Há algumas separações que estão destinadas à confusão na hora da partilha. Os próprios advogados entendem que o melhor é não ir à Justiça, local pantanoso e cheio de impostos, mas, enfim, às vezes é difícil evitar. A lei diz que tudo o que foi amealhado pelo casal deve ser dividido, é 50% para cá, 50% para lá. E, como apreciam dizer os advogados, a legislação é sábia.
É natural que haja uma desproporção entre a contribuição de um ou outro membro do casal. Há sempre um que ganha mais. Para a lei, pouco importa: ela está se lixando para a contribuição de um ou outro.
Quando a coisa está difícil de explicar, a gente chama os gregos. Afinal, eles inventaram um monte de coisas, inclusive a hipérbole, que é intensificação de tudo até o inconcebível. Ah, o exagero, figura tão conhecida dos lógicos! A gente usa a hipérbole, as coisas exageradas e inusitadas, para testar uma função (ou lei) matemática, um programa de computador e as leis dos homens, claro. Então, imaginem um casal cuja mulher não trabalhe. Se a contribuição dela para o orçamento familiar é zero, ela deve ficar com zero? Outro exemplo, se a mulher entra no casamento já com uma filha e paga as contas de colégio, alimentação, entretenimento e vestuário da menina, deixando assim de pagar parte das contas da casa que ficam à cargo do marido sem filhos, como deve ser a divisão quando do divórcio? Ela fica com a filha e ele com a casa que pagou majoritariamente? Claro que não!
Espero que este não seja meu melhor post, mas certamente é o mais lido. Os homens me escrevem na fantasia desesperada de que eu tenha respostas. As respostas. Muitos procuram meu e-mail. Então, em particular, costumam contar longamente seus casos. São todos de gênese muito diferente e muito iguais nos sintomas. Quase sempre respondo. Na semana passada, tive uma interessante conversa com um psiquiatra desesperado com seu próprio caso e, pior, tendo que tratar diariamente pacientes com o mesmo gênero de problemas. Ele seguia mal pessoalmente e trabalhando mal, não dormia, perdia peso e às vezes esquecia-se de tomar banho. Passei por tudo isso. Então, este texto é dedicado aos homens porque sou um deles e tudo o que explico aqui saiu de minha experiência.
A maioria dos casais é normal e se separa. Não sei o que acontece de errado com os que não se separam mas isto não interessa agora e, como a vida é mesmo repetitiva, cunhei um e-mail padrão avisando meus amigos que se encontram nesta situação. Trata-se de um texto quase impessoal, entre o sério e o cômico, que já enviei para uns quinze amigos COM FILHO(S) nos últimos anos e os comentários sempre foram… Interessantes e bem diferentes um do outro. Mas é um e-mail para homens, mas grande coisa se for lido por mulheres, né?
Então, o e-mail que envio tem mais ou menos o texto a seguir:
Ora, ora, mas aí tu me disseste que estás te separando…
Odeio — mesmo — as pessoas que vendem suas experiências bem ou mal sucedidas e complementam: “é assim que as coisas são, prepare-se!”. Parece que, se o vendedor de experiências se ralou, o mundo todo deverá inevitavelmente ir pelo mesmo caminho ou, se o vendedor se deu bem, todos os espertos que seguirem os itens vendidos chegarão à felicidade perene. Então, meus tópicos são gerais e quase impessoais. Se couberem, couberam.
1. As pessoas não se separam por pequenas diferenças. Pequenas diferenças são administráveis. As pessoas se separam por causa de abismos cavados ao longo dos anos. Ele, o abismo, abre-se mui silenciosamente, mas, uma vez que começa a aparecer, é difícil preenchê-lo. Solução: nenhuma, claro. Meu amigo, isto aqui não é autoajuda. É mesmo dificílimo preenchê-lo. É muita terra.
2. Já formalizaste a separação na Justiça? Se não o fizeste, estás negociando tudo direto com a X? Cagada, na minha humilíssima opinião. Não faça nada sem uma mediação esclarecida. Formalize as coisas com um advogado do teu lado. Se o terapeuta familiar não trouxer a terra que falta em muitos caminhões e estiver apenas “organizando uma separação consensual e amigável”, dispense-o imediatamente ou falte às consultas, pois… Sabe o que vai acontecer? Eu sou a Verdade e explico-A em detalhes: tu provavelmente vais dar tudo o que puder e o que não puder para a ex. Fiz isso; falo, pois, com experiência própria.
