Muito pessoal. A ideia e algumas fotos — e discordâncias — vieram do site mundo.com. Retirei algumas imagens sugeridas pelo site, coloquei outras, e ampliei a seleção de 20 para 25 fotos. Acho que ficou aceitável.
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1. Os soviéticos hasteando a bandeira no Reichtag. A foto foi tirada com uma Leica pelo fotógrafo Yevgeni Khaldei, da Agência Tass.
2. O avião 14 Bis levantando voo. No começo do século 20, Alberto Santos Dumont concluiu a construção de seu avião 14 Bis e com ele alçou voo, fazendo deste o primeiro objeto mais pesado que o ar a voar sem a ajuda de impulsos externos.
3. Erguendo a bandeira em Iwo Jima. A intenção norte-americana ao invadir a ilha era obter uma localização estratégica para o reabastecimento das tropas norte-americanas no avanço até o Japão. Após a vitória, os EUA ficaram com o local para si, claro.
4. Dia da Vitória em Times Square. O final da Segunda Guerra. O fotógrafo Alfred Eisenstaedt tirou a famosa fotografia de um marinheiro norte-americano beijando uma jovem enfermeira na Times Square em Nova York. A mulher foi identificada mais tarde, na década de 1970, como Edith Shain, porém a identidade do marinheiro continua desconhecida.
5. Che Guevara, é claro. O famoso retrato de Che Guevara, intitulado Guerrilheiro Heroico, foi tirado em 5 de março de 1960 em Havana, Cuba. Guevara comparecia à inauguração de um memorial.
6. A capa de Abbey Road. Os Beatles se juntaram nos estúdios da Abbey Road, em Londres, na quente manhã de 8 de agosto de 1969 para tirar a foto da capa do disco que estavam gravando.
7. O protesto do Monge. Em 11 de junho de 1963, Thich Quang Duc, um monge budista vietnamita, ateou fogo ao próprio corpo e queimou até a morte em uma rua movimentada no centro de Ho Chi Minh.
8. O desastre do Hindenburg. O desastre do Hindenburg ocorreu em 6 de maio de 1937, quando o gigantesco dirigível alemão pegou fogo e foi destruído durante uma tentativa de pouso na base naval de Lakehurst, em Nova Jersey, nos Estados Unidos.
9. Na Praça da Paz Celestial. Este misterioso homem tornou-se famoso em todo o mundo após o fotografo Jeff Widener registrá-lo em pé, frente a uma coluna de tanques chineses durante os protestos na Praça da Paz Celestial em Pequim, no dia 5 de junho de 1989.
10. A imagem do corpo do jornalista Vladimir Herzog enforcado em cela do II Exército é uma das mais emblemáticas do período ditatorial.
11. Menina afegã. Sharbat Gula tinha 12 anos quando foi fotografada pelo jornalista Steve McCurry durante uma reportagem para a revista National Geographic, publicada em junho de 1985. Quando foi fotografada, a menina afegã vivia como refugiada no Paquistão durante a ocupação soviética no Afeganistão.
12. O monstro do Lago Ness. Foto de 1934. As histórias sobre o monstro do Lago Ness têm sido contadas desde aproximadamente 565 d.C. Os defensores de sua existência acreditam que a criatura venha de uma linhagem de Plesiossauros… Tudo negado pela comunidade científica, obviamente.
13. Guerra Fria. Explosão da bomba atômica nas Ilhas Marshall. Era um teste nuclear comum em meados do século XX. A foto é de 25 de julho de 1946, quando da primeira detonação de uma bomba atômica embaixo d’água. Foi liberada uma nuvem de vapor com quilômetros de altura, coroada por jatos de água.
14. Nascer da Terra. Na noite de Natal de 1968, nenhum dos astronautas a bordo da Apollo 8 estava preparado para o momento em que veriam seu planeta surgir atrás no horizonte lunar. O Nascer da Terra é o nome dado à imagem da NASA tirada pelo astronauta William Anders durante a primeira viagem tripulada a orbitar a Lua.
15. Einstein mostrando a língua. É uma das imagens mais conhecidas de Einstein. O cientista aprovou a foto e pediu nove cópias dela. Após autografar uma das imagens, ele a presenteou a um repórter. Em 19 de junho de 2009, a imagem assinada foi leiloada por mais de US$ 70 mil.
16. Almoço no topo de um arranha-céu. 20 de setembro de 1932. Almoço no topo de um arranha-céu é uma famosa fotografia em preto e branco tirada durante a construção de um edifício na cidade de Nova York.
17. Maio de 1968, Paris. Em 13 de Maio de 1968, em Paris, o fotógrafo Jean-Pierre Rey imortalizou uma jovem de 23 anos. A foto foi publicada pela revista Life. A protagonista da dessa célebre imagem foi posteriormente identificada como sendo a jovem aristocrata e modelo inglesa, Caroline de Bendern, que vivia em Paris depois de ser expulsa de vários colégios na Inglaterra. Ela estava sobre os ombros de um amigo, porque seus pés estavam doloridos. O avô viu a foto e ficou escandalizado. Por conseqüência desta fotografia, Caroline perdeu a mesada milionária e acabou sendo deserdada pelo avô. Caroline passou o resto de sua vida processando Jean-Pierre Rey pelos direitos da fotografia.
18. Fotografia icônica mostra as cabeças de Lampião (última de baixo), Maria Bonita (logo acima de Lampião) e outros cangaceiros do bando.
19. No dia 29 de junho de 1973, durante os confrontos que culminaram com a deposição do presidente do Chile, Salvador Allende, o cinegrafista sueco-argentino Leonardo Henricksen, do canal 13 de Buenos Aires, deixou seu hotel, no Centro de Santiago, ao ouvir rajadas de metralhadoras. Era o Regimento de Blindados, que se sublevara e atacava o Palácio de Governo. Henricksen conseguiu se posicionar a apenas duas casas do palácio. Militares determinaram que a rua fosse desimpedida, mas ele não saiu do lugar. Um oficial apontou uma arma para o cinegrafista. E atirou. A imagem treme, mas ele continua filmando. Um soldado, então, deu um tiro de misericórdia, de fuzil. A câmera continua registrando a cena até que tudo fica branco na tela.
20. O impacto. A fotografia foi considerada pela National Geographic uma das 25 mais importantes imagens dos ataques de 11 de setembro. Às 9 horas da manhã do dia 11 de setembro de 2001, o voo 175 da United Airlines colidiu contra a torre sul do World Trade Center.
21. Execução em Saigon. Esta foto foi tirada por Eddie Adams durante a guerra do Vietnã. O major General Nguyen Ngoc Loan, à esquerda mata o vietcongue Nguyen Van Lem à direita.
22. Dali atomicus. O fotógrafo Philippe Halsman informou que tentou obter a imagem 28 vezes até ficar satisfeito com o resultado. Antes das técnicas modernas e computadorizadas de manipulação de imagens, ele conseguiu tirar esta fotografia do artista surrealista Salvador Dali suspenso no ar.
