Trabalho Comunitário

Talvez um dia comente o absurdo de minha condenação em um acidente de trânsito em que estava com o carro parado em local permitido; talvez escreva sobre como se forja testemunhas com a finalidade única de conseguir algum dinheiro (uma ninharia) com uma ação, mas hoje vou escrever um pouco a respeito das duas turmas que estão sob minha responsabilidade. Explicação: cumpro minha pena ensinando matemática numa instituição religiosa — o Centro de Educação Profissional São João Calábria — na periferia de Porto Alegre. Faço questão de dizer a vocês que eu ensino mesmo; sei que sou um professor melhor do que aqueles que meus alunos têm em suas escolas. Não há grandes méritos, nem especial bondade e não sou candidato à Madre Teresa de Calcutá; afinal, escolhi fazer o que gostava e extraio prazer desta atividade. É para ser um descanso de atividades mais chatas. Então, se reclamasse, estaria na mesma falsa posição do político que escolheu ser político, mas diz sacrificar sua vida pessoal por seu estado ou eleitores… Sem que estes tenham lhe pedido nada. Não, não me sacrifico em hipótese alguma, apenas gasto sete horas semanais num trabalho pelo qual não recebo nada — contrariamente à atividade política. Este, o fato de não ser remunerado, seria minha única reclamação.

O que me impressiona é a notável diferença entre as duas turmas com as quais trabalho. A de terça-feira pela manhã é muito fraca e minha missão seria a de lhes ensinar a Regra de Três, pois fazem um curso profissionalizante em que é absolutamente indispensável ter noções de proporções, porcentagens, etc. Pensei que fosse fácil; um grande engano. Estes alunos cuja idade gira em torno de 15 e 17 anos, têm poucas noções de como se fazem multiplicações ou divisões. Ficou logo claro que eu teria que recuar e voltar aos conceitos fundamentais. Conversei com os orientadores e eles me explicaram que eu estava realizando um trabalho social e, portanto, tinha carta branca para descumprir o programa a fim de partir para aulas de conceitos fundamentais.

(Isso é tanto mais surpreendente quando comparo esta turma com aquela das sextas-feiras à tarde, que parece ser formada por doutores, apesar de serem da mesma classe social.)

Voltando a meus alunos de terça, faço uma pergunta: como é que eles puderam chegar à sétima ou à oitava série do primeiro grau – e alguns já estão no segundo grau – sem saber dividir 65.536 por 1000? Pois bem, exatamente este cálculo, que escrevi no quadro há quinze horas atrás, gerou um enorme debate em aula.

— Para onde vai a vírgula? Para a esquerda ou para a direita? – disse o mais culturalizado.
— Porra, que vírgula? Hahahahaha.
— Professor, isso é muito trabalhoso, vou ficar horas fazendo.
— Bota três zeros lá atrás e pronto!
— Mas tu tá dividindo, meu! O resultado não vai ser maior.
— Não, bota um zero só! Lá atrás.

Foram trinta minutos de exercícios só de multiplicação e divisão por múltiplos de 10. Uma incrível dificuldade.

Nos intervalos, a pedido deles, dou aula de matemática sobre os temas do colégio de cada um: um pede auxílio nas equações de primeiro grau, nas de segundo grau, na divisão de polinômios, no diabo… mas como é que vão entender esses tópicos se não dominam conceitos muito mais básicos? Olha, é complicado e, se extraio algum prazer em ajudá-los, sinto um enorme cansaço quando saio de lá – lembram que eu escolhi um trabalho para descansar? É um trabalho de Sífifo e, se depois estou buscando minha pedra um pouco mais acima com alguns de meus alunos, com outros a coisa parece piorar.

Conversando com outros professores, eles me informaram que aqueles jovens vêm de famílias paupérrimas, que muitas vezes dormem (ou não) em peças com um monte de gente, que brigam entre si, que alguns fazem o curso apenas pelo lanche e que têm um comportamento totalmente imprevisível, dependente muitas vezes dos acontecimentos noturnos. É óbvio, se o pai chegou bêbado ou drogado na noite anterior, se o irmão resolveu bater em todo mundo ou se vendeu a TV para o traficante, isto influencia o comportamento na aula da manhã seguinte. E muitas vezes o drogado é o próprio aluno.

A forma de controlá-los foi aprendida à base de muito sofrimento. Porém, um belo dia, vi um aluno beslicando o outro e perguntei sobre a conotação sexual daquilo:

— Conta pra nós. Ele te atrai tanto a ponto de tu sentires vontade de dar uns beliscõeszinhos? É tão gostoso assim?

Toda a aula riu e o cara ficou quieto, constrangido frente aos colegas. Noutro dia um maluco começou simplesmente a gritar na aula.

— Este é teu canto de acasalamento? Bonito…

Mais risadas e menos um aluno disposto a fazer loucuras na minha aula. Apliquei a tática várias vezes e eles passaram a me respeitar como alguém perigoso, que “tira com a cara do aluno”. Como não sei gritar, nem reclamar, nem expulsar de aula, o meu jeito de controlá-los é analisando-os de forma caricatural. Eles me veem com alguma simpatia e temor, quase pedindo para que eu não resolva atacar. É o meu jeitinho meigo… (Só preciso parar de inventar apelidos, sou criativo nisso e sei que uns se ofendem, pois seus colegas acabam adotando a coisa).