3. Por quê? Simples. Uma separação não é um domingo no parque, tu ficarás deprimidíssimo se já não estás, olhando apaixonadamente as rodas dos trens do metrô, fazendo planos suicidas. É normal. Tu vais querer morrer por deixar teus filhos, vais fazer tudo errado com toda a convicção, sairás despojado da relação, dizendo, heroico: “Não quero prejudicar meus filhos!”. Puro romantismo.
4. Os filhos normalmente ficam com a mãe, a não ser que eles optem, mas isso só depois dos 12 anos. Antes, só terás a guarda do teu filho se X morder a panturrilha do juiz na sessão. Se ela se apresentar normalmente, respondendo às perguntas com coerência, levará os garotos. Ou seja, os filhos ficarem com a mãe é meramente cultural e nada tem a ver com tua culpa.
5. Vocês tinham uma casa e agora têm duas. Financeiramente, uma separação é um péssimo negócio. Se ela ficar melhor do que estava antes, há algo de errado. Este “algo” crescerá, como veremos a seguir.
6. Tudo bem, no início tu dás tudo para X. Isto é somente uma forma rápida de te livrares do insuportável estresse pelo qual estás passando. Eu te compreendo. Só que, depois de um tempo, a depressão passa.
7. Depois de um ano, por exemplo, tu notas que a casa onde recebes teus filhos é uma bosta e fica mais bosta ainda se a comparares com a dela. Depois de um ano, tu não olhas mais para as rodas de ferro dos trens e passas a te interessar pelos peitos da vizinha, pelos quadris da colega e expandirás a observação que fizeste sobre tua casa para toda tua vida.
8. Ou seja, se não fizeres as coisas direitinho agora, mas agora mesmo, vocês vão brigar feio e vão para a Justiça no futuro, com provável derrota tua. Tô dizendo. Depois da separação feita, tu não vais reverter o lado financeiro a teu favor.
9. Muitos contatos com a ex fazem mal. Se tiveres que voltar com a X, haverá de acontecer com ou sem a tua presença ostensiva. Separação é separação, não é meia separação. Esqueça aquela bimbadinha. É um completo equívoco. Lembres que, quando entrar um terceiro ou terceira na história, vai dar merda. Ou tu achas que todos vão se amar? Acontece, mas não é provável.
10. Mas, sabes de uma coisa? Acho que deverias ler, bem lidinho, tudo o que puderes. E deverias falar com teu advogado. E ainda visitar este interessante site, cheio de artigos úteis: Pai Legal. Se o conhecesse antes, minha vida seria ainda melhor.
Chegaste até aqui ou te irritaste achando teu caso muito diverso? Bem, se estás ainda lendo, obrigado pela paciência; se estiveres contrariado com minha intromissão, peço desculpas; se estiveres me odiando, vai tomar no cu. No último caso, ou seja, se explodires de raiva contra mim, avise-me antes — através de um torpedo, por favor (torpedo de celular, bem entendido) — , pois comprei um sismógrafo e tenho poucas chances de testá-lo.
É óbvio que, até pela situação passada no ano passado, eu leria este livro. E começo dizendo que a traumática separação do personagem Ricardo Lísias — sim, Lísias é o nome do personagem de Lísias — foi fichinha perto da separação de Milton Ribeiro.
Divórcio é a história de uma separação com todos ingredientes que fazem parte deste tipo de situação: choque, ressentimento, ódio, divisão de bens, vinganças, recuperação. Tudo isto é catalisado por um narrador original e seguro, na primeira pessoa, que cria um texto grudento, apesar de cheio de quebras e opções. A sinceridade e a exposição do personagem Lísias só surpreende se pensarmos que Divórcio é um romance autobiográfico, fato negado pelo autor, inclusive para mim, pessoalmente.
Grosso modo, o romance alterna quatro tempos. O momento presente, a história do casamento, a preparação de Lisias para correr a São Silvestre — única fonte de prazer e o meio escolhido para o retorno à realidade e à vida — e a infância do Lísias personagem. Os jornalistas, profissão da ex-mulher, recebem muitas e justificadas críticas. Há uma coleção de frases antológicas de ódio no livro, mas se eu coloco aqui vão pensar que a coisa tem endereço. Então, vou colocá-las num contexto mais tranquilo. Num PHESfora da curva, por exemplo.
Indico, claro. Trata-se de um belo texto visceral.
(Curiosidade: fiquei contrariado com algumas metáforas utilizadas e, ao comentá-las com a Elena, fui convencido de que eram perfeitas. O problema é que eu sofro de outra maneira).
