Misoginia, vem aqui à mãe para levares tau tau

Misoginia, vem aqui à mãe para levares tau tau

Por Isabela Figueiredo, em seu perfil do Facebook

A escritora foi à escola do Douro falar sobre os seus livros, em particular, e sobre a leitura, em geral – com alunos do ensino secundário. Uma sala cheia, como gosta. Foi recebida pela pessoa responsável pela biblioteca. Perguntou-lhe se a escola tinha adquirido os livros sobre os quais ia falar. Não, senhora. A escritora declarou que essa tinha sido uma condição solicitada: aquisição de livros da autora para a biblioteca escolar. Um de cada. Bastava. “É que não é coerente nem profícuo falar com os alunos sobre livros se não estão posteriormente disponíveis para leitura.” A pessoa nada sabia sobre o assunto, mas gentilmente afirmou que podia falar com o senhor diretor, que disse ter a intenção de estar presente na conversa com os alunos. “Muito bem”, respondeu a escritora.

Subiram para o auditório. As turmas entraram com os professores. Primeiro o 12º ano, à frente, depois o 11º, entalado a meio da sala, a seguir duas turmas do 10º, que preencheram os lugares de trás. Alunos com bom ar. Giros. Interessados.

A escritora preparou o seu cenário de trabalho, o caderno, os livros, ajeitou as mesas, tal como precisava delas, e ficou sozinha à frente, à espera. Entrou um homem e colocou-se em pé, do lado esquerdo. Não falou com a escritora nem se apresentou. Pela atenção aos alunos parecia um professor acompanhante ou um auxiliar educativo, pensou a escritora, sem se preocupar. O homem foi trocando palavras com alguns alunos. O tempo passava e nada acontecia. A certa altura a escritora perguntou em voz alta, de forma a ser ouvida por toda a sala, “quem é que faz a introdução desta sessão?” Alguém haveria de saber. O homem respondeu “faço eu”. A escritora disse “ok” e aguardou. Eram 10h40. Às 10h45 perguntou a que horas acabava a sessão, porque precisava de calcular o tempo. O homem respondeu “às 11h30”. A escritora pensou “tenho pouco tempo” e avançou que era melhor começarem. O homem respondeu que estava à espera de uma turma de 10º. A escritora calou-se. O homem continuou a falar. Esperou-se. O homem conversava com alunos do 12º. A escritora olhou para o relógio e verificou que faltavam cinco minutos para as 11, altura em que afirmou: “temos de começar”. O homem conformou-se e anunciou “temos de começar sem os que faltam.” Começou por agradecer aos alunos a disponibilidade para estarem ali. A escritora pensou que a sessão decorria em tempo de aula, com os respetivos professores. O homem declarou que os hábitos de leitura eram importantes, ele próprio lia bastante no contexto da sua profissão. Neste passo do discurso, a escritora olhou-o. Ouviu-o agradecer aos alunos a sua presença ali. A dela, escritora. Voltado para os alunos. Anunciou que a escritora “vinha falar de um livro sobre cães.” A turma que faltava entrou, finalmente, e o homem resumiu para os recém-chegados aquilo que já tinha dito. A escritora pensou “lá se vão mais dois minutos.” Felizmente, o homem concluiu a introdução, percorreu a lateral na direção da porta e saiu. A escritora ficou a vê-lo sair, boquiaberta. Quando a porta se fechou a escritora ouviu-se a exclamar “mas foi-se embora? Mas ficamos sozinhos, só eu, os alunos e professores das turmas?” Os alunos riram-se, os professores das turmas puseram os dedinhos no ar, sim, estavam ali. A escritora não perdeu tempo: “ah, ok, tudo bem, vamos lá então começar, porque tenho muito pouco tempo para falar.” A mulher pega no “Caderno de Memórias Coloniais”, levanta-o bem alto e diz “trouxe este livro para oferecer à vossa biblioteca. A vós. É um livro do qual as bibliotecas não costumam gostar, não costumam adquirir por causa de um certo palavreado que vocês usam com abundância nos corredores, de maneira que resolvi trazê-lo eu para estar disponível sem constrangimentos. Se por acaso a leitura vos for negada, façam-me saber através das redes sociais. Tenho outros livros meus para vos oferecer, o que farei dentro em pouco, mas não quero sair daqui sem deixar este aviso.” E quando levantou o “Caderno” bem alto e disse “se a leitura vos for vedada avisem-me”, a mulher percebeu que estava capaz de limpar sebo. A pessoa responsável pela biblioteca disse lá do fundo “vai estar, vai estar.” A escritora respondeu “ótimo, perfeito, é isso que quero garantir.”

A conversa correu lindamente, embora o tempo fosse escasso. Os alunos mostraram interesse em ler. Um belo encontro, como é raro.

Lanço agora eu um desafio:

– quem seria o homem que apresentou a escritora do livro sobre cães? A escritora não faz ideia de como se chama.
– porque motivo o homem não se apresentou, não falou diretamente com a escritora, não lhe agradeceu a sua presença, não se despediu e nunca estabeleceu contacto visual?
– a escritora pergunta-se se teria tido a sorte de manter um ligeiro contacto formal, porém um contacto, caso fosse o Valter Hugo Mãe, o Afonso Reis Cabral, o José Luís Peixoto, o João Tordo ou, e isso, sim, seria relevante, o José Rodrigues dos Santos ou o “tenham noção”.

E é só isto que a escritora me pediu para relatar no Dia Internacional da Mulher. Por ser o dia que é e por ter prometido à sua alma que nunca mais calaria o que não pode calar-se.

Ilustração recolhida em https://www.annesiems.com/. Vejam o trabalho incrível de Anne Siems, a quem não pedi autorização para reproduzir a ilustração.

Se a autora aqui vier ter, informo que este texto não tem fins comerciais, peço desculpa e agradeço a sua ajuda.

Um Outro Futebol, de Roberto Jardim

Um Outro Futebol, de Roberto Jardim

A importância do futebol no Brasil não se reflete em nossa literatura. Há alguns grandes livros, mas o volume de publicações é infinitamente menor do que o espaço que o futebol ocupa na vida, na cabeça e nas conversas dos brasileiros, para não falar nos vastos espaços concedidos ao esporte nos veículos de comunicação. Então, quando é lançado um livro que faz uma minuciosa intersecção entre o esporte e a vida aqui fora — refiro-me à política, ao racismo, às ditaduras, à homofobia e ao futebol feminino, coisas que a imprensa, digamos, “não gosta muito de falar” — temos que saudá-lo.

