Se há uma coisa que eu defendo é a verdade

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Mahler e o Gordão da H8

Mahler e o Gordão da H8

Em 2003, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) apresentou a Sinfonia Nº 2 de Mahler, “Ressurreição”. É uma obra para 200 músicos, entre instrumentistas e coral. O pequeno palco do Teatro da Ospa não comportava adequadamente toda esta gente mas… o que fazer? Além disto, a Ospa não dispunha de músicos suficientes para executar a obra — que exige 10 trompas, 8 contrabaixos, 8 trompetes, 6 trombones, 4 percussionistas, enorme coral, etc. — mas o que fazer senão ir buscar músicos nas orquestras de São Leopoldo, Caxias e Blumenau? O que não dava era ficar sem a Ressurreição! Todo este lindo e idealista esforço foi recompensado pela lotação completa do teatro — o que provava, pela undécima vez, que o público não quer ouvir somente musiquinhas ligeiras e indulgentes.

Mahler foi o maior regente de seu tempo e tudo o que ele não tinha era indulgência para com seus músicos e público. Compunha música belíssima e de complexidade acima da média. A orquestra ora é tratada convencionalmente (tocando em grupos de instrumentos), ora os músicos são pinçados individualmente ou em pequenos grupos para executar solos nada triviais. Este contraste entre orquestra normal e orquestra rarefeita é fundamental na música de Mahler e é um suplício para o músico despreparado, desatento ou nervoso. Numa palavra, Mahler é difícil, mas vale o esforço.

Chegamos ao Teatro e fomos para nossos lugares. Todos os amigos que encontrei estavam felizes com a perspectiva daquilo que aconteceria nos 90 minutos seguintes. Sentamos no mezanino: meu filho Bernardo no I10, eu no I12, Claudia no I14 e nossa amiga Daniela no I16. Quando a música começou, o Gordão que estava sentado à nossa frente, no H8, começou uma luta contra seu guarda-chuva. Não sabia onde colocá-lo, e ele e sua esposa Gordona, sentada no H6, começaram a conjeturar em voz alta qual era o melhor lugar para a geringonça, enquanto a mesma batia nas cadeiras, fazendo concorrência com a percussão mahleriana. O trabuco, após ser colocado entre duas cadeiras da fila em frente (!), repousou. Já a dupla, não. Acho admirável que um casal ainda tenha assunto depois de 30 anos de casados, mas não seria melhor procurar um restaurante para conversar? O Bernardo, que tinha 12 anos, começou a me cochichar:

— É a baleia falante…

E, depois de alguns minutos:

— Pai, tu sabias que as baleias podem cantar? Ainda bem que estas só conversam.

Algumas crianças têm um limiar de irritação bem alto, é o caso dele. O mesmo não se pode dizer da Claudia, que, à minha esquerda, lançava olhares furibundos para o Gordão. Já eu apenas suspirava audivelmente a cada reinício de conversa. Porém, a música era tão bela que nossa alegria foi retornando e o ódio ao Gordão foi se transformando em ironia. Numa das inúmeras pausas que Mahler impõe à orquestra, o Gordão perguntou intrigado à Gordona:

— Ué, parou?

A certamente impagável resposta da Gordona foi abafada pela orquestra. Uma pena!; mas, em determinado momento, aconteceram coisas que desestabilizaram o Gordão. Para que vocês entendam, é necessária uma explicação: os dois últimos movimentos da sinfonia propõem-se a fazer uma representação exterior (se bem que, como Mahler dizia, tudo era representação interior…) de nada menos que o Dia do Juízo Final e da Ressurreição dos mortos. Para tanto, o autor manda alguns instrumentistas (trompetes, trompas, percussão) para fora do palco. Enquanto saíam, o Gordão observava:

— Ué, não tão gostando? Já vão embora?

Mahler

Não, meu caro amigo. É que de lá, dos bastidores, eles iniciarão um conflito fantasmagórico com a orquestra que está no palco. Quando a orquestra do palco executar o suave tema da redenção, dos bastidores virá o som das trompas e da percussão executando o que Mahler disse representar “as vozes daqueles que clamam inutilmente no deserto”. Este trecho fez com que o Gordão levasse seu corpo para a frente, a fim de observar bem o fenômeno. Falou para sua mulher que não sabia quem estava tocando. OK. Só que logo depois começou a marcha dos ressuscitados no Juízo Final. Em meio a este tema, as trompas e os trompetes que estão lá atrás nos bastidores — representando agora a enorme multidão de almas penadas –, enchem o ar com seus apelos vindos de todos os lados do palco. Aquilo foi demais para o Gordão. Ele se virou indignado para a Gordona e afirmou:

— Não é possível! Tem gente ensaiando lá fora! No meio do concerto!