Como falava ontem ao Flavio Prada no MSN, nasci com uma incontrolável determinação germânica de tentar fazer tudo bem feito. Considero-me um baita preguiçoso e sou o mais inábil dos seres vivos, mas se é para me mexer, penso que devo -– com meu talento nenhum –- tentar fazer como meu único ídolo incondicional, Johann Sebastian Bach, fazia: apesar de viver numa época em que não havia noção de obra e em que poucos artistas criavam arte para expressar-se, ele tratava de fazer bem feito só por quê, talvez, se sentisse melhor assim, mesmo sabendo que amanhã os Concertos de Brandenburgo poderiam estar servindo de papel para enrolar carne –- o que realmente aconteceu. Então, eu, com minha inexistente aptidão, tento dar um jeito de melhorar a vida dos guris de terça.

Já os de sexta-feira são inteiramente diferentes. Devem ser tão pobres quanto os de terça, só que funcionam melhor. Um foi às finais das Olimpíadas de Matemática (não sei o que é isso e tenho preguiça de procurar saber) e quase todos os outros dizem ser os primeiros de suas turmas no colégio. Claro, pensei que pegaria um grupo de vileiros arrogantes, porém nada disso acontece. Dar aula para eles é muito estimulante e saio de lá com a certeza de que empurrei a pedra alguns metros acima. E, na sexta-feira seguinte, eles trazem o tema feito e não esquecem de nada! Ou seja, é uma hora e meia de diversão com a participação de todos.

Por que tanta diferença? São duas turmas homogêneas totalmente distintas. Não sei ainda a resposta. Na última sexta, aconteceu de estar tão alegre com os resultados dos da sexta que comecei a contar algumas piadas mais ou menos dentro de nosso assunto. Não deu muito certo; quando ninguém riu da primeira que me ocorreu, dei-me conta de que a dificuldade estava em entender algumas expressões que eu utilizara, como “Não obstante” e a terrível palavra “anacrônico”. Ele pediram que eu recontasse a piada com outras palavras, porém, com eles já conhecendo o final, acabaria fazendo papel de idiota. Então, mudei a anedota (anedota?, será que esta eles conhecema palavra?). Deu certo. O único problema é que agora eles já me pediram mais piadas para a próxima sexta. Me acham engraçado. Preparei alguma coisa sobre geometria e as malditas polegadas que eles precisam saber para seu curso de usinagem. Onde achar piadas sobre isso? Vou ter que dar um jeito de inventar.

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Da vida besta

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar… as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.

CIDADEZINHA QUALQUER – Carlos Drummond de Andrade

Acho que enganei vocês. O post de ontem à tarde tinha fotos mais antigas, de outro fim de semana passado em Itapema/SC. Como vocês perguntaram sobre o hotel fazenda onde eu estava e que presumivelmente teria uma praia próxima, vou explicar como não é nada disso.

Nós — eu, minha mulher, minha filha Bárbara, meu sobrinho e meus sogros — estávamos no Hotel Fazenda Olho d`Água em Camaquã, longe do mar. O lugar é lindo, a comida é esplêndida, mas se os avós estavam lá para descansar e eu para ler e ouvir música tranquilamente, os outros queriam andar a cavalo pelos campos por horas e horas. Só que o sistema da fazenda exigia que o monitor acompanhasse os cavaleiros, que os cavalos fizessem as mesmas trilhas e tudo se tornou muito chato. Quem conhece um pouco de cavalos sabem que eles decoram os caminhos e então nem precisam ser dirigidos. É chato mesmo. A gente sobe no animal, ele identifica a programação do turno e cumpre apressadamente o circuito, louco que está para voltar à sua vida besta. No ano passado, fomos a um outro local em que as cavalgadas eram livres… Tinham prometido que o mesmo ocorreria na Olho d`Água, mas…

Mas meu sogro resolveu cair da cama de cara no chão. Chegou para tomar o café da manhã cheio de esparadrapos. Parecia um palestino vítima de estilhaços de uma bomba. Não obstante, sorria, sabedor do cessar-fogo. Estava confiante de que se equibraria sobre a cama nas noites seguintes. Parece que foi bem sucedido, mas…

Mas a comida me fez engordar. Estava fazendo um enorme esforço para diminuir minha capa de gordura. Em três semanas, tinha baixado de 80,5 Kg para 76,3. Uma odisséia esse negócio de tornar-se uma picanha menos apetitosa. Pois quatro dias de vida besta e extraordinária gastronomia foram deletérios, muito. Dona Valdirene, a cozinheira da fazenda, calibrou meus pneus em 78,8 Kg. Dois quilos e meio ganhos em honra dela.

Voltei para trabalhar, mas eles acabarão voltando antes. Hipoequinemia severa, sacam? são uns doidos.

Confiram abaixo a beleza da fazenda:


Na falta de cavalos, joga-se o ódio nas pobres bicicletas…


Não é uma grande obra, mas é surpreendente que esteja onde está.


O lado direito do hotel.


O outro lado. Incrível, não tirei fotos frontais…


Bárbara observa as possibilidades da piscina…


… que é muito boa, apesar da hipoequinemia que se alastra por seu corpo.


A buganvília.


E eu, brincando de Magritte ou Hopper. E fim.

