O feminismo do grande, imenso Um teto todo seu, de Virginia Woolf

downloadUm teto todo seu (A Room of One`s Own, 1929) é um dos mais surpreendentes livros da célebre ficcionista inglesa Virginia Woolf. A primeira surpresa é o fato de não ser ficção; a segunda é a absoluta ousadia no trato do assunto abordado: o feminismo. Mas há mais.

O livro nasceu a partir de duas palestras chamadas “As mulheres e a ficção”, proferidas por Virginia para a plateia essencialmente feminina da Sociedade das Artes, na Londres de outubro de 1928. O texto de Virginia tem a qualidade estupenda de seus livros da época. Mrs. Dalloway (1925), Passeio ao Farol (1927) e Orlando (1928) foram seus predecessores; As Ondas (1931) deu continuidade à série de obras-primas. Encrustado na sequência principal de romances de Virginia, o ensaio Um teto todo seu não decepciona de modo algum. O livro tem cerca de 140 páginas. Não pensem que ela o leu por inteiro em duas noites – algo como 70 páginas por dia – , na verdade o texto foi bastante ampliado para publicação logo após as palestras.

Intermezzo: é notável a sorte de Virginia Woolf no Brasil. Seus tradutores foram extraordinários: Orlando foi traduzido por Cecília Meireles; Mrs. Dalloway, por Mario Quintana; As Ondas e Entre os Atos, por Lya Luft em fase pré-Veja e pré-Yeda; Passeio ao Farol, por Luiza Lobo e Um teto todo seu, recebeu tratamento impecável de Vera Ribeiro. Muita, muita sorte. Fim do intermezzo.

Dotado da mesma prosa alegre e saltitante de Mrs. Dalloway e Orlando, Um teto todo seu trata do feminismo de forma levíssima, mesmo que afirme as coisas mais terríveis sobre a vida da mulher. Alegre, feliz e livre de todo rancor, como na foto abaixo, à esquerda, Virginia Woolf cria algumas imagens fortíssimas que ficaram célebres. A primeira é a da irmã de Shakespeare, Judith. Tão talentosa quanto o irmão, ela teria vivido subjugada por tarefas domésticas e todos os seus esforços para demonstrar seu talento teriam sido esmagados pela família. Então, desesperada, ela foge, apresenta-se num teatro de onde é sem mais nem menos enxotada, para depois prostituir-se e suicidar-se. A outra é da escritora fictícia Mary Carmichael. Ela não é muito boa, sua frase é dura e seu romance, que Virginia finge ler, é mais ou menos chato. Só que lá pelo meio há uma frase: “Chloe gosta de Olivia”. E então, finalmente, naquele livro bem ruinzinho, apareceu a Grande Mudança, pois às vezes mulheres gostam de mulheres, não?

Seu raciocínio, até desembocar na tese do Teto e das 500 libras anuais, é brilhante. Virginia Woolf parte das precursoras da literatura inglesa até chegar na grande explosão do século XIX, com o aparecimento de Jane Austen, das irmãs Brontë, Emily e Charlotte, além da grande George Eliot que, em verdade, chamava-se Mary Ann Evans. Suas obras-primas não nascem de gênios isolados, mas após anos e anos de labuta conjunta. A experiência apresentada por estas escritoras dá forma perfeita ao que veio antes, à tradição. Então, escreve Woolf, Jane Austen deveria ter depositado uma coroa de flores no túmulo de Fanny Burney e George Eliot deveria ter rendido homenagem à resoluta Eliza Carter, a bravíssima escritora que amarrava uma sineta na armação da cama de forma a não dormir muito e poder estudar grego. E todas elas deveriam derramar flores sobre o túmulo de Aphra Behn, que está enterrada – surpresa! – na Abadia de Westminster, pois foi ela quem começou a assegurar a todas o direito de dizerem o que pensam. Trata-se de parafrasear o velho e bom Newton, físico presente em quase todas as opiniões literárias da tradição inglesa que costuma sempre dizer que “Se vemos mais longe, é por estarmos em pé sobre ombros de gigantes”.

