Décimo-primeiro para homens (e mulheres, desta vez) recém separados

Décimo-primeiro para homens (e mulheres, desta vez) recém separados
Meio tristinha essa Justiça, né? Bem, separação não é um passeio no parque...
Meio tristinha essa Justiça, né? Bem, separação não é um passeio no parque…

(Em continuação a este post).

Há algumas separações que estão destinadas à confusão na hora da partilha. Os próprios advogados entendem que o melhor é não ir à Justiça, local pantanoso e cheio de impostos, mas, enfim, às vezes é difícil evitar. A lei diz que tudo o que foi amealhado pelo casal deve ser dividido, é 50% para cá, 50% para lá. E, como apreciam dizer os advogados, a legislação é sábia.

É natural que haja uma desproporção entre a contribuição de um ou outro membro do casal. Há sempre um que ganha mais. Para a lei, pouco importa: ela está se lixando para a contribuição de um ou outro.

Quando a coisa está difícil de explicar, a gente chama os gregos. Afinal, eles inventaram um monte de coisas, inclusive a hipérbole, que é intensificação de tudo até o inconcebível. Ah, o exagero, figura tão conhecida dos lógicos! A gente usa a hipérbole, as coisas exageradas e inusitadas, para testar uma função (ou lei) matemática, um programa de computador e as leis dos homens, claro. Então, imaginem um casal cuja mulher não trabalhe. Se a contribuição dela para o orçamento familiar é zero, ela deve ficar com zero? Outro exemplo, se a mulher entra no casamento já com uma filha e paga as contas de colégio, alimentação, entretenimento e vestuário da menina, deixando assim de pagar parte das contas da casa que ficam à cargo do marido sem filhos, como deve ser a divisão quando do divórcio? Ela fica com a filha e ele com a casa que pagou majoritariamente? Claro que não!

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Isabel do vôlei critica desmonte da cultura

Isabel do vôlei critica desmonte da cultura

Uma das mais importantes jogadoras de vôlei do Brasil, Maria Isabel Barroso Salgado, a Isabel, publicou uma carta pública em protesto contra o desmonte na cultura sob o governo de Jair Bolsonaro. Ela lembrou como a cultura influenciou sua formação e o fato de ter se tornado atleta. Leia a seguir a íntegra:

Meu nome é Isabel, joguei vôlei na seleção brasileira, representei o Brasil por muitos anos. Resolvi escrever essa carta aberta, não para falar de esporte, mas para falar da cultura, porque acredito que só pude ser a jogadora que fui e a pessoa que sou graças aos filmes que vi, aos livros que li, às músicas que ouvi, às histórias que minha avó me contava. Minha mãe era professora e escritora, amava os livros, adorava música, e foi ela quem me apresentou a Chico Buarque, Caetano, Cartola, Luiz Melodia, entre tantos grandes compositores brasileiros. Lembro, quando chegava do treino muito cansada, que me deitava no sofá e ela me falava dos poetas que amava: Bandeira, João Cabral, Cecília Meirelles, Drummond…. Hoje tenho certeza que aquela atmosfera foi muito importante na minha formação.

Quantas vezes, ouvindo e dançando as músicas de Gilberto Gil com Jacqueline , a grande campeã Olímpica, comemoramos vitórias e tentamos esquecer a dor de algumas derrotas. Lembro também do impacto que senti, aos 18 anos, quando assisti ao filme “Tudo Bem”, de Arnaldo Jabor, com a incrível Fernanda Montenegro e um elenco de craques. Aos 17, assisti “Trate-me Leão”, peça que inspirou toda uma geração. Quantas vezes, os livros me transportaram para outros universos e me permitiram aliviar as tensões das quadras.