Ah, as listas de fim de ano… Como suportá-las? E como não lê-las, nem que seja para se irritar com a ausência do filme querido ou com a presença daquilo que se detestou visceralmente? Como resultado de ampla discussão no ambiente Sul21, chegamos a dez livros, mas, devido aos muitos e exaltados apartes, não obtivemos chegar ao mesmo número de filmes. Resultado: são dez livros e onze filmes. Os filmes foram comparados e colocados em ordem de preferência. É a cultura pública e comum de nosso tempo. Já os livros não foram lidos por todos, o que tornou a discussão menos drástica.
Aliás, na lista de livros, tivemos a colaboração de Lu Vilella, da Bamboletras, que não apenas fez sua lista como repassou a lista dos livros mais vendidos de sua livraria, talvez a de público “mais literário” de Porto Alegre. E, nos filmes, algo de estranho: contrariamente aos últimos anos e em contrariedade à legenda da foto abaixo, temos onze filmes consistentemente bons.
Além de Lu Vilella, colaboraram os jornalistas Iuri Müller e Débora Fogliatto, além do historiador Éder Silveira e diversos sites de editoras, dos quais utilizamos textos.
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Os onze melhores filmes de 2013:
~ 1 ~
Tabu
Tabu é grande cinema. E esta afirmativa vem carregada de significados. Pois são as imagens da segunda parte do filme, “O Paraíso Perdido” — trecho com som, mas sem diálogos –, que dão sentido a esta elogiadíssima obra do português Miguel Gomes. Aliás, a seção “O Paraíso Perdido” é uma arrebatadora reconstrução da memória de tempos idos. Tabu foi filmado em glorioso preto e branco e conta uma história de amor. Dele emana um charme passadista, mas sem ranço, devido a uma estrutura narrativa lotada de artifícios inteligentes e de bom gosto. Tudo em Tabu trabalha para a poesia e para a história. Um filme imperdível.
~ 2 ~
Holy Motors
Leos Carax filma pouco, infelizmente. Seus Sangue Ruim (1986) e Os Amantes de Pont-Neuf (1991) são filmes de referência para os cinéfilos. Holy Motors (2012) não é uma obra destinada àqueles que desejam uma história linear e convencional. O Sr. Oscar — vivido por Denis Lavant, ator onipresente nos filmes de Carax — tem um estranho trabalho. Anda de limusine por Paris, recebendo ordens para atuar em diversos papéis que lhe são passados por uma estranha organização. E percorre a cidade cumprindo uma série de compromissos sem nexo entre si, onde humor e drama não estão ausentes. Há uma cena de dança, outra em esgotos e cemitérios, há outra em o Sr. Oscar morre de forma tocante (e subitamente acorda para o próximo compromisso), outra é um crime e assim vamos visitando diversos gêneros cinematográficos que deságuam numa intrigante cena final, onde várias limusines comentam que o mundo não quer mais emoção, no que parece uma crítica ao cinema atual. Quem é sua plateia? Onde estão as câmeras? Qual sua verdadeira identidade?
~ 3 ~
A Bela que Dorme
A Bela que Dorme, o último filme de Marco Bellocchio, tem como eixo narrativo a história real de Eluana Englaro, italiana que passou vinte anos vivendo de maneira artificial e gerou enorme debate sobre a eutanásia no país. Assim, diversos personagens e situações convergem para o drama de Eluana – como o senador que se vê em crise com a política e se posiciona de forma contrária ao seu partido sobre a questão, a filha religiosa do político que se apaixona por um manifestante, e a suicida que busca as janelas de um hospital italiano para pôr fim à vida. Em A Bela que Dorme, estão contidos os temas pendentes da Itália de hoje e o direito à salvação – da ou pela morte – dos seus taciturnos personagens. (Por Iuri Müller.)
~ 4 ~
O Cavalo de Turim
O que Béla Tarr propõe é uma experiência sensorial e semântica inteiramente distinta do que é possível em qualquer outro gênero artístico. O jogo que o diretor estabelece com o tempo apenas é possível no cinema, talvez no teatro. O Cavalo de Turim mostra seis dias de dois personagens — pai e filha — que vivem numa casa de pedra na zona rural da Hungria entre a aridez, o vento e o frio constantes. Falta tudo, tudo é monotonia e tudo é vida, dor e trabalho. (Coincidência, não?) Eles só têm batatas para comer, têm também um poço minguante, um destilado que deve ser parecido com a vodka, creio, e um cavalo velho e doente. Seus dias são iguais, com poucas variações, sempre no aguardo de condições melhores. Talvez a melhor descrição de O Cavalo de Turim seja a de um filme de cenas quase iguais — mas sempre filmadas de forma diferente — sobre a pesada rotina de vidas sacrificadas. Tarr vai curiosamente acumulando tempo sobre tempo e sua insistência acaba por mostrar a força e o cansaço, equilibrando-se entre a tão somente sobrevivência e a provável aniquilação, numa compassiva melancolia da resistência. Duro, mas imperdível.
