alegria. Mas tudo bem, todo mundo lá é legal, só que me deu vontade de dizer que um protetor auricular custa menos de R$ 5 em qualquer boa ferragem. E funciona até se ligarem uma britadeira.

.oOo.

Aí eu chamei um Uber e entrei no carro com duas pizzas.

— Seu Milton…
— Sim?
— São 20h e meu almoço foram umas fritas com Coca-Cola.
— E este cheiro está te matando.
— Sim. Tem uma de alho e óleo aí.
— Tem.
— Sabe que eu não comia alho? Mas aí, para poder beijar a minha namorada, comecei a comer, claro. Hoje adoro alho. Tudo pelo sexo.
— Acho justo, digno, fundamental.
— De acordo, seu Milton.
— Alho é um ingrediente conjugal. Se minha mulher come alguma coisa com alho no almoço, chego em casa à noite, sinto o golpe e mastigo um dente de alho para ficar em iguais condições. Aí dá para conviver na boa.
— Eu faço o mesmo. Mas tem algo pior, Seu Milton.
— O quê?
— Eu não suporto mulher que fuma, me causa enjoo.
— É mesmo?
— Sim, seu Milton. Sai aquele cheirão do hálito, dos poros, não rola.
— Tu brocha?
— Vou lhe confessar, seu Milton. Brocho mesmo. Ainda mais que não sou mais criança. E minha namorada é ex-fumante. Ela costuma me ameaçar dizendo que vai voltar a fumar.
— E o que tu faria?
— Isso seria um aviso para eu ir embora.

Surpreso, um pouco chocado com a última frase, me despedi do cara. Ele estava deprimido, mal por causa do alho e óleo que a namorada lhe ensinara a comer e péssimo por causa do anúncio dos cigarros, feito pela mesma. Mas que diabo de nariz tem esse cara, né?

A pizza de Flor de Alho e Óleo | Foto: Fermentô