A obra de Roberto Jardim cumpre brilhantemente o que promete. É realmente um outro futebol, uma outra abordagem. Temos 204 páginas de pequenos textos abordando fatos em sua imensa maioria desconhecidos do público futebolista. Eu mesmo, um viciado em futebol, ignorava a esmagadora maioria do que é (bem) narrado no livro. Há jogadores e técnicos que foram verdadeiros heróis e há tristes vítimas.

O que fica claro é que a intersecção que citei é bem maior do que se imagina. E todos os que pensam que o futebol não se mistura com política — que é o que diz fazer a Fifa, um dois vilões do livro –, minha nossa, não há nada que os defenda. O futebol é uma grande repositório de metáforas e conhecimento e, como tal, vive não apenas dentro das quatro linhas ou dos estádios.

Times de refugiados, times e jogadores insultados, mulheres proibidas de jogar futebol, lutas pela democracia em diversos países, farsas, homofobia, está tudo no livro de Jardim. Há muitos casos que deveriam ser conhecidos. Se tivéssemos mais futebol em nossa ficção, vários deveriam servir de inspiração a autores, tais suas forças. Por exemplo, o caso do jogador inglês Justin Fashanu — que li na fila para votar — me tocou profundamente pela absoluta falta de saída para um jogador que sai do armário. O bombardeio que ele sofreu foi implacável e deu no que deu. Outro exemplo, você sabia que o futebol feminino foi proibido no Brasil por Getúlio Vargas em 1941 e só permitido em 1979? Sim, o preconceito gerou 38 anos de proibição.

Confessadamente inspirado em Futebol ao Sol e à Sombra, de Eduardo Galeano, Um Outro Futebol é um grande livro que recebeu texto introdutório de Xico Sá e orelha de Sérgio Rodrigues.

Recomendo!

Obs.: o livro terá lançamento no próximo sábado (15 de outubro), às 16h30, na Bamboletras, com a presença de Luís Augusto Fischer, Leo Oliveira e de vocês!

Roberto Jardim

O texto completo do manifesto “Cem artistas francesas contra o puritanismo sexual de Hollywood”

O texto completo do manifesto “Cem artistas francesas contra o puritanismo sexual de Hollywood”

Fui dar uma olhada na repercussão. O primeiro comentário chamava Catherine Deneuve de senil. Caí fora.

Alguns trechos antes do texto completo.

“é a característica do puritanismo pedir emprestado, em nome do bem chamado bem geral, os argumentos da proteção das mulheres e sua emancipação para melhor vinculá-los ao status de vítimas eternas”

“Hoje somos alertadas para admitir que o desejo sexual é, por natureza, ofensivo e selvagem,”

“somos lúcidas o suficiente para não confundir uma investida inconveniente com um estupro.”

“Como mulheres, não nos reconhecemos neste feminismo que, além das denúncias dos abusos de poder, adquire uma face de ódio aos homens e sua sexualidade”

Esta “ânsia de enviar “porcos” ao matadouro”, apenas por terem tocado um joelho, tentado roubar um beijo” ou “falar de coisas ‘íntimas’ em um jantar profissional”.

As mulheres, segundo elas, podem “lutar pela igualdade salarial, mas não devem traumatizar-se por causa de importunadores no metrô, mesmo se isso é considerado um delito. As mulheres deveriam ver isso como a expressão de uma grande miséria sexual.”

O texto completo:

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DEFENDEMOS A LIBERDADE DE IMPORTUNAR, INDISPENSÁVEL À LIBERDADE SEXUAL

Em texto publicado no “Le Monde”, um coletivo de 100 mulheres, incluindo Catherine Millet, Ingrid Caven e Catherine Deneuve, afirma sua rejeição a um certo feminismo que expressa um “ódio aos homens”.

“Na sequência do caso de Weinstein, houve uma consciência legítima da violência sexual contra as mulheres, particularmente no local de trabalho onde alguns homens abusam do seu poder. Ela era necessária. Mas essa libertação do discurso torna hoje o seu oposto: somos intimadas a falar corretamente, silenciar o que incomoda e aquelas que se recusam a cumprir tais injunções são consideradas traidoras, cúmplices!

“Mas é característico do puritanismo pedir emprestado, em nome de um suposto bem geral, os argumentos da proteção das mulheres e sua emancipação para melhor vinculá-las ao status de vítimas eternas, coitadinhas sob a influência dos falocratas demoníacos, como nos bons velhos tempos da feitiçaria.

Delações e acusações

“De fato, #metoo iniciou na imprensa e nas redes sociais uma campanha de denúncia e acusação pública de indivíduos que, sem ter a oportunidade de responder ou se defenderem, foram colocados exatamente no mesmo nível que os agressores sexuais. Esta justiça expeditiva já tem suas vítimas, homens impedidos do exercício de sua profissão, obrigados a demitir-se, etc., quando seu único erro foi terem tocado um joelho, tentado roubar um beijo, falado sobre coisas “íntimas” em um jantar de negócios ou enviado mensagens sexualmente explícitas para uma mulher com a qual a atração não era recíproca.

“Essa febre de enviar “porcos” ao matadouro, longe de ajudar as mulheres a se emancipar, na verdade serve aos interesses dos inimigos da liberdade sexual, dos extremistas religiosos, dos piores reacionários e daqueles que acreditam, em nome de uma concepção substancial do bem e da moral vitoriana que o acompanha, que as mulheres são seres “à parte”, crianças com rosto de adulto, exigindo proteção.

“Diante disso, os homens são convocados a vencer sua culpa e encontrar, no fundo de sua consciência retrospectiva, um “comportamento mal colocado” que eles poderiam ter tido dez, vinte ou trinta anos atrás, e dos quais eles deveriam se arrepender. É a confissão pública, a incursão de promotores autoproclamados na esfera privada, que instaura um certo clima de sociedade totalitária.

“A onda purificatória parece não ter limites. Aqui, censuramos um nu de Egon Schiele em um cartaz; ali pedimos a remoção de uma pintura de Balthus de um museu com base em que seria uma apologia à pedofilia; na confusão do homem e da obra, pedimos a proibição da retrospectiva Roman Polanski na Cinémathèque e obtemos o adiamento daquela dedicada a Jean-Claude Brisseau. Uma acadêmica considera o filme de Michelangelo Antonioni Blow Up “misógino” e “inaceitável”. À luz deste revisionismo, John Ford (The Prisoner of the Desert), e até mesmo Nicolas Poussin (The Abduction of the Sabines) não estão numa situação melhor.