~ 5 ~
O Som ao Redor
Filmaço. A narrativa é um mosaico de histórias de moradores de uma rua de classe média do Recife. Nela, reside o empresário que expandiu seus negócios na base da especulação imobiliária — e que antes era um senhor de engenho — , o filho temeroso da violência urbana, os dois netos — um que trabalha alugando os apartamentos da família e outro um estudante que arromba carros –, outra família gerida por uma mãe estressada que não suporta os latidos de um cão de guarda. Ou seja, pessoas rotineiras, comuns. Então, o que faz de O Som ao Redor um filme tão significativo e bom? Ora, os excelentes diálogos, as boas atuações e a ousadia e inventividade do diretor Kleber Mendonça, que fez uma inteligente abordagem de alguns temas como o preconceito de classe, a especulação imobiliária, a violência, o racismo estilo Brasil, o consumismo. O Som ao Redor não é um filme experimental, ao contrário, ele abre portas para o diálogo com o público, ao estabelecer um corpo-a-corpo com seu tempo histórico. Filmaço.
~ 6 ~
Amor
Justamente elogiado e premiadíssimo — a fim de dar chance a outras produções, Michael Haneke pediu para ficar de fora de algumas disputas após vencer Cannes e o Globo de Ouro — , Amor é um retrato realista e digno da velhice. É a história de Anne (Emmanuelle Riva, 85 anos, a mais velha indicada ao Oscar de melhor atriz) e Georges (Jean-Louis Trintignant, 82), dois professores de música aposentados que vivem tranquilamente em Paris. O casal faz compras, vai a concertos, cozinham, tomam café da manhã e convivem após décadas de amizade, cumplicidade e amor. É quando Anne tem um AVC, ficando com um lado do corpo paralisado e precisará de auxílio. O filme é extraordinário. Michael Haneke é um dos raros diretores contemporâneos que têm acumulado filmes relevantes, nada esquecíveis. Código Desconhecido, Caché, Violência Gratuita, A Professora de Piano e A Fita Branca são claras comprovações de que este austríaco veio para marcar deixar sua marca no cinema do início deste século.
~ 7 ~
A Caça
Thomas Vinterberg é um grande cineasta. Talvez sua produção seja superior — qualitativamente — a de seu conterrâneo e ex-companheiro de Dogma 95 Lars von Trier. Penso até que Vinterberg seja o que von Trier pretende ser. O diretor tem duas obras-primas em seu currículo: Festa de Família (1998) e Submarino (2010). Neste A Caça, Lucas (Mads Mikkelsen) trabalha em uma creche. Boa praça e amigo de todos, ele tenta reconstruir a vida após um divórcio complicado, no qual perdeu a guarda do filho. Tudo corre bem até que, um dia, a pequena Klara (Annika Wedderkopp), de apenas cinco anos, diz à diretora da creche que Lucas lhe mostrou suas partes íntimas. Klara na verdade não tem noção do que está dizendo, apenas quer se vingar por se sentir rejeitada em uma paixão infantil que nutre por Lucas. A acusação logo faz com que ele seja afastado do trabalho e, mesmo sem que haja algum tipo de comprovação, seja perseguido pelos habitantes da cidade em que vive.
~ 8 ~
Um Toque de Pecado
Um filme extraordinário. Quatro histórias que dialogam entre si, todas elas tiradas da crônica policial, retratando a violência e a mudança de valores na China. Há a cena do funcionário que tenta denunciar a corrupção em sua vila — o resultado é que toma uma surra espetacular e acaba decidindo pegar em armas. Há a cena da moça que, confundida com uma prostituta, recusa os avanços de um “cliente” e é por ele esbofeteada com um maço de cédulas de dinheiro. Pois bem, o capitalismo toma conta do país e o simbolismo de confundir e esbofetear alguém com dinheiro é claro. Aqui, Jia Zhang-Ke faz seu filme mais universal, abordando a criminalidade de um país emergente, misturando gêneros — o policial, a ação taiwanesa, o filme de samurai — para construir uma crônica polifônica da China atual, que é, na verdade, um faroeste.
(Só encontramos o trailer do filme com legendas em inglês. Pedimos desculpas).