23. Menina de 9 anos fugindo após ataque em uma aldeia no Vietnã. Ela sobreviveu, apesar de suas roupas terem queimado sobre seu corpo.
24. Um homem judeu, ajoelhado diante de um poço cheio de corpos, está prestes a ser morto por um soldado alemão. Esta fotografia foi encontrada no álbum de fotos de um soldado alemão, e na parte de trás estava escrito o título de “O Último Judeu de Vinnitsa”.
25. Foto de Mike Bem, esta imagem mostra-nos a mão de um menino ugandense na mão de um médico da Cruz Vermelha.
Esta é uma das mais longas entrevistas já publicadas pelo Sul21, certamente a mais longa publicada pela editoria de Cultura. Mas tão vasta foi a quantidade de informações que recebemos em plena Praça da Alfândega na manhã de quarta-feira, que não havia como fazer muitos cortes. Nela, o patrono da Feira do Livro de 2014, Airton Ortiz, respondeu a cada uma de nossas perguntas, descrevendo sua trajetória desde seu trabalho na editora Tchê até suas muitíssimas viagens. E não nos estenderemos mais porque o texto é longo, divertido, informal e muito, mas muito informativo.
Sul21 – Airton, tu és de Rio Pardo, não?
Airton Ortiz – É, eu nasci no interior do município de Rio Pardo, na Vila Ferroviária, interior do município. Morei ali até os 13 anos de idade, daí meus pais se mudaram para o interior de Candelária, perto dali, onde morei dos três aos 10 anos de idade. Curioso é que era uma encruzilhada. Em um lado da estrada, onde nós morávamos, era Candelária, no outro era Rio Pardo e no outro era Cachoeira. E a escolinha onde eu fui alfabetizado ficava em Cachoeira. Então eu fui alfabetizado em Cachoeira morando em Candelária. Hoje, minha escola, que tinha 18 alunos, é um centro educacional com quase 200 alunos. Eles me homenagearam dando meu nome para a biblioteca da escola. Com 10 anos, eu fui pra Cachoeira, onde morei até os 20. E vim para Porto Alegre a fim de fazer jornalismo na PUCRS, em 1977. Então, a minha trajetória dá para dividir entre esses três lugares: o interior de Rio Pardo, onde nasci e vivi até os 3 anos; o interior de Candelária, onde vivi dos três aos 10; e dos 10 aos 20, Cachoeira do Sul.
Sul21 – Eu li que tu foste funcionário do Banco do Brasil. Isso foi antes ou depois do jornalismo?
Airton – Antes. Para pagar a faculdade, eu fiz jornalismo na PUCRS.
Sul21 – Isso em 1975?
Airton – Sim, 1975. Como naquela época o curso de jornalismo na PUCRS era considerado um dos melhores do Brasil, eu optei por ela. Daí, na semana seguinte ao vestibular, eu fiz um concurso pro Banco do Brasil. Passei, assumi o cargo e tive que ir pro interior. Fui obrigado a trancar a matrícula na faculdade. Fiquei seis meses no interior, voltei pra Porto Alegre e, com meu emprego no Banco, paguei a faculdade.
Sul21 – O que tu fazia no banco?
Airton – Cara, eu arquivava fichas, ficava seis horas sentado arquivando fichinhas dos clientes do banco por ordem alfabética. Era um trabalho extremamente estressante, aquela rotina não tinha nada a ver comigo. Mas fiquei seis anos ali, terminei a faculdade, abri a editora Tchê e, quando achei que a editora já podia me manter, saí do banco. Então, o banco foi uma coisa importante na minha vida. Possibilitou que eu fizesse a faculdade e fizesse uma pequena economia via fundo de garantia para poder abrir a minha editora.
Sul21 – A editora Tchê era mais centrada em autores gaúchos, regionalismo?
Airton – A editora Tchê tinha como objetivo colocar na roda a cultura do Rio Grande do Sul. Ela era consequência do jornal Tchê, que surgiu um pouco antes da editora. Entre 81 e 82 vieram o jornal, a livraria e a editora.
Sul21 – Livraria?
Airton – Também abrimos a livraria Tchê, ali na Salgado Filho. O padrão do jornal era assim… Cara, não reinventamos a roda, o padrão era O Pasquim. Aliás, o jornal O Pasquim era também ligado a uma editora, a Codecri. E eles também abriram uma livraria no Rio. Uma coisa foi puxando a outra. Codecri queria dizer Comitê de Defesa do Crioléu. Imagina abrir uma editora hoje com esse nome! Era uma coisa incrível. O Pasquim era a cultura carioca, era o que de mais carioquês podia ter no mundo. E o Tchê era a versão gaudéria do Pasquim. Éramos todos fãs do Jaguar, do Ziraldo, do Henfil…
Sul21 – Que autores a Tchê publicou?
Airton – A Tchê publicou, durante 15 anos, cerca de mil títulos até que eu fechei a editora para me dedicar exclusivamente a escrever meus livros. A Tchê publicou boa parte do que está aí. Lançamos um monte de gente. O Carlos Urbim, que veio a ser também patrono da Feira do Livro, o Luiz Coronel, idem, o Celso Gutfriend, que era patronável junto comigo. Até brinquei que eu os lancei e eles me meteram essa bola nas costas de serem patronos antes de mim. E ainda disse pro Celso: tu não vai conseguir, Celso! A Tchê publicou uma quantidade enorme de jovens autores.
Sul21 – E o livro do Sargento Marco Polo Giordani que defende os militares da Ditadura?
Airton – A editora publicou mais ou menos mil livros de vários autores. Era uma editora comercial, não uma editora política, ela não veio para defender essa ou aquela ideologia. Eu sempre fui de esquerda, sou e vou morrer de esquerda. Mas a editora era uma editora plural. Nós publicamos, por exemplo, o Barbosa Lessa, que foi um dos fundadores e defendia o tradicionalismo e publicamos o Tau Golin, que o criticava. Porque o objetivo da editora nunca foi o de defender ou criticar o tradicionalismo, mas publicar pensadores que colocassem a disposição do publico ideias, opiniões, para que o leitor então se decidisse sobre qual linha queria seguir. Publicamos autores que defendiam o neoliberalismo, publicamos diversos autores adotados pelo Fórum da Liberdade de Porto Alegre, que é um movimento de empresários e, ao mesmo tempo, também publicamos os grandes pensadores marxistas aqui do Rio Grande do Sul, entre eles o governador Tarso Genro. Publicamos os livros do professor Otto Alcides Ohlweiler, que foi um grande ideólogo da esquerda aqui no Rio Grande do Sul, publicamos livros de políticos, publicamos o livro do Antônio Britto sobre a Constituinte. Publiquei livro do professor Sérgio Borja, que é o atual presidente da Academia Rio-Grandense de Letras, sobre o impeachment do Collor. Ele defendendo juridicamente o impeachment. O critério que eu tinha como editor era o mesmo critério que todo editor do mundo tem: publicar tudo que as pessoas possam se interessar. Nisso, apareceu um autor que, lá em 1986, foi o primeiro membro do aparelho repressivo que se assumiu como tal. Era o então sargento Marco Pollo Giordani e o livro chamava-se Brasil Sempre. Era uma resposta ao Brasil Nunca Mais. Ele disponibilizava uma série de documentos secretos do exército que nós da esquerda queríamos colocar a mão e não conseguíamos. Obviamente, só se eu fosse muito louco para sonegar do público as informações que ele trazia. O livro está sendo relançado agora, numa edição do autor. Qualquer pessoa, por mais imbecil que seja, sabe que um editor de jornal ou editora não tem que necessariamente compactuar com o que os autores escrevem. É diferente quando tu tens uma proposta ideológica. Uma editora do Partido Comunista, por exemplo, só vai publicar livros de comunistas. Então, essa polêmica não existe.