Pois é, depois de um ano de governo Bolsonaro, preciso expressar meu horror com o que tem acontecido com a cultura. É muito duro ouvir os insultos que foram proferidos contra Fernanda Montenegro; ver Chico Buarque ganhar o prêmio Camões, maior prêmio da língua portuguesa, sem que o presidente cumprimente ou comemore o feito; testemunhar a morte de João Gilberto, um dos maiores compositores brasileiros sem que nenhuma homenagem tenha sido feita pelo governo. É estarrecedor saber que nosso cinema é premiado lá fora e atacado aqui dentro; ver o ataque brutal à casa de Rui Barbosa, com as exonerações dos pesquisadores que eram a alma e o coração daquela instituição. E como se não bastassem esses exemplos de barbaridade, assistimos ainda o constante flerte do governo com a censura.

Essa carta é só pra dizer que eu me sinto muito ofendida, senhor Bolsonaro. Não sou uma intelectual, sou uma cidadã brasileira que acredita que a cultura é essencial para qualquer pessoa. Ela só existe ser for plural, em todas as formas de expressão. Por meio dela, formamos a nossa identidade. Se esse governo não gosta do nosso cinema, da nossa música, dos nossos escritores, eu quero dizer que eu e uma enorme parte dos brasileiros gostamos. Não aguento mais assistir a tantos absurdos calada. Vocês estão ofendendo uma grande parcela do povo brasileiro.

Aprendi no esporte que é fundamental respeitar as diferenças e saber que elas são enriquecedoras em todos os aspectos. Aprendi que é fundamental respeitar os adversários , e não tratá-los como inimigos.

Compreendi, vivendo no esporte, o quanto é importante ser democrático. Inspire-se no esporte, senhor presidente! O senhor foi eleito democraticamente. Governe democraticamente, e não apenas para quem pensa como o senhor. Hoje eu pensei muito nos rumos da cultura, porque lembrei da minha querida avó, que me levava, quando menina, para passear nos jardins da casa de Rui Barbosa…

21 poemas de Drummond lidos por 21 artistas brasileiros

21 poemas de Drummond lidos por 21 artistas brasileiros

Quando da passagem dos 109 anos de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade, em 2011, o IMS – Instituto Moreira Salles, produziu uma série de vídeos de artistas lendo poemas de Drummond. Eu descobri isso só hoje, quando vi alguns dos vídeos. Tem muitos além deste 21 que apresento abaixo.

1 – Os inocentes do Leblon, por Chico Buarque

2 – Necrológio dos desiludidos do amor, por Fernanda Torres

3 – Elegia 1938, por Caetano Veloso

4 – O amor bate na aorta, por Drica Moraes

5 – O Elefante, por Adriana Calcanhotto

6 – Amar, por Marília Pêra

7 – Destruição, por Marina Person

8 Elegia a um tucano morto, por Pedro Drummond

9 – Cantiga do Viúvo, por Elvira Bezerra

10 – Especulação em torno da palavra homem, por Sandra Corveloni

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Poemas Escolhidos, de Sophia de Mello Breyner Andresen

Poemas Escolhidos, de Sophia de Mello Breyner Andresen

Poemas Escolhidos Sophia de Mello Breyner AndresenLeio pouca poesia e nem fui aquele tipo de adolescente que volta e meia cometia um poema. Hoje, de vez em quando, consigo parir umas coisinhas bem ruins, mas só quando estou muito angustiado ou apaixonado. Mas, é claro, li Bandeira, João Cabral, Drummond, Pessoa e o Gullar dos anos 60 e 70.

Este livro da poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen foi comprado na Flip de 2004 e simplesmente ignoro o motivo que me levou a fazer tão boa compra. Volta e meio o folheava deliciado, mas só nestes dias li o livro de cabo a rabo. Se a apreciação crítica parte da satisfação que um livro nos dá no momento que o fechamos, posso dizer que este Poemas Escolhidos (Cia da Letras, 286 páginas,  2004) é excelente.

