Detalhes de um pôr-do-sol, de Vladimir Nabokov

Dia desses — e nem comentei aqui –, li o elogiado livro de contos de Vladimir Nabokov (1899-1977) Detalhes de um Pôr-do-sol. Foi um trabalho penoso e lento para este dedicado leitor, pois poucas vezes algo me foi tão chato, comum e sem surpresas. Levei dez dias para chegar à página final, aquela que tem o número 173 no rodapé. Os contos de Detalhes são de década de 20 e 30. Sempre admirei a literatura de Nabokov e acho notável que ele tenha escrito a obra-prima A Verdadeira Vida de Sebastian Knight nos mesmos anos 30. Mas quem me fez chegar a este livro? Ora, as maravilhosas páginas culturais brasileiras, os maravilhosos articulistas de nossos principais jornais e revistas.

Concordo com quem diz que, hoje, a crítica literária no Brasil quase inexiste e quando um livro recebe críticas favoráveis na revista Bravo, no Caderno 2 do Estadão, na Folha de SP, na Veja e na Isto É, é porque tem uma boa editora na retaguarda… Hoje, procurei na Internet todos estes artigos e eles são favorabilíssimos. O que houve então? Não sei.

São contos de um convencionalismo muito antiquado. Normalmente iniciam-se por longas descrições de ruas ou de apartamentos de emigrados russos em Berlim. Elas precedem à ação e ali não há lugar para sugestões do que está por vir nem para os personagens. É apenas enfadonho e, quando chegamos à história, já perdemos o entusiasmo. Num dos contos, Nabokov chega a ironizar aquelas pessoas que não lêem atentamente as descrições e introduções. Está bem, vá lá, vamos concordar com o autor, digamos que elas sejam necessárias como eram para Balzac. Só que as descrições de Balzac eram coloridas e tinham o objetivo de situar-nos socialmente e de preparar-nos para o grau de galhofa ou seriedade que viria logo a seguir. As de Nabokov são geográficas…. e o que vem depois nunca é muito original, ficando sempre numa linha de melancolia nostálgica.

Na Veja, Marilia Pacheco Fiorillo escreveu que “nessa coletânea não há o menor truque, artifício, uso de “vozes”, ou o que quer que atormente escritores modernos e pós-modernos. Pela simples razão de que Nabokov não precisa de nada disso. Seu estilo dá ao leitor a estranha sensação de não estar diante de um livro, mas da própria vida. Só que mais bem contada.” Acho que, para Marília, Nabokov não precisa de nada para ser sempre bom. Seu texto parece ter sido escrito sob encomenda. No Estadão, o vacilante Daniel Piza escreve que “mesmo em construções sintáticas simples já vemos todos os elementos que marcam sua literatura: o humor entre cômico e melancólico, a preocupação com as ilusões amorosas, a melodia verbal com toques de ironia, a noção do patético mesclado ao dramático. É do grande escritor ser assim tão sutilmente pessoal”. Haja criatividade! Ambos também elogiam a simplicidade transcendente dos contos. A simplicidade, sim… Tenho certeza de que se ambos não conhecessem o Nabokov pós-Lolita, nunca teriam escrito tais coisas. Não sou um débil mental nem um mau leitor, também não sou insensível às possíveis transcendências, símbolos e significados subliminares; portanto digo que, em minha opinião, os contos de Detalhes são obras singelas de um escritor em formação. Seu mérito principal é o de não serem pretensiosos. Se vocês quiserem o bom Nabokov, procurem Lolita, Fala, Memória, Fogo Pálido, Transparências, etc., sem esquecer do melhor de todos Sebastian Knight.

Ou quem sabe os europeus não dão mesmo importância ao gênero “Conto” e ali deitam apenas sobras? Boa pergunta…

P.S.: O nome de um dos livros é Fala, Memória. Não são dois livros.

12 comments / Add your comment below

  1. Nabokov não é escritor, é grife; se você lê um livro dele e não gosta, melhor não dizer para não passar por ignorante; a saída é escrever um texto à Piza que tudo fica legal: Nabokov em seu pedestal e sua obra fenomenal doada por ti para uma ONG assistencial – a não ser que você considere a lombada do livro boa para decoração de sua estante.

