Wolfgang Amadeus Mozart nasceu em 27 de janeiro de 1756 em Salzburgo que, na época, tinha por volta de 10.000 habitantes. Salzburgo localiza-se numa das rotas em que se entrecruzavam os trajetos germânicos e italianos. Por isso, recebia influências dos dois lados e isto significa muito em termos de Mozart, um compositor que se estabeleceu e uniu as duas maiores tradições musicais europeias. O menino Wolfgang nasceu em uma família unida e amorosa. Seu pai, Leopold, era compositor. Tratava-se de uma criança emotiva e terna; queria aprender tudo, mostrando predileção pela matemática e pela música. Seu maior passatempo era o de inventar e contar histórias para si mesmo. Ao seis anos, ao começar sua educação musical em família, logo demonstrou que podia executar e compor pequenas peças ao cravo da mesma forma com que inventava histórias. O mundo perdeu um contador de histórias e ganhou um músico imenso a também nos contar histórias. A família não deu muita atenção ao compositor, mas resolveu que o pequeno virtuose poderia gerar dinheiro, tornando-se uma glória tanto familiar quanto para a corte do príncipe-arcebispo de Salzburgo. Sempre vigiado pelo pai e tendo um porto seguro em sua cidade natal, o menino-prodígio viajará loucamente (ver as viagens que fez aos 10 anos, em 1766, por exemplo) dando concertos por toda a Europa.
Para que os menos musicais pudessem reconhecer o virtuosismo do garoto, faziam-no realizar bobagens de cão amestrado, tal como tocar por cima de um pano que cobria o teclado ou com os olhos vendados. Era afagado, bem pago e sentava-se no colo de príncipes e arquiduquesas. Porém, isto foi antes dos dois grandes encontros. O primeiro encontro que mudaria Mozart foi com Johann Christian Bach, filho de Johann Sebastian e criador do estilo que foi inteiramente adotado e hiperdesenvolvido por Mozart. Mozart ouviu-o tocar em Londres e a impressão ficou-lhe para sempre. Mesmo. Se algum desavisado ouve casualmente alguma obra de Johann Christian, diz na hora: “É Mozart”. Ouvindo com mais atenção, sentirá tratar-se de um Mozart fraquinho, sem aquela imaginação pululante. Como Johann Christian fora o “Bach de Milão” antes de ser “o de Londres”, trouxe modelos italianos ao compositor. A face germânica de Mozart parace ter vindo de seu amado Haydn, a quem dedicou vários quartetos de cordas e a quem admirava desmedidamente. Tal admiração era recíproca e tão famosa e bem humorada que há bom anedotário a respeito.
O que as pessoas normalmente não sabem é que Mozart não foi um compositor tão precoce. Foi um virtuose precoce, mas perderia, em termos de precocidade para, por exemplo, Mendelssohn. Não há, na obra de Mozart pré-1781, algo como o bom Concerto para Violino em ré menor de Mendelssohn, composto aos 14 anos de idade. Poucas obras-primas mozartianas foram compostas antes disso. Suas primeiras obras de mestre foram o Divertimento K. 287, o Concerto para Flauta e Harpa K. 299, a Sinfonia Concertante para Violino e Viola K. 364, a Gran Partita, para conjunto de sopros K. 361, a Missa da Coroação K. 317 e a estranhíssima e espetacular Posthorn-Serenade, K. 320; e estas foram todas compostas todas depois de Mozart completar 20 anos. Vejam como a precocidade tem pouco a ver com as alturas que podem ser alcançadas na maturidade: afinal, poucos ousariam ir além nesta comparação entre as obras completas do genial Mozart e do muito competente Mendelssohn…
Em 1781, aos 25 anos, Mozart explodiu. Nestes 10 anos e meio – Wolfgang morreu aos 35 anos – escreveu quase tudo o que ouvimos hoje e, puxa vida, não é pouca coisa. São dezenas de óperas, concertos, sinfonias e música de câmara de melhor qualidade. É algo inacreditável e é realmente complicado apontar uma ou outra deixando tantas obras de lado.