Trata-se de uma seleção dos poemas de Sophia realizada por Vilma Arêas. Como em toda a seleção, perde-se a unidade que haveria em cada livro, mas ganha-se na visão geral. Então, sem ler a fortuna crítica da poeta portuguesa, divido seus poemas em poemas do mar e da natureza, poemas da cidade, poemas político-filosóficos e poemas gregos (ou clássicos), pois a moça adorava uma citação a eles.

A vertente de que menos gosto é a clássica, até porque me falta bagagem para entendê-los completamente, mas mesmo neles ficam claras as notáveis qualidades de Sophia. Seus diálogos com outros poetas também são esplêndidos, como os que faz com Bandeira e Murilo Mendes, entre outros:

Manuel Bandeira (1967)

Este poeta está
Do outro lado do mar
Mas reconheço a sua voz há muitos anos
E digo ao silêncio os seus versos devagar

Relembrando
O antigo jovem tempo quando
Pelos sombrios corredores da casa antiga
Nas solenes penumbras do silêncio
Eu recitava
“As três mulheres do sabonete Araxá”
E minha avó se espantava

Manuel Bandeira era o maior espanto da minha avó
Quando em manhãs intactas e perdidas
No quarto já então pleno de futura
Saudade
Eu lia
A canção do “Trem de ferro”
e o “Poema do beco”

Tempo antigo, lembrança demorada
Quando deixei uma tesoura esquecida nos ramos da cerejeira
Quando
Me sentava nos bancos pintados de fresco
E no Junho inquieto e transparente
As três mulheres do sabonete Araxá
Me acompanhavam
Tão visíveis
Que um eléctrico amarelo as decepava.

Estes poemas caminharam comigo e com a brisa
Nos passeados campos de minha juventude
Estes poemas poisaram a sua mão sobre o meu ombro
E foram parte do tempo respirado.

Carta de Natal a Murilo Mendes (1975)

Querido Murilo: será mesmo possível
Que você este ano não chegue no verão
Que seu telefonema não soe na manhã de Julho
Que não venha partilhar o vinho e o pão

Como eu só o via nessa quadra do ano
Não vejo a sua ausência dia-a-dia
Mas em tempo mais fundo que o quotidiano

Descubro a sua ausência devagar
Sem mesmo a ter ainda compreendido
Seria bom Murilo conversar
Neste dia confuso e dividido

Hoje escrevo porém para a Saudade
— Nome que diz permanência do perdido
Para ligar o eterno ao tempo ido
E em Murilo pensar com claridade —

E o poema vai em vez desse postal
Em que eu nesta quadra respondia
— Escrito mesmo na margem do jornal
Na Baixa — entre as compras do Natal

Para ligar o eterno e este dia

Dentre os poemas do mar, há constantes referências ao passado de Portugal e aos navegadores. Vejam a beleza deste:

Mundo nomeado ou A descobertas das ilhas

Iam de cabo em cabo nomeando
Baías promontórios enseadas:
Encostas e praias surgiam
Como sendo chamadas

E as coisas mergulhadas no sem-nome
Da sua própria ausência regressadas
Uma por uma ao seu nome respondiam
Como sendo criadas

Como exemplo de poema de cidade, leiam a belíssima prosa poética abaixo:

Caminho da manhã (1962)

Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não são pretos: mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.

Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.

A política e a filosofia podem estar presentes de forma menos clara

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Ou claros como este:

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Dostoiévski ou Tolstói?

Ontem, um comentarista, que se identificou apenas como Pedro, me provocou com esta pergunta clássica. Começo respondendo que não acho lógica uma comparação entre seres humanos e romancistas tão diferentes entre si — seja nas posturas, seja nas vivências de cada um — , ao mesmo tempo que sei que nada é mais lógico do que comparar dois contemporâneos importantíssimos, como hoje fazemos com Saramago e Lobo Antunes, por exemplo. Outra mania que desejo evitar é o elogio de um para desvalorizar o outro. Este gênero de mau elogio fica melhor em jornais de província. Eu posso gostar de Drummond e João Cabral e, se elogiar este, não estarei menoscabando aquele. Talvez as pessoas gostem de comparar os dois russos pelo amor de ambos aos grandes painéis. Seus romances eram tudo: psicológicos, sociais, filosóficos, picarescos, metafísicos (no caso de Dostô) e tão grandes que empurraram as fronteiras dos gêneros para poderem se acomodar dentro delas.

