Ali Hassan Ayache reclama da presença estrangeira no Brasil

Ali Hassan Ayache reclama da presença estrangeira no Brasil

“Existe no Brasil uma dezena de excelentes profissionais capacitados para o cargo e a direção escolhe uma italiana”.
Ali Hassan Ayache

O potencial cômico desta matéria (e do titulo acima) pode ser resumido na seguinte frase: “Em um texto cheio de xenofobia, mas travestido de austero, Ali Hassan Ayache reclama da saída de Naomi Munakata da regência titular do Coro da OSESP para dar lugar a Valentina Peleggi”. A frase é autoexplicativa porque todos os envolvidos têm nomes não brasileiros, mostrando o óbvio: somos um país de imigrantes. Então, um Ayache faz beicinho para Munakata e Peleggi. O texto foi-me apresentado por Augusto Maurer.

Valentina Peleggi: ninguém discute sua qualidade, já a etnia...
Valentina Peleggi: ninguém discute sua qualidade, já a etnia…

Eu sou neto de portugueses, Ali Hassan veio do Líbano, Naomi é japonesa, Valentina é italiana, Augusto tem ascendência alemã. Sim, sabem que o perfil do Facebook de Ayache indica que ele nasceu em Beirute? Ora, Ali, nós matamos nossos índios, aqui quase todo mundo tem um pé fora do Brasil. Seja na África, seja na Europa, seja em lugares mais distantes. E todos, mas todos nós, saímos da África.

A matéria também reclama da presença de Marin Alsop por apenas dez semanas / ano na Osesp. Tão simples de explicar: a estadunidense Alsop é uma estrela mundial. Assisti a uma masterclass e uma entrevista dela no Southbank Center (Londres). Afirmo que aquele grau de conhecimento você não vai encontrar facilmente em nenhum lugar do mundo. Ela vale muito. Os ingleses — que não são fáceis de convencer — amam a norte-americana Alsop.

Mas o Brasil é assim. Gente de família que recém chegou acha que deve evitar os estrangeiros. Quando conheci Lisboa, vi o quanto de português havia em mim. No primeiro dia, eu já estava adaptado. Portugal já estava em mim sem eu saber. E entendi o que meus avós deviam ter sofrido no Brasil com seus sotaques, com o recomeço de meu avô como estivador no cais do porto, com as piadas de português, etc.

O texto de Ayache revela um preconceito muito comum em nosso país. Somos formados pela imigração, mas não queremos mais imigrantes por aqui, mesmo que eles venham fazer bons trabalhos ou nos ensinar. Enquanto isso, um grande homem como Jordi Savall faz isso. É que Savall conhece história. Em suas pesquisas, já encontrou a presença espanhola em todo o mundo e sabe como as trocas culturais funcionam. Te digo que certamente temos coisas a aprender com os senegaleses e haitianos que recém chegaram aqui, nem que seja sobre elegância.

Ademais, a Osesp só é a Osesp em razão dos estrangeiros. Aqueles violinos… Onde havia algo semelhante na América do Sul à época em que foram trazidos?

Tenho exemplos de xenofobia bem aqui a meu lado. Dentro de casa inclusive. Afinal, minha querida Elena é uma bielorrussa naturalizada brasileira e tem histórias muito interessantes e comprovadas para contar e mostrar. Se ela sofre de xenofobia? Nossa, e como! Não nos provoquem… Sou ótimo contando histórias.

E, falemos sério, Peleggi é uma deusa regendo. É muito competente e deveria ser um orgulho — jamais um problema! — para São Paulo recebê-la. Se não quiserem, mandem para Porto Alegre. Não temos ninguém como ela aqui na cidade. NEM DE LONGE!

Breves e apressadas anotações sobre o concerto de uma Osesp cansada, amassada e perfeita

Breves e apressadas anotações sobre o concerto de uma Osesp cansada, amassada e perfeita
Foto do concerto realizado na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, com o mesmo repertório de Porto Alegre
Foto do concerto realizado na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, co o mesmo repertório de Porto Alegre (clique na imagem para ampliar)

O concerto da Osesp da última sexta-feira no Theatro São Pedro tinha tudo para dar errado. O voo que trouxe a orquestra de Belo Horizonte atrasou 4 horas e eles chegaram em Porto Alegre apenas ao final da tarde. Sendo mais exato, entraram no hotel às 18h com a ordem de que estivessem prontos às 18h15, pois o concerto era às 20h. Ou seja, os músicos chegaram em roupas de viagem, vestiram-se com a maior pressa e foram para o concerto sem descanso, concentração ou banho. Tudo deve ter sido montado muito rapidamente pelo staff da Osesp, pois não houve atraso. Porém, apesar de o programa comemorativo pelos 60 anos da orquestra não ser tudo aquilo…

— Antônio Carlos Gomes: Lo Schiavo: Alvorada
— Edvard Grieg: Concerto Para Piano em Lá Menor, Op.16
— Piotr I. Tchaikovsky: Sinfonia nº 5 em Mi Menor, Op. 64

Dmitry Mayboroda, piano
Marin Alsop, regente

… o resultado artístico foi excelente.

Voltando no tempo, conto que foi curioso o modo como descobri o problema do atraso. Sentado nas galerias do São Pedro, ouvindo e vendo o concerto, logo observei que as mulheres da orquestra não estavam produzidas como o habitual. Mais: notei que algumas estavam vestindo calças jeans pretas. Para os homens, é mais fácil fazer de conta que está tudo normal, basta pentear-se e enfiar um terno preto. Mas as musicistas costumam vir vestidas para matar. Não era o caso e logo pensei que tinha ocorrido algum problema. Bingo! O paradoxal era que via um grupo alegre, feliz até, trocando sorrisos e tocando com precisão e talento. Então, o primeiro elogio vai para o profissionalismo da orquestra que, mesmo cansada e apertada no pequeno palco do nosso querido São Pedro, foi com tudo.

Quando a Osesp iniciou a Alvorada de Carlos Gomes, pudemos sentir uma categoria à qual não estamos habituados. Estava tudo afinadinho, o uníssono vinha claro, sem percalços. Parecia que eu estava em outra cidade que não Porto Alegre. A Osesp veio nos mostrar que, aos 60 anos de vida, é mesmo o melhor conjunto orquestral do país. No intervalo, um amigo dizia-se esmagado em seu provincianismo. Que bobagem. Mas posso afirmar que há maior cultura e conhecimento naqueles músicos, algo que não se obtém simplesmente da habilidade, do esforço hercúleo ou do grito.

Detesto o concerto de Grieg, mas com um solista como Dmitry Mayboroda e uma orquestra daquelas, a gente quase se convence de que o concerto é legal. Porém, alguma coisa em Mayboroda fazia-me pensar que estava ouvindo mais o compositor russo czarista Griegov e não Grieg. Só que, como disse, estava apaixonado demais pelo som e vagava de forma acrítica.

Na Sinfonia de Tchaikovsky, quaisquer resistências caíram por terra. Foi uma apresentação entusiasmada e eletrizante. Achei maravilhosos os solos de trompa e a interpretação de uma das obras mais redondas, bem desenvolvidas e acabadas do compositor russo. Tchai disse horrores a respeito dela:

A sinfonia é muito colorida, pesada, hipócrita, medíocre geralmente desagradável​​. Com a exceção de Taneyev, que insiste que a quinta é minha melhor composição, todos os meus amigos honestos e sinceros pensam mal dela. Poderíamos dizer então que eu fracassei, que estou acabado como compositor? Já começou o meu fim?

Para variar, falava totalmente sem razão. Há grande poesia na Quinta Sinfonia e Marin Alsop a trouxe por inteiro para nós, juntamente com a Osesp. Quando eu falo em poesia, falo daquele momento, daquele movimento, contexto ou clima de revelação que pode estar presente na música, no cinema, na literatura; enfim, em qualquer forma de arte. Digo até que, se não houver poesia, o cinema não é cinema, o teatro não é teatro, a música não é música. E, como começo a divagar, deixo vocês por aqui, reafirmando que foi uma bela noite.