~ 9 ~
Azul é a Cor mais Quente
Primeiro filme baseado em quadrinhos a ganhar a Palma de Ouro em Cannes, Azul é a cor mais quente narra a história de amadurecimento, amor e sofrimento da jovem Adèle (chamada Clementine no livro). No início da trama, ela é uma adolescente insegura que encontra uma menina de cabelos azuis e, ao se aproximar dela, entra em conflito com sua própria ideia de sexualidade, com sua família e colegas. O relacionamento de Adèle e Emma, intenso e conturbado, é interpretado de forma realista e sensível pelas atrizes Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux, que também foram reconhecidas com o prêmio de Cannes. As cenas de sexo explícito entre as duas garotas causaram polêmica e geraram críticas da autora da história original ao diretor Abdellatif Kechiche, chegando a classificá-las como pornográficas e a dizer que foram claramente pensadas do ponto de vista de um homem heterossexual. Apesar das pesadas críticas, o coração da HQ de Julie Maroh está no filme: o retrato de uma garota apaixonada lidando com a sua sexualidade, suas angústias e a intolerância da sociedade. (Por Débora Fogliatto).
~ 10 ~
Tatuagem
Com Irandhir Santos em dia ainda mais brilhante do que em “A Febre do Rato” e “O Som ao Redor”, Tatuagem tem na desenvoltura dos seus atores o motivo para os maiores elogios. Ambientado em Recife, o filme de Hilton Lacerda narra a história de amor entre o líder do grupo de teatro “Chão de Estrelas” e um jovem soldado do Exército brasileiro – durante a ditadura militar. A nudez onipresente, a forma com que a dramaturgia toma conta do enredo e as cores do insólito relacionamento (entre cálido, inocente e impossível) fazem com que o encantamento permaneça firme durante os 110 minutos. (Por Iuri Müller).
~ 11 ~
Depois de Maio
Em 1971, nos arredores de Paris, Gilles é um jovem estudante imerso na atmosfera criativa e política da época. Como os seus colegas, ele está dividido entre o investimento radical na luta política e a realização de desejos pessoais. Entre descobertas amorosas e artísticas, sua busca o leva à Itália e ao Reino Unido, onde ele deverá tomar decisões essenciais ao resto de sua vida. Antes de ser o painel de uma geração, Depois de Maio é um filme sobre escolhas. Na primeira cena, um professor diz que entre céu e inferno existe a vida. Na cena seguinte, Gilles já está panfleteando na frente da escola, lembrando que a manifestação foi proibida pela polícia. A manifestação e uma batalha campal acontecem. Os policiais batem a valer. Para onde ir? Belo filme de Olivier Assayas.
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E os dez livros, em ordem alfabética:
Antologia da literatura fantástica,
de Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares, Silvana Ocampo
Numa noite de 1937, ao conversar sobre ficções fantásticas, três amigos – Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e Silvina Ocampo – resolveram criar uma antologia com seus autores preferidos. Três anos depois, foi lançada a Antologia da literatura fantástica, consolidada em sua edição definitiva 25 anos depois, obtendo enorme sucesso não só de estima como de público. Do filósofo Martin Buber ao explorador Richard Burton, passando pela tradição dos contos orientais, além de Cortázar, Kafka, Cocteau, Joyce, Wells e Rabelais, são 75 histórias – não só contos, como fragmentos de romance e peças de teatro – que nos apresentam uma literatura marcada pelo imaginário e por um modo diferente de representar a realidade. (Do site da Cosac Naify).
Assim na terra,
de Luiz Sérgio Metz
A longa viagem de Luiz Sérgio Metz pelo sul – viagem talvez de toda vida, mas certamente de um romance – foi publicada ainda em 1995, poucos meses antes da morte do escritor. Editado outra vez em 2013, pela Cosac Naify, Assim na terra pode agora ir além dos elogios da crítica especializada, algo que de alguma maneira já havia conseguido na época do lançamento, para então alcançar os leitores que o romance não teve na década em que foi pensado e escrito. Em Assim na terra, desfilam ideias e escritores, aparecem modernos tratores e seres perdidos no caminho, surgem as transformações que impactam no ambiente rural e no homem. Romance distinto de quase todos os outros, Assim na terra reaparece para os leitores quase vinte anos depois – com a impressão de que ali estão palavras novas, frases que ainda não haviam sido lidas. (Por Iuri Müller).