Não foi possível conter o Bernardo. Mesmo tapando a boca com a mão, todos os que estavam perto ouviram sua risada.

Apesar disto, foi uma noite inesquecível. A OSPA, naquela noite com Isaac Karabitchevsky, esteve muito bem. Tanto que guardei os ingressos com um recadinho atrás: “Bela noite. Não esquecer do Gordão da H8 e de sua Gordinha da H6”.

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De Jorge Luis Borges

(Em momento de injusta modéstia.)

Borges No Sena

Sou quase incapaz de pensamentos abstratos, vocês devem ter notado que estou continuamente me apoiando em citações e lembranças.

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Permanência

A Sérgio Gonçalves

Aos que permanecem sobram as culpas,
esquecem que
todas as decisões são solitárias.

Solitária é
a decisão de pousar as mãos
e não escrever.

Solitária é
a decisão de erguer-se todos os dias
e trabalhar.

Solitária é
a decisão do que ouve
de não ouvir.

(Solidária é
a decisão de ensinar
e aprender.)

Solitária é
a decisão de chegar ao clímax
e descansar.

Solitário é o fim.

Solitários,
decidimos que o formigueiro,
pisoteado e destruído,

seja reconstruído.
Por cada um de nós,
solitariamente.

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O Tcheco

Era uma manhã ensolarada no centro antigo de Verona, na Itália. Estávamos, eu e algumas amigas, na parada de ônibus. Íamos para a estação pegar o trem com destino a Padova. Tinha 20 anos, havia chegado do Brasil há pouco tempo e não conhecia bem a língua. Fazia cursos durante a semana e aproveitava para viajar em fins de semana como aquele.

Foi quando um homem elegante de uns 40 anos, de óculos escuros como nós todas naquela manhã luminosa, me abordou. Estranhamente, segurou meu braço — será que é o costume daqui? — e me pediu para lhe informar quando chegasse o ônibus para Porta Vescovo. Pensei logo tratar-se de uma desajeitada abordagem galante; não gostei, fiquei um pouco irritada. Afinal, será que ele mesmo não poderia ler? Sabia que os europeus adoravam brasileiras e eu – mesmo sendo de origem italiana – tenho a tal pele olivastra, aquele tom moreno claro que eles amam. Era o Dia de Santo Antônio, o santo casamenteiro, e minha avó, devota do santo, tinha-me feito prometer que iria em seu santuário no dia da festa. Eu, diga-se de passagem, tinha ido para a Itália me recuperar de uma grande desilusão amorosa e estava arredia a qualquer contato com o sexo oposto. Mas por que aquele homem bonito iria me pedir logo aquilo? Por que não entabulou outro tipo de conversação? Tratei de me afastar.

Aproximei-me de uma de minhas colegas e disse:

— Que coisa estranha…
Lui è cieco (pronuncia-se tcheco) – respondeu-me Ornella.

E daí? Grande coisa, pensei comigo, ele é tcheco, eu sou brasileira. Será que os tchecos — mesmo os que falam um italiano perfeito — são idiotas? Que preconceito contra os europeus do leste…! O que dirão de mim, uma brasileira? Será que o fato do tcheco ter sido alfabetizado em cirílico o atrapalharia com o alfabeto ocidental? Porém, para ter aquele italiano sem sotaque, não teria ele antes aprendido a ler? Quando o ônibus aguardado chegou à parada, Ornella indicou-lhe delicadamente.

Fiquei pensando naquilo e questionei minhas amigas se elas achavam que uma pessoa que fala perfeitamente o italiano, mesmo sendo um tcheco, não poderia lê-lo. Elas me olharam desconcertadas e depois explodiram em risadas.

Só depois soube que Cieco era cego e não tcheco.

Esta história foi escrita a pedido da Tchela e publicada em 2003 no Repórter Saci, um site dedicado à inclusão social e digital de deficientes físicos. A história e as circunstâncias são reais.