Ah, e no bis bateu um pé de vento!

Duo Baldini-Cordella na UFCSPA

Duo Baldini-Cordella na UFCSPA

Infelizmente, compromissos me fizeram adiar o registro deste belo concerto realizado na última quarta-feira (26). Ele teve algo de um sarau entre amigos pela forma com que os dois instrumentistas demonstravam seu entendimento pessoal no palco. Também pelo modo informal como apresentavam verbalmente as obras. Imaginem que eles entraram no palco batendo papo, sendo interrompidos pelo aplauso do público, ao qual acudiram com simpatia. Mas, diferentemente do normal das festas familiares, foi um recital de extremo rigor e seriedade, mesmo mostrando um programa alegre.

O bom astral da dupla incentivou as pessoas a formarem, após a função, uma longa fila de cumprimentos em pleno palco. Quando fiz o mesmo, soube pelo violinista italiano e spalla da Osesp Emmanuelle Baldini e pelo o cravista gaúcho Fernando Cordella, que, por problemas em São Paulo, Baldini chegara em Porto Alegre apenas no dia anterior ao recital. Mesmo assim, o duo manteve as alterações em relação ao programa que tocaram em anos passados, evoluindo e ampliando o repertório. (No passado, lembro que havia um Tartini e um Vivaldi no repertório; agora foram substituídos). OK, estes contratempos são normais, o anormal foi vê-los estreando as peças de uma forma que parecia ser resultado de longos dias de maturação. Baldini disse que só tinham ensaiado um dia e que ele estava zonzo ao final da noite, tendo sido aparentemente curado por algumas cervejas. São uns loucos.

UFCSPA / Divulgação
Foto: Luciano Valério / UFCSPA

O que assistimos foi realmente extraordinário. Dois amigos fazendo música de alto nível com o maior tesão, pois é disso que se trata. Desde a esplêndida Chacona de Matteis, repetida no bis, passando por obras mais conhecidas como La Folia de Corelli e pelo atípico Biber, com suas representações de rouxinóis, cucos, sapos, galinhas, gatos e de uma marcha do mosqueteiro (sic), para chegar à peça mais bela de todas, a de Schmelzer, havia muita vida no palco da ex-Universidade Católica de Medicina, hoje com um nome impronunciável.

Abaixo, para não esquecer, o programa da noite:

Nicola Matteis (1670-1718)
— Diverse Bizzarie spra la Vecchia, Sarabanda o pur Ciaccona

Dario Castello (1590-1658)
— Sonata prima, Concertate in Stil Moderno, Libro II, Venezia

Biaggio Marini (1594-1663)
— Romanesca

Arcangelo Corelli (1653-1713)
— Sonata em Ré Menor Op. 5 Nº 12 “La Folia”

Giovanni Pandolfi Mealli (1630-1680)
— Sonata Quarta Op. 3 “La Castella”

Heinrich Ignaz von Biber (1644-1704)
— Sonata Representativa “Representatio Avium” .

Johann Schmeltzer (1620-1680)
— Sonata Quarta “Unarum Fidium”

UFCSPA / Divulgação
Foto: Luciano Valério / UFCSPA

Excelente concerto da Ospa, sobrevivendo à acústica e aos câmeras

Excelente concerto da Ospa, sobrevivendo à acústica e aos câmeras
Se eu tocasse como ee toca, não pararia de rir | Foto: Antonieta Pinheiro
Emmanuele Baldini: se eu tocasse como ele toca, não pararia de rir | Foto: Antonieta Pinheiro

A Ospa saiu vencedora no tremendo duelo travado contra a acústica do Auditório Dante Barone na noite de ontem. Cheguei ao local no momento do início do concerto e os lugares mais à frente já tinham sido ocupados. Então, sentei lá atrás. Digamos que ouvi mais do que vi, pois onde eu estava tinha uma dificuldade extra: a necessidade de driblar os dois câmeras que ficaram em pé, fazendo seu trabalho no meio do auditório, mas também atrapalhando o público. Então, sob o meu ponto de vista, o concerto foi mais espreitado do que assistido.

A primeira obra do programa foi o divertido Concerto para violino e cordas – Série Brasil 2010, nº 6, de Dimitri Cervo. Melodioso, cheio de ecos brasileiros e de citações barrocas, o concerto recebeu luxuoso tratamento do solista Emmanuele Baldini, spalla da Osesp e primeiro violino do quarteto de cordas da mesma orquestra. Ontem, Baldini solou e regeu a Ospa. Os aplausos para o santa-mariense Cervo foram inteiramente justos. O pós-modernismo e o poliestilismo é um guarda-chuva que permite grande liberdade aos compositores – uma liberdade que é perigosa, porque deve ser exercida com bom gosto. Cervo passa longe da vulgaridade com sua música bela e acessível, pois igualmente afastada das incomunicabilidades de algumas vanguardas do século XX. Gostei de tudo, das melodias do primeiro e segundo movimentos, assim como da brincadeira com as  citações no terceiro. Read More

Ospa: noite de ventos

O concerto de ontem foi uma boa surpresa. Só obras para sopros e percussão. Sei que não dá para fazer isso sempre, mas abrir as janelas com a finalidade de arejar o repertório é uma coisa comum nas boas orquestras e a Ospa, com os músicos que tem, não deve dobrar-se a auto-indulgência, nem pensar que o público é tão amador que queira sempre mais do mesmo.

O concerto abriu com a simpática Fanfarra para preceder La Péri, de Paul Dukas. Obra para metais, serve como abertura do balé La Péri. Excelente interpretação do pelotão de metais da Ospa, disposto em linha na frente do público com o maestro na plateia. Um belo fuzilamento.

Stravinsky em momento pastoral (clique para ampliar)

Depois veio a música mais chatinha da noite, a Serenata para Sopros, de Richard Strauss, a qual demonstrou um mérito indiscutível: ser curta. A coisa ficou séria na Sinfonias (isso mesmo) para Sopros de Igor Stravinsky. Com uma única mulher no grupo e em toda a noite — a clarinetista Beatriz Gossweiler — o que se viu e ouviu foi música de primeira qualidade com um show particular de Leonardo Winter e Augusto Maurer, dançando nas tortuosas melodias do talentoso nanico russo amante da grana.

(Aqui, mais fotos eróticas de Igor Stravinsky).

Após o intervalo veio a música programática de David Gillingham, Waking Angels. Desconhecia totalmente esta bela composição de 1996 sobre a AIDS. Não é um tema leve e a música — assim como a composição de Stravinsky — não é nada trivial. A audição é realmente impactante, mas bonita de se ver. Enquanto Wilthon Matos botava e tirava gatos da tuba, o pessoal das madeiras alternavam intervenções de seus instrumentos com um coral. Isto é, eles cantaram e cantaram bem e com a seriedade requerida pelo tema. Apesar de tudo, não posso deixar de sorrir ao lembrar de Klaus Volkmann cantando com tanta seriedade, ele que parece ter o sorriso naturalmente estampado no rosto. (Impressão que tenho de longe, pois nunca falei com ele. Vai ver e é o maior dos mal humorados…).

Não me apaixonei pela Suíte cp200, de Edson Beltrami. Ela tem um final interessante, mas talvez rendesse melhor se não estivesse depois de Stravinsky e de Waking Angels. Destaque para a trompas e para o oboísta que não sei o nome (Javier Andres Balbinder?).

Além de bom músico, acho que o regente Dario Sotelo deu boas e necessárias explicações. Sabe falar em público, foi simpático, etc. Está caindo de madura a sugestão de imitar a Osesp. 30 minutos antes de cada concerto, um músico da orquestra dá uma pequena aula a respeito do que se vai ouvir. Quem não se interessar, chega só para o concerto; quem quer aprender e puder chegar mais cedo, aprende alguma coisa. A formação do público não deve ser apenas como ouvinte. Waking Angels cresceu muito após a sensível explicação do maestro. Pensem nisso. A Associação de Amigos da Ospa vai acabar acontecendo e espero que consigamos encaminhar coisinhas como essas. É o mínimo. A orquestra existe para o público e formá-lo é importante.