“Alguns editores já estão pedindo a algumas de nós que façamos nossos personagens masculinos menos “sexistas”, que falemos sobre sexualidade e amor com menos desmedida ou ainda que deixemos o “trauma sofrido pelas personagens femininas” mais óbvio! À beira do ridículo, um projeto de lei na Suécia quer impor um consentimento explicitamente notificado a qualquer candidato para relações sexuais! Só mais um esforço e dois adultos que quiserem dormir juntos deverão preencher via um “App” em seu telefone celular um documento em que as práticas que eles aceitam e aquelas que eles recusam serão devidamente listados.

Indispensável liberdade de ofender

“Ruwen Ogien defendeu uma liberdade de ofender indispensável à criação artística. Do mesmo modo, defendemos a liberdade de importunar, indispensável à liberdade sexual. Somos hoje suficientemente conscientes para para admitir que a pulsão sexual é por natureza ofensiva e selvagem, mas também somos suficientemente clarividentes para não confundir paquera desajeitada e assédio sexual.

“Acima de tudo, temos consciência que a pessoa humana não é monolítica: uma mulher pode, no mesmo dia, liderar uma equipe profissional e gostar de ser o objeto sexual de um homem, sem ser uma “vagabunda” ou uma vil cúmplice do patriarcado. Ela pode cuidar para que seu salário seja igual ao de um homem, mas não se sentir traumatizada para sempre por um esfregador no metrô, mesmo que isso seja considerado um delito. Ela pode até mesmo considerar isso como a expressão de uma grande miséria sexual, como um não-evento.

“Como mulheres, não nos reconhecemos neste feminismo que, além da denúncia de abusos de poder, toma forma de ódio aos homens e à sexualidade. Acreditamos que a liberdade de dizer não a uma proposta sexual não existe sem a liberdade de importunar. E consideramos que é preciso saber responder a essa liberdade de importunar de outra forma que se encerrando no papel de presa.

“Para aquelas de nós que escolhemos ter filhos, sentimos que é mais sensato criar nossas filhas de modo que sejam suficientemente informadas e conscientes para viver suas vidas sem se deixar intimidar ou culpabilizar.

“Os acidentes que podem tocar o corpo de uma mulher não atingem necessariamente sua dignidade e não devem, por mais difíceis que possam ser, necessariamente torná-la uma vítima perpétua. Porque não somos redutíveis ao nosso corpo. Nossa liberdade interior é inviolável. E essa liberdade que estimamos não vem sem riscos ou responsabilidades.”

As redatoras deste texto são: Sarah Chiche (escritora, psicóloga clínica e psicanalista), Catherine Millet (crítica de arte, escritora), Catherine Robbe-Grillet (atriz e escritora), Peggy Sastre (autora, jornalista e tradutora), Abnousse Shalmani (escritora e jornalista).

Assinam também: Kathy Alliou (curadora), Marie-Laure Bernadac (curadora geral honorária), Stephanie Blake (autora de livros infantis), Ingrid Caven (atriz e cantora), Catherine Deneuve (atriz), Gloria Friedmann (artista visual), Cécile Guilbert (escritora), Brigitte Jaques-Wajeman (diretora), Claudine Junien (geneticista), Brigitte Lahaie (atriz e apresentadora de rádio), Elisabeth Lévy (editora-chefe da Causeur), Joëlle Losfeld (editora) Sophie de Menthon (presidente do movimento ETHIC), Marie Sellier (autora, presidente da Société des gens de lettres).

Cartas recém reveladas de Sylvia Plath citam abuso doméstico cometido por Ted Hughes

Cartas recém reveladas de Sylvia Plath citam abuso doméstico cometido por Ted Hughes

A correspondência inédita entre a poetisa e sua antiga terapeuta registra acusação de espancamento por parte do marido e o desejo explícito de que ela morresse.

Traduzido livremente do Guardian

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Numa carta dirigida a sua antiga terapeuta, Sylvia Plath (1932-1963) escreveu que seu marido, Ted Hughes (1930-1998), vencera. Isso dois dias antes de ela abortar o segundo filho do casal. Também escreveu que Hughes queria vê-la morta. É o que diz nas cartas de Plath. As duas acusações estão entre as revelações mais explosivas de uma correspondência inédita escrita durante um dos casamentos mais famosos e destrutivos da literatura.

Escritas entre 18 de fevereiro de 1960 e 4 de fevereiro de 1963, uma semana antes de sua morte, as cartas cobrem um período da vida de Plath que permaneceu até hoje desconhecido tanto para leitores como para estudiosos. A escritora norte-americana, que viveu estes anos na Inglaterra, era uma prolífica escritora de cartas e mantinha diários detalhados desde a idade de 11 anos. Porém, após sua morte, Hughes declarou que os diários de Plath daquela época foram perdidos, incluindo o último volume que, estranhamente, ele disse ter destruído para proteger seus filhos, Frieda e Nicholas.

Enviada sempre para a Dra. Ruth Barnhouse — o modelo para a Dra. Nolan na novela autobiográfica de Plath, A Redoma de Vidro, e que tratou o escritora nos EUA após sua primeira tentativa de suicídio em agosto de 1953 — a correspondência é entendida como os últimos textos sem censura escritos por Plath em seus meses finais, junto de algumas de suas poesias mais famosas, incluindo as da coletânea Ariel.

Assia Wevill
Assia Wevill

As nove cartas escritas após Plath descobrir a infidelidade de seu marido com sua amiga Assia Wevill em julho de 1962, formam o núcleo da coleção. Também estão incluídos registros médicos a partir de 1954.

O tratamento de Plath com Barnhouse terminou quando a poeta mudou-se para Inglaterra mas as duas seguiram uma amizade muito íntima que tem sido foco de estudo de scholars.  A correspondência revela uma intimidade tranquila e acolhedora, bem como um grande senso de humor.

Além de expor sua dor pela descoberta do adultério de Hughes, as passagens mais chocantes revelam a acusação de abuso físico (espancamento) sofrido por Plath pouco antes de abortar seu segundo filho em 1961. E na carta datada de 22 de setembro de 1962 — no mesmo mês em que os poetas se separaram — ela diz ter sido espancada por Ted. Vários dos poemas de Plath abordam o aborto, como Parliament Hill Fields.

