Uma polêmica suscitada pela Zero Hora

No sábado retrasado (07/03), o jornalista Gustavo Brigatti, meu amigo, deu novamente mostras de que não é nada tolo. Com sua cara de Gary Oldman bonzinho, escreveu o artigo de capa do Segundo Caderno — chamado Ópera? Só no cinema — sabendo que expunha dois corpos a leões barulhentos, irônicos e domiciliados fora do Rio Grande do Sul. (Conclusão minha, não falei com Gustavo). Não é responsabilidade dele se Fernando Mattos, compositor, violonista e professor do Departamento de Música da UFRGS, decidiu ter seu momento de tolice bem na frente do jornalista. E muito menos se Mônica Leal disse mais uma de suas bobagens, até porque é incapaz de outra coisa.

O fato é que pensei em mandar o artigo para dois outros amigos meus: o pianista Carlos Morejano e o tenor Flávio Leite. Eles saberiam destroçar os pobres argumentos de Mattos e, bem, não precisariam preocupar-se com Mônica Leal pois ela parece programada para apenas emitir destroços. É fato óbvio que o Rio Grande do Sul dá uma contribuição fundamental para a cena operística. Ele exporta — ou melhor seria dizer deporta, desterra, elimina, proscreve ou, quem sabe, expatria? — os muitos talentos que produz.

A declaração de Fernando Mattos …

— Aqui no Rio Grande do Sul não há gente especializada, principalmente solistas. E isso diminui muito o repertório, obrigando a usar um ou dois profissionais locais e trazer o resto de fora até do país.

… comprova sua dedicação exclusivíssima à UFRGS e à vida acadêmica, pois de cada 20 escolhidos para o Guaíra, dez são a metade (vide artigo abaixo).

E a declaração de Mônica Leal…

— Ocorre que o patrocinador, ao investir em determinado projeto, avalia o mercado e as suas demandas. Se há público em Porto Alegre interessado, certamente haverá patrocínio. Mas não cabe ao Estado promover estes eventos. Cabe, isso sim, incentivá-los.

… é mais um atestado de que o Rio Grande irá contrariar as expectativas de todos. Sim, nosso estado se tornará um deserto, mas primeiro virá o deserto cultural, só depois vindo o outro, o da Aracruz.

Contudo, eu não mandei e-mail nem para o Flávio nem para o Morejano. Fico feliz por saber que não precisava, pois Flávio conseguiu espaço no Caderno de Cultura de ZH do último sábado a fim de reduzir a pó os argumentos do re-putado professor e da putativa filha do coronel. Respondam a isso. Quero ver.

Por uma ópera não só no cinema

O tenor Flávio Leite critica a falta de uma temporada lírica regular no Estado, lembra que temos bons profissionais especializados e cobra uma reflexão mais séria sobre o tema.

A inserção de Porto Alegre no circuito internacional de transmissões nos cinemas das produções de óperas gravadas no Metropolitan de Nova York é um fato histórico na vida cultural da nossa cidade. Com um passado lírico glorioso, onde ouviu-se La Bohème de Puccini antes aqui do que em Viena ou no próprio Metropolitan, nossa capital vive em uma espécie de vácuo lírico há muitos anos por vários motivos – salvo heróicas iniciativas mesmo lutando contra as adversidades citadas na reportagem de sábado passado no Segundo Caderno (“Ópera? Só no Cinema”, de Gustavo Brigatti), não permitiram que o gênero que está lotando as salas de cinema em nossa cidade morresse.

Dentre essas adversidades citou-se a falta de apoio público no fomento e promoção da arte lírica. Lembremos que os casos nacionais de maior profissionalismo, sucesso e relevância internacional do gênero como o Festival Amazonas de Ópera, que atrai turistas do mundo todo a Manaus com uma temporada invejável e a temporada do Teatro Municipal de São Paulo, acompanhada pelas principais revistas especializadas da Europa, para citar somente dois exemplos, são iniciativas da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, respectivamente, contrariando a afirmação da filha do Coronel Pedro Américo Leal, atual Secretária da Cultura, que não cabe ao Estado promover estes eventos. Triste a má sorte dos gaúchos amantes de música, pois foi em um governo do mesmo partido de nossa governadora que São Paulo ganhou a revitalização e transformação da Osesp em uma das principais orquestras da atualidade.