Gosto de ambos por motivos muito diferentes. Tolstói talvez seja o maior de todos os narradores clássicos — por que não recebeu o Nobel se faleceu em 1910, hein? Seus romances são perfeitos, têm ritmo, excelente prosa, envolvem. Se o tivesse de comparar com alguém, seria com Turguênev ou com certa parte da obra de Tchékhov. A Morte de Ivan Illich não seria uma antecipação de Thomas Mann? Em minha opinião, sua grande obra é Anna Kariênina, além dos contos e novelas. Guerra e Paz é uma obra-prima, mas aquele epílogo semi-ensaístico é um saco, atrapalha todo o livro. Porém, enquanto Tolstói chegava ao ápice da forma clássica, Dostoiévki já sinalizava que aquilo estava ultrapassado.

Sim, notem a diferença fundamental de foco narrativo utilizado pelo dois canônicos russos. Tolstói era o típico narrador onisciente que, apesar de detalhista, não era capaz de abandonar sua posição aristocrática, o senso comum de sua época e o certo e errado da concepção cristã do mundo. Já Dostô, quando comparado a Tolstói, parece um alucinado. O narrador de Dostoiévski localizava-se sob a pele dos personagens, saltando de um para outro, deixando-se reger de tal forma por suas lógicas (ou loucuras) que fazia sumir o narrador-julgador. Não se sabe muito bem quem representa Dostoiévski em seus livros. Ele é cada personagem e o livro parece andar por si.

Tolstói tinha razão ao chamar os romances de Dostoiévski de mal-acabados. O acabamento era fundamental para clássicos como ele e Mann. E Tolstói não tinha razão ao chamar os romances de Dostoiévski de mal-acabados, pois livros como Crime e Castigo e O Idiota são sôfregos, nervosos e tão viscerais que, sob o filtro de Tolstói, se transformariam em outra coisa. Quem pensa em acabamento quando quer descobrir quem matou o velho Fiódor? E quem criticaria o acabamento absolutamente impecável da Parábola do Grande Inquisidor — apenas para me referir a dois temas de Os Irmãos Karamázov? Ora, Dostoiévski não estava preocupado com o acabamento porque as regras vigentes da beleza literária o atrapalhavam; porém, quando precisou, fez uso delas brilhantemente. Na verdade, uma das últimas preocupações que temos ao ler Dostoiévski é com o acabamento. Os personagens de Tolstói sofrem com dignidade, os de Dostô berram e se escabelam. Não obstante, o horror metafísico que cresce de O Idiota não fica nada a dever ao de Ivan Illich, até pelo contrário.

Enquanto Guerra e Paz é um panorama, Os Irmãos Karamázov aponta para o fim de uma era, como Dostô já fizera em Os Demônios. Tolstói é um burguês, Dostô pensa num apocalipse. Céus, são muito diferentes. E muito bons.

Dormir / Acordar

Dormir é a melhor coisa deste mundo. Nem leitura, nem diversão, nem uma boa mesa, nada se compara. Sexo então é fichinha perto. É um momento de magia quando você, só cansaço, cansaço da pesada, deita o seu corpo e a sua cabeça numa cama e num travesseiro. Ensaio, prosa, poesia, modernidade, tudo isso vai para o brejo quando você escorrega gostosamente da vigília para o sono. É o nirvana!

Raduan Nassar

Acordar, Viver

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.

