Declaração da Associação Scholem Aleichem do Rio de Janeiro contra a ilusão militarista

Estou com um familiar muito próximo hospitalizado — nada grave — e por isso está complicado de vir aqui com a frequência habitual. Porém hoje é o dia 15 e tinha previsto participar da Tertúlia Virtual — cujo tema deste mês é “Fogo”. Minha forma de abordagem seria um pedido de “Cessar-Fogo” no massacre de Gaza. Mas como poderia escrever algo decente neste horário tardio em que só sinto sono?

Involuntariamente, veio a meu socorro minha grande amiga Flávia. Flávia tem feito este trabalho a que tantos de nós hoje se dedicam: o de conscientizar pessoas sobre o massacre de Gaza. Ontem, ela enviou para sua ENORME (e ilustre) lista de e-mails uma importante Declaração da Associação Scholem Aleichem do Rio de Janeiro. Assim como muitos judeus meus amigos, esta associação judaica repudia a intervenção militar na Faixa de Gaza e termina sua argumentação da mesma forma que eu terminaria a minha: pedindo um cessar-fogo imediato. Como fizeram muito melhor do que eu faria, transcrevo abaixo a Declaração.

A operação de guerra de Israel contra a Faixa de Gaza realimenta a espiral de violência no Oriente Médio. São centenas de mortos e feridos palestinos, muitos não-combatentes, atingidos por armamento de última geração. A resposta do Hamás, com mísseis artesanais, matou e feriu israelenses, causando pequenos danos materiais.

Desde a retirada de Israel da Faixa de Gaza, em 2005, a área vem sendo submetida a uma asfixia quase permanente. Israel controla as fronteiras terrestre, marítima e aérea.

Os palestinos dependem integralmente do fornecimento de água, eletricidade e combustíveis israelenses (que determinam, também, os custos destes insumos). A movimentação de pessoas e mercadorias é severamente restringida, afetando duramente a economia local.

O resultado é o crescimento da pobreza, do desemprego, da desesperança, da radicalização. Gaza é um dos lugares com maior densidade populacional do planeta, tornando impossível um bombardeio “cirúrgico”, ou seja, que atinja apenas alvos militares.

Até recentemente, vigorou um cessar-fogo entre Israel e o grupo Hamás (prova de que existe uma interlocução possível, desde que haja vontade política).

Seu fim trouxe de volta os mísseis Qassam sobre o sul de Israel. Todos os países têm o direito e a obrigação de defender seus cidadãos. A pergunta que se faz é: a destruição maciça de vidas e bens palestinos protegerá os cidadãos de Israel? A História mostra que não.

O apoio ao Hamas só tem aumentado com as ações militares israelenses.Cada vez que um prédio, uma rua, um carro, é bombardeado em Gaza, a popularidade dos setores mais intransigentes do grupo se reforça. É uma ilusão perigosa imaginar que, quanto mais se espancarem os palestinos, mais dóceis eles ficarão.

Conforme destacou o historiador Tom Segev, jamais uma operação militar terminou em progresso na direção da paz com os palestinos. Por trás de tudo, uma equação sinistra: mais descrédito para o diálogo é igual a mais oxigênio para as bombas.

Na presente situação, defendemos as mesmas posições tornadas públicas inúmeras vezes:

* Não há solução militar para os conflitos entre israelenses e palestinos!

*O terrorismo de grupos ou estados é igualmente execrável. As leis internacionais condenam com clareza ataques contra alvos civis.

*A criação de um Estado palestino laico e democrático, com fronteiras internacionalmente reconhecidas e com todos os direitos e deveres dos Estados modernos, que viva em paz ao lado de Israel, é o caminho possível para dissolver as tensões no Oriente Médio.

O momento exige um imediato cessar-fogo em Gaza, o fim do lançamento de mísseis, o reinício emergencial da ajuda humanitária para os palestinos e a construção de mecanismos multilaterais de negociação.

Sem isso, a iniciativa continuará com os que apostam tudo na força das armas.

Diretoria da ASA – Associação Scholem Aleichem de Cultura e Recreação

Confessando o preconceito (Tertulha Virtual – Tema: Solidariedade)

Este blog participa hoje pela segunda vez da Tertúlia Virtual de cada dia 15, criada pelo grande Eduardo Lunardelli do Varal de Idéias e que propõe este mês o tema Solidariedade.

