Uma breve reflexão sobre os linchadores virtuais

Ilustração: Yuri Leonardo
Ilustração: Yuri Leonardo

Já vi grandes linchamentos na internet e vejo vários pequenos sendo ensaiados aqui e ali. Dentro da rede, creio que a melhor estratégia de defesa seja a de não se defender. Em caso de ataque, o melhor é que o agredido não somente fiquei quieto, mas impeça seus amigos de defendê-lo. O correto é o silêncio. Quando isso não acontece, a briga só aumenta e o nível torna-se rasante com o aparecimento de um verdadeiro enxame de vigilantes da moralidade pública, de guardiões de todas as virtudes e do politicamente correto.

Os linchadores de internet são um fenômeno mais ou menos recente, nascido nos blogs e disseminado nas redes sociais. O linchador tem normalmente por alvo uma pessoa que desconhece pessoalmente. Ele mal e mal conhece uma expressão do agredido, quase sempre plana, sem contexto. Há uma recusa pela complexidade e pela faceta.

Imagino que o linchador fique entre uma ocupação e outra. No intervalo, compraz-se com sua atuação na rede e com a de seus pares, enquanto o linchado sofre 24h, se lê os absurdos escritos. As ofensas vêm de um “mundo virtual”, mas ecoam e têm reflexos no real. O linchador de internet não pega em paus ou pedras, mas pode levar uma pessoa frágil ao fundo do poço, causando danos e ele e a seus próximos. Danos não apenas morais, mas profissionais.

O assustador é que o linchador tem a capacidade de disseminar mentiras (ou meias verdades) de forma absolutamente sem freios. Ele pega uma história já interpretada — isto é, distorcida –, sem desejar avaliar sobre se os fatos são verdadeiros. Apesar de saber só um tiquinho, não pestaneja e busca na internet o efeito altamente prazeroso de entrar numa discussão sem ver caras irritadas nem gritos. Dissemina ódio sem ética e respeito à intimidade alheia.

A leitura dos linchadores é algo pra espantar. Ali temos a clara noção de que a pessoa média e politicamente correta carrega toneladas de ódio contra as coisas mais incríveis, incluindo até o Monty Python!

Nesta semana, vi dois ensaios de linchamento. No primeiro, um perfeito idiota reclamou que o autor de um texto poético escrevera que as mulheres “ficam mais bonitas quando se entregam a [leitura de] uma história”. Ponto. A acusação era de que o primeiro elogio a se fazer a uma mulher que lê jamais seria o de que ela fica mais bonita. (Deveríamos dizer, ah, ela está se ilustrando ou se informando…?) Olha, se eu vejo uma desconhecida lendo, acho-a mais bonita do que em várias outras circunstâncias. Mais: acho que um escritor — como o este meu amigo — fica mais interessado em conhecer uma mulher leitora do que numa que não ame os livros. Meu amigo escritor ficou quieto, apenas curtiu os comentários dos malucos, como se os levasse em conta. A coisa cessou rapidamente.

(Fiquei pensando em alguns poemas clássicos que teriam de ser revisados…)

O segundo foi bem mais agressivo. Outro amigo escreveu que Taylor Swift era “uma cantora de bosta”. Então ele foi acusado de uma inverdade: de ter chamado a tal Taylor de bosta. Ora, ele escreveu que ela era uma cantora de bosta, ou seja, que não cantava porra nenhuma. Sei que ele diria o mesmo de um cantor que detestasse. O que ele fazia era um juízo de valor sobre a arte desta Taylor que desconheço.

Os agressores eram feministas que não merecem tal denominação, a meu ver muito maior que tais baixarias. A discussão chegou ao ponto descontrolado do meu amigo ter que ler que “tratar homens e mulheres com igualdade é machismo”, ponto onde eu devo acabar este já longo texto. Em casos de linchamento, não há espaço para discordâncias cordiais ou reflexão ou para “complexidades mesmo as mais simples”.

Há outros casos, outros temas. No passado, vi um linchamento absurdo de uma judia que se declarou não sionista. Descobri casualmente e tive dificuldade de saber quem era a vítima, sempre chamada de vaca, puta ou mulherzinha de merda. E o maior de todos, o daquele professor que sofreu com uma matilha de parvos moralistas porque um blog decadente — como todos — achava que precisava de page views.

É uma vontade de achar problema, de criar polêmica, que torna tudo irrespondível. Será que isso serve para o linchador virtual mascarar uma inação efetiva? Pois, em seu íntimo, ele deve ter certeza que está limpando o mundo de suas porcarias e fazendo sua parte na construção de um mundo melhor.

8 comments / Add your comment below

  1. Jean Uilis e Bolsonaro costumam passar por isso diariamente. É muito comum alguém desvirtuar alguma declaração de ambos e logo em seguida os benditos “memes” serem difundidos pela internet (Facebook, Whats etc.). É uma guerra de “memes”. Parece briga de torcida. Não que sejam santos ou heróis. Pessoalmente, acredito que um só existe por causa do outro, e vice-versa. Mas não deixa de ser curioso ver esse movimento anotado por você tão bem.

  2. Todo mundo terá seu dia de linchamento virtual. (Andy Warhol, se estivesse vivo).

    Acho especialmente assustador em ver como os linchamentos são injustos. Os polêmicos e que provocam, em busca de cliques ou fama, tudo bem. Mas mesmo o sujeito mais pacífico e politicamente correto pode um dia ser vítima, basta uma leitura raivosa de alguém com má vontade. E, uma vez que esse raivoso inicie o movimento, parece que o resto vai na inércia e começa a atirar pedras por puro prazer. Só depois de muito xingamento que a energia se esgota e as pessoas começam a desconfiar que, TALVEZ, estejam exagerando.

  3. Isso de linchamento virtual é uma das várias epidemias que assola todos os usuários da internet, TODOS SEM EXCEÇÃO (as outras são as fotos engraçadinhas de “olha como eu sou bonitinho”, a necessidade de se passar a impressão de viver uma vida cool pelas redes sociais; a crença de que os mais prosaicos atos do cotidiano se enquadram em uma sitcom pessoal, com claques de risos (rs, kkkk, hahaha, carinhas sorridentes, etc) que surge a cada frasezinha de efeito; os textões ultra-cultos, acompanhados pela louvação do gênio da hora; atirar para todos os lados, na maior facilidade, atestados de genialidade e de imbecilidade, etc, etc, etc).

    Fui ver essa aí do cara que não gosta do Python (eu achava que os Python fossem mesmo uma unanimidade, mas conheço vários que os odeiam), e o que descubro? Vai lá no Facebook do Nelson Moraes que, ao que parece, está começando um linchamento reverso contra esse cara, por ele não gostar do Monty Python. Somos animais de sintomas facilmente definíveis, e não temos cura.

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