A morte da Artemis no campus da UFRGS

A cadela pitbull Artemis foi morta a tiros e boa parte da sociedade gaúcha, principalmente aquela que costuma frequentar minha trincheira, ficou escandalizada, defendendo o animal. Sou um cachorreiro de carteirinha — sempre tive cães, até em apartamentos; dou banhos pessoalmente nos meus porque gosto de interagir com eles; cuido das vacinas; acompanho os adestradores em todas as “aulas”; me preocupo; enfim, trato-os muito bem. E gostaria de dar alguns pitacos a respeito.

Artemis foi morta a tiros por um vigilante de uma empresa de segurança que estava no Campus da UFRGS, local cheio de cães que são mantidos pelos universitários. Aconteceu num feriado e o vigilante disse que ela o teria atacado. Olha, duvido muito. Em primeiro lugar porque o bicho estava acostumado à convivência com pessoas e, em segundo lugar, porque haveria uma enorme chance de ela atacar alguém desarmado em vez dele. Ele foi lá encher o saco dela, claro, e talvez ela nem o tenha atacado, mas tenha vindo brincar. Creio que posso afirmar com grande chance de acerto que ela foi atraída por um cara armado que morre de medo da raça, o que acho perfeitamente compreensível e louco.

Uma vez, por motivo extra cinófilo, estava na casa de uma pessoa que têm cães pitbull. Ela se orgulha deles e até fiz carinho nos filhotes de uma ninhada de 4 meses. Tinha vendido alguns e sobraram dois machos e uma fêmea. Passada meia hora, ouviu-se repentinamente um choro altíssimo e rosnares alucinados dos filhotes. Estavam brigando no pátio. Quando olhei pela janela, vi os dois machos matando a irmã. Um puxava de um lado e outro do outro, enquanto se formava uma poça de sangue. A explicação não foi uma explicação: “Ah, da vez passada também fizeram isso, são pitbulls mesmo!!!”, exclamou para meu pasmo, entre assustada e encantada.

Olha, entendo perfeitamente aqueles que desejam a extinção da raça. Na Inglaterra e na França a criação de pitbulls e assemelhados foi proibida por lei. Esterilizaram todos e em quinze anos não havia mais nenhum. E os ingleses e franceses amam os cães.

Um site de amor aos pitbulls diz: Esses cães possuem facilidade para aprenderem a serem ferozes e agressivos, porém, se o dono não ensinar tal coisa e criá-lo com muito amor, carinho, dedicação e respeito, o pitbull jamais irá agir de outra forma que não seja a que aprendeu. Ele será um cão carinhoso e super companheiro, basta você ser assim com ele também. Depois o site sugere que os pitbulls estranham os estranhos… OK.

Na boa, fico com os meus pastores alemães e vira-latas. Além do mais, noto que alguns donos de cães pibtull que vejo na rua se parecem com seus mascotes, dando a letra de que têm também certo desvio de comportamento instalado… Eu fora!

A fuga da Vicentina

Na verdade, a gente não gosta da Vicentina. Ela tenta entrar pela janela do carro para dormir protegida lá dentro — raspa com as unhas a pintura do carro — ; ela tem um medo fóbico de quase tudo — interage pouco — ; ela não aprende nada — todos nós desconfiamos de uma sub-sub-alimentação na mais tenra infância. Porém, depois que ela passou a morar lá em casa, sua vida é de boa ração, banho com o sabonete recomendado, vacinas em dia, essas coisas. Nós agregamos a Vicentina a fim de dar uma companhia à Juno, nossa pastora genial que tudo sabe da vida. Foi uma adoção. A Vicentina, coitada, apanha da Juno. Pois ela é um paradoxo: é uma viralata bem feínha que traz no peito a aspiração de ser uma cachorra de madame. Então ela se chega aos donos balançando o rabo, olhando-nos com olhos pedintes de um somali de jornal. Suas orelhas enormes e rebeldes caem para qualquer lado, o que lhe dá um ar cômico que nunca me ocorreria relacionar com um faminto. E quer um colo, mas não para brincar, quer um colo para ficar ali, parada e protegida, recebendo carinho. E a Juno fica com ciúmes. Quando a Vicentina volta para o chão, leva uma mordida no pescoço que é para deixar claro quem manda no pedaço.

Pois ela, sempre que o carro entra na garagem, dá uma voltinha pela rua e entra de volta correndo, coisa que a Juno não se permite. Na última quarta-feira, deve ter ficado lá fora. Talvez tenha visto um cachorro divertido ou um grupo animado deles. Era noite, a gente não se deu conta do sumiço. Na manhã seguinte, a Juno chorava pelos cantos. Num primeiro momento, procuramos desesperadamente a cachorra; num segundo momento, já projetávamos uma substituta da mesma raça da Juno enquanto minha filha rejeitava a ideia, pois há uma defensora da Vi lá em casa. Então começou a chover e todos nós fomos morrendo aos poucos de pena, porque uma das coisas que a Vicentina mais detesta é água, ainda mais aquela incontrolável que cai de cima. Faz cocô e mija na garagem quando chove. É impossível ensiná-la a fazer suas necessidades na rua quando chove no pátio. Preocupados, preparamos cartazes para tirar a Vicentina daquela situação, mas antes que os colássemos, a bichinha apareceu.

Estava na frente de casa, encostada na grade, com medo da chuva, claro. Voltou meio machucada e com uma coleira de plástico típica de quem passou uma curta temporada com um mendigo. Não preciso dizer que abanava o rabo como um helicóptero e que estava mais apavorada do que nunca. Será que ela vai aprender que aquela voltinha na rua é perigosa?

Vicentina em versão decente, com as orelhas baixas
Juno e Vicentina
Vicentina com orelhas abertas. Não merece uma plástica?