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O Fingimento, a Secreção, o Espasmo e o Orgasmo

Neste momento, finjo escrever um post. Sob a janela do Windows em que lhes escrevo, há uma tese de uma amiga — de PHD, rapaz, te mete! — que faço de conta corrigir. Ela escreve muito bem, não há correções a fazer, trata-se de um pretexto intelectual para longos telefonemas nos quais nada é alterado; em outra janela há um extrato bancário meio apavorante; noutra há um trabalho que devo finalizar a fim de tornar melhor a janela citada anteriormente e há também o Outlook Express com várias mensagens a responder. Vida fácil. Ao fundo, o iTunes joga para meus ouvidos o Réquiem de Verdi.

Fora do micro, outras janelas me acenam. Meu filho Bernardo vai viajar para a Itália e talvez precise de algo, aliás, estou com um dinheiro para ele e a própria passagem… Bárbara, minha parece estar com deficit qualitativo de atenção de minha parte, coisa de que muito tratei no fim de semana. E lembrei que estou sem talões de cheques, pois enfiei-os em algum lugar da casa e tenho que dar uns pré-datados para umas compras aí.

Então, estou aqui fingindo que escrevo seriamente para meus 7 leitores. Esta é uma forma de “mau” amor. Nesta forma recém-inventada – não tem um minuto de vida! -, queremos manter o amor como se ele pudesse ser uma secreção que pinga feito um bálsamo. Dou uma pingadinha aqui, outra ali. A sobrecarga de trabalho nos torna quase indiferentes, mas desejamos receber e dar o bálsamo. Só que minha paranoia (ou razão) me diz que, se não produzirmos vez por outra grandes espasmos de paixão, o conta-gotas começará a pingar com menos freqüência. Um belo dia, ficaremos sem. Não adianta, meus amigos, é preciso forçar bons espasmos em qualquer gênero de relação, seja auxiliando uma amiga, seja na atenção aos filhos ou na de nossas amadas. (Enquanto escrevia a imagem acima, pensei naquela parte do corpo masculino que sometimes pinga… Sei que posso ser lido por psicanalistas e eles dirão imediatamente que o Milton pensa que seu pênis é um conta-gotas do qual pinga a panaceia. Mais: dirão que espasmo rima com orgasmo. Quase apaguei todo este parágrafo, mas não tenho tempo para fazer isto hoje. Desculpem-me, tudo será aproveitado!)

Depois do “clímax” do parágrafo anterior será difícil manter o, digamos, nível. A Claudia, à traição, às minhas costas, diz que todo o homem fica meio abobado depois do clímax; deve ser por isto que não consigo escrever mais.

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Feriado

Hoje é feriado municipal em Porto Alegre. Dia lento, cidade vazia, muita gente na praia. Acordei desejando que fosse necessário ir à padaria buscar leite e pão, mas estávamos abastecidos. Gosto de ir à padaria da esquina; moro na desconhecida rua Gaurama há um ano e pouco e sou um personagem coadjuvante de nossa vicinal de jeito interiorano. Porém, na padaria, sou uma estrela. Os donos são uns italianos bem humorados que trabalham feito uns condenados — só fecharam no dia 1º de janeiro, abriram até no Natal. Eu sou o cliente engraçado que comenta a vida amorosa das atendentes, que inventa encontros para elas, sou o colorado que deve ser perseguido nas derrotas, o chato que comenta a qualidade dos pães e faz o padeiro vir lá de dentro discutir, o dono do cachorro que deixa o bicho deitado na porta sem amarrá-lo, o cara que mora na casa cuja janela da cozinha mais parece uma exposição de panelas e é decorada com uma galinha pendurada pelos pés, onde botamos os sacos de supermercado. Sou famoso na Zanini.

Ir à padaria de manhã enquanto os de casa ainda estão com suas caras enfiadas nos travesseiros pode parecer um carinho que lhes faço… (Lembro de Tom Jobim dizer às gargalhadas que ia todas as manhãs à padaria de seu bairro com a finalidade de não estressar a criadagem. Conta-se que ele nunca comprava nada. Ia só conversar.) … mas talvez é mais a necessidade de conversar e rir um pouco das bobagens que saem de nossas conversas. Estou com vontade de contar que fui ver Inter x Sapucaiense. Já sei que as mulheres vão dizer que posso ter cara de inteligente — são as únicas pessoas no mundo que dizem isso –, mas que sou um débil mental como todos os homens. O gremista da caixa vai me chamar de fanático, vamos discutir o fim-de-semana da balconista gorda que está há um ano prometendo separar-se do marido e alguns vão fazer um carinho na minha pastor alemão, a Juno, que ficará observando a conversa, esperando que eu me decida a voltar para casa. Sempre compro alguma coisa e minha mulher fica irritada com a quantidade de pão, frios e leite que trago. Nosso freezer está sempre lotado e ela diz que falta espaço para o que interessa.

O vizinho começou a cortar sua grama e a cachorra deve estar estranhando que ninguém desceu ainda. Minha filha e seus amigos vão acordar ao meio-dia e estou cheio de e-mails para responder, então acho melhor trocar o pijama por uma roupa civil e ir logo à padaria.