Barba ensopada de sangue,
de Daniel Galera
Neste quarto romance de Daniel Galera, um professor de educação física busca refúgio em Garopaba, um pequeno balneário de Santa Catarina, após a morte do pai. O protagonista (cujo nome não conhecemos) se afasta da relação conturbada com os outros membros da família e mergulha em um isolamento geográfico e psicológico. Ao mesmo tempo, ele empreende a busca pela verdade no caso da morte do avô, o misterioso Gaudério, que teria sido assassinado décadas antes na mesma Garopaba, na época apenas uma vila de pescadores. Sempre acompanhado por Beta, cadela do falecido pai, o professor esquadrinha as lacunas do pouco que lhe é revelado, a contragosto, pelos moradores mais antigos da cidade. Portador de uma condição neurológica congênita que o obriga a interagir com as outras pessoas de modo peculiar, o professor estabelece relações com alguns moradores: uma garçonete e seu filho pequeno, os alunos da natação, um budista histriônico, a secretária de uma agência turística de passeios. Aos poucos, ele vai reunindo as peças que talvez lhe permitam entender melhor a própria história. (Do site da Companhia das Letras).
Barreira,
de Amilcar Bettega
Fátima mostra Istambul através da janela, como que alcançando a cidade com a mão. Aponta o Haliç, os bairros de Fener e Balat, identificáveis apenas através das luzes. Quem observa do outro lado da câmera é Ibrahim, pai de Fátima, que está em Porto Alegre. Ele logo viajará a Turquia, mas Fátima não estará no aeroporto e tampouco na pensão onde costumava se hospedar. Barreira, primeiro romance do escritor gaúcho Amilcar Bettega, começa com o desespero de Ibrahim, mas se esparrama pelas ruas de Istambul, chega a Paris e não para de encontrar situações mal resolvidas. “Eu queria um livro intencionalmente construído a partir de e entre buracos e pontos obscuros, de maneira que ao final fosse impossível ter-se uma versão incontestável daquilo que o romance contava”, disse o autor sobre o livro que integra a coleção “Amores Expressos”, da Companhia das Letras. (Por Iuri Müller).
Divórcio,
de Ricardo Lísias
O ponto de partida de Divórcio é bastante simples: com cerca de quatro meses de casamento, Ricardo Lísias encontra o diário de sua esposa. Ao abri-lo, lê uma passagem e fica estarrecido. A mulher com quem acabara de se casar, uma jornalista da área de cultura e critica de cinema, se revelava nas páginas de seu diário uma fria arrivista, que via Ricardo com desprezo. Afinal, apesar de ser um escritor promissor, ele passava os seus dias lendo e escrevendo e não possuía grandes ambições materiais. A partir dessa descoberta, acompanhamos pari passu a luta do autor para se recuperar e voltar a escrever e a desconstrução que ele opera do lugar de onde a sua ex-esposa saiu, a redação dos grandes jornais e revistas do país, a partir de um retrato duro de seus atores, os jornalistas. (Por Éder Silveira)
Essa coisa brilhante que é a chuva,
de Cíntia Moskovich
Depois de lançar Por que sou gorda, mamãe?, um dos mais apreciados romances brasileiros em 2006, Cíntia Moscovich apresenta ao público Essa coisa brilhante que é a chuva, volume que reúne contos inéditos escritos ao longo de seis anos e que teve o patrocínio de Petrobras Cultural e do Ministério da Cultura. Com muita originalidade e impressionante sensibilidade, Cíntia Moscovich aborda temas corriqueiros e inevitáveis: o ciúme do filho pela mãe, a adoção de um cachorro abandonado, um jovem casal às voltas com uma reforma na casa. Valendo-se de muito humor — e da tragédia sempre correspondente —, a autora conseguiu uma reunião de contos tão coesos, e tão divertidos, que mais parecem uma só narrativa, tornando a leitura uma experiência única. (Do site da editora Record).
Poética,
de Ana Cristina César
Ana Cristina Cesar deixou em sua breve passagem pela literatura brasileira do século XX uma marca indelével. Tornou-se um dos mais importantes representantes da poesia marginal que florescia na década de 1970, justamente pela singularidade que a distanciava das “leis do grupo”. Criou uma dicção muito própria, que conjugava a prosa e a poesia, o pop e a alta literatura, o íntimo e o universal, o masculino e o feminino – pois a mulher moderna e liberta, capaz de falar abertamente de seu corpo e de sua sexualidade, derramava-se numa delicadeza que podia conflitar, na visão dos desavisados, com o feminismo enérgico, característico da época. Entre fragmentos de diário, cartas fictícias, cadernos de viagem, sumários arrojados, textos em prosa e poemas líricos, Ana Cristina fascinava e seduzia seus interlocutores, num permanente jogo de velar e desvelar. Cenas de abril,Correspondência completa, Luvas de pelica, A teus pés, Inéditos e dispersos, Antigos e soltos: livros fora de catálogo há décadas estão agora novamente disponíveis ao público leitor, enriquecidos por uma seção de poemas inéditos, um posfácio de Viviana Bosi e um farto apêndice. A curadoria editorial e a apresentação couberam ao também poeta, grande amigo e depositário, por muitos anos, dos escritos da carioca, Armando Freitas Filho. Dos volumes independentes do começo da carreira aos livros póstumos, a obra da musa da poesia marginal – reunida pela primeira vez em volume único – ainda se abre, passados trinta anos de sua morte, a leituras sem fim. (Do site da Companhia das Letras).