Ospa: nem poção mágica salva repertório

Asterix regeu a Ospa nesta terça-feira

(É claro que o maestro uruguaio García Vigil merece todo meu respeito, mas que ele é a cara do Asterix, isso é. Baixinho, magro, narigudo e com longos cabelos, falta-lhe pouco para ser o esperto gaulês. Algumas mulheres na plateia disseram que ele remetia ao gaulês, mas também ao Gepeto do Pinóquio. Não chegamos a uma conclusão final).

O repertório do concerto de ontem à noite foi fraco e tal fato é tudo menos novidade, como sabem meus sete leitores. A função começou animada com a Abertura da ópera A Flauta Mágica de Mozart, o qual parece ter morrido de uremia, nunca por envenenamento. O pequeno guerreiro gaulês imprimiu grande entusiasmo à execução e a Ospa — a plena e furiosa DR atual parece não atingi-la artisticamente — respondeu de forma magnífica.

Porém, a aldeia gaulesa sempre tem seu momento Chatotorix: Antonio Salieri apontava perigosamente na curva. Defendido galharda e inutilmente por Max Uriarte, o Concerto para Piano e Orquestra em si bemol maior revelou-se por inteiro em sua mediania. Um bonito Larghetto antecedido de um primeiro movimento desinteressante e sucedido de um Andantino em forma de variações.  Um concerto de estrutura original, não fosse o problema da música. Não sou daqueles que combatem o Salieri em razão das calúnias póstumas proferidas por Pushkin, repercutidas por Rimsky-Korsakov, e amplficadas por Peter Shaffer em Amadeus — é que o concerto era dureza mesmo. Salieri, que morreu de velho, surfava bem melhor em águas operísticas.

Depois veio a 5ª Sinfonia de Schubert, que morreu de mal francês (vá ao dicionário). Pura grife. Schubert foi um tremendo compositor e o número cinco é muito bem cotado nas rodas eruditas. A Quinta de Beethoven, a Quinta de Mahler, a Quinta de Shostakovich, a Quinta de Prokofiev — que recebeu bela gravação da OSESP, lançada em CD no mês passado, Marin Alsop, já compraram?, eu comprei, é muito bom — , fora os concertos que carregam o número dos melhores volantes do mercado. Pois bem, pura grife, dizia eu: a 5ª de Schubert é das obras mais fracas de um sinfonista que parece apenas ter se encontrado nos números 8, “Inacabada”, e 9, “A Grande”. Perda de tempo ouvir novamente a 5ª. Despilfarro, diria o gaulês platino.

Ideiafix. Sim, ontem meu Facebook foi invadido por argumentos de que era impossível melhorar o repertório da Ospa. Eram músicos da Comissão Artística que davam uma colher a este pobre escriba de sete leitores. Referiam-se a isto, certamente. A comoção artística deles fê-los afirmar que a  programação “foi pensada e realizada tendo em vista a estrutura física disponível para a Ospa”.

Seria muito fácil, apesar de longo, responder ao argumento. Nem vou fazê-lo. A Ospa sofre demais, como coloquei no link que repito aqui, mas não deve alegar que seu sofrimento seja a causa das péssimas escolhas que faz. Isso é como o jogador de futebol que rola aos berros no gramado ao menor toque em sua figura. A Ospa insiste em não envolver seu público nas decisões. Os metros e metros que separam a Reitoria do novo teatro poderiam ser pavimentados com, por exemplo, partituras de Haydn superiores a tal 5ª de Schubert. Schubert é superior a sua Quinta Sinfonia. Aliás, recentemente tivemos a 8ª e 9ª do mesmo compositor. O que a Ospa não imagina é a criatividade dos programas que fazemos por pura brincadeira no grupo de discussões daquele blog fantasmal de música erudita, resultados das saudades que temos da coluna Who`s Next da revista Gramophone. O público sabe mais do que alguns imaginam. No intervalo, em vez da 5ª, fantasiava com a Sinfonia “O Filósofo” de Haydn, uma livre associação muito mais adequada.

Fico pensando em onde colocar o Obelix no meu texto…

Carta aberta ao maestro Tiago Flores

Prezado maestro e demais visitantes.

Na última sexta-feira, publiquei um post bastante curto, quase uma anotação, onde reclamava da programação da OSPA para 2012. Quem acompanha este blog sabe que meus reparos ao repertório vêm de anos e que vou aos concertos da OSPA por amor à música — mesmo que repetida ad nauseaum — e à própria orquestra, a qual assisto desde a memorável noite em que, acompanhado de meu pai, ouvi o maestro Komlós reger a Sétima Sinfonia de Beethoven. Tinha por volta de sete anos de idade e pensei que não poderia haver música mais bela do que aquele segundo movimento. Lembro de ter ficado tão excitado que não conseguia parar quieto nos dançáveis terceiro e quarto movimentos. Naquela noite, algum circuito de meu cérebro foi ligado e eu me tornei um melômano, sim, um melômano fanático capaz de ouvir mais de oito horas de música por dia, de administrar um blog que tem mais de 3000 CDs comentados de forma sucinta, de entrevistar o Secretário de Cultura em seus primeiros dias a fim de lembrá-lo de seu passado como ex-ospista numa tentativa patética de auxiliar com meus pobres argumentos a construção da sede da orquestra e de dar palpites sobre muita coisa, sobretudo a respeito de andamentos de sinfonias…

Meu pequeno texto, se pode ser assim chamado, era uma crítica ao repertório, jamais aos músicos, apesar de que vários deles o tomaram como uma crítica pessoal. Crasso engano. Conheço quase tudo a respeito da orquestra e sei que eles são heróis ensaiando nas piores condições. Visitei a sala de ensaios e torturas da orquestra. Fui apresentado aos anteparos de acrílico que separam os músicos da surdez. Mesmo assim, mesmo sob tais condições e mesmo com o local de concertos estando longe do ideal, o resultado artístico insiste em ser consistente e bom, prova de que as falhas devem ser procuradas em outros fatores.

Dizer que o repertório é monótono é espelhar a realidade. É muita música do período clássico e principalmente dos ROMÂNTICOS do século XIX. Há fixações irritantes e incompreensíveis sobre determinados compositores. Mahler é raro, Bruckner nem se fala, o século XX participa mui discretamente em seus anos iniciais. Este ano, a Ospa mais parece um museu dedicado aos russos da metade do século XX e a Rachmaninov, que viveu depois mas que parece ser de 80 anos antes. Sim, há exceções, mas estas são poucas, muito poucas. Como se não bastassem não há grande disposição em divulgar compositores vivos ou a música brasileira. O desconhecimento e desrespeito à música nacional é tanto que, no dia 17 de novembro de 2009, quando se comemorava (ou se lamentava) o cinquentenário de morte de Villa-Lobos, o programa da OSPA foi:

Novembro, 17, 2009  — 20:30 — 15º Concerto Série Oficial 
Festival Mendelssohn – 200 anos de nascimento
Obras:
Trumpet Ouverture em Dó Maior op.101
Concerto nº 2,em ré menor,op.40,para Violino e Cordas
Sinfonia nº3, op. 56, em lá menor _ “Escocesa”

Solista:Marcio Cecconello
Regente: Karl Martin      
Local:Salão de Atos da UFRGS 

Detalhe: Mendelssohn nasceu em 3 de fevereiro de 1809, não em 17 de novembro, data de Villa-Lobos. Este gênero de descuido ocorreu em 2009, mas poderia repetir-se hoje, tal é o equívoco de orientação de uma orquestra cuja curadoria parece estar sob descuido da restrita Fundação Cultural Pablo Komlós. A orquestra parece não dar importância a seu publico. Vejamos, por exemplo, a OSESP: ela conta não apenas com o apoio do Governo do Estado, através da Secretaria de Estado da Cultura, e de  patrocinadores privados — até aqui está tudo igual à OSPA — , mas também de um público fiel de 11.353 assinantes para sustentar um projeto que engloba orquestra (109 músicos), coro (60 cantores), coros juvenil e infantil, uma editora de partituras de autores brasileiros, projetos educativos (que atenderam 77 mil crianças e adolescentes em 2010), mediateca (aberta para consulta pública), ciclos de aulas e palestras, e website com podcasts gratuitos, sem falar em mais de 30 CDs lançados. Eles estão em São Paulo, um centro muito maior, porém que deveria nos servir como exemplo. Ah, tenho certeza de que os assinantes são ouvidos. Daqui, eles foram corridos.