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Umbigo revisited

Publicado em 5 de julho de 2003

É um sábado de manhã nublado, horroroso. É o dia e o tempo ideal para se fazer quase nada até o meio-dia. Penso não ser, neste momento, necessário a ninguém. Posso ficar aqui, olhando pela janeja, enquanto faço um download besta. À tarde, irei a dois aniversários de pessoas queridas, uma que não vejo há uns 6 anos. Vou tentar escrever como se me espreguiçasse.

Gosto…

1. De livros, livros, livros…
2. De cinema.
3. De música erudita.
4. De rock clássico.
5. De amigos. De conviver. De saber dos outros.
6. Das pessoas que contam histórias, tenho necessidade disto.
7. Do amor dos e pelos filhos.
8. Da Pousada, Fazenda e Vinhedos Don Giovanni, em Bento Gonçalves (Pinto Bandeira).
9. De praia de alta qualidade. Água limpinha e mar piscininha, entende?
10. De escrever às vezes sem objetivo e muito… Como agora.
11. De dormir.
12. De ficar rolando na cama por meia hora de manhã.
13. Do inverno desde que não muito chuvoso.
14. De correr na rua.
15. Apesar de ser o Homem Multi-Função Tabajara, também gosto de olhar para o teto, divagando. Como agora. Só que é difícil digitar e olhar para o teto.
16. Da luz do outono (final de abril e maio), apesar do daltonismo.
17. De algumas obras cujo contato parece fazer a vida valer a pena: a segunda gravação do Glenn Gould das Variações Goldberg, a gravação da Missa em si menor de Bach do Gustav Leonhardt, a gravação do Pollini das últimas sonatas de Beethoven, alguns pratos (estou formando um catálogo deles na cabeça), a música de Bach, Brahms, Beethoven, Shostakovitch e Charlie Mingus, a música dos Beatles e do Led Zeppelin, o cinema de Ingmar Bergman e o filme Afogando em Números, a literatura de Dostoiévski, Thomas Mann, Thomas Bernhardt e Machado de Assis.
18. De churrasco.
19. De dirigir em estrada. Em alta velocidade.
20. De pessoas que me surpreendem. De surpreender pessoas.
21. De repetir as viagens.
22. De abraços apertados.
23. De repetir beijos indefinidamente.
24. De lareira acesa. E de mexer nela! E de dizer para as crianças que é muito perigoso…
25. De apertos de mão firmes.
26. De vinhos tintos encorpados.
27. De ensinar coisas aos outros, principalmente crianças.
28. De fazer planos.
29. De poder ajudar os amigos.
30. De ouvir a Rádio da Universidade, 1080 AM (UFRGS).
31. De parar na frente de 500 CDs sem saber o que ouvir.
32. De parar na frente de 1000 livros sem saber o que ler.
33. Do Sport Clube Internacional.
34. Do cheiro das cabeças dos bebês.
35. De ficar brincando horas com crianças.
36. De provocá-las.
37. De mulher (putz, como só agora lembrei-me disto?).
38. Da Claudia e da Juliette.
39. De Internet.
40. De dormir com a TV ligada, mas sem som e sem dar-lhe atenção.
41. De novidades e de mais 200 coisas.

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Ao acordar, uma descoberta revolucionária…

Bah, fim de semana altamente alcoólico. Sábado à noite, uma festa na casa do Dario, aniversário de sua Cláudia. Foram consumidas duas caixas completas de espumante Freixenet Cordon Negro Brut por não sei quantas pessoas. Poucas, acho. Excelente festa, como sempre acontece por lá.

Domingo pela manhã, a Bárbara acordou às 8 horas para que eu a levasse na equitação. Não dormi até o almoço, que era uma festa da comunidade italiana lá no restaurante da PUC. Comida de primeira, claro. E comida de primeira, sabem como é, exige vinho. Voltei para casa às 15h30. Dormi como um justo. Às 18h, comecei a acordar. Devia estar sonhando com matemática, pois fiz uma descoberta que certamente não é brilhante nem uma novidade, mas, enfim, foi no que pensei.

A diferença da seqüência de números naturais elevados ao quadrado forma uma Progressão Aritmética.

Vejamos:

1 x 1 = 1
2 x 2 = 4
3 x 3 = 9
4 x 4 = 16

A diferença entre 1 e 4 é 3; entre 4 e 9 é 5; entre 9 e 16 é 7. A coisa se preserva com números maiores? Sim. Observem:

20 x 20 = 400
21 x 21 = 441
22 x 22 = 484
23 x 23 = 529
24 x 24 = 576
25 x 25 = 625

Então, 441 – 400 = 41, 484 – 441= 43, 529 – 484 = 45, 576 – 529 = 47, 625 – 576 = 49.

Até aqui eu consegui fazer sem sair da cama.

E segue:

100 x 100 = 10000
101 x 101 = 10201
102 x 102 = 10404

É óbvio? Para mim não era. Consultei aqui em casa e nunca ninguém tinha se dado conta disso. O álcool nos faz pensar bobagens inúteis… Mas o espumante de ontem era muito esperto, Dario!

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Ingmar Bergman, J. S. Bach e minha separação

Sempre tive desmedida admiração por J. S. Bach e Ingmar Bergman. O que não sabia, até uns anos atrás, era da admiração que Bergman nutria pelo alemão. Nos livros do diretor sueco há muitas referências a Bach e não são observações triviais ou superficialmente admirativas, são observações de conhecedor, de alguém que conhece inclusive o simbolismo que perpassa algumas obras.