Uma vez, o Mauro Castro, do Taxitramas, publicou uma crônica chamada Confessando o Preconceito em sua coluna no Diário Gaúcho. Como sempre, ela também foi publicada também em seu blog. Sua leitura fez com que um caso análogo, ocorrido comigo na pior das circunstâncias, me viesse à memória.

A seguir, conto o meu caso e, logo depois, copio a crônica original. O Mauro é meu amigo e uma pessoa conhecida e querida de Porto Alegre.

Confessando o preconceito II

Eu estava no velório de meu pai, em pleno 11 de dezembro de 1993, o dia mais triste que passei até hoje. Na noite do dia anterior, encontrara-me casualmente com meu pai no supermercado. Eu sempre fingia esbarrar nele ou ele em mim, pelas costas; era apenas um dos muitos rituais que mantínhamos. Depois do choque, ele riu e me mostrou um monte de CDs que tinha recém comprado. Estava alegre, bem.

Às 6h da manhã, o telefone toca. Minha mãe diz que ele está caído no banheiro, que era para eu vir correndo, que fizera respiração boca a boca e que a Unimed e minha irmã, que é médica, estavam chegando. Nada resolveu. Ele estava perfeitamente reto no chão, pois não na verdade não caíra, devia ter-se deitado esperando que a dor diminuísse. O primeiro e fulminante enfarto.

Durante o velório, pouco antes de ser levado no caixão, fui me despedir dele. Dei-lhe um beijo. Era um sábado quente, mas ele estava estranhamente frio; só naquele momento concluí que ele não lembrava mais de mim, que não tinha mais suas vivências de 66 anos e nem as de ninguém, que tudo tinha terminado para ele. Fui chorar junto à minha família quando ouvi um amigo dizer indignado, referindo-se a algo que acontecia atrás de mim:

– Mas o que é isso?

Virei-me e, entre lágrimas, vi um mendigo todo esfarrapado caminhando em direção a meu pai. Pensei “que merda, ainda isso agora!”.

Fui para junto do caixão pelo outro lado, encarando de forma hostil o homem sujo de uns 40 anos, calculo. Não disse nada, mas ouvi:

– Eu era amigo do doutor. Ele sempre brincava comigo e me dava alguma coisa na rua – disse ele, gentil e comovido, olhando-me nos olhos.

Não havia nada melhor a fazer do que articular algumas palavras agradáveis, convidando-o a ficar à vontade.

Confessando o preconceito, por Mauro Castro

Eu estava no ponto, com o banco do táxi reclinado, quando, entre um cochilo e outro, vi um mendigo vindo em minha direção. Ele vinha acompanhado de um cachorro, e trazia nos lábios aquele sorriso preparado que todo o pedinte usa ao fazer uma abordagem. Mais um que vai me pedir uma moeda para interar o dinheiro da cachaça – pensei.

Sentindo que seria achacado, ainda tentei fingir que estava dormindo, mas o mendigo, decidido, bateu no vidro do táxi, obrigando-me a abrir a janela.

Quando eu pensei em abrir a boca para dizer que não tinha nenhum trocado para dar, o homem falou:

– Acho que não sou o primeiro nem serei o último a lhe pedir isso…- e fez uma pausa, como quem procura na cabeça as palavras certas.

Eu ainda pensei em aproveitar aquela pequena pausa para poupar-lhe o discurso, mas quando comecei a balançar a cabeça negativamente ele continuou:

-…mas o senhor poderia me dar um autógrafo?

Barbaridade, por essa eu não esperava! De imediato improvisei um sorriso, na tentativa de disfarçar minha cara de abobado. Acho até que consegui. Bem feito pra mim, eu que sempre reclamo do preconceito que o taxista sofre, acabei tomando nos dedos.

No papo que se seguiu, descobri que meu insólito fã é leitor eventual do Diário Gaúcho, que ele cata no lixo reciclável. Disse que minha coluna é a sua preferida.

Para não ficar muito feio, dei-lhe um exemplar do meu livro, com uma caprichada dedicatória. E escrevi esta confissão, digo, crônica, que talvez ele leia no lixo da semana que vem.

Tertulha Virtual (Tema: Água) – A Fonte da Donzela (Final)

Participando da Tertulha Virtual, criada pelo grande Eduardo Lunardelli do blog Varal de Idéias, deixo aqui para vocês o extraordinário momento em que a fonte de água (ou da vida) nasce sob a cabeça da filha cruelmente assassinada. Bergman é sempre perfeito e vale a pena ver não apenas esta seqüência final mas todo o filme. Porém o motivo de minha postagem começa aos 4min02.