Há um fato que me deixa contrariado na abordagem que as pessoas fazem a ele: muitos falam de Mozart como de um compositor sempre gentil e delicado, representando-o como um lago tranquilo e eternamente ensolarado onde os patinhos nadam alegres, sem sequer desejar bicar e comer os peixes que passam despreocupados por baixo de suas barrigas sempre cheias e felizes. Também estes peixes não desejam nada, apenas aspiram a uma vida feliz entre seus amigos patinhos e os peixes menores, tão lindinhos, que estão ali para o deleite de todos e assim por diante… O mesmo valeria para sua carreira, onde ele seria uma eterna criança, sempre ingênua e injustiçada, sofrendo nas mãos de poderosos e de colegas invejosos. Não é nada disso. Talvez seja necessária alguma vivência para identificar, mas há em Mozart todo um mundo de expressões sem as quais seria impossível a sua música adequar-se tão bem aos sentimentos pungentes exigidos por um Don Giovanni ou por La Clemenza di Tito e à comicidade das óperas bufas O Rapto do Serralho, As Bodas de Fígaro, A Flauta Mágica e Così fan tutte. E há toda uma música de concerto e obras de câmara autenticamente agressivas e desesperadas. É ocioso pensar que quem alcança expressar todos os matizes dos sentimentos humanos seja um palhaço bobinho e talentoso. Mozart tinha experiência de tudo o que produzia. Não era infantil, não era uma porcelana ou um santo intocável, era alguém deste mundo.
Mas por que Mozart morreu na miséria? Ora, porque tornou-se um artista absolutamente fiel a si mesmo, dando as costas ao gosto vigente na Viena de seu tempo. A partir de 1784, vieram uma sucessão de obras-primas que fez o conservador público vienense torcer seus nobres narizes. Os Concertos para piano em fá, em ré menor K. 466 e em dó maior K. 467, o em mi bemol K. 482, em lá maior K. 488, e em dó menor K. 491, o em dó maior K. 503, a Sinfonia Praga K. 543, os dois Quartetos com piano K. 478 e 493, os dois Quintetos para Cordas K. 515 e 516, o trio Kegelstatt K. 498 e a Missa em dó menor K. 427, assinalaram em dois anos a plena maturidade do Mozart-compositor que teve como resposta a hostilidade de seu público. José II, por ocasião da representação de O Rapto do Serralho (Die Entführung aus dem Serail) observou: “Notas demais, meu caro Mozart”; e obteve a resposta que nunca sairia da boca de um cortesão, mas sim de um artista absolutamente seguro de sua obra: “Nenhuma só a mais, Majestade”.
O público passou a ignorá-lo e apenas retornou ao final de 1791, dois meses antes de sua morte, quando da estréia do espetacular sucesso de A Fláuta Mágica (Die Zauberflöte). Notem que esta ópera estreou em um pequeno teatro de bairro popular em Viena com o nome de Mozart bem pequeno, para não chamar a atenção – aquele mesmo Mozart que já fora o homem mais famoso de Viena teve seu nome mostrado em letras pequenas, sob o nome garrafal do libretista Schikaneder. O sucesso foi avassalador, mas tardio. Restou-lhe tempo apenas para terminar o belíssimo Concerto para Clarinete, K. 622 e de, ironicamente, tentar terminar um Réquiem K. 626, que não escrevia para si mesmo — conforme as lendas românticas gostam de mentir –, mas por encomenda um certo Conde Franz von Walsegg, cujo contrato nada tem de misterioso e que pode ser examinado em Salzburgo. Porém, sabemos que o destino infeliz deste gênio é um convite aos que gostam de romancear tudo. Eu também gosto, mas só quando o assunto é ficção…
Espero com este post ter feito uma pequena incursão amorosa e boêmia na vida e obra de Mozart. Além da memória, utilizei-me de alguns livros e CDs, principalmente da fenomenal História da Música Ocidental de Jean & Brigitte Massin.
Observação final: Este modesto post é dedicado ao maior mozartiano que conheci. É dedicado a meu pai, morto em 1993. Ele fez com que a trilha sonora de minha infância fossem os concertos para piano de Mozart, suas serenatas para sopros e a Posthorn. Conheço tudinho, nota por nota. Ele nunca parava de falar em Mozart, Beethoven e Chopin — Mozart em primeiríssimo lugar, sempre –, assim como hoje posso passar horas falando Bach, Bartók, Beethoven e Brahms. (Não me provoquem!).