Intermezzo: criamos uma Associação de Amigos da OSPA no Facebook. Curta e faça a revolução conosco!

A caixa-preta da Ospa merece ser aberta. A direção artística deve CONSIDERAR o público cada vez mais diminuto em vez de ficar apenas ouvindo e desconsiderando sugestões. Sei que há músicos na orquestra que desconsideram o público como leigo, pensando que apenas músicos possam opinar, mas eu, por exemplo, um mero melômano, tenho sugestões até para os concertos populares.

E muito, muito mais para os chamados “Oficiais”. Vocês, músicos, nem imaginam quanta coisa eu e o público conhecemos. Agora, vamos à conversa que tive hoje à tarde no Facebook. Vejam a vontade que algumas pessoas demonstram de discutir todas as questões de forma civilizada. Elena Romanov, violinista da Ospa, iniciou a conversa sem maiores intenções e a coisa explodiu..

Elena Romanov ao meu amigo Milton Ribeiro.
Estou tentando fantasiar que um jornalista criticou, por exemplo, um filme em seu blog e veio uma longa discussão virtual entre ele e o elenco com desculpas, explicações, ameaças e xingamentos. Ou que criticou um livro e o escritor veio para brigar e “se defender ”online”. Que falta de classe! Gente, isso é simplesmente surreal… cada um tem o direito de criticar as coisas e ter uma opinião. Relaxem!

Claudia De Ávila Antonini Cara Elena Romanov, é que no Brasil não existe crítica, este é que é o problema. Não sei se ainda é um reflexo da ditadura, mas o costume é só elogiar ou ficar quieto, discordar jamais.

Elena Romanov Pior que já percebi isso. Continuo não entendendo porque no caso da programação da orquestra sinfônica não pode haver crítica e no caso do livro/filme pode.

Claudia De Ávila Antonini Mas Elena, na minha opinião há pouquíssima crítica também a livros/filmes. A maioria das críticas que temos, na verdade, fala só do que já está demonstrado ser inevitável criticar, ou seja, algo que já está muito exposto e comentado pela opinião coletiva e que o “não criticar” seria em si uma “omissão vergonhosa” para o crítico.

Francisco Marshall Quem quiser brigar tem que apanhar pra aprender a se comportar! Ora…

Claudia De Ávila Antonini O que temos com isso é a ausência de um pensamento crítico em geral. Todos os que escrevem, atuam, tocam são elogiados. Não vês que há sempre aplausos de pé no final dos concertos? Eu adoro a orquestra, sou a maior fã mas esta unanimidade me soa muito mal. Não seria esta uma atitude reservada para os dias “especiais”?

Claudia De Ávila Antonini Mas meu caro Francisco Marshall, o Milton adora a possibilidade de discutir o assunto, não está nem um pouco triste com os ânimos quentes.

Ricardo Branco Nos falta um pouco a Kritik , no sentido alemão do termo. Emitimos a opinião pessoal e ela pode ser questionada mas não discutida. Neste caso, criticar é uma adesão e não um desabono ao autor.

Elena Romanov Eu, assim como Augusto Maurer, achei as observações do Milton bastante amigáveis, não sei se é porque tenho outra mentalidade…

Claudia De Ávila Antonini É óbvio que foram amigáveis! Ele ama a OSPA, e eu também.

Claudia De Ávila Antonini Aliás, completando, a gente se preocupa, discute, se informa. Até quando das audiências públicas para a sede no Shopping Total estavamos em todas.

Milton Ribeiro Vi só agora teu post Elena Romanov. É verdade. Eu ia responder hoje ao Tiago Flores e a outras pessoas, mas vieram outros assuntos. É claro que nada tenho contra a instituição, critico apenas o repertório repetitivo e conservador. Agora, eu falo  disto aqui e recebo um contra-ataque lá longe, em outro assunto. Isto me coloca numa falsa posição de ataque à OSPA. Ridículo.

Philip Gastal Mayer Opiniões são opiniões, não há o certo e o errado, há a minha impressão e a sua impressão. A coisa começa a ficar perigosa quando a impressão de uma maioria toma ares de “certo”. Sempre defenderei a crítica, ela é a “oposição” necessária para polir e tornar o objeto ainda mais virtuoso.

Francisco Marshall Não podemos viver sem a OSPA, nem ela sem nós, o público, especialmente o público apreciador e culto. Muitos músicos e dirigentes acham, equivocadamente, que a OSPA existe para eles. Errado. Ela existe para a música, para a história da música (passado, presente e futuro) e para as comunidades de profissionais e de ouvintes que podem e querem preservar e se nutrir do patrimônio musical, viciados em arte como nós dessa lista.

Francisco Marshall Os músicos que amam a música, como Elena Romanov e Augusto Maurer, leem as opiniões com o merecido desprendimento não porque são nossos amigos, mas porque amam a música como nós, ou mais.

Francisco Marshall Acho que o Tiago Flores respondeu educadamente, e tentou esclarecer.

Milton Ribeiro Sem dúvida. Mas os músicos me mandam cópias de e-mails trocados e tem gente que me encara como um hooligan.

Francisco Marshall Mas lembro que deixei de pagar o carnê de sócio da OSPA, com pesar, cansado das numerosas repetições de Sherezade, que é uma linda música, mas conservadora pra caramba. Aliás, ainda existe carnê da OSPA?

Francisco Marshall Há que se buscar um equilíbrio entre tradição e vanguarda, o universal e o local. Se tudo for feito com altíssima qualidade, o valor será indisputável sempre.

Milton Ribeiro Como disse alguém, é uma orquestra sem amigos… E que conversa pouco com seu público.

Elena Romanov ‎Francisco Marshall, a minha lógica é a seguinte: o Milton tem muitos seguidores. Talvez alguns deles consideram que a música clássica foi para extinção antes dos dinossauros. “Mas este cara é legal, valoriza as coisas bonitas, tem um humor brilhante… quem sabe, se ele GOSTOU de alguns programas, eu vou também?”
Eu pagaria por uma propaganda dessas =)

Francisco Marshall Eu e Marcos Abreu sempre deploramos esta perda do sentido comunitário da OSPA, que foi um erro de gestão catastróffco.

Philip Gastal Mayer Perfeito Elena Romanov!

Francisco Marshall Eu acho que os seguidores do Milton Ribeiro, eu incluso. acreditamos apenas que os dinossauros foram extintos, talvez até mesmo por não terem música clássica!

Marcos Abreu Acho que o Francisco Marshall se refere aos “amigos”. Sempre falo e volto a repetir, acho que a OSPA precisa de uma Associação de amigos reais, participantes, atuantes, contribuintes. Todas as orquestras são assim. Afinal, fidelização de clientes é o “trend” do momento. Vejamos que ela tem 1418 curtindo a página, mais 5000 no perfil, 6418 pessoas que curtiram, marcaram, sei lá qual a idéia, mas aposto que menos de 5% sabem do que se trata ou frequentam os concertos. Além do que, nada contribuem além de um click no facebook.

Augusto Maurer Fico feliz por ter ateado fogo a esta auspiciosa e bem frequentada discussão. A parte sobre a burrice de toda unanimidade logo me fez lembrar de

Augusto Maurer ‎Milton Ribeiro: o que esperas para promover isto a post? (o face ainda acarretará a extinção dos blogs) / Francisco Marshall: onde posso ler os esclarecimentos prestados pelo Tiago.

