Pollini em 18 de fevereiro de 2014

Pollini em 18 de fevereiro de 2014

Hoje foi um dia especialíssimo e irrepetível — quem sabe? — em Londres. Eu e Elena assistimos ao concerto de Maurizio Pollini no Royal Festival Hall, sala principal do Southbank Center. O programa era vasto, mas centrado em peças de Chopin e Debussy. Ele tocou o primeiro livro dos prelúdios do francês e peças esparsas do primeiro. O concerto foi dedicado por Pollini à memória de Claudio Abbado. Talvez isso explique a recolocação no programa da Sonata nº 2 para piano, Op. 35, cujo terceiro movimento é a célebre Marcha Fúnebre.

Tudo isso contribuiu para que a eletricidade estivesse no ar. Mas talvez o melhor seja passar a palavra para a Elena, que não tinha tido ainda muito contato com Pollini, enquanto que eu o conheço desde os anos 70, chamo-o de deus no PQP Bach e considero-o um dos maiores artistas vivos de nosso planeta, tão vulgar.

No intervalo, após uma série de Chopins, a Elena já me dizia: “Ele tem altíssima cultura musical e concisão. Enquanto o ouvia, pensava em diversa formas de reciclagem: ecológica, emocional, psíquica… Sua interpretação é a de um asceta que pode tudo, mas demonstra humildade e grandeza em trabalhar apenas para a música. Pollini não fica jogando rubatos e efeitos fáceis para o próprio brilho, mas me fez rezar e chorar. Que humanidade, que sabedoria! Depois desse concerto, minha vida não será a mesma”.

Foi a primeira vez que vi Pollini em ação, após ouvir dúzias de seus discos. Acho que não vou esquecer da emoção puramente musical — pois ela existe, como não? — de ouvir meu pianista predileto. Para Pollini ser absolutamente fabuloso, só falta o que não quero que aconteça e que já ocorreu com Abbado.

Foi isso que nos aconteceu hoje.

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Londres, 19 de fevereiro: Hyde Park e Southbank Center

Londres, 19 de fevereiro: Hyde Park e Southbank Center

Dia 19 foi um dia quase comum. Um dia de quem não tem maiores pressas. Estávamos em férias, certo? E, depois de ouvir Maurizio Pollini, tudo parecia menor. Ficamos na cama mais do que o esperado para quem está fazendo turismo. Conversamos muito, fazendo uma clara opção por nós e pelo turismo sinfônico. Depois, quando descemos, soubemos que poderíamos nos mudar para um quarto melhor. Maravilha. A mudança foi realizada e fomos passear no Hyde Park.

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Como disse, nosso hotel é muito bem localizado e fizemos quase tudo a pé neste dia. Atravessamos calmamente o Hyde Park. Acima, The Albert Memorial, o monumento que fica na frente do Royal Albert Hall, às margens do parque.

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Demos voltas e mais voltas.

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E preparamos a saída do parque pela Oxford Street a fim de chegarmos até a Primark. Afinal, Londres é uma cidade onde as roupas são muito baratas quando comparadas com os preços gaúchos e brasileiros. Aliás, acho que é uma boa viajar com duas mudas de roupas e malas vazias para lá. Ah, as malas também têm preços baixos. Acho que uma parte do custo da viagem pode ser obtido NÃO COMPRANDO nada de vestuário no Brasil, deixando tudo isso para Londres. Falo sério.

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À noite, para variar, voltamos a nosso turismo sinfônico, novamente no Southbank Center. Após meses ouvindo cordas discretamente problemáticas, foi um bálsamo para nossos ouvidos a perfeição da Filarmônica de Londres tocando música russa. Abaixo, o programa.

Mily Balakirev: Islamey, oriental fantasy
Aram Khachaturian: Piano Concerto
Vasily Kalinnikov: Symphony No.1

London Philharmonic Orchestra
Osmo Vänskä conductor
Marc-André Hamelin piano

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Não apenas a orquestra se mostrou espetacular como também o solista Marc-André Hamelin. Mas… vejam bem: no dia anterior tínhamos visto Pollini, então qualquer pianista nos pareceria apenas correto, normal. Mas… vamos lá. E não foi apenas isso: a orquestra, dirigida pelo finlandês Osmo Vänskä, tocou os russos como estes devem ser tocados. (Um dia, um amigo me disse que em sua orquestra havia dois arpistas, um italiano e outro russo. O primeiro tocava tudo como se fosse Verdi e o segundo tudo como se fosse Tchaikovsky). Bem, eles tocaram os russos adotando o sotaque russo e isto diz muito sobre a qualidade e o profissionalismo do conjunto àquilo que interpreta. A gente se sente respeitado e fica muito mais feliz.

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No final, minha bielorrussa — mesmo com Pollini na memória — prestou sua homenagem à Hamelin e ao armênio Khachaturian. E, falemos sério, que grande compositor foi Vasily Kalinnikov! Sua Sinfonia Nº 1 é grandíssima música.