A extensão do distanciamento do casal durante este período é revelada em outra carta da coleção, datada de 21 de outubro de 1962, em que Plath escreve para Barnhouse contando que Hughes lhe disse diretamente que a desejava ver morta. Embora Plath tivesse uma história de depressão e auto-agressão, e tivesse tentado se matar em 1953, ela apenas revelou tais episódios para Hughes após o casamento.

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As cartas foram escritas numa época em que Plath estava temendo por seu estado mental. Era o período da desintegração de um dos mais famosos casais literários do século XX. Hughes, nascido em Yorkshire, conhecera Plath enquanto ambos estudavam na Universidade de Cambridge em 1956. Hughes já era um poeta estabelecido e ela tinha ido a uma festa no dia 25 de fevereiro daquele ano com o desejo expresso de conhecê-lo. Quatro meses depois, eles se casaram e formaram rapidamente uma formidável e mutuamente benéfica parceria criativa que resultou na obra de Hughes, Hawk in the Rain, e na novela semi-autobiográfica de Plath, A Redoma de Vidro.

O fascínio público com o relacionamento era grande, ainda mais que a produção criativa de ambos se baseava em experiências de vida. Em outubro de 1962, Plath escreveu a maioria dos poemas que seriam incluídos em Ariel — publicado postumamente em 1965 — que inclui muitas referências e iconografias interpretadas como sendo sobre Hughes. Estes incluem as linhas em Daddy: “I made a model of you, / A man in black with a Meinkampf look / And a love of the rack and the screw” (“Eu fiz um modelo de você, / Um homem de preto com um olhar de Meinkampf / E um amor de cremalheira com parafuso”). Plath escreveu para sua mãe durante este período: “Eu estou escrevendo os melhores poemas da minha vida. Eles farão o meu nome”.

Décadas mais tarde, em Birthday Letters, de 1998, Hughes falou sobre seu tempo com Plath, sobre a tempestuosa ligação e as consequências da morte da mulher. O livro foi sua resposta final aos críticos feministas que, nos anos 70, acusaram Hughes a respeito do tratamento que dava a Plath. Durante esse tempo, ele foi várias vezes interrompido com gritos de “assassino” em suas leituras. A feminista norte-americana Robin Morgan publicou o poema The Arraignment, que começa com a frase “Eu acuso Ted Hughes”. Plath foi sepultada e na lápide lia-se Sylvia Plath Hughes, por insistência dele. Ela foi alvo de “vândalos” que removeram o sobrenome do marido, que sempre colocava o Hughes de volta.

Grave1Em sua coleção de 1998 Howls and Whispers, Ted citou uma das respostas de Barnhouse a Plath, em setembro de 1962, no poema de título: “And from your analyst: ‘Keep him out of your bed. Above all, keep him out of your bed’” (E se seu analista: Deixe-o fora da cama, deixe-o fora da cama). Em 2010, a aparente palavra final de Hughes sobre o relacionamento turbulento foi publicada sob a forma de seu poema Last Letter, que descreve o que aconteceu nos três dias antes de sua esposa morrer.

O nome de Hughes foi diversas vezes recolocado por ele na lápide de Plath
O nome de Hughes foi diversas vezes recolocado por ele na lápide de Plath

Bem, os estudiosos de Plath elogiaram a alta qualidade e as informações contidas nas cartas recém encontradas. Elas estão sendo publicadas em livro. O primeiro volume já saiu. O co-editor Peter K Steinberg disse: “É um incrível material que tinha ficado totalmente fora do radar”, Citando as poesias “sensacionais” que Plath escreveu em outubro de 1962: “É possível que Plath fizesse uma catarse ao escrever para a Dra. Barnhouse e que, ao fazê-lo, sentia-se livre para escrever aqueles poemas explosivos e duradouros”.

Andrew Wilson, autor de Mad Girl’s Love Song, sobre a vida de Plath antes de conhecer Hughes, disse que a correspondência com Barnhouse fornecem uma inestimável visão das origens de sua batalha contra a depressão. Elas formariam “o elo perdido” entre sua biografia e história literária. “Essas cartas parecem capazes de preencher certas lacunas de nosso conhecimento e lançam novas luzes sobre o casamento turbulento e controverso entre Plath e Hughes”, disse ele.

Por incrível que pareça, o arquivo chamou a atenção dos estudiosos da Plath após um vendedor de livros raros anunciá-lo on-line para venda.

Com todo o barulho provocado pela descoberta, Carol Hughes, a viúva do poeta, tratou de rebater: “As alegações feitas por Sylvia Plath em cartas inéditas para sua psiquiatra, sugerindo ter sido espancada por Ted Hughes, dias antes de ter abortado o segundo filho, são tão absurdas quanto chocantes para quem conhecia bem Ted”.

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Bicampeã mundial de xadrez recusa-se a usar veste islâmica e não vai defender seus títulos na Arábia Saudita

Bicampeã mundial de xadrez recusa-se a usar veste islâmica e não vai defender seus títulos na Arábia Saudita

Parte da esquerda — trincheira à qual pertenço — adora o Islã, que dá guarida para a misoginia, a homofobia, o assassinato de apóstatas e as pseudociências. Não entendo. Entendo é a ucraniana Anna Muzychuk, bicampeã do mundo de xadrez. Ela não irá defender seus títulos no campeonato mundial feminino que tem lugar na Arábia Saudita.

Mulher vestindo abaya.
Mulher vestindo abaya.

Em  publicação na sua página de Facebook, Anna escreveu que prefere defender a igualdade de gênero e ser fiel aos seus princípios: “Não quero jogar pelas regras de outros, não quero usar abaya [veste islâmica para as mulheres que na Arábia Saudita é obrigatória], não quero ter de andar acompanhada para sair e, no geral, não quero me sentir uma criatura secundária”.

“Estou preparada para me erguer pelos meus princípios e não ir a um evento onde, em cinco dias, deveria ganhar mais do que ganho numa dezena de eventos juntos”, explicou Muzychuk, acrescentando que “tudo isto é irritante, mas o mais perturbador é que quase ninguém se preocupa”, acrescentou.