Claudia De Ávila Antonini Apoio totalmente o Marcos Abreu, me deu até vontade de criar uma página “Eu quero ser amiga(a) da OSPA” para reunir interessados e peticionar ao governador, secretário de cultura, presidente e direitores da OSPA para que volte a haver este instrumento democrático de participação do público.

Francisco Marshall Lembro que no debate sobre o horrendo projeto arquitetônico da nova sala, no Caderno de Cultura ZH, respondendo a Maturino Luz, o presidente da FOSPA, Ivo Nesralla, afirmou, entre outras coisas, que a FOSPA é uma autarquia que não devia satisfações à opinião pública. Sintoma claro do que aqui comentamos. Quando e como foi sucateada a Associação de Amigos da OSPA?

Milton Ribeiro Penso que a OSPA mereça melhores cuidados de seus gestores. A criação de uma Associação de Amigos é fundamental por dois motivos: (1) a fidelização e (2) o feedback. Não entendo uma instituição que não dialogue e sei que a OSPA tem entre seus membros verdadeiros apologistas do não-diálogo. Conheço muita gente que teria contribuições a dar. E, sobre o mau repertório, estou cada vez mais tranquilo. Tenho recebido vários e-mails de músicos da OSPA me apoiando. Recebi inclusive um pequeno estudo de repetições de programação, inclusive lembrando o grande dia em que Villa-Lobos completava uma data redonda e foi programado um Festival Mendelssohn. O problema é que eles não querem se identificar. Vá entender!

Francisco Marshall Hehehehe, está em um texto postado em um link do Milton Ribeiro que conta com o teu “curtir”, caro Augusto Maurer:

Francisco Marshall Quantas vezes a OSPA executou a linda fantasia coral de Beethoven com Ney Fialkow?

Francisco Marshall ‎Augusto Maurer, isso foi o que defendi naquele artigo, lembras?

Milton Ribeiro Outra coisa que todas a maioria das orquestras do mundo fazem é música de câmara, normalmente programadas para logo após o intervalo com, obviamente, um efetivo menor de músicos. No caso da OSPA, haveria um ganho secundário: aliviaria um pouco os os músicos dos ensurdecedores ensaios no cais do porto, além de abrir caminho para um repertório imenso e de qualidade. E nem vou falar na valorização dos músicos envolvidos.

Francisco Marshall Eu ofereci o StudioClio ao Dr. Nesralla para agendas de música de câmara, ele gostou da ideia, mas nunca fomos em frente. Independentemente disso, músicos da OSPA formam a elite concertante na agenda de música de câmara do StudioClio. Nós poderíamos realizar também notas de concerto, previamente, ampliando a divulgação, a compreensão e a mobilização para cada concerto. Uma AAOSPA cuidaria disso com uma mão nas costas.

Milton Ribeiro ‎Augusto Maurer, mostra esses argumentos todos para o Tiago Flores. Até para tirar meu estigma de INIMIGO DA INSTITUIÇÃO.

Francisco Marshall Não há esse estigma, Milton Ribeiro, tenho certeza. Aliás, no teu post no Sul21 foi só uma musicista que se manifestou exasperada, estatisticamente irrelevante.

Francisco Marshall Bueno, fratres, com tudo isso, acho que a revolução se aproxima! Tomada pelas letras e ideias!

Milton Ribeiro Vou transformar em post hoje à noite, se tiver tempo. Não vou querer perder esta discussão

Augusto Maurer Ansioso por compartilhar, Milton Ribeiro, com a ressalva de que NÃO FUI EU ! Pois adoro riscar fósforos em tanques de gasolina.

Carta de um músico da OSESP sobre a OSB

“Prezados colegas,

Optei por me afastar das discussões sobre os acontecimentos na OSB, por motivos que todos conhecem. Mas lendo algumas mensagens e depois de uma conversa no último sábado com a Léa, preferi me manifestar sobre algumas imprecisões nas informações que os colegas têm sobre nossa reestruturação. Eu sou oboísta da Osesp há trinta anos, fui o presidente da Aposesp à época  da reestruturação e fiz minha dissertação de Mestrado sobre a Osesp,colocando o foco nesse período, tenho informações mais precisas.  Uma colega  menciona no Fórum da Aposesp quatro pontos pouco claros, que são:

1) O nosso maestro foi um dos escolhidos de uma lista tríplice feita pela orquestra.
2) Ele teve o respaldo da comissão da orquestra e de vários músicos para a reestruturação.
3) Nós tivemos 6 meses para nos prepararmos para o teste e a banca era de alto nível sendo que o maestro não fazia parte dessa avaliação.
4) Quem não quis fazer o teste ou não passou, não foi demitido e sim, continuou na Fundação Padre Anchieta tocando na Sinfonia Cultura.

É preciso lembrar aos colegas que o sistema de escolha por lista tríplice foi uma sugestão minha, copiando o modelo existente nas universidades estaduais paulistas e no Ministério Público. É necessário dizer, também, que o nome do Neschling já era sondado antes mesmo do falecimento do Eleazar de Carvalho, sendo que o Secretário de Cultura de então, Marcos Mendonça, já havia se encontrado com ele no Rio. Fizemos depois intenso “lobby” a favor do nome do Neschling, especialmente porque ele estava em alta aqui depois da gravação do “Il Guarany” com o Plácido Domingo.

Após a nomeação do Neschling, houve reuniões para tomarmos conhecimento da proposta do maestro e ver o que seria possível para que o processo fosse mais brando. O que pudemos influenciar, na verdade, foi a proposta de nomes para comporem a banca, pois a reavaliação se tornou inegociável. Tentamos fazer com que não houvesse audições, mas Neschling, mesmo podendo fazer um raio X e saber que músicos estavam ou não aptos para integrarem a nova estrutura de trabalho, ele quis que todos tivessem a mesma chance em audição, pois senão ele poderia ser acusado de ter feito uma escolha pessoal. Os músicos souberam que haveria audições pelo menos seis meses antes, mas teriam que trabalhar até lá. A sorte é que foram cancelados concertos, sendo o último em 23 de abril, e a partir daí tivemos mais tempo para a nossa preparação. O cancelamento dos concertos se deu porque muitos músicos estavam fazendo reuniões e movimentos para cancelar as audições e boicotar a reestruturação. Houve até maestros que se posicionaram contra, acusando o processo de desumano. Houve colegas da Osesp que tentaram destituir a mim e ao Marcelo Lopes da diretoria da Aposesp, com assembléias com muita emoção, desmaios simulados etc.

Fala-se  da composição das bancas nas provas da Osesp e da OSB. As provas da OSB contaram com nomes tão importantes como os que compuseram as bancas da Osesp, mas infelizmente alguns dos convidados cancelaram a vinda, depois dos protestos. Na época da nossa reestruturação isso também aconteceu, sendo que pelo menos um clarinetista italiano, o Carbonari, deixou de vir.  Abaixo farei alista dos convidados e os presentes às audições da OSB.

Há  também  uma informação equivocada sobre a participação do Neschling nas bancas. Ele não participou fisicamente, pois já havia fechado contratos para reger no exterior, mas trouxe pessoas de sua confiança, como o maestro Roman Brogli ,a Brigitte Bolliger, sua esposa à época e o Emilian Dascal, amigo violista de Saint Gallen. O Roberto era somente um dos membros da banca, não participando somente de minha audição. A banca entrava em contato ao fim de cada etapa das audições e fazia um relato completo ao Neschling sobre cada músico, e então ele decidia quem estava ou não aprovado.

A nossa sorte é que tivemos um grupo na Aposesp que apoiava uma mudança de rumo artístico na orquestra, algo raro na maioria das orquestras. Infelizmente a OSB é uma instituição privada, não tendo um lugar para onde transferir os que não fizessem audição, como fizeram a Osesp e a Filarmônica de MG.

