Meu genro, Vicente Cortese, é um baita leitor; também é um baita ouvinte de música, mas essa é outra história. Ele me mandou um excerto de uma tradução da Cosac & Naify de O Vermelho e Negro de Stendhal. Nela, uma mulher perde literalmente a cabeça e não morre. Para quem não sabe, o romance é um marco da literatura universal e não inclui mortos-vivos.
Mas nosso leitor, o escritor e tradutor Ernani Ssó, nos traz o original e…
Désespérée de ce qu’elle croyait deviner, et voyant que les sages avis devenaient odieux à une femme qui, à la lettre, avait perdu la tête, elle quitta Vergy sans donner une explication qu’on se garda de lui demander.
Ô, Stendhal, te liga!
Os tradutores são culpados de muitos crimes, alguns de um ridículo sem perdão. Mas os autores também cometem os seus, mesmo grandes como Stendhal.
Bom, vocês devem saber, o Stendhal escrevia à toda. Duvido que tivesse tempo de revisar pra valer. O que impressiona é que ele, mesmo rápido, é de uma precisão e clareza espantosas. Deslizes verbais como esse não são nada.
Vamos ver o que os sete leitores do blog dizem.
Não sei por que tanto pasmo. Trata-se de uma expressão idiomática, bastante semelhante com a que temos em nossa língua. Se continuar assim, nas férias de fim de ano em que programei finalmente conhecer a Escócia, e desligar por bom tempo internet e celular, eu voltar dizendo que estava literalmente morrendo de saudade, é capaz que me rezam uma missa de sétimo dia.
Você, Charlles Campos, nunca me enganou… Sempre soube de sua fantasia de usar literalmente uma saia…
Meu sonho é usar uma saia e segurar uma gaita de fole, Ramiro.
Pois é, Charlles.
Os entendidos dizem que o êxito da performance está associado às técnicas de embocadura e dedilhamento sobre o ponteiro cilíndrico (smallpipe) ligado ao saco do instrumento.
Vou pelo poder da intuição: só sei que devo colocar a gaita na boca.
É, Charlles, pode dar música…
Bem,
depois do gol do urubu-vermelho-e-negro-carioca, em completo impedimento, é de se supor que muito vascaíno perdeu literalmente a cabeça e não morreu… Portanto, Stendhal está perdoado.
FILHOS DO SOL
by Ramiro Conceição
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Inocentemente, daquela vez,
caminhávamos…Lembra-se
do quanto brilhávamos?
E daquela…, quando brigamos,
mas voltamos, lembra-se do cuidado
que nos olhávamos?……..E QUANDO DAQUELA OUTRA
QUE MORREMOS… LEMBRA DO QUANTO CHORAMOS.
E da última em que nos amamos, lembra?
Pois bem: éramos, somos e seremos
– embora incompletos – filhos do Sol.
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PS: é óbvio que forcei a barra… No original, os versos não estão em maiúsculas, mas creio que demonstro a possibilidade de escrever absurdos…
No original: “une femme qui, à la lettre, avait perdu la tête”.