Ele diz ter utilizado a música de Bach nas cenas mais importantes de seus filmes ou, pelo menos, naquelas em que achava que a atenção do espectador podia ser dividida com a música. A escolha era quase sempre entre Bach ou o silêncio. No livro “Lanterna Mágica”, ele transcreve uma longa conversa que teve com o ator Erland Josephson. Nela, revela que, nos momentos de maior desespero, costumava contar para si mesmo uma história vivida por Bach.

Johann Sebastian havia feito uma longa viagem de trabalho e ficara dois meses fora. Ao retornar, soube que sua mulher Maria Barbara e dois de seus filhos haviam falecido. Dias depois, profundamente triste, Bach limitou-se a escrever no alto de uma partitura a frase que servia para consolar Bergman: Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim.

Bergman escreve em A Lanterna Mágica:

Eu também tenho vivido toda a minha vida com isto a que Bach chama “a sua alegria”. Ela tem-me ajudado em muitas crises e depressões, tem-me sido tão fiel quanto meu coração. Às vezes é até excessiva, difícil de dominar, mas nunca se mostrou inimiga ou foi destrutiva. Bach chamou de alegria ao seu estado de alma, uma alegria-dádiva de Deus. Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim, repito no meu íntimo.

Eu, o limitado Milton Ribeiro, um dos tantos admiradores de Bergman e de Bach, também fiquei repetindo esta frase por muito tempo. Era um mantra que me emocionava, me acalmava e me fazia pensar que a minha alegria ainda estava ali comigo, tinha de estar. É um grito infantil que reconheço e que não me abandonou.

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A avó, eu, ele e o primeiro círculo de amores

Fotos do meu filho Bernardo.

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Dia de trabalho insano

Há trabalho demais, muito mais do que sou capaz de produzir e olha que sou rápido. Muitos e-mails, troco uns quinze só com ele. Vai de Recife para Curitiba ler um enorme poema narrativo num evento da Rascunho. Penso no que seria “enorme” e na bosta da poesia atual, que não narra nada, se conforma com fotografias, impressões, estados d`alma, pobreza. Seu poema narra, que beleza, fico feliz. A leitura durará menos de 45 minutos. Peço para que ele me envie enquanto penso nos Árabes de uma amiga que adoro, a ela e a seus Árabes, que narravam. O e-mail chega. Começo a ler e fico vidrado… Ou melhor, fico vidrado a partir da página 4, a partir daqui:

Chorai pelos mundos
mudos e pelos separados
sepulcros hoje esquecidos
nos dias de finados
que, em verdade, lamentam
pelos vivos:
por nunca lhes ser possível
aperfeiçoar o passado
enquanto vivem o agora
como se o presente
fosse a realidade única.

Vi uma foto de Anna Akhmátova,
num livro de segunda mão
em oferta barata na livraria
de terceira fechando as portas
em liquidação de quarta despedida
dos leitores de páginas impressas
à tinta das antigas tipografias
condenadas aos museus,
setor dos tipos móveis de Gutemberg
que não mais importa.

Setembro se derramava lá fora,
estação de sol sobre a fonte
de águas espargidas em torno da lua
de Vênus nativa molhando a ponta
dos dedos dos pequenos pés de mármore.
Pensei naqueles de Clarice criança,
subindo e descendo escadas
da casa entre movelarias e sebos,
vinda da Ucrânia para o coração
deste bairro de esquecidos
livros em hebraico e iídiche.

Lindo. Lindo e triste. Leio mais sete páginas e olho os controles do Word. 54 páginas. Impossível ler agora. Ficamos de papo ping-pong no e-mail. Ligo o MSN a fim de procurar alguns colegas de trabalho. Encontro um outro. Digo-lhe que vá depor. Ele confirma, tranqüilo. Sabe de minha história; explicações para quê? No final do dia, o drama. Sim, no MSN. Ele é gaúcho, mas mora em São Paulo. É gremista dos mais xaropes, designer e publicitário. Duas filhas e mais ela. É ela quem me escreve no MSN, quer vir para o sul com ele e as meninas. É jornalista e produtora. Estão cheios de São Paulo. E eu de trabalho. Sugiro um caminho para vir para o sul, mas ela acha que o cara que pode auxiliar não gosta dela. Falo com um amigo deste, ele gosta sim, só conhece pouco. E o gremista? Ora, o amigo daquele que pode auxiliar pode auxiliá-lo, talvez. Vamos tentar fazer algumas pontes. São Paulo é o inferno? E aqui? Bom, ao menos é um manicômio menor, sem trânsito, sei lá.

23h35. Estou cansado. E tudo atrasado. Fiz muito, mas não o suficiente. Droga. Vou tomar banho para seguir amanhã. Lembro que esqueci de imprimir o poema que queria ler na cama. Merda de Milton burro, burro, burro.

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Medo de Dentista

Hoje, às 18h, eu vou à dentista. Eu tenho horror a dentistas.

Não tenho medo de cirurgias, de altura, de avião, do Grêmio, de ratos, de insônia, da velhice. Tenho medo é de dentistas.