Deve-se levar em consideração que um músico que tem ao menos 45 dias sem qualquer atividade na OSB, pudesse tocar o repertório exigido, nada mais do que um concerto tradicional e excertos, especialmente de obras executadas no ano anterior. Que músico não teria condições de se preparar nesse período? Talvez o colega que negligenciou sua profissão por longo tempo. Outros talvez não tenham concordado porque passariam a ter ensaios à tarde; outros porque teriam que sair de outras orquestras, pois o novo regimento exigiria exclusividade, com exceção das atividades pedagógicas. Outros simplesmente não concordam como pelo modo como foi comunicado o processo, ou como ele próprio desenvolvido. Outros porque já são aposentados e estão em idade avançada e sem ânimo para audicionar mais uma vez na vida.

Uma vantagem do processo da OSB em relação ao da Osesp foi a relação contratual. Lá os músicos já seriam contratados com CLT. Eu tive que desistir de um contrato com a Fundação Padre Anchieta, de 16 anos, CLT, com FGTS e 13°, adicional por tempo de serviço, entre outras vantagens, para embarcar num contrato frágil, sem todas vantagens acima mencionadas, que durou quase nove anos.

Pensem, também, nas mudanças positivas ocorridas nos últimos anos na OSB, promovidas pelos conselheiros, diretores administrativo e artístico. Antes eles ficavam de tempo em tempo com salários atrasados, girando em torno de R$ 2.000. Hoje os salários estão em dia e vão de R$ 9.000 a R$ 11.000. Agora atrasos não mais acontecem e eles têm uma programação muito boa. O  Roberto tem perfil empreendedor. Outros bons maestros, como o Karabtchevsky, que já teve força política, oportunidade e verba, no Municipal de São Paulo (orquestra com grande potencial, mas também com enormes deficiências) e em Porto Alegre, não conseguiu transformar esses grupos em sequer boas orquestras, não construiu teatro novo e a programação era muito limitada, de pouca dificuldade técnica, boa, mas fraca em comparação à da Osesp. Há jovens maestros que também são bons instrumentistas, que assumiram orquestras recentemente e não tinham projetos de requalificação artística, somente criando série pops e diziam que iriam manter todos os músicos, independentemente do nível deles, contando somente com a boa vontade e paciência para transformar água em vinho. Enfim, bom-mocismo e jeito “naive”. Nessas horas  concluindo esse ponto, os maiores empreendedores maestros no Brasil são o Neschling, o Mechetti e o Roberto. Eles são perfeitos? Não. Mas têm esse perfil positivo.

Uma coisa  que não pode ser ignorada é a vontade de uma parte considerável da OSB de fazer as audições, sendo que muitos têm sido assediados moralmente e ameaçados de forma violenta por outros colegas contrários ao processo. Também é estranho apoiar certas manifestações por jovens mal influenciados.

Muitos problemas de comunicação aconteceram dos dois lados, houve gente oportunista e outros realmente idealistas. É difícil não apoiar as mudanças artísticas propostas pela direção da OSB, mas também o colega músico se sente no dever de se manifestar apoiando seus colegas que considera injustiçados. O que deve ser evitado, sim, é agir de forma exagerada  emocional e apoiar atitudes pouco “profissionais”, mesmo quando se trata de uma orquestra jovem.

Arcadio

Jurados que vieram;
Michael Faust – flautista da Orquestra de Colônia
Ioan Cristian Braica – contrabaixista da Orquestra de Frankfurt
John Roderick MacDonald – trompetista da Gewandhaus de Leipzig
Mark Timmermann, percussionista do Metropolitan
Fred Pot – cellista da Concertgebow de Amsterdã
Yacov Haendel, engenheiro de gravação, Alemanha
Bart Vanderbogaard, spalla da Orquestra de Roterdan

Jurados que não vieram:
Blair Bollinger – trombonista da Orquestra da Filadélfia
Isaac Duarte – oboísta da Tonhalle de Zurique
Rebecca Young, violista da Filarmônica de NY
Charles Neidich, clarinetista, prof. da Juilliard School

Os da Osesp em 1997:
Issac Duarte
Afonso Venturieri
John Roderick MacDonald
Antonio Meneses
Regis Pasquier
Briget Bolliger
Herbert Meyer
Yves Brustaux
Roman Brogli
David Kreibel”

Marin Alsop na OSESP

No ano passado, assisti tardiamente a OSESP na sala São Paulo. No programa havia Sibelius, Janacek, Debussy e Pärt. Foi um dos grandes momentos de 2010, talvez até o maior deles num ano de poucas emoções artísticas.

Fiquei feliz quando soube que Marin Alsop assumirá a regência titular da OSESP. E fiquei surpreso ao saber que se tratava de uma mulher. Achava que seu nome derivava do nome masculino francês Marin (diz-se Marrã), como Marin Marais, e que vestisse cuecas como eu. Mas não. Aquele regente admirável de tantas gravações da Naxos é uma mulher, o que, se não a melhora, ao menos surpreende num mundo ainda dominado pelos homens.

Alsop, nascida em 1956, assinou por cinco anos a partir de 2012 e deverá ficar dez semanas por ano em São Paulo, além de turnês e gravações. Está bem, se considerarmos que a regra atual é a troca contínua do ocupante do pódio.

O primeiro ocupante do posto no período da Sala São Paulo, John Neschling, ficou bastante nervoso e foi deselegante aqui (final) e aqui. Seu livro é muito bom, mas em seu blog ele se permite um pouco de truculência: colocar o nome de Fernando Henrique Cardoso ao lado do de Marin Alsop é o mesmo que ofendê-la. E ela veio cheia de bom senso:

“Eu sempre ouço conselhos, mas raramente os sigo. Disseram-me para evitar a Naxos, que é uma gravadora de discos baratos, mas olhe o resultado: eles viraram o principal selo clássico do mundo! Bem, mas talvez meus CDs estejam fazendo sucesso porque eu sou mulher. Não é engraçado?”.

Em Baltimore, além das atividades artísticas, ela realizou programas de educação musical envolvendo a população carente. “Você tem de tentar ser relevante e isso é difícil quando lida com gente morta, que criou cem anos atrás”.

“A tendência inicial e imediata seria o repertório brasileiro, latino-americano, mas isso parece muito óbvio. Talvez fosse divertido fazer mais compositores contemporâneos que mesclam popular e erudito. Todo mundo sente que essa é uma cidade contemporânea e isso tem que se refletir no repertório. Além de Mahler, Brahms e Beethoven, temos que trazer a música de hoje. Sou muito interessada na música nova brasileira, e tenho que me educar nisso.”

A Sra. Alsop sabe o que faz. Será que vamos ter mesmo de comprar passagens baratas com antecedência, ficar hospedado naquele hotelzinho ali perto da Sala São Paulo para ouvir música de primeira qualidade? Não me incomodo, mas e Porto Alegre?

A provável extinção da TVE e da FM Cultura

Olha, eu não vejo televisão. Para mim, a TV existe para as notícias e o futebol. Como as notícias vêm com o filtro das grandes corporações, fico mesmo é com o futebol. Então, não pensem que conheço a programação da TVE. Nunca conheci. Mas sei de alguns fatos: a TVE tinha uma programação que vinha de três fontes: a TV Cultura de São Paulo, TV Educativa do Rio de Janeiro e havia a programação local. O espaço era dividido por 3, de forma mais ou menos igual. Só que, em 2 de dezembro de 2007, a Educativa do Rio foi extinta para dar no lugar à TV Brasil, canal de televisão pública do governo federal, fundada no dia em que começaram as transmissões de sinal de TV Digital em território brasileiro. A programação da TV Brasil parece ser boa. Aí é que Ela entra na história. Identificando a TV Brasil como a TV do Lula, a Inepta resolveu cortar a programação vinda do Rio, ficando só com a sua e a da TV do Serra (TV Cultura de São Paulo). Nunca antes um governador achara que as TVs públicas do Brasil tinham uma programação tão partidarizada a ponto de impedir as emissões vermelhas de um ou as azuis de outro, mesmo em programas sobre arte ou gastronomia. O estranho é uma governadora que já conta com todas as emissoras comerciais — todas notoriamente pró-Ela e anti-PT — , especialmente a maior delas, parece desprezar tamanho favor, investindo seu tempo em impedir a chegada ao estado de perigosos programas lulistas à sua TV de baixa audiência… Ou quem sabe quer vender alguma coisa à principal patrocinadora?

