O romancista ingênuo e o sentimental, de Orhan Pamuk

Meu amigo Ricardo Branco conta uma história mais ou menos assim: um dia um leigo pediu para que Albert Einstein lhe explicasse a Teoria da Relatividade. Einstein detalhou-a e o cara não entendeu nada, pedindo nova explicação. Tudo repetiu-se com o cientista facilitando um pouco as coisas, mas o sujeito não entendia. Na terceira ou quarta explicação, o leigo finalmente entendeu, mas então Einstein respondeu: “Bem, mas acho que simplifiquei tanto que o que disse não descreve mais a Teoria da Relatividade”.

Fiquei com esta historinha na cabeça enquanto lia este livro de Pamuk. Quem lê romances há quase quarenta anos sabe que é uma arte complicada, quem consegue enxergar as falhas e discutir os erros e o leque de opções que eles apresentam, acaba por valorizar a arte contida no gênero literário mais popular e que literalmente engole as outras formas literárias por onde passa. Neste O romancista ingênuo e o sentimental (Cia. das Letras, 146 páginas), Pamuk simplifica tanto, é tão brilhante e claro em suas analogias que, durante a leitura, ficava feliz, mas pensando se ele não estava agindo como o Einstein da historinha do Branco.

Olha, eu acho que não. Achei o livro brilhante mesmo. Hesitei muito (dois dias…) para escrever esta curta resenha por pura insegurança. Estava esperando uma segunda opinião. E ontem li algumas listas de melhores livros de 2011. Como sempre faço, fui ler os nomes dos votantes e dei de cara com o de José Castello. Pô, esse eu respeito. Melhor livro estrangeiro de 2011? O ensaio O romancista ingênuo e o sentimental, de Orhan Pamuk, seguido de outros livros de Flusser, Barthes, Macedonio Fernández e Tolstói.

Ok, então! O livro consiste de seis palestras sobre o romance proferidas por Pamuk na Universidade de Harvard. O ritmo é o da conversa, o mesmo utilizado no clássico Aspectos do Romance, de E. M. Forster. A Carol Bensimon, que não leu ainda este livro do Pamuk, me perguntou se eu já tinha lido o Como Funciona a Ficção (How Fiction Works) do genial James Wood. Não, não li. Mancada, tenho que comprar.

Pamuk fala sobre a série de questões que angustiam quem escreve um romance. Planejar ou não? Como esconder o verdadeiro centro (assunto ou discurso) do romance? É mesmo deselegante mostrá-lo claramente? Como um romance cresce e se transforma? (Exemplo: o verdadeiro camaleão Moby Dick — inicia como a vida do mar, vai para a obsessão e termina como metáfora do mundo inteiro). Como utilizar a memória ou a experiência do leitor? E a trama? E o tempo? E as descrições? Claro que não ensina nada e que ninguém vai tornar-se escritor após a leitura, mas reflete sobre os problemas de forma organizada e inteligente. Se quisesse provocar, diria que funciona melhor do que qualquer oficina literária, às quais também não ensinam ninguém sobre como tornar-se escritor e que raramente tem um Pamuk como instrutor…

Indico fortemente a leitura. Mas o livro torna-se ainda melhor se o leitor conhecer Tolstói (principalmente Anna Kariênina, mas também Guerra e Paz), Dostoiévski, Melville, Borges e Calvino. Muito são citados, mas estes são os principais. O estranho título do livro refere-se ao ensaio de Schiller que fala sobre os escritores ingenuamente inconscientes e os sentimentalmente reflexivos.

