Prazer de rever Padura

Prazer de rever Padura
Pois é, já conversei com o Padura | Foto: Roberta Fofonka
Pois é, já conversei com o Padura | Foto: Roberta Fofonka

Sou fascinado pela boa prosa, escrita ou falada. Digo a vocês que o tema da palestra de Padura pouco me importou. OK, era um bom tema o da Insularidade, a maldita circunstância da água por todos os lados. Acompanhei com atenção adequada tudo o que ele disse sobre o malecón, o interminável muro de 60 cm de largura que separa Havana do mar e do resto do mundo, ouvi com prazer as histórias que envolviam meu amado Alejo Carpentier, gostei mesmo quando ele falou da pobreza e da fome dos anos 90, com tudo o que fica e vai, mas achei muito melhores as frases, a colocação cuidadosa e hábil dos pensamentos, como quando, por exemplo, ele explicou a sedução que o romance noir e o mal exercem sobre os escritores, quando falou nos absurdos que ele comete, em termos literários, quando ele e sua mulher criam um roteiro a partir do próprio livro, cortando quase todas as melhores frases e palavras para deixar tudo nas mãos das imagens. Nas mãos das imagens! Eu realmente estava adorando todas aquelas frases que finalmente me acalmaram e, em momento de puro prazer, me fizeram cabecear. Juro, fizeram e foi tão bom dormir aqueles 5 culpados minutos para voltar com tudo para as ondas de frases do espanhol de Padura!

Aí, só porque eu sou bobão mesmo, tirei uma foto inútil no escuro, com o celular. Estava bom, foi uma grande palestra sobre o fazer literário. Parecida com a que Mia Couto proferiu anos atrás na mesma Ufrgs. Gostei do público. Não estava lotado e quase ninguém perguntou sobre a política de Cuba. Já estão chatas as perguntas da direita sobre se há liberdade por lá, etc. Foi só uma pergunta:

— Falando com tanta franqueza, criticando e amando Havana, como é sua relação com os governantes do país?

— Eu não sei o que eles pensam de mim.

E todos riram.

Para terminar: Padura leu sua palestra. Correto. Sei que a esmagadora maioria dos brasileiros gosta da oratória. Eu não. Na minha opinião, vir com um texto na mão é respeitar o público. Prefiro a coisa à europeia.

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Valeu a pena ver Ian McEwan ontem no Araújo Vianna

Valeu a pena ver Ian McEwan ontem no Araújo Vianna

Ontem, fui assistir à palestra de Ian McEwan no Fronteiras do Pensamento. Foi uma boa palestra sobre seu projeto de literatura realista. O que me encantou é que foi uma fala de ficcionista, com as teses explicadas através de exemplos curiosos e engraçados. O resultado foi claro e elegante. McEwan não tentou dar soluções para o mundo, limitando-se ao campo da literatura, que já é suficientemente vasto. Muito tranquilo e pausado, de fala mansa, ele é um inglês que demonstra um surpreendente espírito italiano para se expressar. Mexe-se e usa os braços.

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Falou sobre a importância dos detalhes. Relatou que, para escrever Sábado, passou dois anos seguindo um amigo neurocirurgião. Muitas vezes, acordava às 6h e dirigia-se para o hospital a fim de observar a rotina do cara. McEwan contou que um dia estava numa sala tomando notas, vestido com um jaleco, e foi abordado por duas residentes de neurocirurgia que queriam assistir ao procedimento e o confundiram com o médico. Para saber se já havia aprendido o suficiente, ele conversou com elas por cinco minutos como um especialista o faria. Quis saber em que nível elas estavam e explicou-lhes a cirurgia. Elas não notaram nada de estranho nele.

Também seguiu uma juíza especialista em direito de família para criar Fiona Maye, narradora de A Balada de Adam Henry, uma respeitada juíza do Tribunal Superior da Inglaterra.

E falou dos erros que tais detalhes podem causar. Seus personagens já viram estrelas que só eram possíveis de ver no hemisfério sul em julho. Estavam em Veneza. Também em Sábado, seu médico fala de características que não existem em seu carro, um certo modelo de Mercedez Benz. Contou a história de William Golding e de seu O Senhor das Moscas, onde o menino de óculos tinha um problema visual que era corrigido por um tipo de lente que não poderia concentrar os raios solares para fazer fogo, mas que no livro fazia. Falou das cartas de leitores que apontavam estes erros e que ele os corrigia todos nas novas edições, mas que Golding negava-se.

Defendeu o realismo e os detalhes usando o exemplo da primeira página de A Metamorfose. Há algo extraordinário acontecendo, mas aquilo só se torna crível quando Kafka cita as perninhas. Há o sensacional início: “Quando, certa manhã, Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Mas o final do parágrafo é que joga a “realidade” na cara do leitor: Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos. Sim, o detalhe é que torna tudo crível.