Carlos Drummond de Andrade

Eu concordo com Drummond de segunda a sexta, e com Nassar no fim de semana. Fico meio aterrorizado com as coisas a fazer dos dias úteis, então durmo e acordo meio no susto. Prazer é no fim de semana, e o sinto tanto ao acordar como ao escorregar para o sono. Tenho sorte: desconheço a insônia.

-=-=-=-=-=-=-

Dia desses, eu estava conversando sobre música com uma violinista chinesa de Xiamen. Pelo MSN, claro. Ela é uma pessoa muito séria.

Então, Fang Liu pediu para ver uma foto minha. Eu mandei a foto abaixo. Ela ficou absolutamente enternecida, mas não pela filha do Idelber, a Laurinha…

É que ela pensou que no Brasil nós comêssemos com pauzinhos (chopsticks)…

Me deu o maior trabalho explicar-lhe que nós não os utilizávamos e, pior ainda, que eu não sabia usá-los, mas que estava ensinando à Laura.

— Se você ensina, como pode não saber?

Fang, caríssima, não posso explicar.

Frases brilhantes e curiosidades de todo tipo que coleciono há anos num arquivo (I)

Gosto de carros, de todos os esportes e de muitas outras coisas que nada têm a ver com prática literária. O prazer não me dá remorso. Onde não há prazer não há proveito, escreveu Shakespeare. Não sou como esses escritores que só sabem falar de literatura e cujas obras nunca se equivalem ao que sabem ou pensam saber. Falo de qualquer coisa, estou atento ao acontece ao meu redor. Não vivo num buraco, alimentando-me de sopa de letrinhas.

Sergio Faraco em entrevista para a Revista Aplauso, Nro. 44.

The cinema is not a craft. It is an art. It does not mean team-work. One is always alone; on the set as before the blank page. And for Bergman, to be alone means to ask questions. And to make films means to answer them. Nothing could be more classically romantic.

Jean-Luc Godard em “Bergmanorama”, Cahiers du cinéma (Julho de 1958)

A tranquilidade de espírito, a ausência de ansiedade, a ausência de medo: são estes os ingredientes da felicidade.

Iris Murdoch em Um Homem Acidental.

Agora, uma pequena amostra de trechos de e-mails. Meus amigos – dentre eles alguns blogueiros – não se mostraram maravilhosos, angustiados, adultos, felizes, tolos, bons, saudosos, inteligentes, bem comportados, engraçados, irritados, tolerantes, simpáticos, sentimentais, insuportáveis, provocadores…? Deixo quase todos anônimos, alguns por motivos óbvios, penso.

Algum tempo atrás, a BBC perguntou às crianças britânicas se preferiam a televisão ou o rádio. Quase todas escolheram a televisão, o que foi algo assim como constatar que os gatos miam e os mortos não respiram. Mas entre as poucas crianças que escolheram o rádio, houve uma que explicou:

— Gosto mais do rádio, porque pelo rádio vejo paisagens mais bonitas…

Quer saber? Adoro crianças. E, sem pretender nem de longe igualar-me a uma, a verdade é que gosto mais de livros do que de filmes porque naqueles vejo paisagens mais bonitas…. Com toda a franqueza, vou te dizer uma coisa que sei que pode soar como fazer gênero ou até hipócrita. Um dos termômetros que considero infalíveis para medir o caráter de uma pessoa é ver como ela se relaciona com crianças. Não precisa nem ser com os filhos: se alguém despreza crianças ou as machuca ou magoa de qualquer maneira, não interessa quantas qualidades possa ter: para mim é um mau caráter.

Naila Freitas

 

Milton, alguns elementos de RUSSO, assim de supetão.

Em russo, vermelho é “krassnii”. E a origem de “krassni” é a mesma do substantivo “beleza”; ainda hoje, pode-se usar “krassni” para classificar uma coisa de bela, numa linguagem assaz erudita – e um tanto antiquada. E “prekrassnii” – “krassnii” com um prefixo trivial – significa “maravilhoso”, na linguagem usual dos russos. Por acaso não torcemos INCLUSIVE para o time certo? Queres mais? Azul é “galuboy”… Eu, desde o inicio, achava que a palavra soava muito, mas muito estranha. Evitava pronunciá-la até. Pois sabe o que eu fiquei sabendo? O outro significado de “galuboy” é viado, puto, bicha… De novo, nós não torcemos INCLUSIVE para o time certo? A fonética é maravilhosa!