Em fevereiro deste ano, a campeã norte-americana Nazi Paikidze recusou-se a participar no mundial feminino no Irã, devido à obrigatoriedade do uso de um véu na cabeça. Nessa competição, Anna Muzychuk participou e aceitou utilizar o véu, algo que considerou “mais do que suficiente”.

Numa outra publicação na sua página pessoal, em novembro, Anna Muzychuk justificou a decisão: “Primeiro o Irã, depois a Arábia Saudita. Pergunto-me onde será organizado o próximo campeonato mundial feminino. Apesar do prêmio recorde, não irei jogar em Riad. Usar abaya o tempo todo? Tudo tem o seu limite”, escreveu.

Do Facebook da enxadrista.
Do Facebook da enxadrista.

Com informações da esquerda.net

Você sabia que Martinho Lutero foi um precursor do feminismo?

Você sabia que Martinho Lutero foi um precursor do feminismo?

Tradução livre (*) a partir de uma postagem em russo
da psicóloga e escritora Nuné Barseghyan.

Quinhentos anos da Reforma. Obrigado, Lutero, pelo dia de folga.

Todos sabem que Lutero contribuiu para a saída de um grande número de freiras dos conventos, mas não com a finalidade de que estas caíssem numa vida dissoluta, e sim para que tivessem uma vida honesta, centrada na Religião e dentro do permitido pelas Escrituras. A intenção era a de que elas seguissem se desenvolvendo espiritualmente.

Mas o mundo, há quinhentos anos atrás, era um lugar muito pior, mesmo que seja difícil acreditar. Na época, ninguém era punido por abuso sexual, pois o fato era considerado corriqueiro, normal. E uma mulher que vivia sozinha, convidava e apontava o caminho para o abuso.

E as pobres freiras tinham que casar. Caso contrário, não poderiam sobreviver honestamente.

Marinho e Catarina
Marinho e Catarina

Uma freira chamada Catarina, que foi provavelmente colocada na Roda dos Expostos, entregue a um convento a fim de que a família se livrasse de uma boca supérflua, não queria se casar de jeito nenhum. Na opinião de alguém que era freira por convicção, o casamento era um terrível erro. Como se não bastasse, ninguém queria se casar com ela por ela ter um rosto feio.

Ela ficou ainda muito tempo sozinha, então Lutero pediu-a em casamento. Ele era um celibatário convicto, mas decidiu salvar a mulher. O casamento foi muito feliz, como sabemos.

Mas nem todo mundo sabe que Lutero, nesta sociedade machista, estava um dia sentado entre homens em uma mesa discutindo todo o tipo de questões prementes relativas à Reforma Religiosa, quando, repentinamente, num ato desafiador e após ouvir todos os colegas homens, voltou-se para a esposa, que servia à mesa, e perguntou: “O que você pensa sobre isso, Frau Luther?”

Frau Luther deu sua opinião detalhadamente, tendo deixado o grupo estupefato. Todos ficaram em transe, impossível imaginar um choque maior. Como assim? Desde quando se ouve uma mulher?

Mas então o Lutero deu o tiro de misericórdia: “Sente-se conosco à mesa para o almoço, querida!”

Se não fosse o próprio Lutero, talvez os homens o agredissem, tamanho o absurdo da atitude. Era um tremendo acinte, uma enorme provocação aos outros comensais.

Eu hoje estou pessoalmente muito agradecida a ele. Posso viver sozinha, sem precisar de autorização. Ninguém acha isso inadequado ou incomum.

Danke, Martin Luther!

(*) Por Elena Romanov e Milton Ribeiro

O feminismo do grande, imenso Um teto todo seu, de Virginia Woolf

downloadUm teto todo seu (A Room of One`s Own, 1929) é um dos mais surpreendentes livros da célebre ficcionista inglesa Virginia Woolf. A primeira surpresa é o fato de não ser ficção; a segunda é a absoluta ousadia no trato do assunto abordado: o feminismo. Mas há mais.

O livro nasceu a partir de duas palestras chamadas “As mulheres e a ficção”, proferidas por Virginia para a plateia essencialmente feminina da Sociedade das Artes, na Londres de outubro de 1928. O texto de Virginia tem a qualidade estupenda de seus livros da época. Mrs. Dalloway (1925), Passeio ao Farol (1927) e Orlando (1928) foram seus predecessores; As Ondas (1931) deu continuidade à série de obras-primas. Encrustado na sequência principal de romances de Virginia, o ensaio Um teto todo seu não decepciona de modo algum. O livro tem cerca de 140 páginas. Não pensem que ela o leu por inteiro em duas noites – algo como 70 páginas por dia – , na verdade o texto foi bastante ampliado para publicação logo após as palestras.

Intermezzo: é notável a sorte de Virginia Woolf no Brasil. Seus tradutores foram extraordinários: Orlando foi traduzido por Cecília Meireles; Mrs. Dalloway, por Mario Quintana; As Ondas e Entre os Atos, por Lya Luft em fase pré-Veja e pré-Yeda; Passeio ao Farol, por Luiza Lobo e Um teto todo seu, recebeu tratamento impecável de Vera Ribeiro. Muita, muita sorte. Fim do intermezzo.

Dotado da mesma prosa alegre e saltitante de Mrs. Dalloway e Orlando, Um teto todo seu trata do feminismo de forma levíssima, mesmo que afirme as coisas mais terríveis sobre a vida da mulher. Alegre, feliz e livre de todo rancor, como na foto abaixo, à esquerda, Virginia Woolf cria algumas imagens fortíssimas que ficaram célebres. A primeira é a da irmã de Shakespeare, Judith. Tão talentosa quanto o irmão, ela teria vivido subjugada por tarefas domésticas e todos os seus esforços para demonstrar seu talento teriam sido esmagados pela família. Então, desesperada, ela foge, apresenta-se num teatro de onde é sem mais nem menos enxotada, para depois prostituir-se e suicidar-se. A outra é da escritora fictícia Mary Carmichael. Ela não é muito boa, sua frase é dura e seu romance, que Virginia finge ler, é mais ou menos chato. Só que lá pelo meio há uma frase: “Chloe gosta de Olivia”. E então, finalmente, naquele livro bem ruinzinho, apareceu a Grande Mudança, pois às vezes mulheres gostam de mulheres, não?