Outro depoimento que me causou estranheza no mesmo artigo foi o do respeitado acadêmico Fernando Mattos, quando afirma que um dos motivos da impossibilidade de uma temporada lírica no Estado seria a falta de profissionais especializados, principalmente solistas, forçando a importação de tais profissionais encarecendo e impossibilitando o processo. Tal afirmação surpreendeu-me duplamente, pois na vida profissional ocorre exatamente o inverso. Somos muitos gaúchos em carreira pelo resto do país e exterior justamente porque aqui não temos um mercado profissional de atuação.

O número de cantores líricos gaúchos altamente especializados em carreira profissional no resto do país e no Exterior é mais do que significativo. Além de presença nas temporadas do Rio, São Paulo, Manaus, Belo Horizonte e Belém, citemos por exemplo a última montagem de L’Elisir D’Amore, de Donizetti, em Florianópolis, onde quatro dos principais solistas, escolhidos por concurso público, eram gaúchos. O soprano Cláudia Azevedo, que se alternava no papel de protagonista com a também gaúcha Carla Domingues, é detentora de feitos importantes, como seu título de especialista em ópera pelo Conservatorio Superior del Liceu em Barcelona, sua premiação no Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão, sua atuação no mais importante festival de verão da Europa, Rossini Opera Festival de Pesaro na Itália e seu debut agendado ainda para este ano no mítico Teatro Colón de Buenos Aires.

Outra prova da qualidade dos artistas líricos gaúchos está ocorrendo no Teatro Guaíra, em Curitiba, onde está acontecendo o segundo módulo de um Ópera Estúdio, um curso de aprimoramento de alto nível para jovens cantores profissionais, inédito no país, com professores vindos da Itália, oriundos de teatros como alla Scala e La Fenice, onde das 20 vagas oferecidas para todo o país 10 dos participantes aceitos, também via concurso público, são gaúchos. Isso para citarmos alguns nomes da nova geração, sem mencionar profissionais gabaritados e com ampla experiência internacional da geração anterior, como o soprano Laura de Souza, os tenores Martin Mühle e Juremir Vieira e o baixo Luiz Molz, alguns não ouvidos aqui desde os tempos de estudante.

O outro motivo que cabe salientar é o fato de que em nenhuma casa de ópera importante do mundo se faz uma temporada somente com artistas locais, pois nem em Viena, Paris ou Londres existem especialistas locais para todos os papéis do repertório. Podemos não ter uma Lucia de Lammermoor de primeiro calibre em Porto Alegre, mas mesmo no Met, com os seus US$ 300 milhões de orçamento e sua centenária tradição, a estrela Anna Netrebko deixou a desejar em sua conhecida ária da loucura quando deixou de cantar um de seus esperados mi bemóis superagudos na performance conferida pelos porto-alegrenses no último domingo no cinema.

Cobrar a perfeição existente somente no Walhalla acadêmico e tachar as parcas tentativas de sobrevivência do gênero em Porto Alegre, de beirar o ridículo, não preenchem a lacuna deixada pela falta de regularidade de produções operísticas em nosso Estado. É necessária uma reflexão séria por parte de artistas, produtores, autoridades, patrocinadores, acadêmicos e público para que os gaúchos que superlotaram as salas de cinema e controlaram seu impulso de aplaudir uma ópera gravada, possam honrar o seu passado e voltar a se emocionar com o fenômeno da voz ao vivo.

FLÁVIO LEITE
Tenor gaúcho

15 comments / Add your comment below

  1. aqui as desculpas são as reformas. os teatros municipais do rj e são paulo dizem estar em reformas e por isso passarão o ano sem programação. com a pressão ao teatro são pedro de são paulo. resolveram transferir pra lá corpos estáveis, tirando de um teatro e colocando em outro, pra mostrar que há programação. logo na crise que a classe artística precisa de trabalho para sobreviver, todos saem da reta, conseguem verba pra reformas e não para programações e deixam toda uma produção a mingua. assustador. beijos, pedrita

    1. Pedrita.

      Se o caos e a indiferença reina por aí, imagine aqui. Um estado empobrecido, de uma governadora cercada de denúncias — algumas claríssimas — e que chegou a cogitar em fechar a Secretaria da Cultura. Sim, fechar.

  2. milton,
    sou mestrando em música na unesp (capital). dois dos meus colegas de pós-grad são gaúchos: um faz composição e uma é cantora lírica, ambos de excelentes dotes.

    essa de que a secretaria de cultura não pode promover a cena lírica foi dureza mesmo!