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O Poste de Vapor, de Ferenc Molnár

O escritor não sabe quando aprende.
FERENC MOLNÁR

É estranha a trajetória do húngaro Ferenc Molnár (1878-1952). Autor de crônicas em jornais húngaros, de livros infanto-juvenis — é dele o clássico Os Meninos da Rua Paulo –, de peças de teatro em sua maioria muito bem escritas mas sentimentalóides, acabou emigrando para os Estados Unidos onde tornou-se requisitado dramaturgo, principalmente para a Broadway. Várias de suas histórias cômicas foram passadas para o cinema em filmes de Henry King, Billy Wilder, Michael Curtiz e outros. Não era somente popular, mas um escritor respeitado. Imaginem que este autor da Broadway recebeu adaptações de Arthur Miller para rádio e o teatro e Tom Stoppard fez o mesmo modernamente. Molnár é um raro caso de sucesso popular e literário.

Mas isto ocorria separadamente, obra a obra: há um posfácio neste O Poste de Vapor que nos explica que Molnár produziu às vezes “para a literatura” e outras vezes “para o mercado” — expressões minhas. Concordo com o autor do posfácio: certamente, este livro pertence à parte literária de sua obra. O narrador é um jovem jornalista que descreve as loucuras de certo falso capitão, seu colega numa estação de águas termais, localizada na bela ilha Margarida, que fica entre Buda e Pest, no rio Danúbio.

As inverdades e loucuras do capitão dos hussardos, em si muito engraçadas, são apenas o primeiro plano de uma demonstração da inconseqüência de muitas atitudes — boas ou maldosas — e do oportunismo de outras. Não é um livro otimista ou que promova bons sentimentos ou de final feliz, mas é curiosamente sedutor e agradável. Vá entender.

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Porque Hoje é Sábado, Monica Vitti

Monica Vitti fez alguns dos maiores filmes que assisti. Tal como nessas fotos, ela…

…aparecia sempre séria e algo tensa. Mas é um equívoco imaginá-la distante e silenciosa.

Em sua vida pessoal e nas entrevistas, o que se vê é uma mulher engraçadíssima e…

… meio destrambelhada, nada a ver com as grandes personagens de Michelangelo Antonioni.

A belíssima Monica nasceu Maria Luisa Ceciarelli, em Roma, no distante 1931. Nunca imaginaria…

… que está por completar 77 anos. Enquanto as pessoas verem bom cinema, Monica será certamente…

… vista. Afinal, esteve presente na “trilogia da incomunicabilidade”, formada pelos perfeitos …

… A Aventura (1960), A Noite (1961) e O Eclipse (1962). Concordo com o Moacy Cirne:

“Nos anos 60, Monica era a minha deusa, a minha loucura, a minha Nossa Senhora dos Filmes Imperdíveis.”

Antes de encerrar, vejam a imagem ao lado: trata-se de Julie Debazac, uma jovem atriz francesa. Faz algum tempo, a Cynthia Feitosa me enviou esta foto para me mostrar a extraordinária semelhança que a moça guardava com a Vitti. Incrível, né?

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Hoje, cinco anos de blog

Acompanhar blogs é uma coisa estranha. Quando caminho distraído pela rua, quando divago esperando o sono chegar ou quando dirijo meu carro, carrego comigo fatias das histórias e dos textos de muitos blogueiros. Alguns são confessionais e a gente vai pouco a pouco montando as histórias de seus donos. Outros se pretendem não confessionais, mas só nos dão um pouco mais de trabalho. Não sei quantas amizades fiz através do blog; garanto que foram muitas mais do que faria desconectado e, se foram 7 ou 700, é o que menos interessa. O que importa é que conheci muitas pessoas afins e quem tem afinidade conosco é sempre alguém maravilhoso, não? Peraí, esta frase foi um indisfarçado autoelogio, então deixem-me reformular dizendo que é sempre maravilhoso encontrar alguém que guarde afinidade conosco, alguém que tenha a potencialidade de conversar de chinelos conosco, sentado em nossa cozinha com tudo por lavar. Mas ainda não está bom; talvez fosse melhor dizer que o maravilhoso do blog é conhecer pessoas que abordam a vida de forma semelhante à nossa e sentir que podemos admirá-las. Há em todas estas tentativas de frase um forte componente narcisista, mas estamos livres disto em nossa grande reunião? E… onde estaríamos 100% livres de nosso narcisismo se até na forma com que passamos a faca na manteiga há paixão, estilo e, portanto, narcisismo?