Bem, então chegou o impasse. A TVE gaúcha e a FM Cultura estão num prédio do INSS. O contrato chegará ao seu final em março e a desgovernadora teria que manifestar sua intenção de compra até meados deste mês. O governo do RS tem mais de 1500 prédios ociosos, que poderiam ter sido oferecidos para permuta. Apesar de ter a preferência na compra, o governo gaúcho não quis adquirir o imóvel… A compra seria um ótimo negócio, o preço era uma bagatela. Porém a Néscia deixou a data expirar. Não comprou o prédio. Nem vai mais. De forma mui lépida e inteligente, a TV Brasil, a do Lula, esperou que o prazo da Trouxa passasse, foi lá no INSS e arrematou o imóvel. Imaginem só: um prédio prontinho, histórico (era o ex-estúdio da TV Piratini da rede de Chatô, encampado pelo INSS quando da falência), com estúdios, antena, estrutura, fiação, vista para o lago Guaíba, tudo lindo e pronto, como não interessaria? Só não interessa à Tola.

Nesse embate, quem se rala é a TVE e a FM Cultura. Agora, a Parva arranjou um lugar para as emissoras: um andar inteiro do Centro Administrativo, um garajão no térreo, hoje cheio de entulho. Detalhe: a TVE tem que se mudar para lá em março. A Tonta chamou a transferência de local de Revitalização. Na boa, eu fico imaginando o ânimo dos funcionários da empresa com a Revitalização que a Palerma pretende. O jornalismo da TV não informa absolutamente nada sobre seu futuro. É a chapa branca elevada a níveis paroxísticos: prefere não olhar para a injeção letal que se aproxima. O presidente do Conselho Deliberativo das Emissoras percebe manobras do Desgoverno para acabar com as emissoras. Ah, é mesmo? Como ele descobriu?

Falta nos fará a FM Cultura, 107,7. O melhor da música brasileira toca ali. Um dia, Mônica Salmaso falou comigo em Parati e disse, encantada:

— Lá vocês têm aquela rádio. A melhor do país.

Ali, pode-se ouvir o melhor mesmo. É a única FM onde se pode ouvir Hermeto, Guinga, Edu Lobo, os grupos instrumentais só ouvidos no exterior, toda a discografia da Biscoito Fino, etc. E há um glorioso programa diário de jazz, o “Sessão Jazz“, apresentado há 11 anos pelo apaixonadíssimo Paulo Moreira. São duas horas por dia na companhia de um baita conhecedor. É algo finíssimo, um luxo que a Ignara não deseja ter. É notável: Serra e FHC demitiram John Neschling lá, o Yedão trata de imitá-los envenenando a cultura daqui com uma desLeal secretária, com uma Sinfônica sem sede e agora… Caramba, que coincidência!

Links importantes:
Blog dos funcionários da TVE e da FM Cultura e
Abaixo-assinado conta a extinção da TVE / FM Cultura

Música Mundana, de John Neschling

As pessoas que não gostam de futebol costumam criticar os altos salários dos técnicos e jogadores. É curioso, pois a maioria destas pessoas costumam dobrar-se às regras do mercado em outras áreas e talvez, se a situação fosse outra, achassem absurdo e injusto que aqueles que movimentam tanto dinheiro, com tamanha visibilidade, vendas de ingressos, artigos esportivos, TV a cabo, etc. ganhassem pouco. Começo assim a resenha porque me parece que o grande problema enfrentado por John Neschling, durante sua gestão na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), era o salário de R$ 100.000,00.

Pesquisando as críticas que são feitas a John Neschling, noto que há uma fixação em seus ganhos mensais e nos concursos para músicos que eram promovidos pela Osesp. Há fóruns remanescentes que documentam a indignação sobre os concursos. Num deles, mães de candidatos discutem, defendendo seus filhos e atacando os vencedores. Patético. Não o desqualificam por suas interpretações, não o criticam por ter exigido a construção da Sala São Paulo dentro das mais rígidas normas, não falam na profissionalíssima formação da melhor orquestra da América Latina, falam apenas de aspectos periféricos.

Este talvez seja o maior elogio que lhe é feito. Ninguém consegue chamá-lo de incompetente e as dissonâncias que cercam seu nome são uma algaravia menor. Tudo torna-se mais estranho ainda quando pensamos que, se o desejo do Estado de São Paulo era o de ter uma orquestra de primeira linha em âmbito mundial, teria de pagar valores compatíveis com os… das melhores orquestras. Não me parece muito complicado de entender que, para se ter um time de primeira linha, há que pagá-lo.

Música mundana passa ao largo destes aspectos conhecidos dos jornais. Neschling não cita seu salário, nem o justifica ou reclama de quem gostava de divulgá-lo. Também fala pouco sobre a súbita e surpreendente demissão. O cerne do livro é a luta para a formação da orquestra e a construção da Sala São Paulo. É uma bela, gloriosa história, contada com detalhes, precisão e tranquilidade. Os capítulos do livro não obedecem à ordem cronológica; Neschling, inteligentemente, alternou os fatos recentes com outros do passado, que servem de apoio e justificativa para aqueles. Talvez nem precisasse, pois seu amor pela música e pela orquestra que criou está claro em cada palavra e entrelinha. São muito bonitas as narrativas do Rio de Janeiro do final dos anos 50 até a metade dos 60, dos primeiros anos de Europa, dos amigos e do carinho com que são referidos seus professores e o Maestro Eleazar de Carvalho. Além disto, o livro é um pequeno manual de como se fazer uma orquestra. E estas informações são preciosas pelo fato de mostrar como é complicado contar com o arredio serviço público quando o projeto envolve as palavras “inovação”, “primeira vez” e “comprometimento” acrescido de outra: “seriedade”.

John Neschling, apesar de emocionado, culto e elegante, não é um escritor. Há pecados literários em Música mundana. Há repetições e a utilização de lugares comuns aqui e ali. Mas penso que tais falhas fiquem submersas dentro da exemplar e coerente história contada por ele. E a história é a uma variação muito particular de nosso contumaz viralatismo, incapaz de lidar com o sucesso de alguém que, mesmo com o nome de John Neschling, é brasileiro. A reação ao êxito do maestro em primeiro conseguir aval para a construção da melhor sala de concertos da América Latina, depois na criação de uma grande orquestra nacional, e para completar, no imenso sucesso artístico da empreitada, com gravações para a Bis sueca e excursões internacionais, além dos – insuportáveis, insuportáveis – bons resultados iniciais em fazer a orquestra autogerir-se (a Osesp já pagava 20% de suas caras contas através de vendas de ingressos, assinaturas e CDs), veio primeiramente de um grupo de músicos que preferia uma sinecura ao trabalho, mas principalmente do governador José Serra e do presidente do Conselho da Osesp, Fernando Henrique Cardoso.

E tudo por uma entrevista do autor, na qual ele dizia que, não obstante seu amor pela orquestra, admitia ser substituído, apenas discordando dos métodos de escolha. Acabo de reler a entrevista. Nada demais.
As orquestras sinfônicas são um organismo complexo. São mais de cem músicos de diferentes nacionalidades e opiniões, há os instrumentos, uma estrutura cara, divulgação, um conservatório – pois muitos destes são professores e autoridades em seus instrumentos – , ou seja, são egos e mais egos para administrar. E há o mais importante: a qualidade artística. Não é possível administrar tudo isso sem conflitos e não é por acaso que existe farta bibliografia relatando atitudes autoritárias, histéricas, loucas e fascistas por parte de regentes. É que, obviamente, existe uma ligação entre o controle e o desempenho de toda essa gente. John Neschling, é claro, contribuía para aquela bibliografia. Era uma estrela. Para alguns, estrela demais.