Seu raciocínio, até desembocar na tese do Teto e das 500 libras anuais, é brilhante. Virginia Woolf parte das precursoras da literatura inglesa até chegar na grande explosão do século XIX, com o aparecimento de Jane Austen, das irmãs Brontë, Emily e Charlotte, além da grande George Eliot que, em verdade, chamava-se Mary Ann Evans. Suas obras-primas não nascem de gênios isolados, mas após anos e anos de labuta conjunta. A experiência apresentada por estas escritoras dá forma perfeita ao que veio antes, à tradição. Então, escreve Woolf, Jane Austen deveria ter depositado uma coroa de flores no túmulo de Fanny Burney e George Eliot deveria ter rendido homenagem à resoluta Eliza Carter, a bravíssima escritora que amarrava uma sineta na armação da cama de forma a não dormir muito e poder estudar grego. E todas elas deveriam derramar flores sobre o túmulo de Aphra Behn, que está enterrada – surpresa! – na Abadia de Westminster, pois foi ela quem começou a assegurar a todas o direito de dizerem o que pensam. Trata-se de parafrasear o velho e bom Newton, físico presente em quase todas as opiniões literárias da tradição inglesa que costuma sempre dizer que “Se vemos mais longe, é por estarmos em pé sobre ombros de gigantes”.

Woolf faz questão de deixar claro que, casualmente ou não, as escritoras que foram melhor sucedidas são aquelas que guardaram para si seu justo rancor. Se Austen ressentia-se contra sua sociedade e família – e ressentia-se, basta lê-la com profundidade – , tratou de passar ao largo das longas tardes em que escrevia seus livros na sala sob as constantes interrupções das “coisas que são tarefas de mulher”. (Pois as mulheres do século XIX nasciam e morriam trabalhando para os homens). De George Eliot nunca se ouviu nada, pois ela se fingia de homem… Porém, em Jane Eyre, Charlotte Brontë teve seu pior momento ao escrever claramente um trecho rancoroso, o que não fez Emily, de coração de poeta e maior talento. Ah, as questões seculares! García Márquez e Saramago e todos os que podem aspirar à imortalidade preteriram-nas em suas grandes obras em favor das parábolas.

O livro, escrito nove anos após as mulheres obterem direito de voto na Inglaterra, é uma ampla análise da situação da mulher e de sua relação com o dinheiro. Virginia Woolf insiste em que as mulheres precisam de duas coisas para criarem uma nova literatura: um teto todo seu, ou seja, um quarto que pudesse ser trancado à chave para escrever, e uma renda de aproximadamente 500 libras anuais. Para tanto, a mulher deveria trabalhar (Virginia fazia parte da Liga do Trabalho Feminino) a fim de obter alguma independência.

Sim, as teses estão bem amarradas – por exemplo, Virginia demonstra que todos os bons poetas de sua época são abastados… – , mas o milagre do livro é o que subjaz às teses. É o tremendo talento da autora para fazer nascer seus argumentos e frases num texto vertiginoso, agradável e sem lugar para gritos ou deselegância. É um feminismo dócil? De modo nenhum. É um feminismo culto, fino, esclarecido, isso sim. E duríssimo e de resultados.

Mais aqui, por Cássia Fernandes.

Das tias e da falta de diálogo

Das tias e da falta de diálogo
Robert Mapplethorpe. Poppy. 1988
Robert Mapplethorpe. Poppy. 1988

Eu tive uma tia-avó solteirona que poderia ser chamada de a reserva moral da família. Meu núcleo familiar era pequeno — é ainda menor hoje — e a tal tia atuava de forma muito próxima. Ela era professora, não tinha filhos e não há notícias de amores. Mas ela dava palpites sobre tudo o que pudesse. Quando estourava um problema, era chamada. Hoje, pensando retrospectivamente, acho que ela era como a ex-freira virgem de Amateur, de Hal Hartley, vivida por Isabelle Huppert, que escrevia contos eróticos. Minha tia dava palpites sobre a criação dos filhos e sobre os casais em crise. Ou seja, dava palpites sobre tudo o que lhe era estranho.

Ela é uma boa metáfora para certo comportamento politicamente correto. Pois minha tia policiava todo mundo e obrigava todos a se policiarem. Desde que inventaram a correção política, a ação de amplificar alguma característica suposta ou claramente errada do pensamento alheio passou a ser uma virtude. Eu acho equivocada esta generalização do PC, pois ele costuma atacar mais o discurso do que as ações. As atitudes ficam subalternas. São pessoas, como disse o Erico Verissimo em O Senhor Embaixador — se a memória não me falha –, que têm medo de palavras, mas não de certas ações. Já vi coisas, meus amigos, que não devo contar.

Eu acho curiosíssima a forma como o politicamente correto, tão bem-intencionado, tornou-se também um guarda-chuva protetor de absurdos. O discurso de ódio de uma minoria, dentro do movimento feminista, invoca o politicamente correto como abrigo. Como conceitos não têm curadoria, a postura de que homem não pode falar de mulher está virando um braço do PC. Simples, seria errado o homem falar de mulher, pois os homens são dominante e, portanto, não têm nada a contribuir. Mas o feminismo não busca a igualdade? Falam em empoderamento, mas discriminam os homens e tudo vira luta e ofensas. Ora, tal exclusão não “empodera” ninguém, apenas cria um gueto resistente e surdo, formado por mímicos que fazem sinais hostis. Lembrem de minha tia!

O fato é que o PC guarda um parentesco muito próximo com a repressão, mas não acreditava que tais posturas discriminatórias pudessem fazer parte da ideia original do politicamente correto.

Um dia, um amigo meu conversou no Facebook com uma feminista que aderiu a esse discurso de ódio aos homens e que possui um pequeno grupo de acólitas. Como piada, o diálogo é sensacional. Leia o que está na imagem e depois meu comentário.

dialogo no face machista

Querida X.

Estou entrando no banho e venho por meio desta solicitar teu consentimento para te objetificar durante o mesmo. Prometo não fantasiar com nada além de um sexo oral e de um ato rotineiro com penetração. Aguardando autorização, subscrevo-me atenciosamente.

É, a falta de diálogo cria monstros.

Aliás, imaginem a masturbação feminina. Já pensaram quantas solicitações George Clooney, Brad Pitt e Johnny Depp teriam que responder?