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Londres, 18 de fevereiro: Wallace Collection e Maurizio Pollini

Londres, 18 de fevereiro: Wallace Collection e Maurizio Pollini

Para Gilberto Agostinho.

Será que este foi o melhor dia de nossa viagem? Acho que sim.

Quando nos dirigíamos para a Wallace Collection, caiu o maior toró e a bota Usaflex (conforto sem igual…) da Elena pegou-lhe uma peça nada engraçada. Apesar da boa aparência e da coisa ser “de marca”, entrava água por todos os lados. Eu pensava ouvir o som do chapinhar interno da bota. Tentamos nos esconder em vários lugares, mas a proximidade do pequeno museu fazia-nos avançar, mesmo na chuva. Quando chegamos lá, abriu o sol, claro.

Na minha opinião, The Wallace Collection é um dos melhores lugares do mundo. É uma casa linda e aconchegante que guarda uma coleção que pode não ser numerosa, mas de qualidade difícil de superar. Desta forma, não é cansativo como os grandes museus e a gente termina feliz a visita, no bar interno, comentando o que viu e falando apenas sobre arte, pois seria pouco respeitoso falar em coisas menores naquele ambiente. A Wallace está localizada na ex-residência — na verdade uma mansão nada humilde — de um colecionador que morreu no final do século XIX e cuja esposa transformou em museu e o estado encampou.

Vocês deveriam dar uma clicada no link da primeira linha a fim de ver tudo o que faz parte da Wallace. Tirei fotos de muitos quadros, mas vou colocar aqui apenas quatro. Dois estão aqui por sua beleza, o terceiro e quarto por serem curiosidades que mostram parte do espírito da coleção.

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The Music Party, de Jean-Antoine Watteau (1684-1721) é uma de minhas predileções desde sempre, assim como a pintura de que mais gosto de todo o museu:

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The Laughing Cavalier, de Frans Hals (1580-1666), certamente a pintura mais divulgada nos folders da Wallace. 

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Já a pintura acima está aqui pelo cômico. Aliás, várias obras da coleção de Sir Richard Wallace que contam histórias cotidianas. Há uma muito curiosa que resolvi agora mostrar para vocês:

Nicolaes Maes (1634-93)

The Listening Housewife, de Nicolaes Maes (1634-93), mostra o pecadilho de uma dona de casa que costumava ouvir as conversações amorosas de seus empregados. Não coloquei minha foto porque esta saiu escura, a do próprio museu é melhor… Ah, quando a gente vai ao banheiro, passa por uma “gravura” de Joseph Kosuth que contém somente uma citação, mas QUE citação:

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Depois, o bar. Igualmente localizado no centro do edifício, é um maravilhoso jardim coberto. E temos que registrar nossas caras alegres pós-Wallace. A Elena estava feliz, …

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… mais feliz …

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… e ainda mais feliz. (E não era só ela, vejam a gaitada da mulher que está na outra mesa, à esquerda da cabeça de Elena).

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Como a próxima atração seria o maior dos pianistas — Maurizio Pollini — começamos a falar sobre o estilo de diversos desses seres. A partir da foto em que estou “tocando” Bach, Elena corrigiu minha postura, arredondando meus dedos. Bem, então eu comecei a imitar os gestos delicados dos pianistas de tocam Schumann, …

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… o estilo grosseirão de quem vai atacar o percussivo Concerto N° 1 de Bartók, …

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… as singelas tentativas matemáticas de alguns quando tocam Bach, …

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e o jeitinho Glenn Gould de dialogar com Johann Sebastian:

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E então, ao final da tarde, fomos para o Southbank Center, localizado em mais um dos corações culturais de Londres. De um lado, o Parlamento e o Big Ben; de outro, o London Eye e o Southbank; no meio, o Tâmisa ao entardecer.

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O Tâmisa com Elena, ao entardecer.

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E às 19h, ele entrou no palco do Royal Festival Hall. Antes da sua entrada, o locutor do teatro anunciou que o repertório do recital — cuja primeira parte seria formada por obras de Chopin e a segunda por Debussy — fora ampliado por decisão de Pollini: era estava incluindo a Sonata N° 2 do compositor polonês na primeira parte. E completou dizendo que Maurizio dedicava pessoalmente o concerto à memória de Claudio Abbado. Aquilo fez com que um arrepio percorresse a espinha de todo o teatro, desde as primeiras e caras cadeiras até o lugar mais barato onde nos encontrávamos. Ato contínuo, enquanto o teatro com mais de mil pessoas mudava o tom da algaravia comum pré-concerto, traindo a emoção de todos, Pollini caminhou para o piano. Era o início de um dos maiores momentos de minha vida.

