Puccini une as pessoas, sempre

Fato 1:

Há alguns meses, li esta citação no P.Q.P. Bach:

Em setembro de 1962, Igor Stravinski visitou a União Soviética por 3 semanas. Recebeu muitas homenagens e seu único encontro mais demorado foi com Shostakovich. Porém, quando foram apresentados, o mortalmente tímido Shostakovich respondia com monossílabos as muitas tentativas de conversação feitas por Stravinski. Isso só até o momento em que eles encontraram algo para detestar juntos. “Você gosta de Puccini?”, perguntou Stravinski. “Não o suporto”, respondeu Shostakovich. A partir daí, eles encontraram do que falar e conversaram animadamente a noite inteira.

Lauro Machado Coelho, em Shostakovich: Vida, Música, Tempo

Os dois compositores puderam unir-se em seu ódio a Puccini. Final feliz.

Fato 2:

Ontem, um amigo meu, estudante de matemática em Viena, mandou-me este e-mail:

Meu caro Milton, como essa vida é curiosa. Acabei de voltar da Ópera de Viena com uma história engraçada que me fez lembrar de você.

Eu e um colega compramos dois ingressos para A Flauta Mágica, mas acabei sozinho pois o colega descobriu que tinha uma aula importante no mesmo horário. Decidi então convidar uma amiga, pela qual tenho certa queda, para ir no lugar dele. Ela aceitou, fiquei eufórico. Devo salientar que as vienenses são frias e tímidas e ter conseguido convencer uma a sair comigo após nos termos conhecido há somente alguns dias é algo incrível por aqui. Enfim, chegamos à Ópera, entregamos os ingressos, mas ao entrar na sala de espetáculo encontramos nossos lugares ocupados. Fomos verificar o que acontecera e descobrimos que eu tinha confundido o dia da ópera… “A Flauta Mágica é amanhã, hoje é La Bohème“.

Como você, eu tenho muitos problemas com o senhor Puccini…

Mas, para minha sorte, ela era apaixonada por Puccini e La Bohème é sua ópera favorita. Nós conseguimos uns lugares vagos para assistir a gritaria. E a coisa parece que funcionou muito bem, melhor do que com Mozart talvez. Ela estava totalmente extasiada ao final da ópera e gostando mais de mim. Ainda não logrei nenhum avanço concreto, mas caso eu venha a ter, irei agradecer muito ao senhor Giacomo. O que não se faz por uma mulher?

Enfim, só queria compartilhar a história. Sei que você também não gosta dos PucciVerdi.

Abração!

Os dois possíveis amantes puderam aproximar-se graças ao amor da moça por Puccini aliado ao fingimento do rapaz. Aguardo por um final feliz. Com muita gritaria.

Conclusão: É duro de agüentar, mas parece que Puccini resolve sempre.

Obs.: este é outro post que tinha migrado misteriosamente de “Published” para “Pending Review”. É o último.

31 comments / Add your comment below

  1. Ora, Gilberto, o amor conhece caminhos que a nossa pobre realidade… bem, tu sabes como termina a frase.

    Clarissa, sim. Ele era um tímido irreprimível na frente do papel.

    Abraços.

  2. Olá, MR.
    Saborosas confidências quanto a Puccini.
    Ao que eu saiba, a sra. Cláudia (assim como Stendhal, me & Cie.)gosta de Puccini. Ou me engano?
    Gosto mais de Verdi, mas não desgosto do Giacomo. Boa estória.
    Amitiés,
    BetoQ.

  3. Pô, não foi fingimento, Milton! “Boa vontade” isso se chama. Já eu por aqui, depois daquela assombração, andei tendo uma boa vontade dessas numa sonata para violoncelo… Um adaaaagio, que nem te conto! Hahahaha
    Torço pelo casal! Mande notícias da próxima ópera em Viena!
    bj, f

  4. “É duro de agüentar, mas parece que Puccini resolve sempre. ” Pois é, prezado, gostando ou não de Puccini (e eu gosto), a verdade é que a situação criou um ambiente propício para que a “Sissi ” se tornasse mais suscetível. Pois bem (ou pois mal…) o problema é que … digamos que eles se casem: ele vai ter que aturar Puccini por todo o tempo em que durar a relação conjugal!!! E sem achar ruim com esse finado cupido!
    Boa história!
    Marcos Nardon

    1. Nardon, o risco dele podia ser bem maior por aqui. Anos atrás, eu já sai com mina que curtia Molejo (a letra do hit era algo assim: “brincadeira de criança, como é bão, como é bão… bão é ser feliz com molejão”), então veja o perigo.

  5. A conclusão que se chega é que Puccini provoca reações sempre apaixonadas…

    (O post anterior me fez descobrir o quanto estou cansada. O trocadilho do nome me passou desapercebido até eu ler os comentários – isso sem falar no resto. Aguardo um outro dia, com mais horas de sono, para ler e realmente entender o texto…)

  6. Eu compartilho do mesmo defeito do freud e do nietzche (esse meio só pra apurrinhar o Wagner): de ópera, só aturo Carmen, e olhe lá.

    Curto o shosta e o stravinsky desde os tempos da fita cassete no REC, gravando programas da antiga rádio Cultura e da União FM, nos idos da década de 90. Sempre achei o apelo agradavelmente popular. Saudades da época, principalmente pelo desbunde de tempo vago, que me permitia ficar uma hora inteira ouvindo música, paradão, no quarto escuro.