(Quando mostraram o Quarteto das Dissonâncias para Haydn, ele disse que era um equívoco, que aquilo não podia ser. Então, lhe disseram: “Mas é de Mozart”. E o velho respondeu: “Bem, neste caso, trata-se de um erro de minha parte. Eu é que não entendi.”).
Caro Milton. Desembarquei no teu blog a partir de contenda criada ppor aquela escritora. Agradeço a ela, não pela “Casa…”, nem pela ação que move contra ti, mas por ter me trazido até este lugar onde poderei ler postagens muito interessantes como esta sobre Mozart e também esta delicada incursão sobre uma mulher que mais parecia um furacão, mas na verdade um ser que dasabrochou com toda a força que a paixão produz. Bem, voltando à Mozart, também fui picada pela “mosquinha” musical que habitava o território de meus pais e, desde então aprecio a boa música e as exelentes, como alguns clássicos de Mozart, Beethoven ouço no “cantinho” sempre que poço. Iluminar o caminho percorrido por Mozart, como foi feito por ti, é uma generosidade com todos aqueles que buscam a verdade para construir um sólido caminho a ser trilhado com segurança e prazer. Obrigada
Eu que devo agradecer tuas palavras, Dora.
Obrigado.
E a casa é sua.
Não sou musicólogo; se colocarem para tocar qualquer peça da Haydn ou J.C. Bach é falarem pra mim “É Mozart” acredito. Até mesmo Beethoven e, em alguns casos, Schumann. Coisa feia? Bah, não me importo com isso. Como 99% dos ouvintes, quero ouvir apenas o que me soa bem, podendo ser alegre ou macambúzio. Música é um alfabeto tonal, tem que dar conta da variedade dos sentimentos humanos. Quando não dá, não diante o cara dizer “Porra, isso é Beethoven!”. Foda-se, estou nas tintas; fala à gente mesmo é Índia, a guarânia. Mas não há dicotomia tipo grande música/música menor; para isso sou como Hermeto Pascoal, para quem tudo é música, o que não quer dizer que toda música é boa, só que também não serve a equação música complexa=música boa x música simples=música ruim. Sabemos que os temas são melhor pensados e elaborados pro músicos como Bach, mas mesma este não refutava (e utilizava) os andamentos musiciais de temas folclóricos ou dançantes de sua época. É tudo uma questão cubista, de multiperspectivismo. Por isso mesmo agora, só pra sacanear, vou botar 2+2=5, do Radiohead. Em seguida, ouvir a voz da divina e bela Cecilia Bartoli. Para terminar, Thalma de Freitas cantando Tranquila(o). Embora eu tenha medo da morte, medo do mundo e de tudo o mais. Principalmente da falta (ou excesso) de juízo.
Vou te dizer uma coisa que talvez te surpreenda: minhas seleções musicais diárias são ditadas pelo que acho que é bom. Ponto.
Ontem, foi Leo Maslíah e Mendelssohn. Hoje, Mozart. E daí?
E à noite, Cruzeiro.
Tá, mas acho que fica faltando um tributo ao efêmero em música, não basta no futebol. Aquela “qualquer coisa” que tá no subtítulo do blog, principalmente. Mas isso é lá contigo. Em tempo: Glenn Gould não tocava e não gostava de Mozart.
Gostaria que tu me explicasses o que são os 5 vinis que tenho com a obra completa para piano por Gould. OK, ele não era um admirador, mas não era hostil.
Uma parte está aqui:
http://www.amazon.ca/Mozart-Piano-Sonatas-Vol-2/dp/B0000026YA
Quanto ao efêmero na música, vou pensar. Aliás, há uma pauta… Glenn Gould e os mp3, gravações, etc.
Ao som de: Bach – Partita em lá menor
Aquela frase “Não importa o que as pessoas dizem, mas o que elas fazem” é perfeita para a relação Gould-Mozart. De fato, ele disse que “Mozart morreu muito tarde, não muito cedo.” Mas acho que era só para fazer graça. Afinal, se ele detestasse tanto o Wolf, não teria gravado tantas obras dele; inclusive, sua interpretação da Marcha Turca é muito criativa. Conheci uma pianista que fazia uma careta enorme quando alguém falava em Mozart, mas ela só não gostava da obra para piano – enquanto adorava as óperas do dito-cujo…
Diz a lenda que, quando de sua primeira gravação, os produtores lhe disseram: “Como todo pianista estreante, seu primeiro CD terá Chopin e Schumann”, ao que ele respondeu furioso: “De jeito nenhum!!! Eu vou é tocar Bach.”