Música mundana narra em detalhes toda a experiência daquele que criou uma orquestra de primeira linha no terceiro mundo. Há algo de Fitzcarraldo na grandeza do sonho. Às vezes, parece que o sonhador é perfeitamente razoável, outras vezes parece alucinado. Mas o que podemos fazer se por fim ele conseguiu que o barco singrasse por morros e matas, só morrendo com uma assinatura idiota, tão idiota que não quis nem reconhecer o claríssimo vínculo empregatício de Neschling, fato já reconhecido pela Justiça?

Uma polêmica suscitada pela Zero Hora

No sábado retrasado (07/03), o jornalista Gustavo Brigatti, meu amigo, deu novamente mostras de que não é nada tolo. Com sua cara de Gary Oldman bonzinho, escreveu o artigo de capa do Segundo Caderno — chamado Ópera? Só no cinema — sabendo que expunha dois corpos a leões barulhentos, irônicos e domiciliados fora do Rio Grande do Sul. (Conclusão minha, não falei com Gustavo). Não é responsabilidade dele se Fernando Mattos, compositor, violonista e professor do Departamento de Música da UFRGS, decidiu ter seu momento de tolice bem na frente do jornalista. E muito menos se Mônica Leal disse mais uma de suas bobagens, até porque é incapaz de outra coisa.

O fato é que pensei em mandar o artigo para dois outros amigos meus: o pianista Carlos Morejano e o tenor Flávio Leite. Eles saberiam destroçar os pobres argumentos de Mattos e, bem, não precisariam preocupar-se com Mônica Leal pois ela parece programada para apenas emitir destroços. É fato óbvio que o Rio Grande do Sul dá uma contribuição fundamental para a cena operística. Ele exporta — ou melhor seria dizer deporta, desterra, elimina, proscreve ou, quem sabe, expatria? — os muitos talentos que produz.

A declaração de Fernando Mattos …

— Aqui no Rio Grande do Sul não há gente especializada, principalmente solistas. E isso diminui muito o repertório, obrigando a usar um ou dois profissionais locais e trazer o resto de fora até do país.

… comprova sua dedicação exclusivíssima à UFRGS e à vida acadêmica, pois de cada 20 escolhidos para o Guaíra, dez são a metade (vide artigo abaixo).

E a declaração de Mônica Leal…

— Ocorre que o patrocinador, ao investir em determinado projeto, avalia o mercado e as suas demandas. Se há público em Porto Alegre interessado, certamente haverá patrocínio. Mas não cabe ao Estado promover estes eventos. Cabe, isso sim, incentivá-los.

… é mais um atestado de que o Rio Grande irá contrariar as expectativas de todos. Sim, nosso estado se tornará um deserto, mas primeiro virá o deserto cultural, só depois vindo o outro, o da Aracruz.

Contudo, eu não mandei e-mail nem para o Flávio nem para o Morejano. Fico feliz por saber que não precisava, pois Flávio conseguiu espaço no Caderno de Cultura de ZH do último sábado a fim de reduzir a pó os argumentos do re-putado professor e da putativa filha do coronel. Respondam a isso. Quero ver.

Por uma ópera não só no cinema

O tenor Flávio Leite critica a falta de uma temporada lírica regular no Estado, lembra que temos bons profissionais especializados e cobra uma reflexão mais séria sobre o tema.

A inserção de Porto Alegre no circuito internacional de transmissões nos cinemas das produções de óperas gravadas no Metropolitan de Nova York é um fato histórico na vida cultural da nossa cidade. Com um passado lírico glorioso, onde ouviu-se La Bohème de Puccini antes aqui do que em Viena ou no próprio Metropolitan, nossa capital vive em uma espécie de vácuo lírico há muitos anos por vários motivos – salvo heróicas iniciativas mesmo lutando contra as adversidades citadas na reportagem de sábado passado no Segundo Caderno (“Ópera? Só no Cinema”, de Gustavo Brigatti), não permitiram que o gênero que está lotando as salas de cinema em nossa cidade morresse.

Dentre essas adversidades citou-se a falta de apoio público no fomento e promoção da arte lírica. Lembremos que os casos nacionais de maior profissionalismo, sucesso e relevância internacional do gênero como o Festival Amazonas de Ópera, que atrai turistas do mundo todo a Manaus com uma temporada invejável e a temporada do Teatro Municipal de São Paulo, acompanhada pelas principais revistas especializadas da Europa, para citar somente dois exemplos, são iniciativas da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, respectivamente, contrariando a afirmação da filha do Coronel Pedro Américo Leal, atual Secretária da Cultura, que não cabe ao Estado promover estes eventos. Triste a má sorte dos gaúchos amantes de música, pois foi em um governo do mesmo partido de nossa governadora que São Paulo ganhou a revitalização e transformação da Osesp em uma das principais orquestras da atualidade.

Outro depoimento que me causou estranheza no mesmo artigo foi o do respeitado acadêmico Fernando Mattos, quando afirma que um dos motivos da impossibilidade de uma temporada lírica no Estado seria a falta de profissionais especializados, principalmente solistas, forçando a importação de tais profissionais encarecendo e impossibilitando o processo. Tal afirmação surpreendeu-me duplamente, pois na vida profissional ocorre exatamente o inverso. Somos muitos gaúchos em carreira pelo resto do país e exterior justamente porque aqui não temos um mercado profissional de atuação.

O número de cantores líricos gaúchos altamente especializados em carreira profissional no resto do país e no Exterior é mais do que significativo. Além de presença nas temporadas do Rio, São Paulo, Manaus, Belo Horizonte e Belém, citemos por exemplo a última montagem de L’Elisir D’Amore, de Donizetti, em Florianópolis, onde quatro dos principais solistas, escolhidos por concurso público, eram gaúchos. O soprano Cláudia Azevedo, que se alternava no papel de protagonista com a também gaúcha Carla Domingues, é detentora de feitos importantes, como seu título de especialista em ópera pelo Conservatorio Superior del Liceu em Barcelona, sua premiação no Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão, sua atuação no mais importante festival de verão da Europa, Rossini Opera Festival de Pesaro na Itália e seu debut agendado ainda para este ano no mítico Teatro Colón de Buenos Aires.

Outra prova da qualidade dos artistas líricos gaúchos está ocorrendo no Teatro Guaíra, em Curitiba, onde está acontecendo o segundo módulo de um Ópera Estúdio, um curso de aprimoramento de alto nível para jovens cantores profissionais, inédito no país, com professores vindos da Itália, oriundos de teatros como alla Scala e La Fenice, onde das 20 vagas oferecidas para todo o país 10 dos participantes aceitos, também via concurso público, são gaúchos. Isso para citarmos alguns nomes da nova geração, sem mencionar profissionais gabaritados e com ampla experiência internacional da geração anterior, como o soprano Laura de Souza, os tenores Martin Mühle e Juremir Vieira e o baixo Luiz Molz, alguns não ouvidos aqui desde os tempos de estudante.

O outro motivo que cabe salientar é o fato de que em nenhuma casa de ópera importante do mundo se faz uma temporada somente com artistas locais, pois nem em Viena, Paris ou Londres existem especialistas locais para todos os papéis do repertório. Podemos não ter uma Lucia de Lammermoor de primeiro calibre em Porto Alegre, mas mesmo no Met, com os seus US$ 300 milhões de orçamento e sua centenária tradição, a estrela Anna Netrebko deixou a desejar em sua conhecida ária da loucura quando deixou de cantar um de seus esperados mi bemóis superagudos na performance conferida pelos porto-alegrenses no último domingo no cinema.

Cobrar a perfeição existente somente no Walhalla acadêmico e tachar as parcas tentativas de sobrevivência do gênero em Porto Alegre, de beirar o ridículo, não preenchem a lacuna deixada pela falta de regularidade de produções operísticas em nosso Estado. É necessária uma reflexão séria por parte de artistas, produtores, autoridades, patrocinadores, acadêmicos e público para que os gaúchos que superlotaram as salas de cinema e controlaram seu impulso de aplaudir uma ópera gravada, possam honrar o seu passado e voltar a se emocionar com o fenômeno da voz ao vivo.

FLÁVIO LEITE
Tenor gaúcho