Sul21 – Bom, e aí tu fechaste a Tchê. Deves ter ganhado dinheiro, porque essas tuas viagens, né…
Airton – As minhas viagens são patrocinadas todas pelo Zaffari. Desde a primeira até hoje, faz 16 anos que eu tenho este patrocínio do Zaffari. As minhas viagens só são possíveis em razão deste mecenato. Hoje já não dependo tanto do patrocínio porque os livros já vendem no Brasil inteiro e eu poderia me bancar com os direitos autorais. Mas, voltando ao fechamento da Tchê: o Brasil passou por um momento econômico de grande concentração da economia com o Collor, as pequenas empresas brasileiras ou se uniram e formaram grandes empresas, ou foram absorvidas por grandes empresas, ou, caso da Tchê, fecharam.
Sul21 – Tu a fechaste em 1997?
Airton – Não, fechei em 2000, em 1997 eu comecei a viajar. Tinha que fechar a Tchê. As grandes livrarias vieram para Porto Alegre, comprando ou absorvendo as livrarias que tínhamos aqui. Chegou um momento em que eu, para vender um livro para as livrarias de Porto Alegre, tinha que ir à São Paulo. Porque a Cultura comprava lá, e também a Saraiva, a Siciliano, etc.
Sul21 – Isso permanece até hoje.
Airton – Sim, estamos numa época em que o mercado livreiro se concentrou nas mãos das grandes redes de livrarias e o mercado editorial se concentrou na mão das editoras estrangeiras. As grandes editoras brasileiras hoje, com a exceção Record e da Saraiva, são de capital estrangeiro. E não sobrou espaço para as pequenas editoras independentes.
Sul21 – Vamos aos livros, qual é a tua proposta?
Airton – A minha proposta como o autor é a mesma que tinha como editor. Levar e disponibilizar conhecimento para as pessoas. Porque eu acho que o acesso ao conhecimento é o maior direito que o ser humano tem, porque só o conhecimento nos liberta, de tudo e de todos, inclusive de nós mesmos. E o instrumento mais fácil de se acessar o conhecimento com profundidade é o livro. O livro é o elemento mais libertador que o ser humano tem, pois nos ensina a pensar e o pensamento liberta. Então, o meu projeto foi unir minha vontade de viajar pelo mundo, que sempre tive, e meu esporte predileto, que é o de escalar montanhas. Tentei viver disso. E achei uma forma de conciliar tudo, que era escrever sobre as minhas expedições pelo mundo. Para meu primeiro livro, de 1997, eu escalei a montanha mais alta da África, que fica na Tanzânia, e voltei de lá com uma história de final feliz, pois consegui chegar ao cume da montanha mais alta da África e uma das mais altas do mundo. E até chegar lá eu vivi uma série de peripécias — fui preso, fui assaltado…
Sul21 – Por que tu foste preso?
Airton – Fui preso porque da África do Sul para Moçambique eu tinha que passar pela Suazilândia, e lá eu peguei carona em uma Kombi. Na fronteira da Suazilândia com Moçambique, o pessoal da Kombi foi preso porque eram pequenos contrabandistas. Eles buscavam na África do Sul essas bugigangas que hoje vamos comprar aqui no Paraguai. Nada sofisticado — levavam conservas, enlatados, leite em pó, sabão em pó, coisas que difíceis de se conseguir em Moçambique. E eu, que peguei carona com esses caras, não tinha a menor ideia disso. E na fronteira foi todo mundo preso, e eu junto. Como eu era estrangeiro, tive um tratamento especial. Quando souberam que eu era brasileiro, um oficial da alfândega perguntou se eu era amigo do Pelé. Eu respondi que era íntimo dele e por isso ele me liberou. Eu escrevi o livro em 1998 e publiquei em 1999. Desde então eu lanço um livro por ano contando as minhas expedições.
Sul21 – Tu és fotógrafo também?
Airton – Também, mas amador. Porque como eu vou normalmente a lugares de difícil acesso, eu mesmo tenho que tirar as fotografias. São lugares aos quais, às vezes, nunca chegou um fotógrafo antes. Tenho um acervo com cerca de 100 mil fotografias do mundo inteiro, mas não sou fotógrafo profissional, minha linguagem é a escrita. A linguagem jornalística nos livros de reportagens, a linguagem do cronista nos livros de crônicas sobre cidades, e a linguagem de romancista nos dois romances que escrevi, cujos temas também são viagens de aventura.
Sul21 – Depois do primeiro livro foste para o Everest, Tibete…
Airton – O segundo livro chama-se Na Estrada do Everest. Eu refiz a trilha da primeira expedição que escalou o monte Everest em 1953. O terceiro livro foi Pelos Caminhos do Tibete. Eu fiquei uma temporada lá camuflado entre os monges. Eu entrei de maneira clandestina no Tibete pelo Himalaia, que faz a fronteira entre o Nepal e o Tibete. O Tibete é um país militarmente ocupado pela China, por isso os chineses não me deram autorização para entrar. Eles não permitem a entrada de jornalistas independentes, a não ser que vá junto com um oficial do governo chinês e isso eu não queria. Aí em Katmandu, eu fiz amizade com a resistência tibetana, e eles me colocaram clandestinamente lá dentro. E isso gerou o livro. Depois o quarto livro foi sobre o Alasca, o quinto foi sobre a Amazônia, depois foi sobre Índia…
Sul21 – E no Alasca tu sofreste bastante?
Airton – No Alasca eu peguei -40ºC. E eu acampei um tempo em uma área selvagem junto com ursos, lobos, com todo aquele tipo de animal selvagem, como alces, renas. Os caras me levaram lá e depois foram me buscar. Eu queria testar a minha resistência psicológica a um ambiente adverso como aquele. Era dia sempre, eu não levei relógio, não sabia se era meio-dia ou meia-noite. Comia quando sentia fome, dormia quando tinha sono, completamente isolado no meio dos animais. E, à medida que o tempo foi passando, fui me adaptando àquele ambiente, e no final eu já fazia longas caminhadas fora do acampamento.