Quem o Gould realmente detestava era a panelinha romântica Schumann, Chopin e Liszt. Estes, sim, ele detestava; que eu saiba, não gravou nadica de nada deles – ah, e nem de Schubert.
Tem que relevar o Gould. Ele adorava uma polêmica gratuita. Era o Caetano Veloso do piano de concerto…
Fico curioso para ouvir ele tocando Mozart – não conhecia esse lado.
Caro Milton,
Obrigado pelo ótimo artigo.
Eu gostaria de fazer pequenas correções:
1) O concerto que Mendelssohn compôs aos 14 foi o “Concerto para violino e cordas em ré menor”; para os leitores não confundirem com a jóia que é o Concerto para violino e orquestra em mi menor – escrito aos 29 anos.
2) O concerto K. 482 (nº22) não é em mi menor, e sim em Mi Bemol. Friso isso porque tenho de cabeça os dois únicos concertos em tonalidade menor que o desgraçado compôs – e que são meus favoritos!
Agora, um comentário sobre o Lebrecht:
Quando um de meus amigos disse que o Lebrecht defendia que o sucesso de Mozart era puramente golpe publicitário, não acreditei. Pensei, “tem de ser muito cretino para dizer isso.” Ou, no mínimo, é um golpe publicitário que tem durado 250 anos.
Daí, certo dia, folheei aquele livro sobre maestros, e fiquei pasmado: a quantidade de críticas e acusações lançadas contra os maestros sem citação alguma é assombrosa. Por exemplo, ele diz que, em certa altura, Böhm dormiu durante a regência e a orquestra continuo tocando. Ok, cadê a fonte?
É muito fácil escrever um livro detonando o mito do maestro se metade do que você diz tem citação, mas a outra metade, não. Falta de honestidade.
Um comentário geral sobre Mozart: observei que as óperas dele são quase que uma unanimidade. Tenho uma amiga que vive tripudiando Mozart, mas, certa vez, quando perguntei especificamente sobre as óperas, ela disse: “Ah, não, peraí, aí já é oooutra história…”
Obs.: ela detesta ópera, só gosta das do velho Wolf!
He will, obrigado. As correções serão feitas já.
Muito obrigado pela atenta leitura.
Lebrecht… Bem, deixa eu fazer as correções!
O Mozart inventou a ópera como a conhecemos. Sabia que foi o primeiro a compor óperas cujo enredo não se baseava nas obras da Grécia Clássica?
Certamente ele foi o mais anti-publicitário possível em sua época. Mas não há como negar que hoje é muito mais cômodo qualquer orquestra repetir Mozart ad nauseam do que tocar o repertório do nosso tempo. Aí tendo a concordar com Lebrecht, apesar de não ter lido o que ele escreveu…
Milton,
Linda homenagem a seu pai e ao bom gosto que ele lhe transmitiu. Mozart é tão grande e prazeroso como você o demonstra. Magnífico! Como Marcos Nunes, ouço porque gosto e gosto de TUDO do compositor, foi ele quem me ensinou a gostar de ópera (mas só consigo ouvir as barrocas e clássicas): das sonatas para piano (algumas já tão beethovenianas) até o concerto Júpiter, tão tragicômico. Tudo de Mozart é genial!
Mozartianas saudações,
Mozartianas saudações para ti, Fernando.
Eu considero que fazer correções seja um ato de consideração e atenção. Então: Sinfonia Júpiter. Deves ter te enganado, pois quem cita a Júpiter, a conhece.
Abraço.
Bravo Milton,
degustarei tua mozarteanza mais tarde, cujo primeiro parágrafo já é, por si só, uma obra prima. Estás te especializando em denunciar textos ruins ou falaciosos e, importante salientar, sem incorrer em tiradas espertas com nomes de autores vivos.
Augusto
Olá Milton, vou aí junto com o Augusto, ler mais tarde o artigo… ainda estou a disposição para conversar sobre meu acervo, tdo bem?