Às 18h. São 13h30 e só penso no que me fará a Dra. Simone daqui 4 horas e 30 minutos. Uma enorme obturação — quase 100% do dente — quebrou e hoje ela será refeita. Fui lá na semana passada e ela me disse hum, vai dar canal. Então me botou aquela coisa gélida no dente e quase me atirei pela janela. Sorte que pude pensar antes, o consultório é no 22º andar. Surpresa com a dor que eu tinha sentido, ela respondeu então não vai dar canal. Canal? Ficou louca? Nunca fiz tratamento de canal e só ouvir uma expressão dessas já me provoca pânico e desarranjo.

Meus pais eram ambos dentistas e sempre preferi fazer os tratamentos com meu pai (cirurgião-dentista), já falecido. Ele parecia me compreender melhor. O trauma começou lá na minha infância, quando minha mãe – que era…, bem, odontopediatra -, começou a eliminar minhas cáries. Hoje sabemos que uma mãe NÃO DEVE ser a dentista de seu filho, mas, nos anos 60, essa noção não era tão clara. A criança que eu era nunca entendeu porque a pessoa que mais amava neste mundo insistia com aquelas torturas. Era ela quem ligava aquela coisa giratória e de som insuportável em mim. Mas o pior era a emissão secundária de um ventinho frio, úmido e dolorido que me penetrava boca adentro e que me fazia automaticamente gritar, chorar e mexer as pernas. Hoje não faço mais fiascos, mas internamente choro e não entendo porque não me amam.

Morei muitos anos com meus pais em uma grande casa de dois andares. A família morava no andar de cima e o térreo servia para as atividades de nosso DOI-CODI. Com uma mãe odontopediatra, podia ouvir durante o dia os gritos, o choro e a indignação das criancinhas seviciadas. Não sei como ia tanta gente lá, eles estavam sempre com o consultório lotado! Ficava surpreso com a cordialidade com que os adultos mutilados se despediam de meu pai, quando acharia mais natural que praguejassem violentamente e buscassem reparação ou vingança. Mais surpreendente ainda era a reação cordial das mães das crianças às ações de minha mãe.

Hoje estarei na cadeira com a suave Dra. Simone. Ela é bonita e, apesar de perigosíssima, não parece. É um tipo mignon; tal como minha mãe, é magra e mede 1,55m, no máximo. Gostaria de suplicar-lhe cuidados maiores que o normal. Quando lhe falei sobre meus medos, ela riu muito e fiquei imaginado que crueldades poderiam estar escondidas sob cada ha que ouvia. Ha, ha, ha. Qual é a graça? Acordei pensando nela, louco para desmarcar a hora, ainda mais quando abri o jornal e ele dizia, inequivocamente: 13 de agosto. Disse isso para minha mulher que, após a tradicional inspeção feminina sobre quem seria a tal Dra. Simone e porque eu justamente a escolhera, ironizou falando alguma coisa sobre homens medrosos que ficam 10 anos sem ir ao dentista e que, com 50 anos, só vão uma vez fazer o tal exame de próstata, enquanto as mulheres, etc., chega! Despediu-se perguntando se eu não desejava que ela fosse junto para segurar minha mão…

Decididamente, as pessoas não são sérias.

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O estado de espírito do dono do blog

Claro, este blog é a mistura de tudo o que passa por minha cabeça e de algumas coisas que ela recebe, mas quando passo por um período tenso a tendência é a de ele se torne mais e mais confessional. Só que desta vez a coisa tem doído um pouco mais e até deitar pensar os problemas no blog tem sido mais complicado que consolador. Estou com lógicos e péssimos pressentimentos sobre o futuro de minha mãe. Doente há muito tempo e cada vez mais vivendo em seu mundo, piorou muito nos últimos dias, mesmo tendo saído da UTI para uma zona chamada “Intermediária”.

Tenho a impressão de não estar nem irritado, nem deprimido, nem tenso, mas isto é falso, pois sei que poderia explodir à menor contrariedade. Fico meio abobalhado, olhando sem interesse as milhares de fotos que tenho no micro. Não há surpresa na situação; afinal, era o esperado para quem tem uma doença prima-irmã do Alzheimer (*), só que a constatação de que as doenças degenerativas são exatamente aquilo que as pessoas mais realistas me descreveram e que chegam a pontos solidamente injustos e desnecessários… Olha, é foda. Para que tanto sofrimento? Porém, ao passar por esta foto aqui…

Sean Connery Zardoz

… é impossível não rir e desviar o pensamento, desejando saber o que Sean Connery diria dela hoje. Amanhã, mais hospital. Dr. Cláudio Costa ligou amiga e gentilmente de Belo Horizonte e eu lhe disse com a maior calma do mundo que, se realmente tivermos que somar à inconsciência da doença outras impossibilidades, melhor seria a eutanásia. Dia cansativo. Agradeço a meu psiquiatra preferido por ter me ligado. Foi um bom momento que só vi repetido agora, ao chegar em casa.

(*) Algum tipo de demência resultante de uma queda ocorrida há quase dois anos. Não há sentido em fazer uma biópsia a fim de descobrir o nome correto da doença, pois o pequeno leque de possibilidades que não mudaria o tratamento.

