Ospa: lamentável início de concerto, convalescença e fofoca

Ospa: lamentável início de concerto, convalescença e fofoca
Oboés?
Oboés? | Foto: Facebook da Ospa

Num dia em que a Rádio Corredor esteve em pleno funcionamento, transmitindo fofocas em alto e bom som, tivemos um concerto de extremos ontem à noite na Ospa. Era previsível, bastaria ler o programa.

(Paradoxalmente, a noite fria trouxe um bom público ao Salão de Atos. Gosto de sair para caminhar nestas noites, o tal frio cortante me faz bem, mas ontem era dia de respeitar os saltos altos de minha companheira e ir de carro. O táxi fez questão de nos deixar em cima da calçada da Paulo Gama, em atenção a nós e à revelia de quaisquer pedestres. Fiquei meio envergonhado por sair do táxi como se fôssemos um Casal Real.)

O programa era:

Sergei Rachmaninoff: Vocalise, Op. 34, No. 14
Nino Rota: Concerto para violoncelo e orquestra nº1
~ Intervalo ~
Francisco Mignone: Maracatu de Chico Rei

Regente: Manfredo Schmiedt
Solista: Antonio Del Claro (violoncelo)
Participação: Coro Sinfônico da Ospa

O Vocalise de Rachmaninov foi, é claro, escrito para voz sem palavras (soprano ou tenor) e piano, recebendo (ou merecendo) depois todo o tipo de abuso. Uma história triste. O abuso praticado ontem foi de uma cantoria sem eira nem beira por parte dos primeiros violinos. E a culpa nem é totalmente deles, pois a transcrição para orquestra — do próprio Rach, vejam só — é um horror. Ao menos essas aberturas a que a Ospa sistematicamente nos submete têm o mérito de serem curtas.

O Concerto para Violoncelo de Nino Rota é irrelevante. É ideal para se pensar na vida e organizar mentalmente a agenda dos próximos dias. Quando chegamos ao intervalo, virei-me para o lado esquerdo e meu vizinho disse até agora foi um lixo, aguardemos o Maracatu. Virei-me para o lado direito e o outro vizinho disse que o Rota até que tinha sido “legalzinho”, ainda mais depois daquele Rach. E os dois estavam putos com os celulares que tocavam em meio ao concerto do Rota e com os aplausos deseducados e intermináveis ao final de cada movimento. É, não tá fácil pra ninguém. A Pátria Educadora fica, dia a dia, mais apedeuta.

Tínhamos duas chances públicas de salvar a noite. O Mignone e o jantar. Durante o intervalo, li no programa a nominata dos membros do Coro Sinfônico da Ospa. Eles estavam divididos em Sopranos, Tenores, Baixos e Oboé. Fiquei confuso e comecei a examinar as mulheres do coro. Estavam bem bonitas, com lenços coloridos nos pescoços. Não pareciam oboés, os quais são muito mais magros. Não que fossem gordas, é que não eram mesmo oboés.

E o Maracatu de Chico Rei entrou no palco trazendo toda a stravinskiana magnificência do Rei do Congo, primeiro no navio negreiro Madalena, depois na lida em Vila Rica e, já tendo comprado sua alforria, tornando-se um micro-empreendedor que comprava a liberdade de outros negros. Grande Galanga, grande Chico Rei! Tudo foi muito bem cantado. O Coro Sinfônico da Ospa é a mais gloriosa definição de amadorismo. O que eles fazem está na raiz da palavra e é simplesmente impossível não elogiá-los. Oboés ou não, cantam com tesão e talento, seja na delicadeza do Réquiem de Fauré, seja em missas, sinfonias corais ou na agitação de um maracatu. Os caras simplesmente vão lá e dão conta.