Abrasssssss
Excelente post, Milton, e que me veio muito a calhar. Hoje eu estou em Viena, e passei o dia topando com estátuas dos compositores que nasceram ou viveram aqui. Eu queria assistir a um concerto de alguma obra de Mozart hoje, mas o preco me impede completamente: os ingressos mais baratos custam quase 50 euros!
Quanto ao Mozart ter criado obras trágicas também, eu acho que nao existe mais nada a se falar sobre o assunto. Quem conhece um pouco a sua obra sabe de vários exemplos deste lado nao alegre do compositor, como a minha tao amada Sinfonia No.25.
E sobre o Lebrecht, eu nunca li mais do que um ou dois artigos curtos do cara. Simplesmente nao suportei a leitura. Eu me lembro de algumas frases que ele usou nestes artigos, como ”Mozart escrevia música de elevador” ou ”O seu requiem é uma obra trivial”. Trivial, meu deus do céu…
Bem, amanha eu viajo para o Brasil e irei passar dois meses por aí. Seu presente já está na mala e será enviado assim que me sobrar um tempinho. Grande abraco!
1. Estás em Viena? Que triste!
2. Opa! Espero que o pessoal do avião não se irrite com o maravilhoso líquido.
3. Lebrecht… Mozart música de elevador… Como eu andaria de elevador!
4. Réquiem trivial. Aqui o autor se mata. É piada.
Escuto Mozart com frequência, sem ser expert. Gosto, gosto, gosto.
Ah, Cláudio, te ouvi tocando piano aqui em casa…
E eu? Por acaso sou expert? Sou um baita chutador!
Desmontando dois mitos: que Mozart é alegrinho e que Glenn Gould o detestava:
Não achei os outros movimentos. Procurem-nos, e ouçam.
Só para anotar que: 1) não tenho nada contra Mozart, ou Pixinguinha, ou, ou (quero dizer: todo produtor de sons está no mesmo pleno, podendo acontecer dum ser pior que outro, mas não porque um fazia música no século XIX, “clássica” ou “erudita” e Chiquinha Gonzaga ser menor por fazer música “popular” ou “feminista”; 2) só escrevi que o GG não gostava de M porque ouvi-o falando no filme (?) Variações sobre Gleen Gould, há muito tempo, mas um troço semelhante com “ele não envelheceu e não teve chance de aprender a compor direito”, troço assim ou nada assim. Na verdade, lembro-me mais dele irritado, ao piano, executando uma coisa qualquer de Mozart, interrompendo e fazendo outra coisa depois dum comentário irritado.
Marcos, meu grande amigo.
Cuidado ao tratar com Gould. Como o meu amigo AUGUSTO MAURER sabe — ele apareceu rapidamente aí em cima — há que separar o Gould pianista do personagem por ele criado. Não é fácil.
O Augusto tem um livro onde um entrevista o outro. É sério, Marcos. Gould entrevista Gould por brilhantes páginas e páginas.
Abraço.
Vixe, bota aí um concertino em ré menor por trilha sonora de minhas implicanciazinhas. Acho que tás colocando alguma peça do Berlioz em Dó maior sustenido. No mais, essas picuinhas não me dizem muita coisa não, como discutir com qual maestro o quarto movimento da Sinfonia Plástica de Mahler o batedor do tambor oferece um som mais contido, essas coisas. Pra mim soa como uma eleição para escolher a melhor banda cover dos Beatles. Tsc, tsc, iê iê iê? É, é, é.
Marcos, não vamos concordar sobre isso. Cada nuance interessa demais. Mesmo.
Vivemos de interpretações. Bem felizes.
Excelente, Cláudio. Obrigado!
Sobre a Marcha Turca mencionada pelo futuro Bach: Glenn Gould esculachou o primeiro movimento da sonata (não foi interpretação moderninha, foi sacanagem mesmo) tocou o segundo de forma err pouco convencional mas se redimiu totalmente no terceiro movimento, alla turca. O vocetubo novamente é generoso:
Uma vez passado o estranhamento, essa interpretação humilha qualquer outra. Mozart sabia ser alegre quando queria, e essa marcha turca é a prova cabal disso. Gould toca com perfeição e posso imaginá-lo rindo como uma criança ao tocar (em vez dos resmungos tradicionais). E como é bom distinguir todas as notas do baixo na parte das oitavas!