Bem, perdi o foco. Queria dizer que blogar não me dá grande trabalho, pois escrevo meus textos mentalmente a qualquer momento e depois é só transcrevê-los no teclado. Não, nenhum sofrimento, nenhuma dor pré-parto, nada. Estou adestrado. Chego no computador com a estrutura, o plot e algumas expressões prontas. Minha mulher acha que passo horas preparando o que publico, mas é um equívoco. O que ela não desconfia é que metade da minha mente está atenta à vida cotidiana, metade está escrevendo para o blog ou para mim mesmo e metade está tocando música. É um tumulto como a cabeça de qualquer um.

Mas voltemos ao assunto do título. Hoje, completo 5 anos de blog. Mesmo com pouco tempo disponível, não pretendo parar. Começou despretensiosamente e, quando soube da visitação, virou quase trabalho. Se comparada a de alguns colegas, nunca tive grande popularidade, mas tenho números suficientes para me deixar ligado. Aqui, em meu mural, falo em público sem ficar nervoso, viro tarado aos sábados, resenho livros, crio minha pobre ficção, provoco, me coleciono, faço e aconteço. Não sou tímido, mas aqui sou ainda menos. Perfeito! Mas gosto tanto de escrever quanto de acompanhar as fatias de vida e arte que nos são expostas pelos outros blogueiros e fazer minhas montagens. É um enorme quebra-cabeças espalhado pelo chão.

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A trégua, de Mario Benedetti

Eis um excelente escritor. Muito pouco lido no Brasil, o velhinho Mario Benedetti está às vésperas de completar 88 anos. É um poeta, romancista, cronista e ensaísta uruguaio. A trégua é o diário de Martín Santomé, um viúvo de quase cinquenta anos, pai de três filhos, que vive há mais de vinte entre a criação dos filhos, o trabalho de contabilista e casos de uma noite com mulheres quaisquer. É um sujeito apagado e deprimido, um bom funcionário que detesta seu trabalho, mas que o faz bem; um pai que, com os filhos crescidos, recebe deles a indiferença e o desejo de distância. Tudo muda lentamente com a entrada de Laura Avellaneda como sua funcionária no escritório. Jovem, tímida, contida e muito inteligente, ela proporcionará uma trégua à vida de Santomé.

Dito assim, parece uma história como tantas outras, mas não é, não da maneira como o faz Benedetti. Fino observador, ele conta a história com o exato grau de minúcia, explorando principalmente a insegurança do viúvo em sua relação com uma mulher vinte e dois anos mais nova. É quase um estudo da solidão, da felicidade e do passar do tempo em forma de ficção. Vale a pena ler este pequeno romance com mais de cem edições em espanhol.

Minha única estranheza foi a forma como Benedetti refere-se ao homossexualismo antes do episódio do politicamente correto. Não é agressivo, porém não é nada compassivo. Compreende-se, o romance é de 1960.

Soube que a editora Alfaguara traduziu mais dois livros de Benedetti: El Buzón del Tiempo, lançado como Correio do Tempo, e Primavera con una Esquina Rota (ainda sem título). Mas fiquemos antes com A trégua. Indico fortemente.

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A convivência com a maldade e com o luto

E lá vou eu contar para minha filha que, na sua ausência, alguém deu uma salsicha envenenada para sua cachorra. Como se diz isso? E como se explica e consola depois?

Gosto muito de cães, sou o que se costuma chamar no sul de “cachorreiro”, mas não sou de verter lágrimas por bichos. Talvez tenha ouvido muito o Geraldo Vandré cantar “Disparada”, então acho que bichos são bichos, e com maior ou menor sofrimento são passíveis do marca, tange, ferra, engorda e mata…, mas com gente é diferente. Quando vi nossa Maria Callas — a Callas filhote pastor alemão de 5 meses que estava sendo ensinada pela Bárbara — agonizando debaixo da churrasqueira; quando minha mulher e eu, ambos de pijamas, a levamos para um plantão veterinário; quando ouvi que estava morta; quando soubemos que havia vomitado “salsichas”… que salsichas?, só dávamos-lhe ração; fui menos tomado de pena e luto do que pelo ódio de estar no lugar em que sempre quis estar, porém acompanhado de anônimos que, talvez desejando entrar depois na casa sem a indesejável presença de um cachorro, escolhe matá-lo, avisando-nos com toda a clareza suas intenções.