Toda poesia,
de Paulo Leminski
Paulo Leminski foi corajoso o bastante para se equilibrar entre duas enormes onstruções que rivalizavam na década de 1970, quando publicava seus primeiros versos: a poesia concreta, de feição mais erudita e superinformada, e a lírica que florescia entre os jovens de vinte e poucos anos da chamada “geração mimeógrafo”. Ao conciliar a rigidez da construção formal e o mais genuíno coloquialismo, o autor praticou ao longo de sua vida um jogo de gato e rato com leitores e críticos. Se por um lado tinha pleno conhecimento do que se produzira de melhor na poesia – do Ocidente e do Oriente -, por outro parecia comprazer-se em mostrar um “à vontade” que não raro beirava o improviso, dando um nó na cabeça dos mais conservadores. Pura artimanha de um poeta consciente e dotado das melhores ferramentas para escrever versos. Entre sua estreia na poesia, em 1976, e sua morte, em 1989, a poucos meses de completar 45 anos, Leminski iria ocupar uma zona fronteiriça única na poesia contemporânea brasileira, pela qual transitariam, de forma legítima ou como contrabando, o erudito e o pop, o ultraconcentrado e a matéria mais prosaica. Não à toa, um dos títulos mais felizes de sua bibliografia é Caprichos & relaxos: uma fórmula e um programa poético encapsulados com maestria. (Do site da Companhia das Letras).
Todos nós adorávamos caibóis,
de Carol Bensimon
Cora e Julia não se falam há alguns anos. A intensa relação do tempo da faculdade acabou de uma maneira estranha, com a partida repentina de Julia para Montreal. Cora, pouco depois, matricula-se em um curso de moda em Paris. Em uma noite de inverno do hemisfério norte, as duas retomam contato e decidem se reencontrar em sua terra natal, o extremo sul do Brasil, para enfim realizarem uma viagem de carro há muito planejada. Nas colônias italianas da serra, na paisagem desolada do pampa, em uma cidade-fantasma no coração do Rio Grande do Sul, o convívio das duas garotas vai se enredando a seu passado em comum e seus conflitos particulares: enquanto Cora precisa lidar com o fato de que seu pai, casado com uma mulher muito mais jovem, vai ter um segundo filho, Julia anda às voltas com um ex-namorado americano e um trauma de infância. Todos nós adorávamos caubóis é uma road novel de um tipo peculiar; as personagens vagam como forasteiras na própria terra onde nasceram, tentando compreender sua identidade. Narrada pela bela e deslocada Cora, essa viagem ganha contornos de sarcasmo, pós-feminismo e drama. É uma jornada que acontece para frente e para trás, entre lembranças dos anos 1990, fragmentos da vida em Paris e a promessa de liberdade que as vastas paisagens do sul do país trazem. Um western cuja heroína usa botas Doc Martens. (Do site da Companhia das Letras).
Vida querida,
de Alice Munro
Os contos de Vida querida são ricos como romances – com personagens, tramas e vozes desenvolvidas em toda sua potencialidade -, mas, precisos como pede a tradição do gênero, prescindem de qualquer elemento que não seja essencial. O leitor, conduzido por narradores capazes de segurar a tensão do começo ao fim, se entrega a percursos surpreendentes, anunciados com sutileza e maestria em pistas esparsas. É o caso do conto que abre o livro, “Que chegue ao Japão”: Greta se despede do marido e parte com a filha numa viagem de trem que acaba se tornando uma aventura conflituosa pelos caminhos do desejo feminino; em “Dolly”, um casal de idosos decidido a acabar com a própria vida num gesto de cumplicidade e harmonia recebe uma visita inesperada do passado que irá abalar profundamente seus planos. Como nas demais coleções de contos da autora, mestre da forma breve, nos vemos diante de personagens que caminham nas beiradas da existência, arrancadas do cotidiano por golpes incisivos do destino e da loucura. Mas este Vida querida tem um diferencial que o coloca num nível novo; coroando uma carreira brilhante, a última parte do livro traz as quatro únicas narrativas autobiográficas já publicadas por Munro, que emprega toda a sua habilidade literária para refletir sobre o ato de narrar, a ficção e os temas que regem sua obra: memória, trauma, morte. Vida: vida. (Do site da Companhia das Letras).