“Não foi interpretação moderninha, foi sacanagem mesmo”
Hahahaha, muito boa!
O cara da loja me fez ouvir o rondó e me mandou adivinhar. Não foi difícil – pensei, “só um fanfarrão como o Gould seria capaz de fazer uma coisa dessas”. A impressão que dá é mesmo a de que ele está rindo enquanto toca! Eu definiria a interpretação assim: fanfarrona de cabo a rabo.
Essa interpretação me fez perceber uma coisa: o andamento do rondó é allegretto. A maior parte dos pianistas toca quase que num presto. Neste caso, seguir rigorosamente a partitura foi muito criativo…
algumas unanimidades sao inevitaveis, e a Santíssima Trindade Bach-Beethoven-Mozart é uma delas. o cara escreveu a sinfonia 40 em G menor, ponto(é a minha favorita).
nao sou especialista em musica erudita, mas gosto de boa música. e Mozart tá acima dos iconoclastas de plantão…
Depois deste belo post, algumas considerações rápidas:
Há controversas se Mozart morreu mesmo na miséria. Me lembro de Bernard Shaw dizendo que aprendeu a escrever com Mozart, e Bellow afirmando que seu objetivo na escrita era ser veloz e profundo feito Mozart. Também me agarro firmemente em minha condição de leigo quanto a musica erudita. Adoro o cd duplo dos concertos para violino da Anne-Sophie Mutter, em especial a estupenda sinfonia concertante. Acho Beethoven muito superior a Mozart ( tem aquela de dizer que Bach foi o matemático, o Mozart o poeta, e beethoven o filósofo), e encaro isso sem a mínima dor (o que não acontece quando tenho de admitir que McCarthy é melhor que Lennon: dói, dói!). Há um ensaio de Bellow sobre Mozart (em” tudo faz sentido”) que o autor americano, ousado para um leigo declarado, revela que Mozart não era o leviano descerebrado do mito (alimentado pelo Milos Forman), e revela um escritor afiadíssimo de cartas.
Abraço.
Charlles,
Mozart morreu miserável, sim. A “sociologia” do Norbert Elias é bastante confiável, e declara isso mesmo. Apesar do alto teor lendário (e psicodélico) do filme Amadeus, Mozart realmente foi enterrado em vala comum.
Inclusive, sugiro-lhe fortemente a leitura deste livro (Mozart – Sociologia de um gênio). É curto, fácil e documentado. Você verá que, apesar de ter uma boca suja mesmo, Mozart não era a galinha no cio que Milos Forman alucinou que fosse.
Há controvérsias a respeito da miserabilidade de Beethoven. Este aqui morreu pobre. Pobre, mas não miserável.
Até!
Charlles, acho que Beethoven só foi superior a Mozart ( e a todos os demais) no terreno da sinfonia. Na música de câmara, concertos para piano, clarinete e sopros em geral, ópera ( covardia nesse ponto) o gênio de Mozart mostra-se inigualável.
Beethoven, Bach, Haendel ( gênios fantásticos), mas Mozart não tem explicação; é de outro planeta, um milagre; e como escreveu o saudoso Luiz Paulo Horta, soube reunir, como nenhum outro, a profundidade alemã, o senso de forma dos franceses e o dom melódico dos italianos.
Vou ler!
Comentários no blog anterior:
Comentário: Lindo, lindo, lindo, Milton! Adoro a poesia que vc imprime aos seus textos! Maravilhoso e já bastaria a história do próprio Mozart e de seu pai, claro! Amei. bjimm querido angel
angel 27 de janeiro de 2006 – Feb 14 2006
Comentário:Oi Milton, Primeira vez que venho aqui. Muito bom o seu post sobre Mozart. Pena que so agora que te visito. Adoro Mozart e escuto a sua obra 24 horas por dia.Nao me canso. Quanto mais escuto, mais quero. Ainda ontem fomos na Embaixada da Austria assistir um filme-documentario alemao sobre o grande mestre. O nome do filme era :””The Measuring of the Calves,or the Wild Life of Wolfgang Mozart” de Phil Grabsky. Gostamos muito e se vc tiver oportunidade ve-lo, nao perca. Um abraço, ME
Maria Elena Fletcher 27 de janeiro de 2006 – Feb 10 2006
Comentário:Meu amigo, você se superou neste post. Talvez por ter sido dedicado ao seu pai, o texto está muito melhor do que os melhores que você já escreveu sobre Bach, sua paixão. Adorei as imagens e o tom de conversa que você impos. Um abraço. Ps: passei o dia inteiro escutando o rádio onde passava os concertos que estavam acontecendo em toda a comunidade européia, ao vivo! Foi bárbaro escutar músicos de Salzburg, da Itália, da Inglaterra… que maravilha de dia!