Sul21 – E depois foi a Índia?
Airton – Sim, uma experiência maravilhosa, percorri toda a Índia de trem, por isso o nome do livro é Expresso para a Índia. Foi o país, do ponto de vista cultural, mais interessante que eu já visitei.
Sul21 – Aqui, pelo que eu noto, tu dás uma parada na questão montanhismo. Tu vens pro mundo plano…
Airton – Aqui eu iniciei o que eu chamo de “grandes travessias”. A cultura popular de um povo ela é muito, mas muito mesmo, consequência de sua concepção religiosa. Se tu pegares a Bahia, vais ver que na cultura baiana tudo tem a ver com o candomblé. Se pegares aqui no sul, tudo tem a ver com catolicismo. E assim por diante. Se pegares certas regiões de Santa Catarina, tudo tem a ver com protestantismo. Como a Índia é um país politeísta, a concepção religiosa deles é muito fragmentada, isso gerou uma cultura popular riquíssima. Então, do ponto de vista cultural, a Índia é o país mais interessante do mundo. E o pessoal pergunta sempre isso, qual o país mais interessante… E não dá pra ti escolher um só. O Tibete, por exemplo, é o país mais diferente que eu já vi até hoje.
Sul21 – Hoje, os brasileiros viajam mais.
Airton – O brasileiro está viajando mais, e isso é ótimo, maravilhoso. O que a viagem traz de mais importante para a gente é que ela nos coloca em contato com o diferente. E, à medida que nós vamos viajando, vamos constatando que o contato com o diferente é a maior arma contra o preconceito. Vemos que somos apenas um detalhe em todo o mosaico humano e cultural que há no planeta, e vamos nos dando conta de que somos um pedacinho só, e não o pior, nem o melhor. A gente vai aprendendo a respeitar a cultura alheia. Então, o grande resultado das viagens é nos colocar em contato com as diferenças. E eu digo que de melhor que a humanidade tem é a diversidade. O direito que cada pessoa tem de ser única, que cada cultura tem de ser única, que cada povo tem de ser único, isso é o que de mais importante temos. E aí a gente consegue ter uma visão holística, do mundo, da vida. Bom, o brasileiro está viajando cada vez mais, agora falta um segundo estágio que é o de aprender a viajar. Não se viaja em busca do que tem aqui. Por que a gente viaja? A gente viaja em busca daquilo que só tem naquele lugar. E eu venho martelando muito nisso, quero ajudar as pessoas a viajarem, quero colocar toda essa minha experiência à serviço das pessoas.
Sul21 – Na Europa, vi um brasileiro reclamando que no centro de Praga não tinha shopping center…
Airton – É um absurdo, a gente viaja em busca daquilo que só tem naquele lugar. Por isso é que, das viagens que eu fiz, a mais interessante foi a do Tibete. Lá é tudo diferente do que temos aqui. A noção que eles tem do tempo, tudo. Eu conversando com um tibetano falei: “Pô, no Tibete né, vocês aqui, tá certo que é um país de monges, mas a China vem há mais de 60 anos oprimindo vocês, vocês precisam se libertar”. E ele respondeu: “Não tem problema, vamos nos libertar da China. É uma questão de tempo, pode levar 1000 anos, 2000 anos, vamos nos libertar”. O tempo para eles é diferente dessa pressa que a gente tem aqui no Ocidente. Uma vez eu disse uma frase que meus amigos gostaram muito, eu disse que nada é mais velho que o jornal de ontem. Mas, poxa, ontem recém aconteceu!
Sul21 – Então quer dizer que, na tua opinião, a Índia é o lugar mais interessante, e o que tu mais gostaste é o Tibete?
Airton – Do ponto de vista da cultura popular, a Índia é o país mais rico, porque é a cultura popular mais diversificada que tem no mundo. Porque ela é muito consequência da religião e o politeísmo indiano é extremamente fragmentado. O Tibete é o país mais interessante do mundo porque lá as coisas são únicas. O que tem no Tibete, tu só vais encontrar lá, essa é a frase. Por exemplo, a Tanzânia é o país mais interessante do mundo para admirar a natureza selvagem. Tu vais de jipe pelo país e um terço da Tanzânia são parques naturais. Eles se deram conta que a melhor maneira de ganhar dinheiro é preservar a natureza, principalmente a fauna que eles tem lá. Então tu vais andando de jipe e precisa parar para passarem os elefantes, as girafas que vivem ali. Depois de dois minutos, leões. E o país mais interessante do mundo do ponto da geografia, digamos assim, é o Nepal. A fronteira sul do Nepal está na margem do Ganges, a nível do mar e a fronteira norte é a cordilheira do Himalaia, que tem o Everest, o ponto mais alto do mundo. Então, em uma caminhada, como daqui até Torres tu encontras toda a topografia do mundo e todo o clima.
Sul21 – E depois foste para a Amazônia?
Airton – Foi uma experiência maravilhosa. A viagem para a Amazônia foi também única. Eu não tinha nunca a informação se poderia continuar daquela aldeia em que eu estava para outra. Minha pauta de aventura era cruzar a América do Sul, do Pacífico ao Atlântico, por dentro da selva amazônica. Sair de Lima no Peru e chegar em Belém do Pará. Fui buscar informações e não consegui ninguém que me dissessem “vai que dá”. Foi um voo cego, eu fui indo, de aldeia indígena em aldeia indígena, de uma cidadezinha ribeirinha à outra, de um povoadozinho à outro, e sempre de barco, às vezes nos barcos de linha que eles têm, que eu achei maravilhosos. Eles têm barcos de linha, que são barcos que fazem sempre a mesma viagem levando carga e os passageiros. Usei até as pirogas, aquelas canoas estreitinhas e compridas que é pra ter velocidade. Fui indo, indo, e cheguei no Atlântico assim. Então esse livro foi fantástico porque eu nunca sabia se no dia seguinte eu ia poder continuar. Percorri toda a Amazônia brasileira, uma coisa extraordinária.
Sul21 – E há o calor. Manaus é uma cidade complicada.
Airton – O pior de Manaus é o vapor, porque o calor seco não tem problema, já peguei 55ºC no deserto do Saara e foi tranquilo. Mas o vapor… Por isso muita gente chega na Índia e volta, não aguenta. Eu encontrei uma tribo no interior da Amazônia peruana, perto de Iquitos, uma cidade de 400 mil habitantes, que a estrada mais próxima está há mil km de distância. O acesso é todo por rio, e é uma cidade grande. Lá a tradição é que a índia, quando casa, passa a primeira noite ela passa com o cacique. Só na segunda noite é que ela vai para o marido. Isso é uma tradição medieval europeia, tu deves ter assistido, o filme Coração Valente… E eu encontrei isso lá na Amazônia. É uma coisa que as pessoas não sabem porque não vão lá. Eu dei uma palestra na Universidade Federal de Manaus e brinquei “Pô, tem que trazer um gaúcho pra falar da Amazônia pra vocês”. E aí eles me disseram que a maioria dos livros sobre a Amazônia foram escritos por autores que copiaram de outros livros, que não foram na floresta. Tem muito disso hoje né, as pessoas fazem estudos sobre a Amazônia a partir da informação bibliográfica e reproduz algo que já se sabe. E, se alguém escreveu alguma coisa errada, o erro se perpetua.