  3. O quadro não difere muito no país todo, e em muitos estrangeiros. Concertos de rock conseguem patrocínio e logística impecáveis; é questão de “mercado” e “projeto cultural”. Mas vamos lá: cês me desculpem, mas, descontando os aspectos “técnicos”, o prazer estético em ouvir uma obra de maior complexidade e que exige grau de excelência de seus executantes, óperas não são tão interessantes assim, considerando seus libretos folhetinescos e suas conclusões fáceis, além da simplificação de obras adaptadas de Shakespeare e outros autores teatrais. Aliás, não apenas óperas, como também os balés clássicos, tipo Giselle e coisas assim. Se fosse secretário de cultura municipal e tivesse 100 projetos culturais à disposição para patrocinar, diante do enxugado orçamento provavelmente não optaria por nenhuma ópera, ao menos no formato de superprodução quase imprescindível para a a montagem de qualquer uma delas. Apenas escolha de prioridades. Sei que os amantes do gênero o consideram imprescindível para a formação cultural do sujeito, e talvez até seja, mas a indústria cultural já prescindiu do gênero e o cultiva somente para satisfação daqueles que podem pagar por ele. Penso que são mais necessários os cursos de música nas escolas públicas, e daí a criação artística derivada, de acordo com as aptidões de cada um. Se houver disposição e demanda, que se encenem óperas, até no meio da rua. Mas tenho certeza que, pesquisas à mão, nenhum produtor cultural e/ou secretário de cultura priorizará tal evento, por deficitário, atendendo um contingente mínimo de aficionados. Claro que esse contingente é mínimo e cada vez menor em razão dos critérios massificantes da má arte, em direção à formação de consciências cativas das idéias dominantes. Mas tenho minhas dúvidas se as óperas estimulam a consciência crítica do sujeito. Aliás, dúvidas bem grandes.

    1. Ok, Marcos. Eu mesmo não sou aficionado de óperas, mas o que se discute aqui são 2 coisas baseadas na premissa de que há (E HÁ) um público para o gênero:

      1. Há músicos e cantores no RS para montar óperas?

      2. O poder público, que financia este tipo de coisa aqui ( —> http://miltonribeiro.opsblog.org/2009/01/13/a-secretaria-monica-leal-esta-trabalhando-na-praia-o-verao-sociocultural/ ), deveria ou não financiar óperas?

      Mais: as óperas são hoje, espetáculos de luz, berros e instrumentistas. Os cenários são normalmente projetados. Esqueça os espetáculos caros.

      Abraço.

      1. Sim, a Sabatella é figurinha fácil nos cinemas, teatros e restaurantes daqui… quase sempre acompanhada. E eu também (eu, sempre!).

        Observação: tava com um puto mau humor por causa da declaração de IR. Pelo que o rapaz disse, é possível montar óperas, mesmo que modestamente, com músicos e cantores do RS. Pelo que falaram as figuras, não há interesse em patrocinar tais eventos, cujo público (que há, tu dizes) deve ser bem diminuto, carregando assim um prestígio equivalente aos patrocinadores públicos, e menos ainda para os privados.

        Ahn… todas as óperas que vi no Municipal do Rio tiveram cenários e figurinos caros, sem projeções. Deve ter sido farra com o dinheiro público. Vi Orfeu e Eurídice no Cecília Meirelles, em versão “pocket-ópera”, e foi a que mais gostei, pela improvisação nos figurinos e os músicos algo entulhados com os cantores no palco…

        Quer saber? Que patrocinem os músicos existentes para programações de concertos populares, e deixem a ópera para os dvd’s e cinemas. Quando houver realmente uma demanda massiva para a montagem das óperas, que se considere a possibilidade. Vejo que a questão mesmo é a aversão política – JUSTIFICADA – pelas figurinhas. Não fossem elas, compreenderíamos a ausência de montagens operísticas no Guaíra, e nos ocuparíamos (quer dizer, se ocupariam os gaúchos) com outras tarefas culturais mais urgentes (melhoria nas escolas e bibliotecas públicas, utilização variada dos aparelhos culturais já existentes, projetos para formação de músicos e artistas vários, incremento de intercâmbio, etc.). Mas vale atazanar essa turma.

        1. Aversão política? Mas onde?

          HAHAHAHAHAHA

          Quando falas em “melhoria nas escolas e bibliotecas públicas, utilização variada dos aparelhos culturais já existentes, projetos para formação de músicos e artistas vários, incremento de intercâmbio, etc.” volto para a primeira linha e temos JUSTIFICADA minha aversão.

          Grande abraço.