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  1. Saindo para comprar o livro do Pamuk agora. Tenho me dedicado a ler tudo o que encontro que fale sobre escrever e, o fantástico disso, o conteúdo parece-me falar muito mais a quem lê. A cada livro sinto-me melhor como leitora, capaz de identificar o que, afinal de contas, é tão bom nos autores consagrados. É possível entender porque a crítica os respeita e ovaciona. Nunca tive um guia que me explicasse como e porque ler determinados textos, livros ou autores (ao menos em literatura). Fui indo sozinha, adequando entretenimento, paciência e disponibilidade de espírito. Muita coisa ficou, nunca chegou em mim. Aí hoje olha a montanha de leituras com um misto de terror e prazer. Contudo, a ideia de amadurecer como leitura me é fascinante. Não tenho a menor ideia se isso melhora minha escrita (tem horas que já nem penso mais que isso seja meu fim último), mas tenho certeza de que meu prazer em ler aumenta muito.

    Não perca o livro do Woods, é realmente um grande e prazeroso livro (apesar das controvérsias da tradução). No momento eu leio os 50 artigos do David Lodge publicado pela L&PM. Rápido (menos para mim que estou em fim de semestre), delicioso e muito instrutivo. Recomento. Chama-se A Arte da Ficção.

  2. Oi Milton,
    não lembro-me dela, espero que tenha sido eu mesmo, pois é interessante. Por outro lado, prefiro que não, pois esquecer-se das coisas é o sinal mais indicativo de senectude.
    Quanto ao teu texto, ainda lembro as prazerosas conversas que tivemos quando exercias tuas críticas.
    A Internet deveria ter sido inventada há mais tempo.

  3. Nikelen,
    concordo contigo sobre a idéia (ideia) de amadurecer como leitor, eu procuro isto não com o intuito de escrever mas pelo ato solipsista da leitura. Por puro prazer.
    Por outro lado, se é verdade que não lemos o que foi escrito, mas escrevemos o que foi lido, este é um motivo para melhorarmos nosso conhecimento.
    Aliás, percebi esta evolução (leitura e música) em pessoas próximas e a diferença de prazer que obtiveram.

  4. Verdade, Ricardo, o prazer aumenta com o conhecimento da causa. Acho que é mesmo que sente quando se aprende a apreciar melhor determinadas bebidas ou alimentos, conhecendo seus detalhes, especifidades. Como chamaríamos um leitor enólogo? O mais interessante é também o nunca se estar pronto, ser eterno aprendiz. Tudo isso é fascinante.

  5. Estava na Livraria Saraiva hoje, segurando esse livro nas mãos, entre outros. Queria comprar-me um presente, mas me lembrei que já tenho uns dez livros intactos na estante, e tenho que compensar primeiro esse déficit. Daí achei, com imprevista felicidade, um dvd triplo dos Primeiros Anos da turma do Python, e compreio-o.

    Já te mandei e você publicou no Sul 21 uma resenha sobre o livro de ensaios e pequenas reflexões de Pamuk, “Outras Cores”, no qual há análises brilhantes sobre Dostoiévski, Vargas Llosa, etc.

  6. Minha lista de melhores do ano, que ensaiei em meu blog, tem outra grata surpresa que ainda estou a digerir. Trata-se de “Habitante irreal”, do Paulo Scott. O melhor romance nacional do ano. Intimo-o a ler, Milton.

    Achei muito fraco o Diário da Queda. Adorei o “Nêmesis”, do Philip Roth, uma obra-prima da narrativa breve. Esse ano foi pródigo em relação aos russos, o que é uma tremenda sacanagem colocá-los numa lista. Eles ficam bem acima de qualquer lista.

    Mas não esqueçamos que o ótimo Mecanismos Internos, o livro de ensaios literários do Coetzee, também foi lançado nesse ano.

  7. Feliz Natal a todos…

    SOL DO SUL
    by Ramiro Conceição

    Não vai ter jeito: terminarei só…
    A vantagem se houver alguma
    é que terei a consciência de morrer
    só…sob esse Soooooooool do Sul.

    Certeza?
    Nenhuma.

    Casa?
    Nenhuma.

    Amigos?
    Pouquíssimos.

    Mulheres? Íssimas!… Serei digno de Estrelas,
    porque somente em fantasias… quis tê-las.

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