Sul21 – Depois teve o Egito…
Airton – Depois teve o Egito, que foi uma viagem fantástica também, porque eu cruzei o deserto do Saara de forma clandestina. Primeiro de jipe, depois com uma caravana de camelos. Eu saí da fronteira do Egito com a Líbia e cruzei parte do deserto num jipe preparado para andar na areia. Depois não tinha como o jipe avançar e aí me juntei a uma caravana de camelos. Nessa viagem, o Beto Scliar, filho do Moacyr Scliar, me acompanhou como fotógrafo. Ele se formou em fotografia em uma universidade de Nova Iorque, e aí o Moacyr me ligoue disse: “Ortiz, na próxima viagem que tu fores, leva o Beto. Pra ele aprender um pouco de experiência de vida, ele é um filho super protegido de mãe judia, vê se ele aprende a fotografar na vida real mesmo”. Quando nós chegamos num oásis já assim há 50 km de Luxor, fomos interceptados e presos pelo exército egípcio porque não tínhamos autorização para realizar aquela travessia. Então eu fiz como sempre faço, eu vou até que alguém me prenda. Aí prenderam a mim, ao Beto e a um mexicano que estava conosco. Colocaram-nos em um trem e nos expulsaram do Egito. Na primeira parada do trem nós pulamos, contratamos um barquinho, uma espécie de canoa com uma vela que desce o Nilo. E descemos clandestinos pelo Rio Nilo durante quatro dias até chegar em Luxor, onde eu queria chegar. Tudo isso sem poder atracar nas margens porque numa delas o exército nos pegaria e, na outra, os terroristas nos pegariam porque é uma área onde os muçulmanos fundamentalistas usam como base operacional, nem o exército vai lá. Então precisávamos ficar no meio. O rio corre do continente para o mediterrâneo, e o vento sopra do mediterrâneo para o continente, então quando a velocidade da água é a mesma do vento, a gente fica parado. Um dia ficamos dez horas parados! Foi demais, uma viagem maravilhosa! Mas cheguei a Luxor, que era o objetivo da viagem.
Sul21 – Depois foste na Trilha da Humanidade, que é saída da África pela Ásia, Alasca até chegar na América, a travessia do homem…?
Airton – É, é uma volta ao mundo mesmo. Eu me propus a reconstituir a história da espécie humana desde o momento em que nós surgimos como uma espécie separada dos demais primatas, até chegar aqui no Brasil. Hoje, quando chamam um humano de macaco, estão ofendendo o macaco, e não o humano. Porque essa história que a gente se originou do macaco, é uma grande bobagem. O macaco se originou do humano, o chipanzé que está no zoológico, no circo, que a gente acha bonitinho, e que pra nós é o macaco, ele é uma ramificação nossa. O que se diz e que as pessoas não entendem muito bem, é que havia grandes primatas, e esses primatas se subdividiram em diversas espécies, e uma das espécies em que eles se subdividiram gerou os humanos, e outras espécies geraram os grandes símios. E essa espécie que gerou os humanos foi se bifurcando, uma dessas bifurcações gerou o chimpanzé. Então o que o cientista considera humano… Eu fui de sítio arqueológico em sítio arqueológico, sempre com datação mais recente, seguindo essa expansão deles pelo mundo. Quando estes bípedes chegaram ao Oriente Médio, onde hoje fica Israel, uns migraram para a Europa e outros migraram para a Ásia atrás das grandes manadas de mamutes. A expansão humana pelo mundo se deu sempre atrás de comida. Chegando ao Oriente Médio, eu segui essa trilha deixada pelos caras que cruzaram toda a Ásia e entraram nas Américas pelo Estreito de Bering. Porque quando eles entraram no Estreito de Bering, nós estávamos vivendo uma era glacial e o Estreito era uma planície seca. Isso tudo hoje não é novidade. E eu fiz esse roteiro. Entrei depois pelo Alasca, segui o Canadá, América Central até chegar num lugar na Amazônia, numa gruta, no interior do Pará, onde estão as pinturas rupestres mais antigas da América do Sul, de 11 mil anos atrás. E dali desci até o interior de Minas Gerais, onde foi encontrado o fóssil mais antigo das Américas. Quanto mais para baixo, mais recente, então esse fóssil é de 10 mil anos, de uma mulher que morou lá, a mais antiga brasileira de que se sabe. E uma coisa notável é que a História do Brasil para nós começa há 500 anos, quando há 10 mil anos isso aqui já era povoado.
Sul21 – Esse livro é um dos mais vendidos de tua autoria?
Airton – É, um dos mais vendidos. Na verdade, os dois mais vendidos são o do Tibete e o da Índia. Por causa dessa questão do misticismo todo. Mas é o meu livro mais importante. É a reportagem mais importante que eu já fiz na vida. A origem dele foi uma série de dez reportagens para a Zero Hora, para o caderno Eureka.
Sul21 – Isso foi em que ano?
Airton – Foi no ano anterior ao ano em que foi publicado o livro, em 2006. Era um sufoco mandar as matérias. Uma história que a gente que é jornalista gosta…: eu estava em Adis-Abeba, na Etiópia, e tinha que mandar uma matéria. Aí fui na Lan House e o cara disse que estava fora do ar. Isso era 10h da manhã; às 11h voltei, estava fora do ar ainda; voltei às 13h e estava fora do ar ainda. Aí eu perguntei se tinha previsão para voltar, e ele o cara me respondeu que “não, está fora do ar há três meses, e não tem previsão de volta porque o governo não pagou o aluguel do satélite”. Aí eu descobri perto da cidade um hotel da rede Sheraton, uma picaretagem muito grande. Eles constróem um hotel na África, cercam o hotel, abrem um campo de aviação lá dentro, pegam os animais doentes, feridos e colocam um zoológico lá dentro para cuidar deles. Aí os aviões da Europa e dos Estados Unidos descem lá dentro do cercadinho do hotel e os caras veem os bichos na jaula… O staff é europeu, a língua é o inglês, a comida é europeia, e os caras voltam dizendo que conheceram a África selvagem. Ali usam cartão de crédito, usam internet, etc. Aí eu fui lá e usei o satélite do Sheraton de Adis-Abeba para mandar a matéria para a Zero Hora. Aí fui finalista do premio Esso de jornalismo. O maior requisito para ganhar o Esso é o grau de dificuldade que o repórter tem para conseguir fazer a matéria. E o Marcelo Rech, que naquela época era o diretor de redação da Zero Hora, foi pro Rio e disse “Ortiz, vamos buscar o premio, porque eu conheço o Esso, já fui jurado e nunca na história do Esso algum repórter teve a dificuldade que tu tivesses para fazer essa série”. Chegamos lá e quem ganhou? Uma matéria do O Globo, sobre a despoluição da Bahia da Guanabara, que o cara fez sem sair da redação. Aí, dizem que nós somos bairristas! O juri e o premiado era amigos. Ainda ontem me perguntaram se eu dou importância para prêmios, mas entre ter prêmios e ter leitores, eu digo que prefiro ter leitores. Porque os leitores pelo menos eu sei que leem os livros, o os caras que julgam os prêmios eu não tenho certeza que eles os leem.
