Desculpem os norte-americanos, mas o avião é mesmo uma invenção brasileira

Desculpem os norte-americanos, mas o avião é mesmo uma invenção brasileira

14-bis-olimpiadasUma parte da cerimônia de abertura das Olimpíadas irritou os norte-americanos e provocou um debate: o avião foi inventado por Santos Dumont ou pelos irmãos Wright?

Pergunte a qualquer brasileiro quem foi o inventor o avião e você obterá sempre a mesma resposta: Alberto Santos Dumont. Em 23 de outubro de 1906, o inventor brasileiro levantou voo com seu 14-bis em Paris e foi reconhecido como o fundador e pai da aviação pela Federação Aeronáutica Internacional (FAI), coisa que os Wright jamais conseguiram.

Porém, quando a Cerimônia de Abertura da Rio 2016 comemorou a invenção de Santos Dumont, foi iniciado um grande debate, especialmente nos EUA. Afinal, os americanos também são unânimes em dizer que, três anos antes, Orville e Wilbur Wright foram os primeiros homens a voar. Os narradores da rede NBC chegaram a sugerir a seus espectadores norte-americanos que os brasileiros estavam fazendo uma piada…

Porém, desculpem, os irmãos Wright não inventaram o avião. O que eles construíram foi um planador.

Assim, até eu
O primeiro voo dos Wright: com rampa e vento, até eu

De acordo com especialistas em aviação, eles não somente utilizaram um trilho de lançamento para impulsionar o avião, como realizaram seu “primeiro voo” com ventos fortes e num declive. Ou seja, não há realmente nenhuma prova de que o “Kitty Hawk” (acima) tenha sido capaz de decolar por conta própria.

Por outro lado, o avião de Santos Dumont, o 14-bis, não precisou nem de ventos, nem de qualquer ajuda externa. Sua aeronave voou por cerca de 61 metros completamente por conta própria. Graças ao voo, o brasileiro ganhou um prêmio de 1.500 francos do Aéro-Club de France. De acordo com a Federação Aeronáutica Internacional (FAI), o 14-bis foi o primeiro do avião do mundo. Depois, quando os Wright reivindicaram a invenção para si, a FAI convidou a dupla para contestar a primazia, mas eles nunca apareceram.

Entre as muitas condições para reconhecer o primeiro voo, a FAI havia estabelecido condições meteorológicas sem ventos e a necessidade de a aeronave decolar por seus próprios meios.

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Os norte-americanos que defendem os irmãos Wright cometem 3 grandes erros nacionalistas. O primeiro é o de confundir avião com “planador”. O segundo seria atribuir a invenção do planador aos irmãos Wright quando foi Leonardo da Vinci quem o inventou. E o terceiro, é que avião é aquilo que “se levanta do chão por seus próprios meios”, ou seja: tem motor.

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14-bis — Especificações
Fabricante Alberto Santos Dumont
Primeiro voo em 23 de outubro de 1906
Tripulação 1 – piloto
Dimensões
Comprimento 10 m
Envergadura 12 m
Altura 4,8 m
Peso(s)
Peso vazio 160 kg
Propulsão
Potência (por motor) 50 hp
Performance
Velocidade máxima 30,8 km/h

14 bis

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25 imagens fundamentais de nosso tempo (uma antologia pessoal)

25 imagens fundamentais de nosso tempo (uma antologia pessoal)

Muito pessoal. A ideia e algumas fotos — e discordâncias — vieram do site mundo.com. Retirei algumas imagens sugeridas pelo site, coloquei outras, e ampliei a seleção de 20 para 25 fotos. Acho que ficou aceitável.

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1. Os soviéticos hasteando a bandeira no Reichtag. A foto foi tirada com uma Leica pelo fotógrafo Yevgeni Khaldei, da Agência Tass.

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2. O avião 14 Bis levantando voo. No começo do século 20, Alberto Santos Dumont concluiu a construção de seu avião 14 Bis e com ele alçou voo, fazendo deste o primeiro objeto mais pesado que o ar a voar sem a ajuda de impulsos externos.

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3. Erguendo a bandeira em Iwo Jima. A intenção norte-americana ao invadir a ilha era obter uma localização estratégica para o reabastecimento das tropas norte-americanas no avanço até o Japão. Após a vitória, os EUA ficaram com o local para si, claro.

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4. Dia da Vitória em Times Square. O final da Segunda Guerra. O fotógrafo Alfred Eisenstaedt tirou a famosa fotografia de um marinheiro norte-americano beijando uma jovem enfermeira na Times Square em Nova York. A mulher foi identificada mais tarde, na década de 1970, como Edith Shain, porém a identidade do marinheiro continua desconhecida.