nora borges 27 de janeiro de 2006 – Jan 31 2006
Comentário:Milton, Eu gostei bastante do texto, bem escrito e interessante para um leigo em música clássica, como eu Um abraço, Marcos
Marcos Matamoros 27 de janeiro de 2006 – Jan 30 2006
Comentário:Fantástico…
Thiago 27 de janeiro de 2006 – Jan 29 2006
Comentário:Querido Milton, você fez muito mais do que “uma pequena incursão amorosa e boêmia na vida e obra de Mozart”. Excelente post. Parabéns! Bjs.
Sheila 27 de janeiro de 2006 – Jan 28 2006
Comentário:Que sonho maluco Milton! Bom, sonhos sempre são! mas… afinal consegui decifrar tua dedicatória em meu livro! com ajuda grande da minha mãe, decifrei palavra por palavra.. hehehehhe Ah! e B&W quero dizer preto e branco… fotos… adoro! um grande ano pra vc!! sucesso! bjos
Pierella 27 de janeiro de 2006 – Jan 27 2006
Comentário:Eu sou mozartiana por inteiro. Amo de paixão. Também li o artigo da Folha e concordo com você: não precisava ser publicado. Um beijo tricolíder, daqui. 😉
Márcia 27 de janeiro de 2006 – Jan 27 2006
Comentário:Milton, que post lindo e esclarecedor! Adorei! Vim aqui porque a Leila (Stuck in Sac) mencionou voce no comentario do meu post sobre o Mozart. Parabens, Milton- adorei seu blog, tambem. Voltarei sempre. Abracos musicais, Andrea
Andrea 27 de janeiro de 2006 – Jan 27 2006
Comentário:O Mário de Andrade, em “A pequena história da música”, elege Mozart como o ponto mais equilibrado de toda a música de concerto, o clássico por excelência. Bach, o resumo do passado, o grande mestre da música polifônica, levada às últimas conseqüências. E depois de Mozart vai se perdendo a pureza das formas com a introdução paulatina dos efeitos, dissonâncias e extravagâncias, até a descontrução total pela atonalidade. A última vez que me maravilhei com Mozart foi no “Biciletas de Belleville”, o filme de animação francês, na cena em que a velha senhora portuguesa persegue um transatlântico com seu pedalinho em meio a uma terrível tempestade, ao som do Kyrie da Missa em Dó Menor K. 427.
pecus 27 de janeiro de 2006 – Jan 27 2006
Comentário:Tb li a matéria desse sujeito. E se vc quer saber, pra humanidade isso não tem a menor importância. Sério. Mozart está aí, há 250 anos. Já o Lebrecht (se tiver oportunidade, e saco, leia o que ele publicou sobre Rodrigo…é pior ainda)durará 3 edições. Quatro? abçs Ilidio
Ilidio Soares 27 de janeiro de 2006 – Jan 27 2006
Comentário:Milton, posts assim justificam tua fama. Mesmo sabendo que era romanceado, teatralizado, exagerado, vendo o filme Amadeus tive meu quase unico momento de lágrimas dentro de um cinema. O réquiem me faz até hoje tremer, mas somente a parte escrita pelo próprio. Se sou Mozartiano? Não sou nada. Existo assim como ele existiu. A diferença é que ele me emociona e eu não a ele. Pecado.
Flavio Prada 27 de janeiro de 2006 – Jan 26 2006
Comentário:Adorei o post tão emocionado e bem escrito. Foi-se o tempo em que eu lia A Folha, ainda bem.
Marilia Mota 27 de janeiro de 2006 – Jan 26 2006
Comentário:Adorei o post tão emocionado e bem escrito. Foi-se o tempo em que eu lia A Folha, ainda bem.