  2. Não li. Li dele só o Lolita e Fogo Pálido (esse último, uma especie de “Som e a Fúria” dele, ou seja, bastante conceituado mas árduo e_ na minha opinião_ sem graça). Lolita, sim, corresponde às críticas feitas para esse grande livro. O que deve-se ter em mente é que, realmente, Nabokov aproxima-se de uma grife, pelo importante arejamento e revolução que esse russo fez nas letras, assim como os nomes de F. Scott Fitzgerald e Hemingway são mais significativos que os títulos de suas obras. McEwan já disse que conseguiu livrar-se do excesso de pedantismo no que escrevia, livrando-se dos baluaques do inglês da Inglaterra, aproximando-se do ingles urbano e abusado dos EUA, lendo Nabokov, Allen Ginsberg, cummings. Martin Amis também o tem entre suas influências mais fortes. Saul Bellow (no ensaio “O Público Distraído”, do livro “Tudo Faz Sentido”), dizia que acompanhar a narrativa de Humbert Humbert era uma viagem estética incomparável, o tipo exemplar do poder da literatura que_ ele cita_, como no poema de Byron, consegue fazer com que deixemos qualquer compromisso para sabermos do desenrolar da história (o poema referido é o do velho marinheiro que interrompe um noivo que se dirigia ao altar, parando-o pela magia atrativa de suas palavras). Um aspirante sério a escritor não deve ficar sem ler a fundo Lolita, O Grande Gatsby, e os contos completos de Hemingway. Há um conto encantador do Nabokov_ realmente belíssimo_ num dos números passados da revista Piauí, disponibilizado no site da revista.

    Milton, não seria a mesma bajulação em cima de Bolaño?

    1. Disseste tudo sobre Pale Fire. É bom, eu sei que é, mas vá ser árido assim na PQP.

      Não sei, Bolaño é bom mesmo! Não é um Borges, mas está perto de Cortázar, penso eu. E tem a maior das biografias.

  3. Pra certa crítica especializada, parece que não existe livro chato. Tudo é visto como recurso estético, simbolismo hernético, característica de estilo… Quando a gente lê e boceja, fica parecendo que somos burros.

    O que realmente me arrancou um sorriso foi a tua imparcialidade sobre Bolaño, na resposta acima!

    1. Caminhante, estava ontem, como sempre faço, na porta da casa de um grande amigo meu, à tardezinha, sentados os dois tomando chá de camomila, como legítimos ingleses espirituais despatriados, conversando sobre os milenares abusos do mundo. Ruminando sobre um concurso municipal cheio da mais descarada falcatrua e esculhambação, tivemos o presságio de um novo tipo de humor a surgir, pois o atual já não serve para nada, com sua impossibilidade de proporcionar desabafo. Daí falei de você, dos amigos virtuais, de seu livro que, conforme a promessa, li e doei à faculdade local; mas o enfoque foi o seu sumiço provisório da net, e sua justificativa ser a leitura de Amor Líquido. O interesse foi profundo, e, assim que nossas esposas-mães se distrairem, estaremos os dois encomendando a obra com um surrado cartão de crédito.

      1. Fiquei envaidecida com a lembrança. Ontem e hoje falei com amigos sobre meu sumiço e do livro. No começo do Amor Líquido, onde ele fala do amor num sentido romantico, aquilo estava tão longe de mim que tive que me lembrar de outras pessoas para entender o que ele queira dizer. Ou seja, li com distanciamento, não me identifiquei com nada daquelas relações descartáveis e inseguras que ele retrata.

        Aí ele começa a falar das relações virtuais em geral. Me senti como o protagonista de História Sem Fim, que começa a desconfiar que o livro está falando dele. O livro descreveu algo que eu sempre soube mas ao mesmo tempo nunca soube das relações virtuais – que estão presentes na minha vida desde a minha adolescência, numa época em que as pessoas ainda consideravam loucura fazer amigos na internet. Nem vou descrever aqui o que ele diz para não empobrecer os argumentos. Enfim, você lerá.

        Diante daquilo, seria uma contradição e uma pobreza muito grande dividir virtualmente as visões que ele me fez ter sobre a vida virtual. Por isso, preferi o silêncio. Não sei que impacto vocês terão com a leitura. Acho que ele será proporcional ao grau de conexão de vocês. Confesso que eu ainda não sei direito o que fazer com isso.

  4. Nossa, não poderia discordar mais com essa crítica, achei o livro maravilhoso…Isso porque li quando era menor, e alguns contos continuam na minha cabeça.Acho que livro bom é assim, a gente nunca se esquece.

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