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5. Che Guevara, é claro. O famoso retrato de Che Guevara, intitulado Guerrilheiro Heroico, foi tirado em 5 de março de 1960 em Havana, Cuba. Guevara comparecia à inauguração de um memorial.

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6. A capa de Abbey Road. Os Beatles se juntaram nos estúdios da Abbey Road, em Londres, na quente manhã de 8 de agosto de 1969 para tirar a foto da capa do disco que estavam gravando.

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7. O protesto do Monge. Em 11 de junho de 1963, Thich Quang Duc, um monge budista vietnamita, ateou fogo ao próprio corpo e queimou até a morte em uma rua movimentada no centro de Ho Chi Minh.

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8. O desastre do Hindenburg. O desastre do Hindenburg ocorreu em 6 de maio de 1937, quando o gigantesco dirigível alemão pegou fogo e foi destruído durante uma tentativa de pouso na base naval de Lakehurst, em Nova Jersey, nos Estados Unidos.

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9. Na Praça da Paz Celestial. Este misterioso homem tornou-se famoso em todo o mundo após o fotografo Jeff Widener registrá-lo em pé, frente a uma coluna de tanques chineses durante os protestos na Praça da Paz Celestial em Pequim, no dia 5 de junho de 1989.

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10. A imagem do corpo do jornalista Vladimir Herzog enforcado em cela do II Exército é uma das mais emblemáticas do período ditatorial.

vladimir herzog

11. Menina afegã. Sharbat Gula tinha 12 anos quando foi fotografada pelo jornalista Steve McCurry durante uma reportagem para a revista National Geographic, publicada em junho de 1985. Quando foi fotografada, a menina afegã vivia como refugiada no Paquistão durante a ocupação soviética no Afeganistão.

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12. O monstro do Lago Ness. Foto de 1934. As histórias sobre o monstro do Lago Ness têm sido contadas desde aproximadamente 565 d.C. Os defensores de sua existência acreditam que a criatura venha de uma linhagem de Plesiossauros… Tudo negado pela comunidade científica, obviamente.

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13. Guerra Fria. Explosão da bomba atômica nas Ilhas Marshall. Era um teste nuclear comum em meados do século XX. A foto é de 25 de julho de 1946, quando da primeira detonação de uma bomba atômica embaixo d’água. Foi liberada uma nuvem de vapor com quilômetros de altura, coroada por jatos de água.

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14. Nascer da Terra. Na noite de Natal de 1968, nenhum dos astronautas a bordo da Apollo 8 estava preparado para o momento em que veriam seu planeta surgir atrás no horizonte lunar. O Nascer da Terra é o nome dado à imagem da NASA tirada pelo astronauta William Anders durante a primeira viagem tripulada a orbitar a Lua.

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15. Einstein mostrando a língua. É uma das imagens mais conhecidas de Einstein. O cientista aprovou a foto e pediu nove cópias dela. Após autografar uma das imagens, ele a presenteou a um repórter. Em 19 de junho de 2009, a imagem assinada foi leiloada por mais de US$ 70 mil.

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16. Almoço no topo de um arranha-céu. 20 de setembro de 1932. Almoço no topo de um arranha-céu é uma famosa fotografia em preto e branco tirada durante a construção de um edifício na cidade de Nova York.

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17. Maio de 1968, Paris. Em 13 de Maio de 1968, em Paris, o fotógrafo Jean-Pierre Rey imortalizou uma jovem de 23 anos. A foto foi publicada pela revista Life. A protagonista da dessa célebre imagem foi posteriormente identificada como sendo a jovem aristocrata e modelo inglesa, Caroline de Bendern, que vivia em Paris depois de ser expulsa de vários colégios na Inglaterra. Ela estava sobre os ombros de um amigo, porque seus pés estavam doloridos. O avô viu a foto e ficou escandalizado. Por conseqüência desta fotografia, Caroline perdeu a mesada milionária e acabou sendo deserdada pelo avô. Caroline passou o resto de sua vida processando Jean-Pierre Rey pelos direitos da fotografia.

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18. Fotografia icônica mostra as cabeças de Lampião (última de baixo), Maria Bonita (logo acima de Lampião) e outros cangaceiros do bando.