Sul21 – Depois tu foste para o mundo maia?
Airton – Sim, eu percorri toda a América Central visitando as ruínas das cidades maias. Eles têm uma história enigmática. Eles se extinguiram 500 anos antes dos europeus chegarem nas Américas. O auge da civilização maia foi do ano 800 ao ano 1000, por aí. No ano 1100, 1200, eles se extinguiram e ninguém sabe por quê. É um grande mistério, e eu fui em busca desse mistério. E o que eu me dei conta lá, como repórter, é que as cidades maias eram nos vales e foram crescendo muito, e foram ocupando o espaço das lavouras, e eles foram colocando a lavoura das encostas dos vales, e para isso desmataram. É claro que revisei as principais teorias da extinção do povo maia. É uma história longa, mas eu não tenho dúvidas de que a extinção da civilização maia tem muito a ver, se não tudo a ver, com o desmatamento. As cidades maias eram que nem as cidades gregas, cada cidade era um estado independente. E uma coisa curiosa, é que uma cidade maia nunca conseguiu conquistar outra cidade maia, porque eles não conseguiam suprir o exército até lá. Porque tinham que todos os dias levar comida, não tinham como ir acumulando comida. Então todo exército de cada cidade maia tinha um raio até onde ele podia ir, que era até onde os carregadores podiam levar comida durante um dia, a partir dali, os exércitos não podiam avançar. Por isso os maias nunca formaram impérios, diferentemente dos incas, que formaram impérios, porque os incas viviam da batata, e a batata dá em qualquer encosta de montanha.
Sul21 – E quantas línguas tu falas? Porque não se fala inglês e espanhol em todo lugar…
Airton – Não tem outro jeito, tu tens que falar um pouco da língua local. Não é difícil saber um pouco do vocabulário de cada língua. Tem uma listinha com mais ou menos trezentas palavras. Em toda essa nossa conversa aqui, nós não usamos mais de trezentas palavras. Então se tu souberes as palavras chaves de qualquer língua, um vocabulário básico, tu consegues te comunicar com as pessoas. Então cada lugar que eu vou, antes eu estudo um pouco o vocabulário. Só de chegar nestes lugares, a simples presença de um estrangeiro em uma pequena comunidade do interior já é uma agressão. Então, a primeira coisa que tu tens que fazer é romper esta barreira que eles impõem. E a melhor forma é falar algumas palavras na língua deles.
Sul21 — E o Vietname?
Airton – O Vietnã Pós-Guerra! Eu percorri todo o Vietnã, os locais onde existiam as bases americanas, onde existiam as bases vietnamitas, os locais onde se deram as grandes batalhas, percorri os túneis que os vietcongs usavam na guerra. E esse livro tem um propósito: o de recontar a história do Vietnã do ponto de vista vietnamita. Uma pauta que até então ninguém tinha tocado. E quando eu cheguei no Vietnã, a primeira coisa que eu descobri, foi que o que nós chamamos de Guerra do Vietnã, eles chamam de Guerra Americana. Até o nome da guerra muda dependendo do lado que a conta. Nesse livro, eu reconstituo a guerra sob o ponto de vista vietnamita e vou avançando em como é o país hoje, em resultado dessa guerra. Ainda hoje, há regiões inteiras no Vietnã que tu não podes ir porque ainda estão minadas. Todo ano ainda morre uma quantidade enorme de vietnamitas vitima das minas que ainda não explodiram. Sem contar que os americanos jogaram no Vietnã mais bombas do que as que foram utilizadas durante toda a segunda guerra mundial! Todo o lençol freático vietnamita foi contaminado pelas bombas americanas. E as bombas americanas era napalms e aquelas bombas de fósforos que incendiavam. Porque os vietcongs eram guerrilheiros, não tinham um exército convencional, então eles ficavam nas margens dos rios e nas florestas e dali eles atacavam os comboios americanos que desciam os rios. Em resposta, os americanos pegaram o agente laranja e largaram nas margens dos rios para acabar com as florestas, eles desmataram as margens através do agente laranja, desmataram todas as florestas nas margens dos grandes rios vietnamitas. E é óbvio que esse agente químico desceu pro rio e contaminou todo o lençol freático do país. Morreu mais gente no pós-guerra, vítima da contaminação do solo e do rio, do que na guerra propriamente dita. O país hoje não tem vacas nem bois porque o pasto é contaminado. Eles importam leite, importam tudo. E o mais lamentável de tudo é que hoje as empresas mais poluidoras do mundo, que não conseguem licenças em seus países, vão se instalando no Vietnã. Porque o povo vietnamita é tão pobre que, para eles, entre morrer de fome e deixar contaminar o solo, preferem deixar contaminar o solo. E essas empresas poluidoras usam esse artificio sob o pretexto de gerarem empregos, ou seja, de tirarem as pessoas da fome absoluta. O povo fica refém dos empregos. Eu não condeno o cara que se deixa corromper para não morrer de fome. Ele é vítima, o culpado é o corruptor.
Sul21 – E o Zaffari, teu mecenas, o que ganha contigo?
Airton – Ele ganha agradecimentos nos livros e citações minhas. Sempre falo neles em palestras, entrevistas. O que eles ganham é a associação de sua marca a coisas culturais e interessantes. O marketing do Zaffari sempre foi em cima da cultura. Por isso é que eles têm essa imagem tão querida pelo publico gaúcho. Eles investem é para manter uma boa imagem. Eu tenho uma empresa que faz uma clipagem pra mim. Tudo o que sai durante o ano, em TV, rádio, jornal, no final do ano eu levo lá no Zaffari. E junto vai o cálculo daquilo se eles tivessem que pagar.
Sul21 — E a série sobre cidades?
Airton — Em 2010, eu comecei uma série nova. Não eram mais reportagens sobre grandes travessias, mas crônicas sobre cidades. Em 2010 eu lancei sobre Havana; em 2011, Jerusalém; em 2012, eu lancei o Gringo, que é ficção; em 2013, eu lancei o Atenas, e, agora, neste ano, o Paris. Essa coleção é sobre cidades. São crônicas, não é mais reportagem. Então mudaram a pauta e a linguagem.