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O ex-futuro hooligan ouve "Bola de meia, bola de gude"

Primeiro, uma conversa entre amigos; depois, a audição de Bola de Meia, Bola de Gude no rádio do carro e — pronto! –, voltei aos anos 60-70 e à infância passada na avenida João Pessoa, em Porto Alegre. Sempre acreditei ter vivido uma infância normal, porém, quando a comparo com a de outros, acho que a minha mais parece a história da formação de um delinquente. Eu morava numa grande avenida que cruza com outra, a Ipiranga. A Ipiranga tem um arroio no meio (o Arroio Dilúvio), hoje bastante poluído. Desde aquela época, havia inúmeras pontes que o cruzavam e “nossa ponte” era fundamental para nossas jovens vidas. Éramos um pequeno grupo de meninos de nomes duplos. Se bem me lembro, os mais criativos nas brincadeiras éramos o João Batista, o João Rogério e eu, que atendia por Milton Luiz.

“Nossa ponte” era e é a mais interessante de todas pois, curiosamente, tem palmeiras altíssimas sobre ela. Tínhamos o costume ir lá com a finalidade de jogar gatos vivos no leito do Dilúvio. Para nós, era uma coisa sublime ver os pobres bichos voarem lindamente e caírem no riacho. Os gatos se desesperavam, nos arranhavam, grudavam em nossas roupas e mordiam, mas não tinham a menor chance. Por bem ou por mal, nós queríamos vê-los voando, caindo e nadando apavorados de volta à margem. Sei tudo a respeito das possíveis defesas destes felinos. Aqueles que não eram de primeira viagem (ou primeiro vôo), transtornavam-se rapidamente depois de capturados e ficavam violentíssimos. Havia um branquinho que me dedicava ódio especial.

Mas isto é apenas uma descrição leve de minha delinquência. Minha principal habilidade era a construção de “bombas-relógio”. Tratava-se simplesmente de um rojão com um cigarro aceso enfiado no pavio. Era muito fácil de montar, mas sempre me chamavam para dar uma auditada na coisa. Eu era “O Especialista”. Dentro do meu colégio, fiz explodir vários vasos sanitários. Hoje, quando penso no perigo que aquilo representaria se alguém estivesse utilizando a privada no momento da explosão, começo a suar frio. Não sei como podia ser tão irresponsável, inconsequente, etc. Nunca descobriram o(s) autor(es) de tais barbaridades, porém acho que, se alguém se machucasse, eu me denunciaria e seria imediatamente expulso do colégio. Esquivo-me deste assunto quando estou com meus filhos, pois a infância deles é totalmente diferente, mas nem sempre é possível.

Então, em meio a uma conversa sobre crianças, a Bárbara e Bernardo começaram a suplicar para que eu lhes contasse algumas de minhas aventuras infantis. Como tenho alguma dificuldade para mentir, contei-lhes aquilo de que me esquivava. Ficaram pasmos, não é todo mundo que tem como pai um ex-hooligan.

(O que acho curioso é que dentro deste hooligan havia uma criança sensível, que amava sua irmã, chorava por qualquer coisa e deixava-se emocionar pelos filmes de bichinhos do Walt Disney…)

O que mudou durante o período que separa nossas infâncias? Creio que o principal foi a exacerbação do sentimento de insegurança da classe média, que nos empurrou para dentro de casa. Nossa geração vivia na rua, a deles não; nossos amigos eram encontrados por aí, já eles se visitam após convites, telefonemas e negociações; ficávamos afastados de pais e empregadas, enquanto que hoje estes superegos convivem com eles; nossa agressividade manifestava-se como descrevi acima, a deles é destilada em jogos de computador proibidos, onde recebem pontuação especial para matarem velhinhas indefesas. Será que a mudança foi realmente causada pela insegurança ou estou sendo superficial? Sei que este é um problema limitado àqueles que não são suficientemente ricos para se refugiarem num condomínio fechado, nem suficientemente pobres para não terem outras preocupações além da subsistência.

Ah! A canção “Bola de Meia, Bola de Gude” é um dos mais felizes casamentos entre tema, música e letra que conheço. Trata-se da mais alegre das melodias: é bonita, vivaz e ousada. A letra é a mais adequada: ingênua, fácil e descompromissada. E o tema é o do adulto que fala do menino dentro de si. Quando todos os elementos convergem na mesma direção, expressando a mesma ideia, não podemos pedir mais.

Bola de Meia, Bola de Gude

Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem prá me dar a mão
Há um passado
No meu presente
Um sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão
E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito, caráter,
Bondade, alegria e amor
Pois não posso, não devo, não quero
Viver como toda essa gente insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal
Bola de meia Bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança
O menino me dá a mão
Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto fraqueja
Ele vem prá me dar a mão

(Milton Nascimento/Fernando Brant)

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Os Comentários: Afeto e Ódio na Blogosfera

Publicado em 28 de julho de 2003

Meu blog completou dois meses de vida. Descobri os blogs no dia em que criei o meu. Fiquei encantado. A partir deste dia, sempre repeti para mim mesmo que não deveria desenvolver nenhuma ansiedade para angariar mais leitores e que me limitaria aos assuntos que me interessavam. Mudar os temas ou torná-los mais fáceis só me afastaria “da minha turma”. Esperava que os possíveis leitores fossem chegando naturalmente e que, se não chegassem, pelo menos o blog se tornaria um sucedâneo de todos os arquivos “.doc” que escrevia e que deixava no computador, com a vantagem de ter um provedor para fazer os back-ups por mim. Neste sentido, neguei-me a colocar o ansiogênico contador de visitas. Mas esta fingida serenidade só foi possível até reconhecer minha turma. Quando li outros blogueiros afins, passei a buscar maior proximidade deles. Queria ser amigo daquelas pessoas. O valor do que hoje obtenho em sugestões, idéias ou em afeto é algo que não posso mensurar. Já estou ficando mal acostumado com tanta atenção de parte de pessoas queridas, especiais, inteligentes e que não conheceria sem o blog, pois dois moram no Rio, outros dois em São Paulo, outro em Goiás, etc.