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19. No dia 29 de junho de 1973, durante os confrontos que culminaram com a deposição do presidente do Chile, Salvador Allende, o cinegrafista sueco-argentino Leonardo Henricksen, do canal 13 de Buenos Aires, deixou seu hotel, no Centro de Santiago, ao ouvir rajadas de metralhadoras. Era o Regimento de Blindados, que se sublevara e atacava o Palácio de Governo. Henricksen conseguiu se posicionar a apenas duas casas do palácio. Militares determinaram que a rua fosse desimpedida, mas ele não saiu do lugar. Um oficial apontou uma arma para o cinegrafista. E atirou. A imagem treme, mas ele continua filmando. Um soldado, então, deu um tiro de misericórdia, de fuzil. A câmera continua registrando a cena até que tudo fica branco na tela.

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20. O impacto. A fotografia foi considerada pela National Geographic uma das 25 mais importantes imagens dos ataques de 11 de setembro. Às 9 horas da manhã do dia 11 de setembro de 2001, o voo 175 da United Airlines colidiu contra a torre sul do World Trade Center.

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21. Execução em Saigon. Esta foto foi tirada por Eddie Adams durante a guerra do Vietnã. O major General Nguyen Ngoc Loan, à esquerda mata o vietcongue Nguyen Van Lem à direita.

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22. Dali atomicus. O fotógrafo Philippe Halsman informou que tentou obter a imagem 28 vezes até ficar satisfeito com o resultado. Antes das técnicas modernas e computadorizadas de manipulação de imagens, ele conseguiu tirar esta fotografia do artista surrealista Salvador Dali suspenso no ar.

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23. Menina de 9 anos fugindo após ataque em uma aldeia no Vietnã. Ela sobreviveu, apesar de suas roupas terem queimado sobre seu corpo.

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24. Um homem judeu, ajoelhado diante de um poço cheio de corpos, está prestes a ser morto por um soldado alemão. Esta fotografia foi encontrada no álbum de fotos de um soldado alemão, e na parte de trás estava escrito o título de “O Último Judeu de Vinnitsa”.

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25. Foto de Mike Bem, esta imagem mostra-nos a mão de um menino ugandense na mão de um médico da Cruz Vermelha.

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Clube da Esquina, um jovem aos 40 anos

Publicado originalmente no Sul21 em 1º de maio de 2012

Clube da Esquina (1972). Clique para ampliar.

A capa de Clube da Esquina, fundamental álbum duplo de Milton Nascimento e Lô Borges, que completou 40 anos no mês de abril deste ano, era enganadora. Nada poderia ser mais despojada do que a fotografia dos dois meninos ao lado. Durante muito tempo pensou-se que era uma foto da infância de Bituca e Lô — de Milton Nascimento e seu parceiro Lô Borges. Não. É uma foto de Tonho e Cacau, clicados pelo  fotógrafo Cafi (Carlos da Silva Assunção Filho) a caminho da fazenda da família de um dos letristas do disco, Ronaldo Bastos. Eles nunca mais foram reencontrados pelos autores do disco e pelo fotógrafo. Apenas no mês passado, o jornal o Estado de Minas colocou-se em campo atrás da dupla. Após mais de 50 consultas no entorno da cidade fluminense de Nova Friburgo, sempre com o disco de vinil na mão, os repórteres Ana Clara Brant e Carlos Marcelo chegaram à dupla, que ainda reside nas redondezas.

Ouvindo-se o disco hoje, ele impressiona por vários motivos e gera alguma incompreensão, a começar pelo mais datado dos questionamentos: por que a maioria dos críticos da época o destroçaram? Pensando retrospectivamente na música que havia na época, só podemos colocar Clube da Esquina ao lado dos trabalhos de Caetano, Gil e dos Mutantes. E mais: num contexto onde ainda eram comuns gravações sem o menor apuro técnico, o disco de Milton e Lô estava atualizado não apenas com a qualidade dos trabalhos dos Beatles e do rock progressivo do exterior, mas com a irreverência dos Mutantes, ao menos no âmbito dos arranjos. E ainda mais: ele significava um passo adiante ao saltar sobre os ombros da bossa nova e da MPB para ver mais adiante. Tão adiante que, ao ouvirmos o disco hoje, não achamos que esteja entrando na quinta década.

Milton e Lô Borges compondo na sala da casa dos pais de Lô, em BH | museuclubedaesquina.org

Ele vem de uma época bem diferente da atual. Os discos de vinil eram caros e a maioria das pessoas comprava um ou dois discos por mês. Como disse o jornalista e escritor Luiz Biajoni, naquela época, antes do surgimento dos CDs e da digitalização da música, nós “economizávamos uma grana suada para comprar um bolachão de vinte e poucos minutos de cada lado a fim de escutá-lo um mês inteiro, pois a grana para o próximo disco só pingaria no mês seguinte”. Segundo Biajoni, esta atenção ao artefato cultural tornava mais significativos os trabalhos dos músicos, principalmente se comparada com a verdadeira “Síndrome de Babel” que hoje nos deixa armazenar milhares de discos num computador para ouvi-los sem maior carinho. Como Clube da Esquina era um álbum duplo, ele requeria um investimento dobrado — um investimento de dois meses, se pensarmos em como comprávamos discos na época —  e era um considerável objeto de cobiça. Tal fato reforçava em muito o caráter mítico do disco. Poucos eleitos o possuíam em casa (a não ser que fossem filhos — caso deste comentarista — de um pai melômano e de ouvidos abertos). Então, ele circulava muito em fitas cassete, depois do proprietário dizer com ar casual: “Eu tenho o disco em casa. Se vocês quiserem, posso gravar”.

