2666, de Roberto Bolaño (1ª Parte – La parte de los críticos)

A primeira parte de 2666 é dedicada às peregrinações dos críticos Jean-Claude Pelletier (francês), Manuel Espinoza (espanhol), Liz Norton (inglesa) e Piero Morini (italiano) em busca do famoso escritor desaparecido de nome impossível: Benno von Archimboldi. Há um culto em torno de Archimboldi, eterno candidato ao Nobel e autor reconhecido mundialmente por especialistas, diferentemente da Cesárea Tinajero de Os Detetives Selvagens. Ele seria uma espécie de Thomas Pynchon alemão, um autor sem fotos, sem biografia e muito estudado. Sabe-se que é muito alto, tendo deixado rastros de sua existência aqui e ali.

A paixão por Archimboldi faz com que os críticos fiquem amigos, formem uma espécie de confraria logo atacada por outras e acabem todos amando a inglesa Liz Norton, às vezes em dupla. As histórias de Bolaño vão novamente saindo umas das outras de forma absolutamente hipnotizante. É difícil largar o livro. Em dado momento parte dos críticos resolvem seguir uma pista mais do que tênue e partem para procurá-lo em Santa Teresa, na fronteira do México com os EUA, onde sabemos que ocorrerão os crimes contra mulheres. Um grande livro, um livro genial? Sim, não tenho motivos para duvidar. Porém La parte de los críticos não é um romance completo e creio que os herdeiros de Bolaño têm razão em não editá-lo separadamente. É uma fantástica abertura de romance. Ponto.

Bolaños volta a fazer arte nas belíssimas trocas de foco narrativo. O final de La parte de los críticos é pura música com suas recapitulações resumidas. O efeito poético dos encontros de Espinoza com Rebeca, entremeadas das conversas noturnas com Pelletier e pela narrativa de Liz Norton de sua viagem à Turim é arrasadora. Ronaldo Bressane chamou inteligentemente a prosa de Bolaño de fluxo de onisciência. É a melhor defnição que li até agora para um narrador que se mascara por detrás de inúmeros personagens com uma única e muito perceptível voz. Bolaño não esconde-se, mas filtra.

Agora, farei uma pequena interrupção para ler o último livro de Carol Bensimon e depois retorno ao 2666, mas exatamente à La Parte de Amalfitano, onde já sei que os 4 críticos vão apenas e simplesmente sumir, para voltar daqui a centenas de páginas.

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  1. Fazia tempo que eu não me dedicava a “não-ler” um post daqui.

    (Engraçado, até vi o nome da Carol Bensimon no meio de um post sobre 2666. O que será?)

  2. Como sempre, meio do contra: esse exercício permanente de metalinguagem já passou do momento de ser apenas cansativo, depois de alguns anos de consideração elogiosa. Esse tipo de literatura tende a ser chata para quem não vive nos meandros da criação literária, mas não deixa de ser para quem também vive e está a fim não de mergulhar nos truquinhos, mas numa ficção sem piscadas de olho. Certamente lerei 2666, como li Os Detetives Selvagens e me interessei, não tanto pela sua construção, mas pela investigação de uma literatura que dá um salto sobre nossos sagrados monstros e aponta para um futuro completamente indistinto, pelo qual nós somos responsáveis, mas espero que o imen so volume percorra outros caminhos além do fluxo onisciente do autor.

    1. (mas há metalinguagem ou trata-se de autoreferência ao mundo literário?)

      Bolaño foi no mínimo ousado, de qualquer forma. Escrever um livro com mais de 1000 páginas, independentemente da estatura do escritor, é sempre algo arriscado. E falar da “comunidade” (hein?) literária ou usar metalinguagem, hoje em dia, como o Marcos disse, são belíssimas formas de apurrinhar os leitores (embora eu devesse fazer um mea culpa aqui…). Fujo de filmes que falam sobre cinema há anos; e filmes em que o ator, por exemplo, descobre-se personagem, sequer vejo o trailer.

      Mais não vou dizer, porque ainda não li 2666, e apenas ando analisando várias resenhas (sim, sou do tipo que não tem medo de “spoilers”), e todas elas dão-me a impressão, talvez muito equivocada, de que há algo de Burroughs nessa última obra de Bolaño – não no nonsense, mas na técnica narrativa (se é que o porralouca do Burroughs possuía outra técnica que não trocar todo seu sangue por heroína e escrever qualquer merda que lhe desse na veneta) e na atmosfera sinistra.

      Sei lá.

  3. Porra, Milton! Vou ter de interromper a leitura do Augie March para começar a lista telefônica do 2666, depois deste post. E me caiu ontem em mãos, por acaso, o “ultimo voo do flamingo” do Mia Couto, que dei a besteira de folhear e acabei me adiantando muito no livro.

    Curioso citares o Bressane. Conheci o blog dele no mesmo dia que o seu, e motivado pela mesma procura de informações sobre…Bolaño. Só que no dele não dá para comentar; sofro de claustrfobia internetal e, sem puxasaquismo, até agora, só a arquitetura arejada e democrática (pois visualmente dá o mesmo destaque aos comments que dá ao post) do Ravi Varma me passa a segurança de que não ficarei confinado como um gênio da lâmpada.

  4. 2666 é monstruoso. Todas as partes são fabulosas. Até a quarta, que no início parece frustrante (prosa jornalística e seca demais, relatos cansativos) revela-se cheia de nuances.
    Foi uma das mais gratificantes experiências de leituras da minha vida. Não queria que terminasse.

  5. Olá,Milton. Estou em “processo de leitura” do 2666; acabei a primeira parte e saí pela blogsfera em busca de alguma critica/comentário sobre o livro. Aí , gostei de seus comentários.
    Eu não sei como explicar, mas os livros do Bolano têm um visgo, que não me deixam largá-los. As descrições das situações pelas quais passam os personagens são incríveis, como muito bem comentado por vc. Aprecio também a veia poética do Bolano; frases poéticas surgem em meio à prosa, deixando uma sensação de beleza e humanidade.
    Um abraço,
    Denise

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