Um (tremendo) concerto secreto em Porto Alegre

Um (tremendo) concerto secreto em Porto Alegre

Porto Alegre é uma cidade curiosa. Parece oferecer pouco, pois as vias de informação em jornal e mesmo na internet passam por uma já longa crise, só que há coisas bem legais para se fazer e que não são descobertas.

O Caderno de Cultura de ZH quase não é lido — tem que ser assinante e muita gente fugiu do jornal por ser de direita e gremista. Na internet, não há um veículo confiável que reúna tudo. A Agenda Lírica ainda está se organizando. Então, os eventos têm de ser meio catados por aí.

Ontem, minha querida Elena avisou: o georgiano Guigla Katsarava vai tocar hoje no Instituto de Artes da Ufrgs, no Auditório Tasso Correa. Sim, sabemos que a Ufrgs não é uma casa de espetáculos. Sabemos também que o organizador do concerto, Ney Fialkow, não trabalha com publicidade. Divulgar algo desse quilate para a cidade seria função para jornalistas, só que… Bem, deixa assim. O que interessa é que fomos.

E vimos o melhor recital do ano na cidade. Katsarava tinha tocado em um concerto com a Ospa em junho do ano passado. Dias depois, apresentou-se na Casa da Música. Ou seja, sabíamos que se tratava de um pianista de impressionante técnica e sonoridade. Presentes na plateia, apenas os especialistas: pianistas, professores e alunos. Imaginem que a pianista Catarina Domenici chegou direto do aeroporto, sabendo que valeria a pena o esforço.

O programa começou com Grieg (Peças Líricas) e seguiu com duas peças de Scriabin. Depois, tivemos a Suíte Nº 2 para dois pianos de Rachmaninov — a partir daqui o excelente Ney Fialkow entrou em cena — e a surpreendente The Garden of Eden: Four Rags for Two Pianos, de William Bolcom. O bis foi talvez a melhor peça da noite: La Valse, de Ravel, em versão para dois pianos.

Ney e Guigla | Foto: Sala Cecília Meirelles
Ney e Guigla | Foto: Sala Cecília Meirelles

O nível esteve sempre lá em cima, foram interpretações de rara sensibilidade, mas gostei menos das obras dos russos Scriabin e Rach do que das outras.

A peça de Grieg é finalizada com a linda Bodas em Troldhaugen. A de Bolcom é puríssimo e fino fun, se posso me expressar assim. E La Valse é a vertiginosa apoteose da valsa vienense. Parece que nunca vai se realizar, mas depois acontece da forma surpreendente e nervosa. Dá a impressão do final de uma época. Ravel aparenta dizer: agora a alegria da valsa tem de lutar para chegar a nossos ouvidos.

Ele mesmo escreveu:

Através de nuvens, são vistos aqui e ali pares que valsam. A névoa se dissipa gradualmente, distinguindo-se um imenso salão povoado por uma multidão que baila. A cena se torna cada vez mais iluminada. As luzes dos candelabros se acendem. Situo este valsa num palácio imperial.

A dupla Katsarava e Fialkow vai se apresentar na Sala Cecília Meirelles amanhã, quinta-feira, no Rio de Janeiro, às 20h. Atenção, cariocas! Eu não perderia por nada. Ah, lá vai ter Bolcom e Ravel!

P.S. — Post escrito às pressas. Peço desculpas.

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Ospa: Quando o clima é acertado

Johannes Brahms: uma camada de gelo que esconde um vulcão

Como ontem era a data de aniversário de minha filha, não julguei CORRETO ir ao Concerto da Ospa. Achei melhor jantar em casa, essas coisas. Mas coloquei uma missão para meu dileto amigo Ricardo Branco: já que ele iria ao concerto, que escrevesse algumas linhas a respeito. Costumamos ir juntos aos concertos que ocorrem na Reitoria da UFRGS. (Ignoro o motivo que leva o Branco e sua esposa Jussara a não irem aos concertos da Ospa em outros cantos da cidade que não a UFRGS). Talvez, após esta introdução, ele venha aqui nos explicar sobre o estranho fato. Pois é bom ir aos concertos com eles! O Branco é meu amigo a obscenos 36 anos e nosso gosto musical é bem parecido. Então, antes de passar a palavra ao Ricardo Branco, deixo para vocês o programa do concerto de ontem e despeço-me:

Programa:
Mikhail Glinka: Abertura da ópera “Ruslan e Ludmila”
Camille Saint-Saëns: Concerto para Piano e Orquestra nº 2, Op. 22
Johannes Brahms: Sinfonia n° 1

Regente: Roberto Tibiriçá
Solista: Ney Fialkow

Ser chamado de Pai de algum movimento musical, como normalmente é referido Glinka, pode significar nada mais do que ser um antecessor dos grandes. Com efeito, a abertura da ópera Ruslan e Ludmila, não passava de um aquecimento para recuperar-nos da algidez que pairava lá fora. Atingida a tepidez indispensável, pudemos sorver o belíssimo chocolate quente do Concerto para piano Nº 2 Op. 22 de Saint-Saens. Já no solo inicial, em estilo de uma fantasia, entendemos a que o pianista Ney Fialkow viera. O tema melancólico estava bastante adequado à noite. Um concerto leve que demandava um piano enérgico. Por fim, um movimento bastante rápido onde a orquestra e osolista ganham volume e terminam numa série de arpégios. Sinceramente, não sei por que os pianistas preferem o Concerto Nº 2 de Rachmaninof a este. Talvez o motivo esteja ligado ao fato de eu não ser pianista e sim um ouvinte.

Totalmente aquecidos, chegou a hora de brandy, ou vinho. No caso um Borgonha de alta classe. Brahms, primeira Sinfonia. Carpeaux comentou que havia um crítico americano que sugeriu adicionar “em caso de Brahms” nas placas de saídas dos teatros. Talvez por isso, este país gerou tão tardiamente compositores dignos de nota.

Sempre vi Brahms como uma camada de gelo escondendo um vulcão. Nada mais apropriado para a noite. No primeiro movimento há mais tensão que nos dois seguintes. O segundo é bastante lírico e o terceiro é o típico Brahms de ritmos e texturas complexas. Alguns já a chamaram de décima de Beethoven, será por que o più sostenuto no quarto movimento lembra o andante da nona? Não importa, é musica das maiores.

Assim se passou a noite, o gelo lá fora e a OSPA aprumada, agraciando-nos com lavas sonoras. Um ótimo retorno do Uruguai.

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