A surpresa deste disco de Milton Nascimento era a presença de Lô Borges como co-autor. Afinal, Milton já tinha quatro discos gravados e uma firme reputação como cantor e compositor. Era o autor de Travessia, de Morro Velho e de alguns outros sucessos. Repentinamente, ele fez à gravadora Odeon dois pedidos quase escandalosos: o de gravar um álbum duplo e o de dar a parceria do álbum ao desconhecido Lô Borges. “Eu era um menino, aquilo era uma novidade completa em minha vida porque eu não tinha nem carreira musical. Era um iniciante, não sabia nem se queria ser um músico profissional. Minha única credencial era a de ser co-autor de Para Lennon e McCartney”, comenta Lô.

Porém, Milton Nascimento estava determinado a gravar Clube da Esquina de qualquer maneira e de não alterar o projeto, segundo Lô Borges: “Quando o Milton fez o convite-convocação, a gravadora ainda nem tinha topado a gravação do disco. Ele tinha um contrato com a Odeon e foi logo dizendo que, se não topassem fazer a coisa,  procuraria outro grupo para oferecer o projeto”. Havia também a questão familiar. Lô tinha 18 anos e precisaria ir ao Rio de Janeiro gravar o disco. “Estávamos debaixo de uma ditadura barra pesada. Minha mãe não queria que eu fosse, eu viajei meio rompido com a família. Só depois eles perceberam que era algo significativo na minha vida. Era aquele terror da ditadura, né? Três ou quatro pessoas morando juntas em uma casa já eram consideradas subversivas”, diz.

E foram morar na praia de Piratininga, em Niterói. “Milton ficava num quarto compondo, eu ficava noutro e o Beto Guedes circulando de quarto em quarto para ver o que o Bituca estava produzindo e o que eu estava fazendo”, recorda-se. “Eu era meio hippie, o Milton era mais politizado”.

Show no Clube Trespontano na época da composição de Travessia” (Três Pontas - MG) | museuclubedaesquina.org

O resultado foi um disco de referência para músicos e surpreendente para os ouvintes até hoje. Tantas daquelas canções foram regravadas por outros artistas que o Clube da Esquina mais parece uma antologia e não a produção de um artista em um período limitado de sua vida; isto é, não parece um disco rotineiro. Das 21 canções do álbum duplo, várias foram regravadas e estão na memória dos que ouvem MPB. Por exemplo, no mínimo Tudo que você podia ser, Cais, O trem azul, Cravo e Canela, San Vicente, Um girassol da cor do seu cabelo, Paisagem da JanelaMe deixa em paz, Nada será como antes, Saídas e bandeiras e Clube da Esquina Nº 2, são onze canções frequentes em rádios de bom nível e em bares idem. Boa parte delas fazem parte da memória comum de música brasileira presente em nossos cérebros.

Mas o que diferencia este disco de seus antecessores? Por que , além das razões que elencamos, ele é tão cultuado? Que novidades traz?

Em primeiríssimo lugar, traz a qualidade de Milton Nascimento como compositor. E não foi um caso único em sua carreira. Naqueles anos 70, Milton produziu maravilhas, uma atrás da outra. Era um artista sofisticado. Tanto que depois criou o altamente experimental Milagre dos Peixes, fruto de uma mente inquieta e dos problemas que tinha com a Odeon, e depois os impecáveis Minas, Geraes, Clube da Esquina Nº 2 (outro álbum duplo), Sentinela, Caçador de mim, ou seja, se o Clube não foi o caso único da produção de grande música na carreira de Milton, foi o primeiro.

Divulgação

Em segundo lugar, a diversidade. As fontes que Milton Nascimento — digamos claramente que Clube da Esquina é muito mais Milton que Lô — bebia. O caldeirão é grande, grosso e complexo. Na época, todos ouviam Beatles sem parar e Milton (e também Lô), faziam confessadamente o mesmo. Mas Milton aprofundou a influência do jazz que a Bossa Nova já apresentava e colocou uma batida latino-americana, chegando depois a cantar músicas com Mercedes Sosa, além de interpretar Violeta Parra, Victor Jara e os cubanos Pablo Milanes e Silvio Rodríguez. E não é só: há a presença do folclore a da religiosidade mineira.