A Fonte da Donzela é um filme de 1960. Trata-se da maravilhosa encenação e filmagem de uma lenda medieval sueca, cuja história copio abaixo. O vídeo está dublado em italiano… Acho que dá para entender.

Grande abraço, Eduardo.

Na Suécia do século XIV, Töre e sua mulher Märeta formam um casal que tem uma propriedade rural. Cristãos fervorosos, incumbem sua filha única, Karin, uma bela adolescente virgem, de quinze anos, de levar velas à igreja do vilarejo próximo e acendê-las em louvor à Virgem Maria.

Com licença da mãe, ela veste seu mais valioso vestido e parte, a cavalo, através de uma floresta, para realizar a missão a ela confiada. Acompanhando-a, segue ao seu lado, Ingeri, uma criada tida como filha adotiva do casal Töre, que se acha grávida.

No caminho, ao passarem por um culto de magia, Ingeri diz à Karin que vai voltar, por achar que anoitecerá antes que elas consigam chegar à igreja. Decidida a atender ao pedido dos pais, Karin segue em frente sozinha. Enquanto isso, movida por um enorme ciúme que sente da jovem, Ingeri participa de um ritual do culto a Odin, com a intenção de que algo de mal ocorra à Karin. Em seguida, passa a acompanhá-la, mantendo uma certa distância da jovem.

Ao encontrar dois pastores de cabras e um garoto, Karin os convida para dividir uma refeição que sua mãe havia preparado para ela. Em seguida, é agredida sexualmente pelos dois homens, os quais, após estuprá-la, a matam com um porrete. Ingeri, impotente, assiste a tudo.

Quando a noite cai, ironicamente os criminosos vão pedir comida e abrigo aos pais de Karin. São recebidos cordialmente e, depois de acomodá-los, Töre lhes promete trabalho. Märeta mostra-se nervosa, pois a filha ainda não retornou da igreja, mas o marido tenta tranqüilizá-la dizendo-lhe que em outras ocasiões Karin dormiu no lugarejo.

O temor da mãe se concretiza quando um dos pastores, sem imaginar onde se encontram, tenta vender, à Märeta, um vestido que alega ter sido de uma irmã dele. Ela reconhece o vestido de sua filha e, controlando-se, promete-lhe pensar no assunto. Ao falar com Töre, os dois têm certeza do triste destino da filha, pois a peça acha-se suja de sangue.

Ao encontrar-se com Ingeri, Töre toma conhecimento dos detalhes do brutal ataque sofrido pela filha, que a levou à morte. A jovem pede-lhe perdão por se sentir culpada pelo ocorrido à Karin. Movido por um forte sentimento de vingança, Töre mata os criminosos.

Na manhã seguinte, guiados por Ingeri, todos seguem até o local onde se encontra o corpo de Karin. Enquanto Märeta abraça-se ao corpo da filha, Töre, em sua crise de desespero, interroga Deus sobre os motivos que o levaram a permitir tamanha tragédia. A seguir, entretanto, ele implora seu perdão por seus pecados e promete construir, com suas próprias mãos, uma igreja no local, em penitência por sua vingança sanguinária.

Ao retirarem o corpo de Karin, surge milagrosamente uma fonte de água exatamente no local onde o mesmo se encontrava.

Crítica

Uma lenda medieval sueca inspirou a fábula “A Filha de Töre em Vangé”. “A Fonte da Donzela”, por sua vez, foi baseada nessa fábula. Realizado pelo grande mestre do cinema sueco, Ingmar Bergman, sua trama gira em torno de uma jovem adolescente e virgem que, ao ser estuprada e morta, faz surgir milagrosamente uma fonte de água no local do crime.

Soberbamente fotografado em preto-e-branco por Sven Nykvist, parceiro de Bergman em inúmeros filmes, esta magnífica produção carrega consigo uma mensagem de fé e esperança do homem, mesmo depois de passar por uma enorme tragédia.

Como em diversos outros filmes de Bergman, temas como a violência, a vingança e a necessidade de redenção acham-se presentes. Aliás, raramente tive a oportunidade de, no cinema, ver tais temas serem tratados com a delicadeza impressa por este consagrado cineasta em “A Fonte da Donzela”. A religiosidade e a presença de Deus, dois outros temas recorrentes na obra de Bergman, acham-se igualmente presentes.

Retirado daqui.