A morte de minha mãe e a eutanásia ausente

Minha mãe em 2007.

Este blog serve para várias coisas. Há as resenhas, as mulheres, o futebol, o cinema, as provocações e piadas, alguns comentários objetivos, mas quem tem um blog sempre acaba fazendo textos pessoais ou deixando escapar opiniões que jamais externaria em um meio mais formal, como, por exemplo, um jornal. Como minha mãe morreu na quarta-feira passada, 31/10, é natural que faça comentários sobre isso em meu espaço. Quanto mais não seja pela simples razão de que,  obviamente, é um dos assuntos mais presentes em meus pensamentos nestes dias.

A morte de minha mãe veio após longa doença e acredito que seu sofrimento deveria ter sido mais curto, ou seja, deveria ter sido dada à família a opção da eutanásia. Ela faleceu aos 85 anos e sofria, desde 2004, de uma doença muito parecida e irmã do Mal de Alzheimer: a Demência por Corpos de Lewy. Vários amigos que tiveram casos de Alzheimer ou de Lewy me alertavam para eu me preparar. Em fevereiro de 2007 — após uma queda em casa — ela passou a não mais caminhar. Também deixou de construir uma frase de mais de quatro palavras, raramente com sentido. Certa vez, chamei-a aqui de “minha bobinha feliz”. Ela vivia uma vida de total dependência, mas parecia satisfeita. Sua grande alegria era comer e nisto não se diferenciava muito de mim… Só que a doença seguia seu devastador curso e ela passou a simplesmente não interagir com as pessoas, até comer comia de olhos fechados. E, a partir de maio de 2011 — um ano e meio atrás — foi-lhe tirada sua única alegria.

Como ela não se dava conta mais de mastigar e engolir, parte do alimento ficava por muito tempo em sua boca e acabava indo para o pulmão. Este passou a funcionar muito mal. A asma eventual que ela sempre teve passou a ser regra. Eram várias nebulizações por dia, mas isso é apenas uma parte do problema. Foi-lhe colocada uma sonda. A comida passou a vir de uma garrafa plástica que ficava no alto de sua cadeira ou da cama e a ela ganhou um tubo de oxigênio para poder respirar.

Ou seja, minha mãe não interagia — foram meses e meses de visitas em que ela ficava de olhos fechados e, quando os abria, não acompanhava as pessoas, nem quando dirigíamos a palavra a ela — , não sentia o gosto de sua derradeira alegria — a comida — e respirava com auxílio de aparelhos. Uma mulher que era um furacão, como escreveu minha mulher no post abaixo, perdera toda a dignidade. Como se não bastasse, volta e meia agitava-se muito e confusamente, pois, apesar do oxigênio auxiliar, tinha fortes  crises asmáticas. Seu estado variava entre a completa apatia e zero de interação — suas maiores reações eram à temperatura da água durante o banho — e o sofrimento visível. Tinha a impressão de que ela gostava de ser beijada nas bochechas e na testa, mas é claro que nisto havia muito de desejo meu.

Digam-me, por favor, para que tudo isso? Por que minha mãe teve que sofrer tanto? Sei que não é permitida a eutanásia em nosso país, mas passei os últimos 18 meses querendo que ela fosse sedada e que fosse permitida à natureza agir. Era de opinião que deveriam cessar todas as ações que tivessem como objetivo prolongar sua vida. Todos trabalhavam em torno dela como se ela fosse se recuperar, mas só havia sofrimento naquela pessoa que mal parecia ser a Maria Luiza que conhecíamos. Durante o período, ela foi extremamente bem tratada. O pessoal da Villa Argento fez um trabalho magnífico. Ela passava todo o tempo deitada ou sentada, amarrada para não cair. Apesar disso, recebia tais cuidados que nunca teve escaras ou quaisquer sinais de mau tratamento. Minha irmã e eu sempre concordamos em lhe dar o mesmo que ela sempre nos deu, ou seja, tudo o que fosse possível, mas nunca imaginei aquele cenário. Este era o do sofrimento diário e confuso. Ela devia não entender de onde via a dor, o desconforto e a impossibilidade de respirar.

Para que meus sete leitores tenham uma ideia: na última visita que fiz a ela, acompanhado de minha filha e de minha mulher, ambas saíram de lá chorando. E, na minha opinião, ela estava muito bem naquele dia, respirava sem muito ruído e, bem, era um corpo tranquilo. Só. Como estava acostumado a coisas muito piores — grande agitação e forte asma — estava saindo de lá quase feliz, o que é um conformismo absurdo. Através de minhas acompanhantes, vi o estado de minha mãe.

Mas lhes digo uma coisa: toda vez que ia lá — não ia todos os dias — , mesmo que parecesse normal, acabava o dia em frangalhos. Alguma coisa do que via lá acabava penetrando em mim de tal forma que ia dormir mais cedo. Com certa indignação misturada à ironia (sou assim e não vou mudar), pensava: “hoje fui ver minha plantinha e fiquei desse jeito. Que merda”.

Passei meses desejando que alguém pudesse realizar NÃO um ato que provocasse a morte, mas nenhum que a impedisse. Porém, é claro, a Dra. Maria Luiza foi até o último dia segundo as regras da “ética” vigente. Tal fato tornou seu fim muito mais longo e sofrido para todos, principalmente para ela.

Mês 77: verdades estarrecedoras sobre o meu regime

Há quase um ano, publiquei um post chamado Mês 80. Ali, descrevia minha luta para descer dos 84 para os 80 quilos. Tenho 1,71m, acho que deveria chegar aos 73, 72, 71, mais ou menos. O primeiro ato do drama ocorreu entre novembro de 2010 e o início de março do ano passado. A técnica, descrita no post acima (com link), seria a de perder um quilo por mês, com calma. Os primeiros 4 foram bem tranquilos de perder mensalmente, mas os três que perdi no último ano foram duríssimos. Algumas lições:

1. Uma grande almoço ou jantar no fim de semana, por exemplo, gera cuidados extras que nos obrigam a cuidar de cada item ingerido até quarta ou quinta-feira. É uma punição atroz. Melhor bater bapo, provar de tudo e esnobar a gastronomia.

2. Como almoço na rua, próximo a meu local de trabalho, sei que é melhor comer sozinho. Sei lá, quando há companhia se come mais, pois há a conversa demora mais, a gente se serve mais uma vez de alguma coisa da qual gostou especialmente ou pega uma sobremesa. A amizade avaliza a esbórnia.

3. Mas o almoço é um poema perto do jantar. A gente chega em casa cansado e faminto, abre a geladeira e realiza o crime como uma vingança contra todas as iniquidades nos infligidas durante o dia. Na verdade, o corpo é uma merda, a memória de peso contida em nosso cérebro nos faz comer e comer sem se sentir muito lotado. É estranho. Consultem um especialista.

4. Mas tudo pode piorar. Quando se faz atividade física, a fome triplica e daí não adianta nada para efeito de peso, a menos que tivéssemos erguido bigornas na academia. Pois acabamos comendo mais calorias do que as gastas. É um dia para se ter cuidados especiais, certamente.

5. Acompanhar o peso diariamente na mesma hora do dia e sem roupas. Comemorar a cada 100g. É preciso extrair prazer dos números, se me entendem… Quando a coisa não anda, como nos parcos três quilos que perdi no último ano, há que pensar: “Mas quando comprei a porra dessa balança, ela marcava 84 e agora não chega nunca a oitenta”. Esse trabalho de auto-ajuda, tão criativo quanto as últimas colunas da Lya Luft, é fundamental. A gente tem que se considerar um vitorioso, entende?

Putz, olha, é foda.