Sul21 – Um dia vai ter Londres?
Airton – Sim, sim. Vai ter Londres, Nova Iorque, Amsterdam. Tu gostas de música, deixa eu te contar uma… Em Havana, a Catedral se mantém catedral, mas as demais igrejas, que são todas da época colonial, lindíssimas, elas se transformaram em salas de concertos. Então tem uma igreja belíssima que é a sede do coral de Havana. E eu fui lá assistir, e foi uma coisa belíssima. Chegaram os trabalhadores do coral, cada um com a sua roupa, não tinham uniforme nem nada, parecia um bando de colegiais se reunindo para cantar uma musiquinha. Aí começam a cantar, que coisa fantástica! Tem outra igreja colonial, que é a sede da orquestra especializada em música medieval. E o balé de Havana é um dos melhores do mundo.
Sul21 — E a distribuição dos livros? Mudaste de editora.
Airton – Os meus primeiros quatorze livros foram publicados pela editora Record, do Rio. Em janeiro do ano passado, a Marisa Moura, que é minha agente literária, me ligou dizendo que o pessoal da Benvirá queria conversar comigo. Bom, resumindo: o grupo Saraiva resolveu criar um selo de literatura brasileira, chamado Benvirá, e contrataram para editar esse selo o cara que era o editor da Planeta, o Rogério Alves. E ele me convidou. Hoje, eu resolvi o problema da distribuição. Como a Benvirá é um selo da Saraiva, que tem 110 megalojas no Brasil inteiro, as vendas aumentaram. Apesar da Record ser a maior editora brasileira, ela ainda precisava vender para as livrarias. Agora o livro já sai, digamos, da livraria. Mas vamos falar de viagens! (risadas) Então, em Paris… Eu fiquei um tempo num albergue lá, para ter contato com o pessoal que fica em albergue, que são as pessoas mais bem informadas sobre qualquer lugar. Os mochileiros são os caras mais bem informados em qualquer lugar, tanto em Paris quanto no Himalaia, porque viajam em busca de conhecimento, aquilo que vai além do que os guias de turismo oferecem. E fiquei um tempo ali, também, porque eu queria realizar um sonho comum a vários escritores, que é o de escrever um livro, ou pelo menos começá-lo, morando numa marsarda em Paris. E o albergue tinha no último andar, na mansarda, um quartinho. E o livro Paris, eu comecei a escrevê-lo lá. E a frente da mansarda dava para, nada mais nada menos, o Le Petit e o Le Trianon. Bem, dali eu fui para um hotel, porque queria também ficar um tempo em Paris como os turistas ficam. E depois aluguei um apartamento, me estabeleci, e pensei: “bom, agora eu vou morar aqui como um parisiense”.
Sul21 – É, mas não adianta, gosto mais de Londres.
Airton – E eu de Nova Iorque. A minha paixão sempre foi Nova Iorque. Depois de Porto Alegre, é a cidade que eu mais conheço. Bem, falando a verdade… Agora estou balançando entre NY e Paris. Porque Paris, tem muito de nossas raízes. Os escritores e os pintores que admiramos, etc.
Sul21 – E é tudo fácil de encontrar, né? Porque eles colocam as plaquinhas nos edifícios. Aqui morou tal escritor…
Airton – Sim! E aqui em Porto Alegre não tem. Nenhuma placa de onde morou o Erico Verissimo, onde morou o Lupicínio. Tu vais em Havana, cada prédio tem a placa do cara que morou ali. E aí quando eu disse que Porto Alegre tinha que se inspirar em Havana pra atrair turismo, quase deram em mim! “Como em Havana? Em Fidel Castro, na ditadura comunista! Quer dizer que a gente tem que se inspirar em uma ditadura comunista?” Eu não disse isso… Tô falando pra colocar placas! Se eu digo Paris, tudo bem; mas se eu digo Havana… Havana não! É mais pobre e de esquerda do que Porto Alegre… E lá tem, aqui não.
Quando descrevi rapidamente o dia 22, esqueci de dizer que Liana Bozzetto e Alexandre Constantino entraram em contato conosco através do Facebook para nos dizer que estavam na cidade. Combinamos de nos encontrar ao final desta tarde (23), quando eles estivessem saindo da Ópera Nacional de Paris (o Palais Garnier da Rua Scribe). Iniciamos nosso dia fazendo uma caminhada até Notre Dame em pleno domingo pela manhã, dia de missa.
O fotógrafo Milton Ribeiro insiste em não fotografar a torre por inteiro. Abaixo, os cadeados com juras de amor eterno. Acho uma baixaria este símbolo. Não quero ninguém preso a meu lado, quero alguém que queira estar comigo por sua e por minha vontade.
A fachada principal, …
detalhes da mesma, …
e, pronto, entramos!
Algo de mágico ocorreu lá dentro da Catedral de Notre Dame. Estávamos caminhando dentro dela (ia começar a missa e o silêncio era completo, a não ser pelos passos e as máquinas fotográficas dos turistas que caminhavam pelas laterais da nave enquanto uma fila de padres com seus turíbulos preparava-se para ir até o altar), quando subitamente o órgão atacou acordes dissonantes e apocalípticos, nada harmônicos.
Era uma peça de Messiaen que dava início à missa e que mais parecia uma acusação aos homens. Foi lindo e assustador. Estávamos ouvindo música moderna num edifício que fora construído entre os anos de 1163 e 1345. A cultura francesa nos proporcionava aquele momento arrepiante, aquela poderosa e inesperada união entre passado e presente.
Eu e Elena Romanov ficamos dando voltas até o final da peça. Aliás, ficamos ainda depois por ali. Afinal, a coisa podia voltar. Não voltou, mas que maravilha ouvir uma obra daquelas — com aquele poder — em seu habitat. Ah, querem saber o que ouvimos? Soava mais ou menos assim.
Bem, já que o dia lá fora era belíssimo, resolvemos sair de Notre Dame…
em direção aos Jardins de Luxemburgo. No meio da caminhada pela cidade, além de vermos alguns cartões postais naturais, …
nos deu uma fome do cão. E foi então que cometemos o maior erro de nossa viagem. Na cidade de melhor culinária do mundo e após passarmos batido ao longo da Rue Mouffetard, veio-nos uma fome urgente, desesperadora. Passamos a procurar alguma porta de restaurante que nos abrigasse, mas os mesmos, na segunda magia do dia, simplesmente insistiam em não aparecer. Passamos ao lado do Pantheon se nem olhar para ele e acabamos entrando num restaurante vietnamita. Sim, vagando no pleno mar da culinária francesa, atracamos numa porra duma ilha vietnamita. E, ali dentro, completamos a tragédia. Pedimos a terrível, implacável, horrorosa e intragável Sopa Pho.