Por outro lado… Sabias que “vodka” é uma palavra que, originalmente, é uma derivacao carinhosa da palavra “vadah”, que significa água? E que o verbo beber é “pivv”, em russo, e que “piva”, o verbo substantivado, significa cerveja? Não é debalde que quando a gente enxergava o Ieltsin ele estava cambaleando…

Marcelo Backes, em momento politicamente incorreto.

 

Meus poucos prazeres andam se resumindo a emitir tais resmungos — que o X. ainda publica — na “elegante melancolia do crepúsculo”, como diria Chaplin (em Limelight).

Faltam as pequenas, acolhedoras livrarias – e faltam as moças de óculos, muito bonitas sem as lentes, de vista e pernas cansadas, após as passeatas de estudantes. Faz cem anos; liam Sartre (e, mais ainda, Simone); os filmes de Bergman enchiam de sombra cinemas de namorados e éramos jovens de um modo imortal, que não existe mais.

Saudade.

oi meu irmão

amo também Tarkovski, meu cineasta predileto.

sei cenas de cor. a impregnação poética, o silêncio palpitante como um animal ferido, a beleza melancólica, o outro lado úmido do espelho, o bafo dos animais, a extensão de campo do homem: “para um filme viver no tempo é preciso que o tempo esteja vivo dentro do filme”.

o único filme que eu ainda não assisti dele é Andrei Rublev. nem quero ainda. é como guardar uma esperança.

obrigado pelas tuas dicas.

abraços

Sei lá se tô metendo as fuças onde não sou chamada. Mas é que me dói ver pessoas que quero bem, tristes. E esta é uma constante, atualmente, à minha volta. Ela está triste. Muito triste. Havia anos que não a via assim.

É mais difícil esquecer os ódios do que os amores, de outro modo, é mais difícil (não) detestar de imediato o que me lembra o que mais odeio, do que amar mais do que aquilo que amo. Isto é, é mais difícil não detestar o Inter, por ligações diretas, no meu cérebro, ao Benfica, do que juntar ao clube que amo outros clubes para amar. Não sei se fui claro.

Por lealdade aos outros, e por acabar com o tempo concordando com o julgamento dessa colega (sobre como ser pragmática e focada num cesto de ofídios), é que coloquei-a em algum outro mundo. No início foi muito difícil, apagar simplesmente alguém que sabia de mim coisas tão doídas e profundas, e com quem eu me abria, por esse maldito jeito transparente demais, sempre sem filtro, sem qualquer maquete prévia. Acho que enxergar alguém com um pré-projeto definido foi o mais doído.

Recordo-me de meu pai me contar que a minha tia X. foi a tribunal por uma questão qualquer mesquinha. Então, o juiz, depois de minha tia prestar declarações disse – A senhora mente com todos os dentes que tem. Então, a minha tia voltou-se para o Juiz e disse – Meritíssimo tem toda a razão! Não estou a mentir. Abriu a boca e disse – Como V. Exa. pode verificar que nem um só dente tenho.

O lado afetivo é o mais importante na idade dela… Eu, pessoalmente, não pensava no ambiente (materialmente falando) e sim nas pessoas e no carinho que eu recebia, à essa época da vida…. Me lembre, dez anos tem ela, não?