          P.S.- Tenho enorme simpatia pelas pocket-ópera ou pela apresentação de uma ópera em formato resumido com narração dos acontecimentos e algumas árias. Vi uma “A Flauta Mágica” neste formato e era divertidíssimo.

    2. É equivocado dizer que as produções líricas tem público diminuto e seleto. Nos teatros do RJ, SP, PR, etc. os ingressos esgotam-se rapidamente. Ingresso no dia do espetáculo nem pensar. Até nestas últimas projeções no cinema as salas estavam sempre lotadas.

      É um espetáculo opulento, complexo e pungente, traduzido pela intricada interação de diferentes artes. Difícil alcançar sua complexidade.

      Eu sou da opinião que o nosso país teria tudo para ser um excelente produtor de óperas, com soluções inovadoras e econômicas, só que ainda não achamos a estrada para aproveitar estas competências.

      Orquestras temos, vozes também, teatros idem. Ainda temos nossa tradição carnavalesca, e produzimos, todos os anos, imensos espetáculos que contam com muitos dos ingredientes cenográficos necessários para excelentes montagens.

  4. De tudo isso o que mais me impressiona é o por que de perguntarem coisas sérias para a Mônica Boçal? Acaso esperam alguma resposta inteligente ou uma contribuição para a questão em evidência?
    As respostas dessa cavalgadura (sem querer ofender a espécie das cavalgadura, bem entendido) sobre qualquer questão, somente irá manifestar a sua absoluta falta de cultura, sua indigência intelectual e sua notável pouquissima inteligência!
    Deveriam mesmo era perguntar para a chefa dela – dona paulista, a arrogante – sobre as razões que insiste em manter essa monga mentecapta no comando da Secretaria da Cultura!
    Sim, pois não é mais possível o Rio Grande continuar convivendo com esse insulto inqualificável que nos impinge essa dona paulista, em meio ao pipocar de denúncias de toda a ordem e dos confusos atos de governo, de sermos forçados a assistirmos a cultura do estado sofrer uma sistemática destruição comandada por essa debilóide da Mônica Boçal! Uma outra pergunta, agora feita por mim: por que a tal de classe cultural (artistas,intelectuais e produtores culturais) não se mobiliza, com a força que anuncia ter, e vai para as ruas exigir a deposição da Mônica Mentecapta?

  5. Olá Milton!

    Quando li a materia no Jornal, te confesso que tive duas reações: Decepção e Revolta.
    Decepção pelo fato de ver pessoas que possuem titulações de Doutorado, e são professores, não terem a minima ideia do que se passa fora do seu “Mundo Maravilhoso Academico”
    Revolta: por essas mesmas pessoas que criticam, não fazerem NADA para mudar essa pobre e lamentavel realidade artisitica.
    Fica aqui o meu voto de Revolta contra esses Iluminados Academicos!!!

    Viva a Arte!!!

    Francisco Amaral – Tenor

  6. Foi uma boa surpresa encontrar este blog. Deixo os meus cumprimentos ao Flavio Leite, linda voz e artista talentoso. Gostaria de salientar também, que nos meus 20 anos de carreira lírica pelos pagos do mundo, somente no Brasil eu presenciei uma discussao como essa. Será reflexo da nossa cultura, voltada para o pop, samba e carnaval, imediatista e voltada para o lucro e/ou será reflexo da nossa falta de cultura, decorrente de mais de 20 anos de ditadura militar, apoiada pelos EUA e que acabou com a nossa educacao, com a reforma de ensino que tirou a materia de musica das escolas e nos empurrou goela abaixo o ensino de ingles e eliminou o latim e grego, so pra dar um exemplo? Esquecemos que antes da revolucao de 64 Porto Alegre fazia parte do itinerário Rio de Janeiro-Buenos Aires??? Esquecemos quantos grandes artistas se apresentaram no teatro Sao pedro nesta época? Se o problema é falta de dinheiro, que se facam projetos inteligentes e duradouros, nao pensando somente no lucro imediato. Esqueceram do projeto da PUC, Concertos Comunitarios Zaffari? Há 3 anos eu cantei em um concerto em Manaus, ao ar livre, para um público de 25 mil pessoas!! Antes de ir pra europa, em 1996, participei de varios concertos na Praca da Matriz para mais de 5000 pessoas…o público esta sedento por cultura, por conhecimento…um povo burro é vantagem somente para quem quer impor suas regras, sem escrúpulos e pensando somente em proveito próprio.Nao podemos pensar pequeno. Existe espaco sempre para todas as formas diferentes de cultura. Basta querer… um grande abraco, juremir

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