Minha mulher ouviu um ganido tão alto e desesperado que acordou. Assustada, me chamou. Começamos a chamar pela Callas. Nada. Chamamos o segurança da rua. O homem veio. Já estava achando que fora roubada quando a vi sob a churrasqueira, bem da maneira que os cães escolhem para morrer, escondidos. Não vejo motivo para que minha filha passe um longo luto e já providenciamos a compra de um filhote de 34 dias. Com seu amor pelos bichos, ela logo vai preocupar-se com o crescimento do substituto. Não quero não dar muito espaço para sua dor. O que mais posso fazer?

Dentro das circunstâncias, tudo muito razoável. Mas e as circunstâncias? Já sabemos que não podemos deixar o cachorro ir até a grade da frente da casa. Teremos que impedi-la disto, seu limite agora será a porta da garagem. E assim vamos nos adaptando às exigências de uma vida cada vez mais estreita e estranha. A grade já foi anormal, as muitas trancas também, os cães tornaram-se parte da segurança e alarme, há seguranças na rua e agora só podemos permitir que nosso cão fique numa grade atrás da grade, vendo a rua de longe. Tudo bem.

Preocupo-me mais em evitar um luto doloroso a minha filha. Desde que ela aprendeu a expressar seus desejos e até hoje, garante que será veterinária. Nossa única sorte que é neste fim de semana ela esteve com a mãe e apenas retorna ao meio-dia. O que dizer a ela? Falar que luto é como quando perdi o pai que me criou e de quem eu gostava demais? É quando um filho morre? É quando o vôo da TAM cai levando nossa irmã? É quando um terremoto mata milhares de pessoas? Digo que gente é diferente? Que é errado dar tanto amor aos bichos? E é mesmo? Ah, sei lá.

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Incompletos, de Albano Martins Ribeiro (Branco Leone)

IncompletosEu acho mais simpático e engraçado Branco Leone, mas o outro nome também está adequado; afinal, meu avô chamava-se Manoel Martins Ribeiro, nascido em São João do Loure, Portugal.

De todos os autores que apareceram através dos blogs, Albano-Branco é o que mais gosto. E não li poucos. Vamos começar pelo título do livro. Fico na dúvida se Incompletos é uma referência aos personagens do livro — sempre em busca do outro (em alguns casos em fuga) –, ou se aponta para a estrutura voluntariamente fragmentária dos contos. É um belo título. E um belo livro. Os contos são curtos, parecem instantâneos de um fotógrafo muito indiscreto. São muito bem escritas “cristalizações do fugidio” amoroso, como diria Erico Verissimo, contadas na voz característica do autor, entre a bem-humorada indulgência e a absoluta crueza. A única coisa que me perturbou na coletânea foi a história da qual gostei mais. (sexta à noite, no purgatório) é a maior narrativa do volume – 28 páginas -, a mais fragmentária e a que me causou a estranha sensação de pertencer a algo maior, que não nos foi dado a conhecer… Queria mais, parece haver mais. Haverá? Talvez seja porque a mim, o sarcástico narrador deste conto fez lembrar o extraordinário narrador da obra-prima Homo Faber, de Max Frisch. Mas isso é problema meu. Tiago Casagrande, ao comentar o livro, escreveu que Incompletos era um livro rarefeito, daqueles que nos deixam com mais dúvidas que esclarecimentos. Perfeito. Quem quiser verdades estabelecidas que vá a outro quintal, quem quiser o prazer da leitura que venha aqui.

O excelente livro é da editora Os Viralata.

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Albert Einstein, sobre Deus

Depois de ficar 50 anos guardada, aparece uma carta de Einstein que diz:

The word God is for me nothing more than the expression and product of human weaknesses, the Bible a collection of honourable, but still primitive legends which are nevertheless pretty childish. No interpretation no matter how subtle can (for me) change this. These subtilised interpretations are highly manifold according to their nature and have almost nothing to do with the original text. For me the Jewish religion like all other religions is an incarnation of the most childish superstitions. And the Jewish people to whom I gladly belong and with whose mentality I have a deep affinity have no different quality for me than all other people. As far as my experience goes, they are also no better than other human groups, although they are protected from the worst cancers by a lack of power. Otherwise I cannot see anything ‘chosen’ about them.