E a fofoca? A Rádio Corredor informou-nos a respeito de uma proposta do governo — ou de algum aventureiro — que extinguiria a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro. Em seu lugar ficaria um subconjunto da Ospa, administrado por esta. Minha opinião? Acho que o fim do conjunto orquestral do teatro seria mais um capítulo de nosso empobrecimento cultural, além de mais centralização, perda de postos de trabalho, centralização e centralização. A OCTSP é uma boa ideia, que movimenta e dá experiência a estudantes de música. Infelizmente, tal suposição é bem crível e típica em quem quer agradar o chefe, que gosta tanto de cortes de gastos. A conjetura do governo, se verdadeira, já demonstra como pensam os gestores sartorianos. Uma economia de palitos numa Secretaria já pobre… Quanto custa a orquestra mensalmente? Com os patrocínios, talvez não mais que um juiz. Aliás, a OCTSP não é, em parte, de uma associação de amigos?

O pior é que a infeliz hipótese talvez consolidasse a ideia de que a orquestra do estado deva ficar numa casa que já é do estado, apesar da inadequação. E a construção da Sala Sinfônica ficaria adiada por mais um século. Acho que a comunidade musical tem de ser alertada para (mais) este absurdo.

Desmentidos e bombons podem ser enviados para este comentarista.

Música apenas média e quase nada de informação

O concerto de ontem à noite da OSPA estava dentre aqueles que eu não indicara. Não, não sou nenhum oráculo mas tenho 40 anos de salas de concertos. Dou bons chutes. Infelizmente, tinha razão. O programa era o seguinte:

Bruno Kiefer: Poema Telúrico
Claudio Santoro: Concerto para Violoncelo (Solista: Antonio Del Claro)
Claudio Santoro: Sinfonia nº 11

Regente: Roberto Duarte

Quando se fala em promover a música brasileira, isto não significa o desligamento de qualquer senso crítico. O Poema Telúrico de Kiefer é apenas médio, a Sinfonia de Santoro é consistente e ótima, mas seu Concerto para Violoncelo é medonho e foi um alívio quando terminou. Acho que o violoncelista nem voltou uma segunda vez para ser aplaudido. Ele não era culpado de nada, só que todos desejavam que ele fosse logo embora. Não é uma opinião única ou algo ditado por minha mente melômana. Na verdade, era tão incrivelmente ruim que consultei alguns não-melômanos  durante o intervalo. Eles me confirmaram a extrema ruindade da coisa. Outro alívio foi quando Roberto Duarte, antes de atacar a sinfonia, falou à plateia dizendo que a obra  fora composta muito tempo depois e que era muito diferente. Obviamente, ele não fez referência à música anterior, talvez nem quisesse dizer “agora, a coisa vai”, porém a mensagem foi compreendida assim.

A angustiante sinfonia Nº 11 é muito boa mesmo e uma amiga psicóloga disse ao final: “Posso não entender nada de música, mas de angústia eu entendo!”.

O fato lastimável do concerto foi o programa. Papel de boa qualidade, muito bonito e inútil. Imaginem: a gente vai assistir uma série de músicas brasileiras desconhecidas e, naturalmente, recorre ao programa. Este não informa o nome nem o número de movimentos da obras. Lá no meio do texto éramos informados que o Poema Telúrico tinha dois, mas e o resto? E os textos sobre as obras? OK, o maestro Duarte dispôs-se a explicar a sinfonia verbalmente e aquilo foi bem adequado, porém… e o resto, repito? O programa trazia vastos espaços em branco — pagos por alguém — e quase nenhuma informação. Algumas perguntas a qualquer um dos músicos da orquestra resolveria a questão facilmente.

Para piorar, ainda havia erros. Éramos informados que Santoro escrevera oito sinfonias, mas que ouviríamos a 11ª. Desta forma, ficamos sabendo que boa parte do pessoal da OSPA ignora e não quer saber de informações sobre o que será executado. Para piorar, fazem isto justamente num dia de música brasileira de concerto. Justamente a menos divulgada — o PQP divulga mil vezes melhor (vejam o que eles fazem com a Música Colonial e Imperial Brasileira, por exemplo).

Péssimo, né? Música mais ou menos e informação ruim não podem dar em bom concerto.