Esse convívio numa atmosfera de carinho e de proximidade vale mais que vida em palácio, estou certo disso, por tudo que vivi …

Espero que todos estejam bem! Há meses que tenho estado ensimesmado com a empobrecedora dualidade “casa-trabalho”. Se o desencanto já era evidente em relação ao governo, com as últimas notícias ele se ampliou como nunca. Sobre isso, gostaria muito de conversar pessoalmente. Por enquanto, prefiro aguardar o desenrolar dos acontecimentos. No entanto, as notícias pinçadas em diferentes fontes não são alentadoras…

A novidade é que serei pai novamente! O rebento se chamará X. e já tem cinco meses.

Uma conhecida diz que ela não está gorda, o problema é a altura que não está de acordo, é muito baixa. Hauehauehauehauehauehuaeua…

 

Tentei ler As Ondas, da Virginia Woolf, em espanhol, mas achei complicado… Não seria melhor ler Borges em inglês? risos

 

Me separei com 36 anos. Imagine o bando de peruas maquiadas e vestidas para matar que eu encontrava nos bares em happy hours, dispostas a qualquer coisa. Mas também encontrei mulheres que estavam na delas, tranquilas, divertidas e dispostas a paqueras mais leves e lentas. Com algumas destas fiz amizade.

 

Quanto aos homens que encontrei pela frente durante este período, mais de 50% era casado, com filhos pequenos e querendo a eterna emoção da conquista. Nos noutros 45% estavam os doidos, os infantis, os separados querendo me botar na sua ” lista” de prováveis candidatas segunda relação. Encontrei bem poucos que queriam um amor e que estavam dispostos a investir tempo, cuidado e sensibilidade em sua construção. Apenas dois.

 

Perdi a conta dos casados que me cantavam na porta da geladeira de suas cozinhas, com a esposa na sala servido canapés a seus amigos, ela linda e jovem, inteligente e muitíssimo desejável. Acho que cantavam por… por costume… por exercício de machismo… por babaquice… por idiotia. Por acharem que, se eu não tinha um par, estava doida pra “dar” a qualquer um. Homens assim me tiraram a vontade de casar outra vez.

 

É verdade que seu estudo estatístico tem alguma substância. Entre as 64 advogadas e médicas (treinadas para atacar e defender, em teoria) há um grande número de desesperadas. Tenho algumas conhecidas assim. Uma delas até atacou um dos meus namorados na cozinha!

 

Pô, Milton, mas eu não sou um fauno, em absoluto. Sou um romântico…

 

Como imaginava, o almoço na casa de X. foi muitíssimo mais divertido do que o filme. Infelizmente, estou proibida pelo meu marido de contar tudo o que vi e de transcrever as conversas maravilhosas que tive e que ouvi. E que remédio tenho eu senão obedecer-lhe sem questionar. Mas não resisto a contar que as amigas da puta da ex-namorada do meu marido passavam pelo sitio onde eu estava, olhavam e iam-se embora. Iam àquele sítio da casa para me verem. Adoro a decadência.

 

Pois é. Ele escreve muito mal e esta é uma discussão muito presente no núcleo da revista. Pelo menos, conseguimos fazer com que ele não use mais parênteses dentro de parênteses…

 

Meu amigo querido,
as emoções começam a se aquietar em meu coração descompassado. Saiba que adoro Truffaut. Mesmo! E Jules et Jim é um dos filmes da minha vida! Aqui tb o frio resolveu aparecer para alegrar meus dias (sim, adoro o frio! Estamos com temperaturas mais baixas desde o fim de semana). E tb já percebi seu carinho para conosco, seus amigos. Essa intensidade é algo meio mágico, não é Milton? A virtualidade aproximando almas que se reconhecem, que se identificam. É assim que vejo e sinto. E isso, de alguma forma me salva.

 

Claro que Drummond entendia muito pouco de mulher, Milton. Frente a Vinícius, não entendia nada, com aquela cara de farmacêutico, arrependido de ter deixado Minas para colaborar com Gustavo Capanema, em pleno Estado Novo.

 

Lá na praia, Milton, você leva o CD… Nós ouviremos juntos na reunião de pauta tomando aquele tinto, lembra? Será impossível não dançarmos…