Quando começou a crise do governo Dilma, eu disse que levaria duas décadas para que algo semelhante à esquerda voltasse ao poder. Mas não disse só isso.
Disse também que os afagos aos Evangélicos — afagos que quase todos os políticos amavam e amam fazer — logo implantaria uma vulgaridade sem precedentes em nosso país. Que haveria ataques à cultura e à laicidade. Que essa gente era bagaceira demais.
Eu trabalhava num jornal de meio de esquerda e quis criticar a presença de Dilma e Lula na inauguração de um templo evangélico. Fui vetado. Meus colegas jornalistas riram. Eu era o ateu apocalíptico, um sujeito meio louco perto da tolerância religiosa bacana deles… Eu dizia que também era tolerante — e sou mesmo — só que não aceitava a religião aliada à política. Mas estava virando uma figura folclórica.
Só que eu falava sério. Hoje, estou detestando pensar que tinha razão. Acho melhor se refugiar nos amigos, nos livros e na música. Lira presidente do Congresso? Um cara apoiado pelo governo genocida e que até esganou a mulher? O impeachment está cada vez mais longe? Gente, qual é a surpresa?
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No Fronteiras do Pensamento 2019, o psicanalista italiano Contardo Calligaris contou que seu pai protegeu vítimas do fascismo italiano e combateu na luta armada, correndo risco de vida e fazendo o mesmo com sua família. Também escondeu pessoas em sua casa e auxiliou um monte de gente, na maioria comunistas.
Quando o adolescente Contardo, orgulhoso de seu pai, perguntou-lhe porque ele fizera isso, esperava uma resposta altamente politizada. Mas ficou decepcionado (e irritado) com a resposta:
— Sabe, é porque os fascistas são muito vulgares.
Um juízo estético?
Acho que, hoje, no Brasil, muita, mas muita gente concorda com o Sr. Calligaris pai.
Continuando, Calligaris filho mostrou, então, duas imagens que, para ele, representam a vulgaridade fascista. Numa delas, crianças com arminhas, admiradoraszinhos de Mussolini, num protótipo perfeito da vulgaridade. Não preciso dizer a relação imediata que ele, voluntariamente, provocou em nós na plateia.
E, na outra, um grupo de fascistas queimando livros. No meio do grupo, um deles ri diretamente para a câmera. “Este cara com um chapéu e que está rindo. Eu acho que está rindo porque acha isso engraçado. Não só o que tem de profundamente vulgar é que ele está achando engraçado o que acontece, mas ele está supondo que nós olhando para este quadro estejamos achando isso engraçado também. Ele está imaginando que a gente vai rir com ele. Eu acho muito interessante isso. Eu gostaria de salientar que os fascismos teriam menos chances de existir – fascismo ou totalitarismos que sejam – se nós todos tomássemos uma atitude rigorosa de não rir das piadas idiotas. Nunca. Não tem nada que atrapalhe tanto um cretino quanto o fato de que, quando ele diz uma piada, ninguém acha engraçado.”