Bamboletras recomenda dois helenistas e um jornalista

Bamboletras recomenda dois helenistas e um jornalista

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Dois livros extraordinários cujas concepções tiveram seus nascedouros na Grécia Antiga. A Casa dos Poetas é uma espécie de BBB grego e Autobiografia do vermelho é mais lírico e experimental. De quebra, recomendamos a biografia do sábio Olyr Zavaschi, jornalista gaúcho querido e professor informal de muita gente boa.

Excelente semana com boas leituras!

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Casa dos Poetas, de Leonardo Antunes (Zouk, 92 páginas, R$ 40,00)

Casa dos Poetas, de Leonardo Antunes, escancara seu DNA grego logo de início. Temos Dioniso, também conhecido como Baco, que entre outras atribuições, é o deus do teatro desde quan­do, na Atenas clássica, Ésquilo, Sófocles e Eurípides passeavam pelos palcos suas tragédias. Temos também a referência explícita a Aristófanes e àquela que é, talvez, a sua comédia mais inventiva: As Rãs. E, não menos importante, o povo brasileiro, convidado para assistir o espetáculo. Do que trata o espetáculo? O título dá a pista. Casa dos Poetas remete à alcunha do reality show de maior audiência na te­levisão brasileira, o Big Brother ou “A casa mais famosa do Brasil”. Como sabem até mesmo quem não acompanha realities ou não assiste televisão, mas vai à padaria, anda de taxi ou está no grupo da família no whats, a ideia do espetáculo é isolar em uma casa um grupo heterogêneo de “descolados” que, filmados o tempo todo, estarão à mercê dos espectadores, que escolhem os elimina­dos até que se aponte o vencedor. Ora, Dioniso é, a contragosto, o mestre de cerimônias e árbitro dessa reality original (ao que eu saiba ainda não foi feito um com esse mote) entre poetas. A peça se passa em tempos pandêmicos e, em respeito aos protocolos, Dioniso usa máscara e a “casa” foi transportada para o compu­tador, cada poeta em seu quadrado, mas, graças à tecnologia 3D, capaz de contracenar com o deus.

Autobiografia do Vermelho — Um Romance em Versos, de Anne Carson (Ed. 34, 192 páginas, R$ 52,00)

A canadense Anne Carson é uma das autoras mais reconhecidas e premiadas da atualidade, seja como helenista, ensaísta, crítica de arte, tradutora ou, principalmente, como poeta. Autobiografia do vermelho, seu livro mais celebrado, reúne todas essas facetas ao recriar, nos nossos tempos, o mito grego de Gerião, um monstro vermelho a quem Héracles teve de exterminar para cumprir um de seus doze trabalhos. Baseada na descoberta, nos anos 1960 e 70, de novos fragmentos da Gerioneida, poema lírico do grego Estesícoro (séculos VII-VI a.C.), Carson compõe este tocante “romance em versos” que transforma Gerião em um menino sensível e absorto e, seguindo o fio de um tempestuoso relacionamento amoroso com Héracles, nos apresenta uma peculiar história de amadurecimento.

Olyr Zavaschi: o legado de um homem cordial, de Mario de Santi (Vienense, 272 páginas, R$ 50,00)

Quem conheceu Olyr, sabe do grande jornalista e pessoa que ele foi. Meio caladão, quando abria a boca era para dizer coisas sábias e para das palpites exatos. Faleceu em 2011, aos 69 anos. Formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), começou a trabalhar como jornalista em 1968 no Diário de Notícias e ingressou na RBS em 1971. Comandou o processo de informatização dos jornais do Grupo. Foi ainda o responsável pela criação da Agência RBS de Notícias, alimentadora dos periódicos da rede. Sereno e cordial, foi um professor como poucos. Sua vida familiar e profissional está descrita nesta bela biografia de Mario de Santi.

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Ilíada, de Homero (trad. de Christian Werner)

Ilíada, de Homero (trad. de Christian Werner)
A capa externa da caixa homérica da Ubu Editora

Por Leonardo Antunes (*)

Há quatro anos, Christian Werner lançava sua tradução da Odisseia pela Cosac Naify. Àquela ocasião, Guilherme Gontijo Flores escreveu uma resenha para a Folha de São Paulo louvando o trabalho e celebrando o fato de que nosso sistema literário esteja produzindo novas traduções dos clássicos: um sinal de vitalidade de nosso meio, veredito com que concordo plenamente.

Agora pela Editora Ubu, Werner não só relança sua Odisseia como também publica uma tradução inédita da Ilíada. Salvo engano, creio que essa seja a tradução de Homero de mais longo período de gestação entre aquelas de que dispomos em português.

Digo isso porque, em 2002, quando iniciei meus estudos sob a tutela do professor, a tradução já estava sendo gestada. Desde então, Werner se tornou uma das figuras mais respeitadas no campo de estudos homéricos no Brasil, tendo também publicações e repercussão no exterior. Durante esses mais de 15 anos, vem se dedicando ao estudo dos poemas épicos gregos, tendo escrito inúmeros artigos e livros acadêmicos a esse respeito.

Creio que esse seja o grande diferencial de sua tradução, que Gontijo comparou, em 2014, à de Frederico Lourenço, também professor e pesquisador de literatura grega. Além de serem ambas oriundas de um cenário acadêmico, essas traduções também têm em comum o verso livre. Porém, creio que as semelhanças terminem aí.

Enquanto o texto de Lourenço parece focar-se na fluência como critério primeiro, a tradução de Werner, por sua vez, prima pelo cuidado extremo com a linguagem de Homero. Ela é concisa, como a de Odorico Mendes e de Haroldo de Campos, mas não pelo mesmo modo que a desses poetas, que buscavam impor uma dicção própria ao texto. A tradução de Werner é concisa pela emulação da parataxe grega, das frases coordenadas uma após outra, e que são vertidas com extremo rigor palavra por palavra, de modo quase interlinear.

É o tipo de trabalho que facilmente poderia se tornar infiel ao texto de partida em uma característica importantíssima: a da legibilidade – Homero, apesar de seu vocabulário vasto, não é difícil de ser lido por quem sabe grego. Mas também nisso Werner se mantém próximo ao texto do lendário aedo, evitando palavras desnecessariamente raras. Quando elas ocorrem, são para emular a raridade de um vocábulo pouco usual no texto grego ou para dar uma potencialidade de sentido precisa a um termo-chave para a interpretação da obra.

Ainda que a ordenação pouco usual da linguagem poética emulada por Werner possa causar um pouco de dificuldade de início, justamente por sua uniformidade cuidadosamente lavrada não demora para que o leitor se acostume com essa dicção que emula características fundamentais de Homero, jamais recriadas em português de forma tão criteriosa.

Também os paratextos, em que o tradutor explica minuciosamente suas escolhas e critérios, são um excelente apoio tanto para novos leitores de Homero quanto para estudantes da área. O box com os dois poemas conta ainda com o brilhantismo de uma introdução assinada por Richard P. Martin, no início da reedição da Odisseia.

Borges, que não sabia grego, dizia que conhecia bem Homero pela quantidade de traduções que tinha em sua biblioteca. Com essa nova tradução de Werner, nós também ficamos um pouco mais próximos de conhecer melhor o grande épico grego, pelas características que ficam tão bem aclaradas em sua tradução e em contraste com as demais.

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(*) Leonardo Antunes é poeta, tradutor e professor de Literatura Grega na UFRGS.

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