Citação encontrada neste post do Hermenauta.

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Puro fingimento

Acho que tive febre hoje, estou gripadíssimo. Todos os anos tomo aquela vacina contra a gripe; sempre me dizem que nos primeiros dias podemos arranjar uma, depois é difícil. Nunca tinha me acontecido. Vacinei-me sábado e hoje estou uma ameba. Neste momento, por exemplo, finjo escrever este post. Sob esta janela do Windows em que lhes escrevo, há uma tese de uma amiga – de PHD, rapaz, te mete! – que estou fingindo corrigir. Faço isto por puro prazer (ela escreve muito bem, não há correções a fazer, só frases que talvez pudessem ser mais bonitas e que são reformadas, ou não, durante divertidos telefonemas); em outra janela, há um extrato bancário meio apavorante; ainda em outra há um trabalho que devo finalizar a fim de tornar melhor a janela citada anteriormente e há também o Outlook Express com várias mensagens a responder. Tudo meio parado, pois há uma beterraba operando o micro.

Fora do micro, outras janelas me acenam. Tenho que resolver algumas coisinhas chatas que empurro de um dia para o outro – esta é uma janela que está há dias minimizada. Permanecerá assim. Tenho que pegar um filme que mandei duplicar para um amigo de Recife. Faço amanhã sem falta. O OPS me pede atitude e meus filhos dizem-me mudamente que deveria dar-lhes atenção de maior qualidade. Ou não, não sei bem. São adolescentes, sabe? Que paranóia, dou-lhes sempre enorme atenção…

Ademais, devo estar vendo coisas. Não me parece real este chapéu visto no blog da Leila. Vocês também o vêem? Parece-lhes normal? Dizem que ela foi assim na estréia de Sex and the City, o filme, mas não pode ser verdade. Preciso de algo que baixe minha febre, devo estar convulsionando.

Sarah Jessica Parker

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Fernando Arralbal e Gerald Thomas têm chiliques em Porto Alegre

Parece que os fatos foram os seguintes. Num jantar, na noite anterior ao evento, os diretores teatrais Fernando Arrabal (espanhol nascido do Marrocos) e Gerald Thomas (nowhere man, segundo ele), estavam conversando alegremente. Então Arrabal citou alguns ditadores – Hitler, Stálin, Salazar, Pinochet, etc. – em meio a uma fala. Em resposta, Thomas perguntou-lhe porque não incluíra Franco em sua lista.

Pronto! Arrabal quis saber aos berros se Thomas pensava que ele tivesse apoiado Franco, Thomas chamou-o de anão descontrolado e por aí afora… Mais briga, depois: qual dos dois teria privado mais da companhia de Samuel Beckett. Era importante para ambos não somente apresentarem a grife Beckett, mas também demonstrarem tê-la maior e mais íntima. Gozado isso. Beckett morreu em 1989, sendo um dos fundadores do Teatro do Absurdo… Do absurdo, não da burrice.

A partir deste fato, os organizadores do Fronteiras do Pensamento fizeram de tudo para que as duas estrelas não se encontrassem. Só que havia um problema, estava programado um debate! Que não houve, claro. Houve duas palestras separadas: a do simpático e sedutor Arrabal foi um sucesso de público, mas fontes mais confiáveis dizem que o espanhol apenas empreendeu uma série de piadas razoavelmente inteligentes, retirando-se aplaudidíssimo; a de Gerald foi um fracasso, pois nosso amigo não soube ser simpático. Ficou 20 minutos no palco: disse que estava preparado para um debate, não para uma palestra, continuou dizendo que não era palestrante de profissão e começou a falar que era favorável ao fim do estado de Israel e que não acreditava mais no teatro. Aliás, este seria um ponto interessante pois Gerald é cético sobre o futuro do teatro e Arrabal acredita num renascimento. Mostrou também uma foto sua com Beckett… Depois, retirou-se abruptamente, provavelmente indignado pelo cotejo entre a capacidade de improvisação do espanhol e sua própria incompetência. Vaias e aplausos.

Um absurdo, não? As pessoas que pagaram para tal bobagem estão indignadas, claro.

Não creio que eles não pudessem entrar num acordo e conversar, expondo suas diferenças. São adultos, experientes e articulados. Mas acho que ambos, separadamente, concluíram que valeria mais a pena brigar e ganhar manchetes e posts. Porém, aqui em meu post, gostaria de fazer coro ao psiquiatra Mário Corso e declarar que ambos, ao escolherem os chiliques em lugar do debate, deviam ter pouco ou nada a dizer.