Depois de alguns dias, disponibilizei aos leitores não apenas meu e-mail como também a possibilidade de fazerem comentários. Tal como a Andréa Augusto – do visitável e altamente desfrutável blog Literatus – gosto que me corrijam e adoro as cordiais discordâncias que nascem de bons temas.

Por exemplo, fiz uma pequena viagem de fim de semana e, quando voltei, fui olhar se havia comentários no blog ou no e-mail. Havia boas surpresas no post “Um Kafka Amigo”. Seis pessoas conhecidas e desconhecidas, blogueiros e não blogueiros, chegaram e escreveram mensagens simpáticas, agradáveis e demonstrativas de que o post fora lido com atenção. Outras quatro preferiram me contatar pelo e-mail com mensagens de mesmo teor. Isto deixa qualquer um feliz.

Porém hoje, ao meio-dia, vi uma parte do reverso. Entrei casualmente em alguns blogs que receberam comentários muito agressivos, injustos ou difamatórios. Invariavelmente, estes comentários eram anônimos e quase sempre o autor do blog partia para o bate-boca em termos semelhantes aos utilizados pelo agressor. É um erro, não se combate a barbárie com mais barbárie, não se deve chegar a um nível rasante só porque fomos agredidos de forma baixa. Por sorte, ainda não fui vítima deles. Recebi somente um comentário transtornado pelo ódio, mas era tão disparatado que acabei por rir apenas. Para completar este cenário parcial, recebi à tarde a notícia de que o excelente blog Perto do Coração Selvagem havia retornado à ativa, mas sem o espaço para comentários. Explico: no dia 17 de junho o Perto havia anunciado seu fim. Motivo: ataques pessoais.

Creio que uma ofensa costuma dizer mais sobre o ofensor do que sobre o ofendido e acho que, jogando ao lado e para nossa torcida, dentro do nosso estádio, a Máfia do Bem (expressão do Zadig) acaba vencendo. Os sapos que tivermos que engolir, faz parte…. “Faz parte” uma merda! Não somos o Bam-bam! Com toda a nossa exatidão verbal, diremos que engolir sapos “é inerente” à condição que escolhemos.

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Espera & Fading

Há diversos tipos de espera. Há a espera por algo que sabemos que vai acontecer, só não sabemos quando. Há a espera por algo que tememos estar se afastando de nós (ou que sabemos estar se afastando). Há outro tipos também, mas estes não me interessam agora.

Vivendo momentos de espera, fui folhear inconscientemente o livro Fragmentos de um Discurso Amoroso, o mais popular de Roland Barthes e, como sói acontecer quando estamos angustiados ou quando um católico abre a Bíblia numa página qualquer, dei de cara com aquela página tudo a ver. Tudo a ver mesmo: abri o livro nos verbetes Espera e Fading. (Há um sinônimo para fading em português?) Pois então, copiei, mexi e certamente piorei alguma coisa nos dois verbetes. Já não lembro o que é de Barthes e o que é de minha pretensiosa intromissão.

Espera. Tumulto doloroso de angústia suscitado pela espera do ser querido.

Espera. A espera é um encantamento: recebi ordem de não me mexer. Me impeço de sair de casa, de ir ao banheiro, de telefonar, me desespero só de pensar que a tal hora tenho um compromisso. Fico recolhido. Estes incidentes seriam momentos perdidos de espera, impurezas da angústia.

Espera. A angústia da espera não é sempre violenta, tem seus momentos de calma. Espero, e tudo que está em volta da minha espera é atingido de irrealidade: neste escritório, observo os outros que entram, conversam, trabalham, se divertem: esses não esperam.

Espera. Apenas o que espera está carente. O ser esperado está na plenitude. Às vezes, ele tenta fingir que é aquela que é esperada; tenta se ocupar com outra coisa, chegar atrasado; mas neste jogo perde sempre. Arruma a casa, mas o que quer que faça, acaba sempre sem ter o que fazer, acaba sempre pontual e até mesmo adiantado. A identidade fatal de quem espera não é outra senão aquele que espera.

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Fading. Experiência dolorosa segundo a qual o ser querido parece se afastar, sem que esta indiferença seja dirigida contra o sujeito apaixonado ou a favor de um rival.

Fading. Quando o fading se produz, fico angustiado porque suas razões me parecem sem fundamento (não é razoável, diz ele) e sem fim. A outra se afasta como uma miragem triste.

Fading. Ela vai se afastando para um outro mundo como uma nave espacial que deixa de piscar. De repente, ei-la sem brilho.

Fading. No fading, a outra demonstra seu cansaço, parece perder todo o desejo, a noite a leva. Sou abandonado pela outra, mas este abandono se divide com o abandono que ela mesma sofre. Recebo sempre um embrulho de cansaço.

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