Woolf faz questão de deixar claro que, casualmente ou não, as escritoras que foram melhor sucedidas são aquelas que guardaram para si seu justo rancor. Se Austen ressentia-se contra sua sociedade e família – e ressentia-se, basta lê-la com profundidade – , tratou de passar ao largo das longas tardes em que escrevia seus livros na sala sob as constantes interrupções das “coisas que são tarefas de mulher”. (Pois as mulheres do século XIX nasciam e morriam trabalhando para os homens). De George Eliot nunca se ouviu nada, pois ela se fingia de homem… Porém, em Jane Eyre, Charlotte Brontë teve seu pior momento ao escrever claramente um trecho rancoroso, o que não fez Emily, de coração de poeta e maior talento. Ah, as questões seculares! García Márquez e Saramago e todos os que podem aspirar à imortalidade preteriram-nas em suas grandes obras em favor das parábolas.

O livro, escrito nove anos após as mulheres obterem direito de voto na Inglaterra, é uma ampla análise da situação da mulher e de sua relação com o dinheiro. Virginia Woolf insiste em que as mulheres precisam de duas coisas para criarem uma nova literatura: um teto todo seu, ou seja, um quarto que pudesse ser trancado à chave para escrever, e uma renda de aproximadamente 500 libras anuais. Para tanto, a mulher deveria trabalhar (Virginia fazia parte da Liga do Trabalho Feminino) a fim de obter alguma independência.

Sim, as teses estão bem amarradas – por exemplo, Virginia demonstra que todos os bons poetas de sua época são abastados… – , mas o milagre do livro é o que subjaz às teses. É o tremendo talento da autora para fazer nascer seus argumentos e frases num texto vertiginoso, agradável e sem lugar para gritos ou deselegância. É um feminismo dócil? De modo nenhum. É um feminismo culto, fino, esclarecido, isso sim. E duríssimo e de resultados.

Mais aqui, por Cássia Fernandes.

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FHC teria recebido milhões de dólares da CIA

Resenha do jornal Correio do Brasil sobre um livro recém lançado Brasil abre algumas caixas pretas das ligações entre o alto tucanato e a CIA.

LIVRO ACUSA FHC DE RECEBER MILHÕES DE DÓLARES DA CIA

Mal chegou às livrarias e Quem pagou a conta? A CIA na guerra fria da cultura — Frances Stonor Saunders (*), Record, tradução de Vera Ribeiro — já se transformou na gazua que os adversários dos tucanos e neoliberais de todos os matizes mais desejavam. Em mensagens distribuídas neste domingo pela internet, já é possível perceber o ambiente de enfrentamento que precede as eleições deste ano. A obra da pesquisadora inglesa, ao mesmo tempo em que pergunta, responde: Quem “pagava a conta” era a CIA, a mesma fonte que financiou os US$ 145 mil iniciais para a tentativa de dominação cultural e ideológica do Brasil, assim como os milhões de dólares que os procederam, todos entregues pela Fundação Ford a Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do país no período de 1994 a 2002. O comentário sobre o livro consta na coluna do jornalista Sebastião Nery, na edição deste sábado do diário carioca Tribuna da Imprensa: “Não dá para resumir em uma coluna de jornal um livro que é um terremoto. São 550 páginas documentadas, minuciosa e magistralmente escritas”. “Consistente e fascinante” (The Washington Post). “Um livro que é uma martelada, e que estabelece em definitivo a verdade sobre as atividades da CIA” (Spectator). “Uma história crucial sobre as energias comprometedoras e sobre a manipulação de toda uma era muito recente” (The Times).

DINHEIRO DA CIA PARA FHC

“Numa noite de inverno do ano de 1969, nos escritórios da Fundação Ford, no Rio, Fernando Henrique teve uma conversa com Peter Bell, o representante da Fundação Ford no Brasil. Peter Bell se entusiasma e lhe oferece uma ajuda financeira de 145 mil dólares. Nasce o Cebrap”. Esta história, assim aparentemente inocente, era a ponta de um iceberg. Está contada na página 154 do livro “Fernando Henrique Cardoso, o Brasil do possível”, da jornalista francesa Brigitte Hersant Leoni (Editora Nova Fronteira, Rio, 1997, tradução de Dora Rocha). O “inverno do ano de 1969” era fevereiro de 69.