Ao falar do humor, disse que não gostava das comic novels. Parece que o escritor está continuamente fazendo cócegas no leitor para que este ria. Ele prefere o humor que surge naturalmente, como consequência inevitável. Cria-se a situação humorística e a questão do quanto explorá-la.

Ao comentar seu último livro, Enclausurado, defendeu sua ideia de realismo:

— É biologicamente impossível que um feto narre histórias, mas considero que meu romance é realista, porque depois dos primeiros parágrafos, onde deixo claro o acordo que desejo estabelecer com o leitor, tudo o mais é escrito na tradição do realismo. Por exemplo, como a mãe bebe, o feto passa a fazer comentários avaliando a qualidade dos vinhos ingeridos e estabelece seus gostos como sommelier. E ouve um crime sendo preparado.

Também criticou acidamente Hollywood, dizendo que lá estão as piores pessoas. Como vários escritores, tentou enfiar à fórceps profundidade e inteligência em filmes para o grande público, mas disse que isto era muito raro e que foi vítima de uma traição em seu roteiro para O Anjo Malvado. “Em Hollywood, as pessoas são más como Maquiavel descreveu em O Príncipe. É como se tivéssemos penetrado na corte de César Bórgia”.

Bem, não vou resumir tudo. Vou apenas completar dizendo que a inabilidade do entrevistador Daniel Galera ia contra a boa qualidade do evento. Não é proibido ficar nervoso, mas é inaceitável não ouvir o palestrante. Galera conseguiu fazer perguntas amigáveis que sugeriam a negação daquilo que McEwan recém falara em sua palestra. Ou seja, devia estar tratando seu nervosismo ao invés de ouvir o inglês. Não tem o traquejo do entrevistador que leva mil perguntas pré-prontas e que evita aquelas que não contribuirão ou que farão a estrela repetir coisas. Galera é bom escritor e será complicado evitar tais eventos, mas tem de ser melhor orientado. Tulio Milman, mesmo desculpando-se por não ser um expert em literatura, foi muito mais interessante ao perguntar sobre o Nobel de Dylan, o Brexit, os filmes baseados em suas obras e sobre como despedir-se de um livro — esta talvez tenha sido uma pergunta da plateia.

Foi muito bom ver McEwan e comprar alguns volumes que faltavam, além de presentear a Bárbara com o esplêndido Na Praia. Também foi ver o Araújo Vianna quase lotado para ver um escritor, mesmo que nem todos saibam se comportar.

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A música de Dimitri Cervo hoje à noite

Como se dividir em dois (ou quatro): mitose ou meiose?

Há dias em que parece que todos se combinam para marcar eventos juntos. Vejam o que acontecerá nesta noite:

2) Às 19h30: Fronteiras do Pensamento com o economista Amartya Sen, Nobel de Economia e um dos idealizadores do Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, elaborado pela ONU para avaliar as condições de vida da população nos diversos países.

3) Às 19h: Lançamento do Projeto Simões Lopes Neto, no Centro Cultural Palacinho (Av. Cristóvão Colombo, 300), homenageando o centenário dos Contos Gauchescos.

4) Às 22h: Internacional x Fluminense pela Libertadores da América.

E 1) O compositor e pianista Dimitri Cervo, acompanhado de quarteto de cordas, apresenta-se às 19h, no Música na UFCSPA (acho que a sigla é esta, trata-se da ex-Faculdade Católica de Medicina ali da Sarmento Leite). O quarteto é formado por Elena Romanov e Ariel Polycarpo no violino, por Cosmas Griessen na viola e Philip Mayer ao violoncelo. A entrada é gratuita. Música brasileira e minimalista compõem o programa.

Dimitri Cervo começou a destacar-se nacionalmente em 1995, quando sua Abertura e Toccata recebeu o primeiro prêmio no Concurso de Obras Orquestrais do XV Festival de Londrina e foi executada por cinco orquestras brasileiras. Em 2006, lançou seu CD Toronubá, que recebeu o Açorianos de melhor CD erudito.

Suas obras já foram apresentadas em todos os estados brasileiros, e em países como Estados Unidos, Argentina, Paraguai, Portugal, França, Alemanha, Bulgária, Grécia, Suíça, Noruega, Israel e Sérvia.

O Música na UFCSPA é realizado no Salão Nobre da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, na Av. Sarmento Leite, 245, Centro.

Programa:
— Improviso Sobre temas da Abertura Brasil 2012, (para piano solo)
— Série Brasil 2000 n. 2 – Papaji (para violoncelo e piano)
— Série Brasil 2000 n. 6 – Aiamguabê (para piano e quarteto de cordas)
— Série Brasil 2000 n. 8 – Uguabê (para piano e quarteto de cordas)
— Minimalizei-te Baiãozinho! (para quarteto de cordas)
— Série Brasil 2010 n. 4 (para piano e quarteto de cordas)

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