  7. Deixemos Puccini de lado; se é pra comer gente, até Richard Clayderman serve…

    Não sei se você é assinante ou leu por outras vias; o Caderno Mais! da Folha de São Paulo, uns dois domingos atrás, matéria na qual Isaiah Berlin (não se aborreça com a fonte), recebendo em casa (vixe, não me lembro! Oxford?)Chostakovich (na matéria graou-se o nome com C) narra os sucessivos (e poucos) dias de encontro com o música de maneira divertida, principalmente porque o russo estava obrigatoriamente acompanhado de uns “amigos”, depois diplomatas, depois, bem, você sabe, os caras da KGB.

    Mas não é isso que importa, mas sim o fato de que, numa noite, estavam na casa de Berlin Chostakovich e Poulenc. Conversa vai, conversa vem, os dois foram convidados a uma exibição ao piano, e Poulenc foi o primeiro, desinibido, enquanto Chostakovich permanecia com seus tiques, silêncios e com atenção redobrada pela sua paranóia muito mal reprimida. O francês da Rodhia tocou, o pessoal aplaudiu, foi legal, mas… depois o russo sentou ao piano e executou uma peça assombrosa, com ressonâncias bachianas e fugas que produziam um efeito de eletricidade na platéia. terminada a exibição, Poulenc ficou lá no cantinho dele, disfarçando o constrangimento. Para Berlin, como bem acontecia no Brasil pós-golpe de 64, a repressão russa, embora produzisse um compositor com nervos destroçados, resultava em música criativa, inigualável. Então, já sabe, se queres um filho genial, trate-o como foi tratado beethoven; se enchê-lo de mimos como papai Rhodia, o máximo que terás será um afetado Poulenc, sorriso amarelo num salão frequentado por pessoas bem mais talentosas que ele…

    1. Oi Marcos,
      se é pra comer gente….
      Deixa eu contar uma história.
      Na década de 70 havia um guria que eu estava, digamos, perserverando já há alguns meses e finalmente consegui que ela aceitasse ir ao cinema comigo e depois saíssemos.
      O filme era Morangos Silvestres , que eu não conhecia. Fiquei maravilhado com o filme, fiquei e mostrei-me perplexo. Já ela suspirava, bufava, etc. Naquela hora em que o protagonista dorme ela comenta, aliviada: Acabou!
      – É claro que não, respondi, indignado.
      Ao sairmos do cinema, ainda no carro, ela, lindissima, resolveu comentar aquela obra de arte em termos de moral da história.
      Imediatamente levei-a a sua casa e não estraguei a noite com tal criatura.
      Abraços
      Branco

      P.S. admito que pelo mesmo motivo já fui à festa do tri-campeonato brasileiro do Inter e a uma missa de quarta-feira de cinzas. Tempos duros aqueles!

      1. Erraste com a menina. Devias ter comentado a “moral da história” nos termos seguintes: “A questão apontada no filme é que, depois que a gente envelhece, só nos restam as recordações. Então, enquanto somos jovens, temos que aproveitar o dia pois, amanhã, poderemos recordá-lo com prazer, à parte as angústias e perplexidades suecas”. Com isso, avançarias o sinal muito antes de deixá-la em casa. Afinal, quantos sacrifícios não fazemos pela beleza e, a beleza, enquanto tal, sempre incompleta, pode ser fruida em pedacinhos, principalmente os preciosos pedacinhos mulheris. Arrepende-te, infiel!

      2. puxa, essa sua história me lembrou de uma trepada que deixei de dar porque o cara resolveu colocar um disco do julio iglesias…kkkkkkkkkkkkkkk
        Eu me fingi de pura e pedi para ir embora. Até hoje o cara deve achar que eu era virgem.
        mulher também sofre

    2. Marcos, vou providenciar uma surra em meus filhos amanhã, dia de meu aniversário. Que tal choques elétricos antes de dormir? Tenho tomada 220 V no quarto deles, com 110 acho que só sai um Poulenc, sacumé.

      Depois, seguirei o tratamento…

      Shostakovich era assombroso. O PQP Bach está publicando de 3 em 3 CDS a caixa russa de 27 com coisas… assombrosas.

      Shosta — gostas disso, né? — foi grande pianista, mas teve problemas sérios na mão esquerda e foi perdendo pouco a pouco os movimentos. Há vários registros. O homem era velocíssimo, às vezes ao exagero.

      Abraço.

  8. Caro Branco,

    O jornalista Carlos Moraes, autor do livro Agora Deus Vai Te Pegar La Fora, narra, de forma divertida, uma passagem de um padre colorado diante de um problema crucial: um cara chato e de comportamento suspeiro. Ele só podia ser, no dizer do padre, duas coisas, ou viado ou gremista. Para ele, o viado até tinha salvação, mas o gremista…

    Em tempo: sou carioca e não tenho nada com isso. Tá no livro do Moraes, também colorado, ora corintiano (mora em São Paulo), egresso de Bagé, ex-padre e, segundo a ditadura militar, ex-comunista, principalmente porque andava com uma camisa vermelha sob a batina… Ah, a inteligência militar! Cogito, será que penso?

  9. Marcos,
    hehe.
    Só um detalhe quanto à proximidade com a ditadura.
    Justamente aqueles que os Colocrados chamam de anos de ouro deles (68 a 79), nós conhecemos como anos de chumbo.

    Branco

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