Em terceiro lugar, a qualidade dos músicos, a presença de solos instrumentais — tão raros naquela época — e o uso de orquestra (como em Um Girassol da Cor do Seu Cabelo) quando estavam começando a aparecer os malfadados, apesar de econômicos, teclados.

Para completar, a repercussão do trabalho foi amplificada por ninguém menos do que Elis Regina, que tinha em Milton seu compositor preferido, no que era correspondida como cantora. Apesar de Milton ser um imenso intérprete, a partir do Clube da Esquina, passou a lançar suas canções com outros artistas como Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque, Simone, Clementina de Jesus, Gilberto Gil, Beto Guedes, Herbie Hancock, Paul Simon, Peter Gabriel, etc. Então, muitos de seus trabalhos posteriores eram coletâneas de canções já divulgadas, o que diminuiu a importância destes discos, pois as canções se tornavam conhecidas por outras vias.

Finalizando esta lista de razões e elogios ao disco, há o fato de Clube da Esquina ser um nome de disco, mas também de um movimento. Espécie de Tropicália mineira, o Clube da Esquina era formado por Milton, os irmãos Borges (Lô, Márcio e Marilton), Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Tavinho Moura, Wagner Tiso, Beto Guedes, Flávio Venturini, Toninho Horta, e os integrantes do 14 Bis.

Aliás, 1972 teve uma safra de discos talvez (um pouco) menores, mas também extraordinários. É o ano de Acabou Chorare, dos Novos Baianos;  de Expresso 2222, de Gil; de mais um tremendo disco de Elis Regina, chamado, para variar, Elis; de Transa, de Caetano Veloso… Um grande ano para a música brasileira, mesmo sob a ditadura.

O CD é difícil de encontrar? Nem tanto, principalmente fora do país (clique no link e observe a avaliação dos visitantes da Amazon). Os Clubes da Esquina 1 e 2 estão à venda em sites estrangeiros, como a citada Amazon.com, por exemplo, pois recentemente o estúdio Abbey Road, de Londres, remasterizou tudo.

Abaixo, a relação de canções do álbum:

Lado Um

1 “Tudo Que Você Podia Ser” (Lô Borges, Márcio Borges) – 2:56
Interpretação: Milton Nascimento
2 “Cais” (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) – 2:45
Interpretação: Milton Nascimento
3 “O Trem Azul” (Lô Borges, Ronaldo Bastos) – 4:05
Interpretação: Lô Borges
4 “Saídas e Bandeiras nº 1” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 0:45
Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
5 “Nuvem Cigana” (Lô Borges, Ronaldo Bastos) – 3:00
Interpretação: Milton Nascimento
6 “Cravo e Canela” (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) – 2:32
Interpretação: Lô Borges e Milton Nascimento


http://youtu.be/MVnfXLlrhPo

Lado Dois

1 “Dos Cruces” (Carmelo Larrea) – 5:22
Interpretação: Milton Nascimento
2 “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” (Lô Borges, Márcio Borges) – 4:13
Interpretação: Lô Borges
3 “San Vicente” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 2:47
Interpretação: Milton Nascimento
4 “Estrelas” (Lô Borges, Márcio Borges) – 0:29
Interpretação: Lô Borges
5 “Clube da Esquina nº 2” (Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges) – 3:39
Interpretação: Milton Nascimento


Lado Três

1 “Paisagem da Janela” (Lô Borges, Fernando Brant) – 2:58
Interpretação: Lô Borges
2 “Me Deixa em Paz” (Monsueto, Ayrton Amorim) – 3:06
Interpretação: Alaíde Costa e Milton Nascimento
3 “Os Povos” (Milton Nascimento, Márcio Borges) – 4:31
Interpretação: Milton Nascimento
4 “Saídas e Bandeiras nº 2” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 1:31
Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
5 “Um Gosto de Sol” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 4:21
Interpretação: Milton Nascimento


Lado Quatro

1 “Pelo Amor de Deus” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 2:06
Interpretação: Milton Nascimento
2 “Lilia” (Milton Nascimento) – 2:34
Interpretação: Milton Nascimento
3 “Trem de Doido” (Lô Borges, Márcio Borges) – 3:58
Interpretação: Lô Borges
4 “Nada Será Como Antes” (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) – 3:24
Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
5 “Ao Que Vai Nascer” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 3:21
Interpretação: Milton Nascimento

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