Num dia em que a Rádio Corredor esteve em pleno funcionamento, transmitindo fofocas em alto e bom som, tivemos um concerto de extremos ontem à noite na Ospa. Era previsível, bastaria ler o programa.
(Paradoxalmente, a noite fria trouxe um bom público ao Salão de Atos. Gosto de sair para caminhar nestas noites, o tal frio cortante me faz bem, mas ontem era dia de respeitar os saltos altos de minha companheira e ir de carro. O táxi fez questão de nos deixar em cima da calçada da Paulo Gama, em atenção a nós e à revelia de quaisquer pedestres. Fiquei meio envergonhado por sair do táxi como se fôssemos um Casal Real.)
O programa era:
Sergei Rachmaninoff: Vocalise, Op. 34, No. 14
Nino Rota: Concerto para violoncelo e orquestra nº1
~ Intervalo ~
Francisco Mignone: Maracatu de Chico ReiRegente: Manfredo Schmiedt
Solista: Antonio Del Claro (violoncelo)
Participação: Coro Sinfônico da Ospa
O Vocalise de Rachmaninov foi, é claro, escrito para voz sem palavras (soprano ou tenor) e piano, recebendo (ou merecendo) depois todo o tipo de abuso. Uma história triste. O abuso praticado ontem foi de uma cantoria sem eira nem beira por parte dos primeiros violinos. E a culpa nem é totalmente deles, pois a transcrição para orquestra — do próprio Rach, vejam só — é um horror. Ao menos essas aberturas a que a Ospa sistematicamente nos submete têm o mérito de serem curtas.
O Concerto para Violoncelo de Nino Rota é irrelevante. É ideal para se pensar na vida e organizar mentalmente a agenda dos próximos dias. Quando chegamos ao intervalo, virei-me para o lado esquerdo e meu vizinho disse até agora foi um lixo, aguardemos o Maracatu. Virei-me para o lado direito e o outro vizinho disse que o Rota até que tinha sido “legalzinho”, ainda mais depois daquele Rach. E os dois estavam putos com os celulares que tocavam em meio ao concerto do Rota e com os aplausos deseducados e intermináveis ao final de cada movimento. É, não tá fácil pra ninguém. A Pátria Educadora fica, dia a dia, mais apedeuta.
Tínhamos duas chances públicas de salvar a noite. O Mignone e o jantar. Durante o intervalo, li no programa a nominata dos membros do Coro Sinfônico da Ospa. Eles estavam divididos em Sopranos, Tenores, Baixos e Oboé. Fiquei confuso e comecei a examinar as mulheres do coro. Estavam bem bonitas, com lenços coloridos nos pescoços. Não pareciam oboés, os quais são muito mais magros. Não que fossem gordas, é que não eram mesmo oboés.
E o Maracatu de Chico Rei entrou no palco trazendo toda a stravinskiana magnificência do Rei do Congo, primeiro no navio negreiro Madalena, depois na lida em Vila Rica e, já tendo comprado sua alforria, tornando-se um micro-empreendedor que comprava a liberdade de outros negros. Grande Galanga, grande Chico Rei! Tudo foi muito bem cantado. O Coro Sinfônico da Ospa é a mais gloriosa definição de amadorismo. O que eles fazem está na raiz da palavra e é simplesmente impossível não elogiá-los. Oboés ou não, cantam com tesão e talento, seja na delicadeza do Réquiem de Fauré, seja em missas, sinfonias corais ou na agitação de um maracatu. Os caras simplesmente vão lá e dão conta.
E a fofoca? A Rádio Corredor informou-nos a respeito de uma proposta do governo — ou de algum aventureiro — que extinguiria a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro. Em seu lugar ficaria um subconjunto da Ospa, administrado por esta. Minha opinião? Acho que o fim do conjunto orquestral do teatro seria mais um capítulo de nosso empobrecimento cultural, além de mais centralização, perda de postos de trabalho, centralização e centralização. A OCTSP é uma boa ideia, que movimenta e dá experiência a estudantes de música. Infelizmente, tal suposição é bem crível e típica em quem quer agradar o chefe, que gosta tanto de cortes de gastos. A conjetura do governo, se verdadeira, já demonstra como pensam os gestores sartorianos. Uma economia de palitos numa Secretaria já pobre… Quanto custa a orquestra mensalmente? Com os patrocínios, talvez não mais que um juiz. Aliás, a OCTSP não é, em parte, de uma associação de amigos?
O pior é que a infeliz hipótese talvez consolidasse a ideia de que a orquestra do estado deva ficar numa casa que já é do estado, apesar da inadequação. E a construção da Sala Sinfônica ficaria adiada por mais um século. Acho que a comunidade musical tem de ser alertada para (mais) este absurdo.
Desmentidos e bombons podem ser enviados para este comentarista.
Eu sei que esse perfil de crítico de música que fala mal de tudo pra fazer parecer entendido em algo que não entende já virou clichê (afinal, é muito mais fácil usar a acidez e a ironia de um semipoeta do que fazer análise musical e estética séria), mas dada a situação caótica da música séria no Brasil, acho que esta postura não ajuda.