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Música perdida, de Luiz Antonio de Assis Brasil

Lv MusicapQuando Música perdida fez a final da Copa de Literatura Brasileira contra Um defeito de cor tive absoluta certeza de que o vencedor seria o elogiado livro de Ana Maria Gonçalves. Ora, Ana surgiu nos blogs, Um defeito de cor recebera críticas favoráveis de todo gênero e os julgadores, seus pares, acabariam por escolhê-la, mas não foi o que aconteceu. O vencedor foi Música perdida. Tive então outra certeza: a de que se tratava de um livro superior, de uma obra cuja premiação era inexorável. E, burro que sou, enganei-me novamente.

Assis Brasil adota seu habitual tom manso para contar a história do Maestro Mendanha. No início, tudo me interessava. O personagem principal e suas circunstâncias eram muito sedutoras, principalmente para alguém que, como eu, ama e convive diariamente com a música erudita. Tanto foi assim que foi um pouco complicado inferir o que estava me incomodando no romance. Só quando o autor apresentou Pilar é que ficou clara a planura e a débil construção dos personagens. Assis Brasil nega-se a invadir suas psicologias, preferindo sinalizar acontecimentos e transições com simbolos factuais que são tão claros, mas tão notórios, que funcionam como deselegantes semáforos. Três mortes casuais ocorridas num mesmo dia – recurso estranho para uma narrativa tão tradicional – e uma enorme culpa fazem o personagem fugir de Vila Rica para uma guerra no sul, mas ele, internamente, não parece padecer grande sofrimento simplesmente porque Assis Brasil não o descreve. O livro é todo feito de narrativas de fatos, parecendo mais um roteiro cinematográfico escrito em linguagem literária. Para acabar com meu humor, o autor dedicou-se a estragar o final de minha tarde de domingo – a hora do suicídio – adotando um tom grandiloqüente em seu gran finale, equívoco que ele já havia cometido no patético final feliz de Concerto Campestre.

Pretendo ler Um defeito de cor assim que o obtiver de volta. A empregada lá de casa o pegou para ler. Ela escolhe seus livros e costuma ter bom gosto: antes leu Lolita.

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Porque Hoje é Sábado, Salma Hayek

Ela contou que, quando era jovem, pediu para que sua mãe a levasse…

…à Igreja Universal dos Seios Sagrados, pois os tinha muito pequenos.

Sua mãe a levou, elas fizeram o pedido com muita, muita fé e… Milagre!

Eles ficaram grandes e bonitos. Salma Hayek demonstra muitas vezes uma simpática…

…auto-ironia, algo estranho entre as beldades e os médicos atuais. Filha de um empresário de origem libanesa…

…e de uma cantora de ópera, esta mexicana é uma morena mignon de apenas 1,55m de altura que diz:

“I act tall!…But look how short I am…I can’t even act to be tall”.

Acho incrível a quantidade de beleza concentrada na interessante Salma, mesmo…

…que a maioria de seus filmes não sejam maravilhosos como ela.

Vários Robert Rodriguez, um pequeno papel em Traffic, uma bela atuação no divertido Dogma, o Frida que não vi,…

…mais uma grande atuação no equivocado Pergunte ao Pó – filme que tinha tudo para ser bom, menos o diretor – e a brincadeira Bandidas, com Penélope Cruz.

Sua última participação foi como cinco enfermeiras sobrepostas (um grupo de “Salmetes”!) dançando Happiness is a Warm Gun em Across the Universe.

Depois, ofereceu seus seios firmemente conquistados com sua fé à menina Valentina Paloma, nascida em setembro passado.

Ah, o Dia das Mães!

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Dilma é mordida em depoimento

A ministra Dilma Rousseff fazia uma emocionada descrição de seu passado de torturada pela ditadura militar, quando algo ocorreu com o presidente do senado Garibaldi Alves (PMDB-RN).

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Algum dos insepultos fantasmas da ditadura, ainda presentes em nosso egrégio senado, apoderou-se de seu corpo. Ele passou a emitir lúgubres grunhidos e a fazer medonhos movimentos faciais até suas mandíbulas abocanharem o pescoço da ministra.