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Naquela noite, anotei no Facebook:

Hoje foi um dia especialíssimo e irrepetível — quem sabe? — em Londres. Eu e Elena assistimos ao concerto de Maurizio Pollini no Royal Festival Hall, sala principal do Southbank Center. O programa era vasto, mas centrado em peças de Chopin e Debussy. Ele tocou o primeiro livro dos prelúdios do francês e peças esparsas do primeiro. O concerto foi dedicado por Pollini à memória de Claudio Abbado. Talvez isso explique a recolocação no programa da Sonata nº 2 para piano, Op. 35, cujo terceiro movimento é a célebre Marcha Fúnebre.

Tudo isso contribuiu para que a eletricidade estivesse no ar. Mas talvez o melhor seja passar a palavra para a Elena, que não tivera muito contato com Pollini, enquanto que eu o conhecia de gravações desde os anos 70, chamando-o de deus no PQP Bach e considerando-o um dos maiores artistas vivos de nosso planeta, tão vulgar.

No intervalo, após uma série de Chopins, a Elena já me dizia: “Ele é um sábio. Tem altíssima cultura musical e concisão. Enquanto o ouvia, pensava em diversas formas de reciclagem: ecológica, emocional, psíquica… Sua interpretação é a de um asceta que pode tudo, mas demonstra humildade e grandeza em trabalhar apenas para a música. Pollini não fica jogando rubatos e efeitos fáceis para o próprio brilho, mas me fez rezar e chorar. Que humanidade, quanto conhecimento! Depois desse concerto, minha vida não será a mesma”.

Foi a primeira vez que vi Pollini em ação, após ouvir dúzias de seus discos. Acho que não vou esquecer da emoção puramente musical — pois ela existe, como não? — de ouvir meu pianista predileto. Já estava com pena dele, tantas foram as vezes que retornou ao palco para ser aplaudido. Para Pollini ser absolutamente fabuloso, só falta o que não quero que aconteça e que já ocorreu com Abbado.

Foi isso que nos aconteceu hoje.

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No intervalo, falávamos da facilidade telepática com que Pollini passava suas instruções ao piano, sobre a forma como ele depurara aquelas interpretações até chegar àquele ponto de limpidez e compreensão. E, inteiramente felizes e tranquilos, íamos registrando nossa presença.

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Pedimos que alguém tirasse uma rara foto de nós dois juntos.

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Ainda durante o intervalo, Elena mostra a cara de felicidade de quem está vendo algo especialíssimo. Aliás, o efeito Pollini foi duradouro e passou a atrapalhar os concertos seguintes. Tudo o que víamos era comparado a Pollini e sistematicamente derrotado….

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Depois, cometemos um jantar não previsto em nosso orçamento. Mas, digam-me, como evitar ficar bem locupletado após de tanta euforia e descobertas?

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Incrível! Prefeito do Rio pretende fundir orquestras sinfônicas da cidade…

O Southbank Center, em Londres, abriga quatro orquestras de primeira linha. É um Centro Cultural com três fantásticas salas de concertos dedicado à música, mas não pensem que não há outras orquestras sinfônicas na cidade. Elas estão espalhadas como times de futebol.

Foto: Bárbara Ribeiro

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, cidade de 8 milhões de habitantes e apenas quatro orquestras, o prefeito Eduardo Paes pretende que duas das orquestras mantidas parcialmente pela prefeitura — a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) e a Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera e Repertório (OSB O&R) — sejam integradas à Orquestra Petrobras Sinfônica (Opes), regida pelo maestro Isaac Karabtchevsky, seu “querido amigo”. Segundo o brilhante prefeito, o Rio precisa de apenas um conjunto sinfônico forte que, segundo ele, poderia se chamar OSB-Petrobras ou Petrobras-OSB.

O estranho é que ele não parece ter articulado nada, pois a Orquestra Petrobras Sinfônica reagiu, em nota, informando que “não tem interesse de se fundir a outro grupo, por defender a pluralidade artística”. Segundo a entidade, “ter uma orquestra única no Rio implicaria na diminuição da oferta de espetáculos, do mercado de trabalho e da abrangência geográfica dos concertos”. Estão certos.

Tal fato ocorre após a Prefeitura suspender o apoio de R$ 8 milhões anuais que dava à Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB), trocando-a por apoios a eventos esportivos certamente carentes de patrocinadores.

Contrariamente ao que pensa o prefeito — que tem tanta vivência com as artes que esqueceu da Orquestra do Municipal, também parcialmente sustentada pela Prefeitura … — as principais capitais do mundo têm, cada uma delas, uma dezena de conjuntos sinfônicos. Ele. em pose de vendedor, defende o dinheiro público tem que ser investido em coisas que de fato deem projeção à cidade…

— A posição do prefeito é absolutamente ridícula e lamentável — classifica o maestro Silvio Viegas, regente titular da Orquestra do Teatro Municipal. — É o mesmo que propor que Flamengo se una ao Vasco e que Botafogo se una ao Fluminense porque a cidade tem times demais.

O secretário municipal de Cultura, outra sumidade, concorda com o prefeito.

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