Não responde mas explica alguma coisa.
https://miltonribeiro.ars.blog.br/2014/06/17/a-critica-musical-em-nossa-provincia-isso-tambem-pode-ter-ideologia/
(fiz um corte no final do teu comentário porque aquele ataque pessoal não dizia nada a meu respeito)
É muito legal você se dispor a comentar alguns aspectos da nossa vida cidadã e cultural. No caso específico analisou uma apresentação da nossa querida OSPA – Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Acho que todas as pessoas que, como você, conhecem, e/ou gostam de determinado assunto ou manifestação podem e até devem dividir com a gente conhecimentos e impressões. Isso sim faz da Internet um lugar melhor e que pode contribuir com o conhecimento e o aperfeiçoamento cultural. Mesmo sem entender de música tanto quanto você e sua amada, a instrumentista Elena Romanov , concordo com suas observações a respeito da OSPA. O pessoal é realmente Bravo, no melhor sentido, pois faz milagres apesar das parcas condições econômicas e funcionais com que vive e convive a orquestra. Não fosse a nossa indigência sócio-cultural vigente e crescente, Porto Alegre deveria se orgulhar em possuir uma orquestra sinfônica e fazer uma orquestra sinfônica própria e fazer muitíssimo mais por ela. Não são muitas cidades na América Latina e no Brasil que têm o privilégio de possuir uma sinfônica completa e com a história que a OSPA possui. Todos nós devemos nos preocupar e contribuir mais com ela. A sua situação atual corresponde ao semi abandono em que se encontram as demais instituições e manifestações culturais no Estado do Rio Grande do Sul, com raras exceções. É bom lembrar que a OSPA é uma instituição de responsabilidade do governo do estado e a sua situação de relativa penúria reflete exatamente a situação da mente da maioria dos nossos governantes, independente de sigla partidária ou de auto-proclamada postura ideológica ( muitas vezes “para inglês ver”). A tão proclamada “falência financeira do Estado do Rio Grande do Sul” é apenas o último capítulo desta longa novela que está sendo gerada há mais de vinte anos, passando por vários partidos e governos que só fizeram empurrá-la com a barriga e aumentar mais a dívida pública.
Exatamente, Verena, concordo 100%.
O “Aventureiro” referido no texto merece destino infame, como o merecem todos os que fecham ou degradam instituições culturais, museus, orquestras, bibliotecas. Eis uma nova causa para nos mobilizar, a defesa da OCTSP.
Salvo engano, a OCTSP é sim administrada por associação de amigos, sem vínculo com a Secretaria de Estado da Cultura. As temporadas de concertos da OCTSP são patrocinadas através da LIC – ou seja, financiada através de renúncia fiscal. Sendo assim, a orquestra não onera diretamente o orçamento do Governo Estadual. Estranha, a fofoca.
É
tão estranho este comentário , tanto quanto e´estranho a fofoca sobre o fim da OCTSP, pois ela é privada e o governo do estado não tem ingerencia sobre a sua continuidade ou não. Talvez o Jornalista Milton Ribeiro deveria conferir bem as fofocas que houve para não comentar asneiras.Podem até fechar a OCTSP, mas não será o governo do estado que o fará e muito menos com a desculpa de contenção de gastos.
Não pense que não acho estranho, caríssimo Elsdor, tanto que deixei claro espaço para desmentidos. 1130 pessoas acessaram diretamente este post até agora. Nada de desmentidos, apenas as ofensas de praxe — que deleto. Ouvi a informação de uma pessoa e conferi com outra. Não posso dizer seus nomes. É óbvio que não fiz uma investigação, por isso o termo “fofoca”. Abraço.
Está havendo um movimento para fechamento de outras orquestras, a partir desta gestão. Como músico e visualizador mais arguto, isto é claro. É uma tentativa de monopólio. Graças que existem os videntes. Bravo!
Retirei o comentário anônimo acima, Elsdor. Não posso aceitar insinuações daquele gênero, ainda mais de quem não usa seu nome real, como nós estamos fazendo.
Fofoca, ou não, é relevante o assunto, pois esse governo está se mostrando muito pouco preocupado com políticas sociais/culturais. O Coro da OSPA, por exemplo, formado por artistas-gerreiros, já devia estar sendo remunerado a muito tempo.
Será que o Rio Grande do Sul é tão atrasado assim que não tem pistoleiros? Aqui em Goiás é cheio de pistoleiros. Acho até que se a Ospa consultar pelo google pode encontrar um.
E o jantar? Fiquei preocupado com a segunda chance de salvar a noite.
O jantar foi no Al Nur e estava excelente!
Oi Milton, sou da comunicação do TSP e fazemos a assessoria de imprensa da Orquestra de Câmara Theatro São Pedro também. Como foi falado nos comentários acima, não passa de uma fofoca. A OCTSP foi criada a exatos 30 anos e não tem relação com o Estado, todos as suas séries são patrocinadas. Hoje, temos apenas os Concertos Banrisul para a Juventude (patrocínio do Banrisul) e Concertos Oficiais (patrocínio da Gerdau e Sulgás).
Contudo, agradecemos seu texto e o seu olhar de apreço pela importância da nossa Orquestra.
Por favor, gostaria que você encaminhasse o seu e-mail para que possamos colocar no nosso mailing. Um forte abraço!