Marilia Mota 27 de janeiro de 2006 – Jan 26 2006
Comentário:Acabei de “degustar” isto aqui, Milton. Falta alguma paixão – provavelmente por vc não ser mozartiano até a medula (não é uma crítica, é uma constatação apenas)- porém gostei muito. Vc deve ter lido o livro de W. Hildesheimer sobre Mozart. Algumas colocações dele são questionáveis, porém deixa claro o artista consciente do próprio valor q Mozart foi.
Claire 27 de janeiro de 2006 – Jan 26 2006
Comentário:Ops, escapou! O anônimo sou eu! Abração
D. Afonso XX o Chato 27 de janeiro de 2006 – Jan 26 2006
Comentário:Quase imaginei que tinhas deixado tua admiração por Bach. Nem para ele fizeste um post assim tão bem feito e admirável. Começo a pensar que andas a mudar de idéia. Ou, então, bateu a saudade do velho e, mais que homenagear Mozart, querias dedicar um sentimento ao teu pai. Em todos os casos, um dos melhores sobre a música, senão o melhor. Abração
[Anonymous] 27 de janeiro de 2006 – Jan 26 2006
Comentário:oi, to voltando, to pondo um por mês, entao ate o final tem mais…rs…vouler esse mozart aqui, me interessa muito….abraço
fao 27 de janeiro de 2006 – Jan 26 2006
Comentário:Adorei o seu post, e também acho ridículo a Folha publicar um artigo malhando o Mozart na comemoração dos 250 anos. Que tentativa pobre de querer ser “diferente”.
Leila 27 de janeiro de 2006 – Jan 26 2006
Comentário:Ah, Milton, até as quatro não dá, mas eu tenho o Requiem, vou ouvi-lo a partir das dez. Obrigada, Milton, obrigada. Eu aprendi mais uma coisa por sua causa.
Menina-Prodígio 27 de janeiro de 2006 – Jan 26 2006
Comentário:Musicas que pais ouvem. Não acho graça em rádio AM, mas me comovo quando acordo pela manhã com aquele chiado horrivel. Parece que minha mãe ainda vai entrar no meu quarto para me mandar levantar e ir para a escola.
roger 27 de janeiro de 2006 – Jan 25 2006
ops
Gostaria de saber a quem dedicou Mozart a Missa da Coroação. Foi a coroação de quem? Imperador José ll ? Arcebispo de Salzeburgo? Quem?
Os meus cumprimentos.
Miguel Magalhães
O “Marcos Nunes” (comentário de 24/06/2009) “tirou daqui”. É isso tb o que penso da música.
Quanto ao Mozart, a meu ver, foi um gênio que perdeu tempo demais fazendo ópera, tendo em vista até sua curta vida de 34 anos.
Que me perdoem, mas ainda não aprendí a gostar de ópera. Gosto de música lírica, adoro Plácido Domingo, mas não gosto de ópera. Acho que é seu formato: uma história sendo “cantada”, ao invés de “contada”. Não sei se é pq, qdo ouço, me vem à cabeça aqueles “gângsters” ouvindo esse gênero musical, enquanto seus comparsas eliminam os inimigos, à base de metralhadora, e que tais.
Mas, voltando a Mozart – só prá ficar na sua música mais “simples” e “popular”, digamos assim – quem faz um “Concerto prá Clarineta”, como ele fez, tem que ter um lugar entre os gênios da música.
Comparando Mozart, Bach e Beethoven, A MEU VER de leigo, o único que não fez concessão aos “críticos musicais” de suas épocas, foi Bach, que compôs com independência. Por isso mesmo, considero sua obra mais diversificada, mais criativa, mais próxima do limite da perfeição. Qdo se faz música, em grande parte prá atender à exigência do gosto das pessoas, o músico fica, de alguma forma, engessado. Isso ocorreu, sim, com Mozart e, um pouco menos, com Beethoven. Não discuto qual dos três era mais genial. Isso não dá prá dizer. Mas pela herança musical de suas obras, dá, sim. Pela quantidade de cançoes de altíssimo nível, Bach é, sim, o maior gênio da música ocidental. Afinal, ele não fez concessão, e pôde, assim, manifestar, no limite, toda a sua genialidade.