Anna Magdalena Bach, uma das tantas mulheres com um passado sem biografia

Anna Magdalena Bach, uma das tantas mulheres com um passado sem biografia
Dizem que esta era Anna Magdalena...
Dizem que esta era Anna Magdalena…

Publicado no Sul21 em 22 de setembro de 2013

No dia 22 de setembro de 1701, nascia Anna Magdalena Wilcke, futura segunda esposa de Johann Sebastian Bach. Sempre houve grande curiosidade por sua pessoa; afinal, ela foi uma mulher que saiu discretamente da sombra a que eram segregadas as mulheres de seu século. Não apenas deu treze dos vinte filhos do compositor, mas teve participação ativa em sua vida e trabalho num mundo em que a mulher deveria reinar no lar, sem desejos pessoais que visassem qualquer atuação fora da esfera doméstica. Uma esposa exemplar deveria apenas zelar para que seu marido pudesse, este sim, aparecer na vida pública. Cuidar dos filhos, limpar e ficar em casa era o destino que a “natureza” havia determinado à mulher.

Mas Anna Magdalena apareceu um pouco mais do que o normal, saindo sutilmente da esfera doméstica e criando grande curiosidade a seu respeito. Assim como Anne Hathaway — não a bela atriz de O casamento de Rachel, mas a esposa de William Shakespeare, nascida em 1555 — recebeu especulações e romances, Anna Magdalena foi tema de filmes e romances. O mais famoso é Pequena Crônica de Anna Magdalena Bach, romance inteiramente ficcional escrito em 1925 pela inglesa Esther Meynell.

Na verdade, pouco se sabe sobre Anna Magdalena Bach (1701-1760). O que se sabe é que era, provavelmente, muito talentosa, e que, certamente, era muito cativante e trabalhadora. Bach e sua família deram-lhe dois presentes musicais muito famosos. São os chamados Cadernos de Notas de Anna Magdalena Bach. O primeiro data de 1722 e contém somente composições de Johann Sebastian. O segundo é de 1725 e é uma compilação de obras de Bach e de seus filhos e alunos. Além da excelente qualidade musical dos cadernos — fartamente gravados –, o interessante é a possibilidade que nos dão de espreitar o ambiente doméstico da família Bach ou, no mínimo, a música que era ouvida na casa deles. Trata-se de uma coleção de pequenas peças como árias, minuetos, rondós, polonaises, prelúdios, gavotas, etc. Porém, no primeiro livro, também estão quase todas as Suítes Francesas, peças nada fáceis que hoje fazem parte importante do repertório bachiano.

Anna Magdalena nasceu na Saxônia, numa família de músicos. O pai era trompetista e a mãe também era filha de músico. Na época, era comum que os filhos herdassem a profissão dos pais. Não havia um sistema educacional eficiente e as crianças passavam longas horas em aulas de religião. Então, aprendiam a ganhar a vida em casa mesmo. Mas, desde  jovem, Anna trabalhava como cantora e conhecia Bach. Dezessete meses depois de Maria Bárbara, primeira esposa do compositor falecer inesperadamente em 1720, este casou-se com Anna Magdalena. Era o ano de 1721: ele tinha 36 anos; Anna, 20. Bach teve vinte filhos — sete com Maria Bárbara e treze com Anna Magdalena, entre os anos de 1723 e 42.

Christiane Lang-Drewanz como Anna Magdalena Bach no filme "The Chronicle of Anna Magdalena Bach" (1968).
Christiane Lang-Drewanz como Anna Magdalena Bach no filme “The Chronicle of Anna Magdalena Bach” (1968).

Dos treze, sete perderam a partida para a alta mortalidade infantil da época. Dentre os sobreviventes estavam os também compositores Johann Christian Bach e Johann Christoph Friedrich Bach. Parece ter sido um casamento feliz. Além dos trabalhos de toda mulher da época, ela cantava, tocava cravo e transcrevia suas músicas. Na época em que moraram em Leipzig, a casa dos Bach tornou-se um regular local de saraus onde o casal organizava noites em que toda a família cantava e tocava com alunos do compositor e amigos.

Deviam ser saraus muito alegres. Provavelmente havia muita cerveja. Os contratos de Bach com seus empregadores previam não somente salários e condições de trabalho, como outras vitualhas fundamentais: trigo, lenha, cerveja, cevada… Pois Bach também produzia a bebida. Pode-se de dizer que, naquela época, por questões de saúde, era mais seguro beber cerveja do que água, mas as notas examinadas por seus biógrafos indicam que a família Bach consumia toneladas dela. Um relatório de gastos do compositor em 1725 (tinha 40 anos e já estava casado com Anna Magdalena) dá conta de um consumo enorme. Mas esta é outra história.

Johann_Sebastian_Bach_aHá muitas suposições sobre o fato de Anna Magdalena ter auxiliado Bach em várias composições. Diz-se até que a maravilhosa ária que abre as Variações Goldberg seria de autoria de Anna Magdalena, mas provavelmente tudo isso é lenda, pois o caminho de Bach como maior compositor de todos os tempos já vinha sido pavimentado de forma muito consistente antes de Anna. Porém, é indiscutível que ela lhe serviu como copista – há sua caligrafia em quase todas obras do compositor depois do casamento – e de inspiração. E Bach expressou sua gratidão dedicando várias peças para teclado e de câmara a ela.

Mas é claro que tudo vai acabar mal. Infelizmente, as histórias felizes não têm muita graça e raras vezes são lembradas. Bach viveu até 1750. Morreu aos 65 anos. Anna Magdalena sobreviveu-lhe dez anos. Após a morte do marido, houve um desentendimento entre os filhos, que brigaram e se separaram. Anna Magdalena permaneceu com suas duas filhas mais jovens e uma enteada do primeiro casamento de seu marido. Mulheres sozinhas no século XVIII eram sinônimo de caridade ou ruína. Ninguém da família as auxiliou economicamente e Anna Magdalena ficou cada vez mais dependente da caridade dos auxílios do conselho da cidade.

Na época, a herança e os bem materiais eram transmitidos ao filho mais velho ou ao parente mais próximo do sexo masculino. Bach nunca foi um homem rico, mas mesmo que fosse, as mulheres nunca herdariam nada. Assim era a lei na época, criada para que as posses ficassem ligadas ao nome de uma família por várias gerações, e para que não fosse loteada.

O que se sabe do fim de Anna Magdalena, mulher de Johann Sebastian Bach, é que ela morreu em 27 de fevereiro de 1760 e foi enterrada numa cova de indigente, sem identificação, na Johanniskirche de Leipzig (Igreja de São João). E que o local foi destruído por bombardeios aliados durante a Segunda Guerra Mundial.