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Acostumada a maus tratos, Dilma agüentou firme a incorporação do capeta, e logo apresentou discretas contrações faciais, em tudo semelhantes às que demonstrara o senador. Antes de abandonar o recinto por temor ao energúmeno, a ala evangélica confirmou o cheiro de enxofre, apesar de não terem observado a picadura.

P.S.- Nelson Moraes acaba de ventilar a hipótese de que Dilma usava Eau de Cebôle, a fragrância que assusta qualquer vampiro (vide a cara dele).

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Atenção, gauchada!

Yeda Pinoquio GrandeEstá circulando um abaixo-assinado que solicita a prorrogação dos trabalhos da CPI do Detran-RS na Assembléia Legislativa. A finalização dos trabalhos está prevista para 6 de junho. A possibilidade de prorrogação é rejeitada por quase toda a bancada governista na Assembléia. Para quem não sabe, houve desvios de mais de R$ 40 milhões e há fortes indícios de envolvimento de nossa governadora.

Para ler o conteúdo da petição e assiná-la, CLIQUE AQUI.

Ler é bom, mas assinar esquenta nossos pés à noite, dá direito a quentões gratuitos em todos os bares do estado (se parece que ela mente, por que não eu?) e cria bons modos. Logo mais, de madrugada, voltaremos a nossa programação normal.

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Foto publicada no Washington Post

O Washington Post publicou esta foto em sua capa.

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Claro, é chocante. Trata-se de um menino iraquiano que é levado pelo pai para o hospital. Ele resgatara o filho dos escombros de sua casa após um bombardeio americano. O garoto, de dois anos, acabou morrendo. Só que os leitores se irritaram e protestaram. A alegação é que o Post estaria alimentando o sentimento antiamericano… Concordo com um dos poucos leitores que apoiaram o jornal: “Este é o tipo de imagem que recoloca em nossas mentes referências de brutalidade”.

Sei que numa guerra é normal que nem toda informação circule, ao menos temporariamente, mas a esta capa não é informação, é um documento humano. A foto é do jornalista iraquiano Karim Kadim.

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Shostakovich – Vida, Música, Tempo (de Lauro Machado Coelho)

Foi uma surpresa descobrir a existência deste calhamaço de 502 páginas, uma biografia do enorme compositor russo-soviético Dmitri Shostakovich (1906-1975). O que não foi absolutamente surpreendente é o fato da biografia ter sido escrita por Lauro Machado Coelho, autor de alentadas obras sobre ópera que têm preenchido o deserto de publicações do gênero com alguns bem-equipados oásis.

Este livro sobre Shostakovich é imprescidível a quem se interessa pelo autor. O volume de informações é inacreditável e fiquei de tal forma envolvido pelo livro que seria quase uma injustiça criticar o trabalho de Lauro, porém, em meio a tanta novidade, consegui vislumbrar o guichê de reclamações e pretendo fazer uso dele. O texto é muitas vezes descuidado. Tenho a impressão de que Lauro necessitava finalizá-lo no ano de 2006 – ano dos cem anos de nascimento de Shosta – e deixou passar alguns parágrafos que são quase anotações esparsas. Pressa, certamente. A editora poderia tê-lo alertado. Deve haver leitores profissionais na Prespectiva, não? Outro fato é que o autor claramente arrepende-se de ter sido tão anticomunista durante o texto e escreve um inteligente e equilibrado último capítulo – talvez o melhor do livro – chamado “O Caso Shostakovich”. É um curioso e necessário recuo. Afinal, Shostakovich utilizou o mais abstrato dos meios para dar o depoimento mais realista da história da música sobre sua contemporaneidade e há controvérsias por todo lado. Shostakovich não nos legou testemunhos confiáveis. Há momentos de descontrole e outros em que já vemos o LMC do último capítulo. Ou seja, carece de revisão.

Agora, só um louco ousaria criticar o que realmente importa: a detalhada cronologia, a notável descrição das obras, a palavra de um indiscutível conhecedor, as valiosas opiniões de um excelente ouvinte. Também elogio a diagramação do livro, que nos deixa duas boas colunas para que façamos anotações e possamos discutir com o autor e suas fontes… Coisa que adoro fazer.

Vocês sabiam que L&PM lançou em pocket a tradução de Lauro Machado Coelho dos poemas de Anna Akhmátova – Poesia: 1912-1964? Pois é, é bom lê-los.

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