O gosto que a porcaria acima tem é complicado. Sentimo-nos deglutindo comida de astronauta em pleno paraíso. Todas as pessoas são felizes em Paris, à exceção de quem comeu sopa Pho no almoço. Uma água quente é jogada sobre finas fatias de carne. A fantasia é a de que, deste modo, a carne cozinhará. Na verdade, a água fervendo lava a carne, deixando-a clarinha. Em seguida, acrescenta-se manjericão, coentro, broto de feijão e pedaços de limão. Uma iguaria que só pode ser fruída adequadamente se estivermos entre napalms e bombardeios aéreos norte-americanos. Eu olhava para a Elena e ela olhava para mim. Difícil saber a quem culpar. Gosto dela, ela gosta de mim, se não somos jovens, somos um casal jovem, que não vai discutir idiotices. A Elena jogava temperos para todos os lados, tentando melhorar a coisa. Vendo que eu estava derrotado, ela falou que era nutritivo. Rimos sem graça.
Afinal, era uma atitude dantesca aquele negócio de atravessar o mar para comer uma merda daquelas. Saímos de lá loucos por comida de verdade, mas impossibilitados de qualquer coisa, pois estávamos enjoados, com receio de rever a sopa Pho a qualquer momento. Vou parar de escrever porque acho que ainda sobrou um pouco de Pho no meu estômago. Volto a sentir o gosto daquela nojeira.
Fiz o passeio pela Bienal 2009 e… bem, o que dizer? Poderia me defender explicando que sou daltônico, porém Van Gogh também era e digamos que ele entendia da coisa. Outra consideração é que o que vi nada tem a ver com cor. E que há muitos, mas muitos filmes circulares e sem graça passando em salas jeitosinhas. Já me irritei muito com alguns artistas, e desta vez tomei a postura profilática de ir preparado para não me preocupar e amar a bomba. Pois não posso falar demais; afinal, acompanho de longe, muito longe, a produção de artes plásticas, sou um sujeito que lê menos do que gostaria e que passa 6 horas por dia ouvindo música erudita — agora ouço as Sonatas para Violino Solo , Op. 27 de Eugene Ysaÿe, fato que faço questão de ressaltar porque é música erudita razoavelmente moderna e da mais alta qualidade, o que provaria que ao menos meus ouvidos são contemporâneos pra caralho.
Chegando à Bienal, fiquei um tanto temeroso ao ver as pessoas que saíam dos armazens do cais do porto. Estavam apressadas e um tanto arregaladas, o que me fez pensar no que significaria aquele pasmo. Ou viram maravilhas ou tinham sofrido um esmagamento estético.
Então, iniciei minha racionalização. Tenho 52 anos, mas vou olhar para tudo com olhos inexperientes. Tinha que me desarmar a fim de não me tornar afirmativamente idiota (ver segunda réplica). Quando entrei, já tinha 16. É um fato indiscutível, apesar de surpreendente: eu já tive 16 anos.
(Sim, em 1973, havia muita novidade para ser julgada, talvez mais do que hoje. Pensem que o Pink Floyd estava lançando Dark Side e que eu era roqueiro, Picasso morrera em abril – estou em novembro de daquele ano -, Pinochet matara Allende há dois meses, a guerra do Vietname recém acabara, o grupo que mais vendia discos – LPs! – era o Led Zeppelin, a ditadura estava no ar, líamos Quarup de Antônio Callado (ainda acho que é excelente livro), Dali fazia declarações de amor a Franco, JL Borges estava alive and kicking (mais alive do que kicking), havia um jornalzinho chamado O Pasquim, etc. Não pense que cito isto para dizer que minha juventude foi melhor que a de hoje. É que os mortos ou finalizados têm uma aura meio fabulosa. Se Maurizio Pollini já tivesse morrido talvez já fosse o maior dos pianistas, como não morreu ainda, temos que aguentar as discussões).
Outra surpresa: viram?, eu lembro muito bem como era.
E outra: por um mecanismo que não conseguiria explicar, mas do qual tenho convicção epitelial, digo que a maioria de nós é mais preconceituosa nesta idade do que depois. Naquela época, eu andava de lá para cá com meus adesivos, tentando colar rótulos em coisas e pessoas. Depois, a gente desiste pois cada rótulo está associado a um contexto e o quem é revolucionário aqui é bombeiro ali e vice-versa.
Feliz ou infelizmente, a arte, mesmo a literatura, está virando coisa de especialista. Precisa de manual de instruções, como Stanley Kubrick defendeu uma vez. Ele achava que ficar pensando cinco anos sobre um filme para depois as pessoas darem-se conta de apenas 10% do que estava sendo mostrado era desmotivador. E ele nem conheceu Chico Fireman.
Hummm… Vamos direto às conclusões: achei fraquíssima a Bienal. Não entendi as charadas? Certamente não!
Edward Said escreveu que não existe mais a possibilidade de um discurso comum porque, em primeiro lugar, nossa formação é extremamente especializada e, depois, porque todo o aparato financeiro está voltado para a fragmentação do conhecimento. È vero. Então, a cultura parece que começa a dialogar apenas com seu meio de uma forma tão esquizofrênica que nenhum Led Zeppelin atual cheio de novidades poderá superar as vendas da Shakira bonitinha, chatinha e sem maiores novidades do que um bom traseiro. Este hipotético Led formará apenas um consideráravel círculo de iniciados assim como o Radiohead ou David Lynch possuem. E este será seu máximo. O mundo todo parece desejar fazer de Roberto Bolaño um cânone (inclusive eu) , mas acho que será um cânone de pouquíssimos leitores compreensivos.
Agora, reduza os parâmetros até a pequena literatura brasileira ou às pequenas artes plásticas que chegam à pequena e provinciana Porto Alegre.
É horrível de dizer mas o público comum ou o “povo” — ainda mais o nosso — está cada vez mais longe de entender algo um pouco mais complexo ou especializado. Os romances mais lidos têm a mesma estrutura dos de Balzac. A música mais ouvida é mais simples que a dos Beatles. A música erudita moderna é ainda um desafio para a maioria dos apaixonados por música erudita – e veja bem que neste caso já estamos na fatia mínima da fatia mínima. Então, para alguém ser tocado significativamente por uma obra de arte, há que ter conhecimento de uma rede cada vez mais intrincada de referências às quais poucos têm acesso.
Em resumo, creio que daqui há poucos anos, cada vez menos pessoas saberão que os méritos do primeiro movimento da Sonata Nº 2 de Ysaÿe estão no fato do autor ter realizado uma brilhante “desconstrução” de uma Sonata de Bach para o mesmo instrumento solo. Se o ouvinte não tiver isto em mente, babaus, pois apenas alguém com um referencial rico poderá entender e fruir. Quem não tiver, ou ficará quieto ou ficará feito um bobo criticando a estupidez daquilo que lhe é e sempre será irremediavelmente alheio.