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Gravura estilizada de Johann Sebastian e Anna Magdalena Bach.

Além de feia, a palavra “empoderamento” é confusa

Além de feia, a palavra “empoderamento” é confusa

Eu não gosto desta palavra. Em primeiro lugar porque é feia — tem um som horrível e o verbo empoderar é de matar –; em segundo lugar por ter um significado difuso e estar sendo aplicada nos mais diversos campos militantes, políticos e até psicológicos, de forma sempre a aceitar uma nova ilação. É um gênero diferente da famosa palavra-valise de Carroll (junção de duas palavras em uma). É uma palavra que serve a muitas funções e distorções. Veio de empowerment e sua definição fica próxima de “autonomia” ou da possibilidade das pessoas ou grupos poderem decidir sobre seus próprios destinos. Não surpreende que seja uma das palavras preferidas do feminismo e dos movimentos afro. É claro que eu apoio ambos os movimentos, apesar da palavrinha.

Além de servir aos campos progressistas, serve aos conservadores. A direita a utiliza quando fala em fortalecer a área privada, retirando programas públicos de assistência, deixando para as comunidades a resolução de seus problemas. Enquanto isso, a esquerda fala em bolsa-família para empoderar os populações desfavorecidas, dando-lhes poder de compra e cidadania — não seria o caso de utilizar algo mais próximo de “igualdade”? Ou seja, a direita quer empoderá-los deixando-os autônomos, autogestionados e a esquerda quer empoderá-los assistindo-os. Neste caso, empoderar demonstra toda a sua inexatidão semântica, além de ser uma palavra feia pacas.

Para complicar, os administradores falam em empoderamento organizacional, de forma a que as decisões tornem-se mais coletivas, tipo democracia corintiana. E os psicólogos em empoderamento identitário…, o qual seria um reforço na auto-estima do paciente.

Acho também a palavra poder, origem do neologismo, bastante antipática. Consultando o dicionário, vemos que poder (do latim potere) é, literalmente, o direito de deliberar, agir e mandar. Além disso, dependendo do contexto, é a faculdade de exercer a autoridade ou a posse de domínio, influência, dinheiro ou força. A sociologia define poder, geralmente, como a habilidade de impor a sua vontade sobre os outros, mesmo se estes resistirem.

Este é um texto daqueles bem inúteis, pois penso que a palavra disseminou-se e só posso mesmo espernear. Vou ter que me acostumar a ouvir e ler “empoderamento” por aí, mesmo que deteste a palavra.

empoderamento

Três coisas que não têm nada a ver uma com a outra

Três coisas que não têm nada a ver uma com a outra
Renasceu. Abbado e músicos de Bologna | Foto:  Raffaello Raimondi
Renascido: Abbado e músicos de Bologna | Foto: Raffaello Raimondi

A Filarmônica de Berlim é atualmente um túmulo de maestros. Claudio Abbado, 80, depois que saiu de lá, tornou-se leve e criativo, deixando de lado o ser apocalíptico (e doente) da época berlinense. Criou a Orchestra Mozart em Bologna, onde nos brinda com luz, leveza e ousadia. Ouçam as gravações das sinfonias de Mozart para conferir. Já Simon Rattle, que era um monstro em Birmingham e foi para Berlim, lá tornou-se um regente crepuscular e rotineiro. O que fez? Ora, pediu demissão. Como o contrato é longo, retira-se em 2016, salvo engano. O próximo a adentrar a caixa mortuária de Berlim deverá ser Christian Thielemann. R.I.P. e depois saia correndo, Christian.

Na verdade, o que engessa a orquestra é o compromisso com um passado conservador, já enterrado. Se não mudar, ver a Berliner vai tornar-se mera atração turística.

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De Danielle Magno no Facebook:

Me deixa triste ver feministas pedindo censura à pornografia, dizendo que é objeto de submissão feminina e direito do homem sobre o corpo da mulher. Acho nada disso, que sociedade chata que regula nudez e sexo sob paradigmas tão autoritários.

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Ainda há mulheres de verdade neste mundo:

“Eu perdoaria uma traição do Kaká. E sabe por quê? Porque quando o homem trai, é sinal de que a sua mulher falhou em algum ponto. Eu não estaria dando o necessário. E não falo só de sexo. Falo de carinho, diálogo, cumplicidade. Se eu descobrisse um caso do Kaká, seria complicado, claro. Mas se ele me trair, tenho certeza de que o motivo seria algo de muito errado feito por mim”.

A mulher do Kaká é da igreja Renascer. Indico a todas.

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Dramaturgia de senzala

Hoje é o Dia da Consciência Negra e é feriado em grande parte do país. Pois curiosamente, justo nessa semana, a novela Viver a Vida mostrou uma cena que despertou a ira dos movimentos afro. Além da ira, reclamam do sumiço da cena em que a personagem Tereza (Lilia Cabral) humilha e dá um tapa no rosto de Helena (a belíssima Taís Araújo). Sim, concordo; não é muito fácil de encontrar, a Globo deve ter ido à caça, dando cabo da mesma. Mas pus meus cães gugleanos à procura e eles a capturaram facilmente. Está ao final deste post. Dá até para baixar, mas meu micro não vai abrigar porcarias de novelas.

Concordo que a dramaturgia é de senzala e a qualidade do texto torna obra-prima A Escrava Isaura. Quero quer que o movimento negro se indignou mais com a dramaturgia senhor-escravo do que com o texto. Este é muito mais ofensivo àqueles que defendem o aborto, meu caso e das feministas. A CUT também opinou, mas, como tem acontecido, consigo discordar de todos.

As novelas são verdades ficcionais, então não sei se cabem protestos à Globo. Acredito que os irados estejam sendo tolos ao desconsiderarem o fato de que, certamente, Tereza se tornará uma terrível vilã comedora de afrodescendentes — coisa típica dessas “obras” — e que será rejeitada até por sua filha caucasiana. Os protestantes acham que as pessoas que veem essas novelas imaginam que estão ouvindo a razão? Ingenuidade. O que estes “representantes da sociedade” desejam dizer à emissora é que ela não pode criar personagens racistas nem utilizar católicos que sejam contra o aborto? Claro que pode! Talvez até deva, pois eles estão aí mesmo. O que a “sociedade do politicamente correto” deseja é o silêncio, a censura? Menos, né?