FUNDAÇÃO FORD

Há menos de 60 dias, em 13 de dezembro, a ditadura havia lançado o AI-5 e jogado o País no ponto alto do terrorismo de estado pós-golpe de 64, desde o início financiado, comandado e sustentado pelos Estados Unidos. Centenas de novas cassações e suspensões de direitos políticos estavam sendo assinadas. As prisões, lotadas. Até Juscelino e Lacerda tinham sido presos. E Fernando Henrique recebia da poderosa e notória Fundação Ford, uma primeira parcela de 145 mil dólares para fundar o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). O total do financiamento nunca foi revelado. Na Universidade de São Paulo, sabia-se e se dizia que o compromisso final dos americanos era de 800 mil a um milhão de dólares.

A SERVIÇO DA CIA

Os americanos não estavam jogando dinheiro pela janela. Fernando Henrique já tinha serviços prestados. Eles sabiam em quem estavam aplicando sua grana. Com o economista chileno Faletto, Fernando Henrique havia acabado de lançar o livro “Dependência e desenvolvimento na América Latina”, em que os dois defendiam a tese de que países em desenvolvimento ou mais atrasados poderiam desenvolver-se mantendo-se dependentes de outros países mais ricos. Como os Estados Unidos. Montado na cobertura e no dinheiro dos gringos, Fernando Henrique logo se tornou uma “personalidade internacional” e passou a dar aulas e fazer conferências em universidades norte-americanas e européias. Era “um homem da Fundação Ford”. E o que era a Fundação Ford? Um dos braços da CIA, o serviço secreto dos EUA.

MILHÕES DE DÓLARES

1 – “A Fundação Farfield era uma fundação da CIA… As fundações autênticas, como a Ford, a Rockfeller, a Carnegie, eram consideradas o tipo melhor e mais plausível de disfarce para os financiamentos… permitiu que a CIA financiasse um leque aparentemente ilimitado de programas secretos de ação que afetavam grupos de jovens, sindicatos de trabalhadores, universidades, editoras e outras instituições privadas” (pág. 153).

2 – “O uso de fundações filantrópicas era uma maneira conveniente de transferir grandes somas para projetos da CIA, sem alertar para sua origem. Em meados da década de 50, a intromissão no campo das fundações foi maciça…” (pág. 152). “A CIA e a Fundação Ford, entre outras agências, haviam montado e financiado um aparelho de intelectuais escolhidos por sua postura correta na guerra fria” (pág. 443).

3 – “A liberdade cultural não foi barata. A CIA bombeou dezenas de milhões de dólares… Ela funcionava, na verdade, como o ministério da Cultura dos Estados Unidos… com a organização sistemática de uma rede de grupos ou amigos, que trabalhavam de mãos dadas com a CIA, para proporcionar o financiamento de seus programas secretos” (pág. 147).

4 – “Não conseguíamos gastar tudo. Lembro-me de ter encontrado o tesoureiro. Santo Deus, disse eu, como podemos gastar isso? Não havia limites, ninguém tinha que prestar contas. Era impressionante” (pág. 123).

5 – “Surgiu uma profusão de sucursais, não apenas na Europa (havia escritorios na Alemanha Ocidental, na Grã-Bretanha, na Suécia, na Dinamarca e na Islândia), mas também noutras regiões: no Japão, na Índia, na Argentina, no Chile, na Austrália, no Líbano, no México, no Peru, no Uruguai, na Colômbia, no Paquistão e no Brasil” (pág. 119).

6 – “A ajuda financeira teria de ser complementada por um programa concentrado de guerra cultural, numa das mais ambiciosas operações secretas da guerra fria: conquistar a intelectualidade ocidental para a proposta norte-americana” (pág. 45).

(*) O nome correto da autora é Frances Stonor Saunders e não como está na capa do livro.

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