Você – que é um de meus sete leitores – sabe que não sou um representante das trevas, até pelo contrário. Assim, não tenho nada contra psicólogos, psicanalistas, psiquiatras e outras especialidades da área psi. Já fui um feliz e infeliz usuário destes serviços e não desconheço nem desmereço sua importância. Lembram que uma vez escrevi que Freud foi o homem mais importante do século XX? Pois é. Mas, desde que li numa antiga revista Veja, encontrada na sala de espera do meu cardiologista, o surpreendente e superficial artigo Separados no Divã, a coisa não me saiu mais da cabeça. De alguma forma difusa, eu já sabia, mas agora veio a confirmação. Esta matéria dá conta de pesquisas feitas por universidades americanas e canadenses que tabularam dados sobre casais que sofreram a tal “Terapia” e mostra-nos os índices que sempre imaginei:
– 65 % acharam que o casamento não melhorou;
– 82 % não sentem benefício algum um ano após o início da terapia;
– 25 % ficaram piores;
– 38 % se divorciaram em até quatro anos após o fim da terapia.
Um fracasso? Participei de uma terapia dessas (justamente a minha fase infeliz na área psi) e vi nossa psi-moderadora atuar sempre no sentido de levar-nos a uma separação tranqüila. Nunca a vi atuando no sentido da reconciliação. Parecia-me que os casais que ficavam muito tempo juntos eram vítimas de alguma patologia a ser evitada e corrigida ali. Sem maiores cerimônias, o objetivo claro tornou-se o de romper com classe e sem escândalos. Eu – mesmo achando que nossa relação iria mesmo para o brejo – esperava um bombeiro e encontrei um piromaníaco. Fomos bem sucedidos e a separação aconteceu em silêncio e com a surpresa dos amigos. Hoje, estamos ambos reestabelecidos em outras relações. Porém sempre fiquei com aquela dúvida e a expando para outros campos de nossa vida: de onde vem esta impaciência idiota, esse tolo encerrar-e-começar de coisas novas que nos afasta das já iniciadas, impedindo-nos de completá-las ou de nelas nos demorar de modo mais profundo? Não sou um desistente contumaz. Talvez por possuir uma memória mais competente (além de enorme, pouco seletiva, desagradável e que dificilmente se deixa iludir) que o comum, sempre sinto como uma traição o assassinato de qualquer afeto, mesmo que ele esteja em estado vegetativo persistente. A eutanásia repetidamente proposta pela terapeuta de casal proporcionou-me grande alegria meses depois, pois pude substituí-la por alguém muito melhor, mas conheço casos bem diferentes, casos em que o problema maior parecia ser o de comunicação adequada, em que parecia haver boa vontade de ambos os lados separadamente, em que havia a figura de um psi-moderador inócuo e… Não posso contar aqui, porque desconheço os nomes exatos de meus 7 leitores e prezo minha integridade física.
Segundo o Dicionário Aurélio, instalado em meu computador, a palavra terapia significa:
Forma de tratamento em que se empregam meios mentais (sugestão, persuasão, etc.), visando restabelecer o equilíbrio emocional perturbado de um indivíduo.
Terapia vem do grego “therapeía”, do verbo “therapeúein”, que significaria “servir”, ‘honrar”, “‘assistir”, “cuidar”, “tratar”, ou seja, são palavras que tem intimidade maior com continuidade do que com rompimento.
Conheço pessoalmente 5 casos de “Terapia de Casal” e as baixas foram de 100%. Por outro lado, todos os casais que vi separarem-se e retornarem não tinham terapeutas. Parecem felizes.
No ano passado, um amigo íntimo e querido enviou-me cópia oculta de um e-mail que enviara a sua terapeuta. O tratamento já havia terminado e, apesar da conhecida índole pacífica deste grande amigo, ele demonstrava certo ódio… da terapeuta. Digamos que o tratamento soube-lhe mal. Pedi-lhe para publicar aqui seu texto com os nomes alterados e algumas correções de digitação. Obtive a permissão, porém penso que seria demasiado. O post talvez ficasse interessante, mas o excesso de verossimilhança do relato visceral estavam incomodando a mim, dono de um blog às vezes lido pelos amigos dos filhos, muito mais do que por estes.
(Acabo de avisá-lo pelo telefone sobre minha mudança de planos. Ele compreendeu pacificamente, rindo e concordando.)