Bamboletras recomenda Faróis, Ritos e um romance sobre jovens

Bamboletras recomenda Faróis, Ritos e um romance sobre jovens

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Recebemos quase 100 exemplares do livro sobre os Faróis do Rio Grande do Sul e vendemos todos em 4 dias! O livro é deslumbrante! Neste nosso “recomenda”, este livro é acompanhado pelo relançamento de um romance do Prêmio Nobel de Literatura de 1983 William Golding e pelo surpreendente Cinco ou seis dias, um grande achado da Dublinense. Sim, o recomenda de hoje está muito bom!

Uma excelente semana com boas leituras!

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Faróis do Rio Grande do Sul, de Cláudio Tarta (Panorama Crítico, 254 páginas, R$ 100,00)

Um livro lindo e um grande sucesso! Este projeto aborda a iluminação das rotas náuticas costeiras e lacustres e o seu papel no desenvolvimento regional e econômico desde a época da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. O extenso registro fotográfico dos faróis da região, com enfoque nos seus aspectos artísticos e paisagísticos, além dos detalhes de sua estrutura interior e dos seus equipamentos seculares de iluminação, demonstra, de maneira inédita em nossa literatura, a preocupação com uma obra completa e que contribua para a preservação desses patrimônios históricos e arquiteturais. O livro traz, ainda, entrevista com o último descendente em atividade de uma geração de faroleiros que marcou a história do Rio Grande do Sul, resgatando essas figuras míticas que, anonimamente e com muita dificuldade, vêm dedicando suas vidas ao árduo e solitário trabalho de iluminar o caminho dos navegantes.

Ritos de Passagem, de William Golding (Alfaguara, 216 páginas, R$ 69,90)

William Golding — Prêmio Nobel e autor do clássico O Senhor das Moscas — mergulha fundo na alma humana para revelar seu lado mais sombrio. Em Ritos de passagem, vencedor do Booker Prize em 1980, o autor mescla a forma epistolar à narrativa histórica para mostrar as fissuras que surgem das diferenças de classe e de cultura. Um romance extraordinário. Em uma viagem à Austrália, no início do século XIX, Edmund Talbot mantém um diário, no qual narra suas aventuras para entreter o tio que ficou na Inglaterra. Talbot é um jovem com uma carreira promissora à frente, no serviço público da Coroa Britânica. Cheio de mordacidade e algum desprezo, ele relata o dia a dia dos marujos e oficiais e descreve os emigrantes em busca de uma nova vida. A bordo de um navio da Marinha inglesa, tripulantes e passageiros têm de conviver em um espaço exíguo, e a tensão entre eles parece cada dia maior. E, aos poucos, os companheiros de viagem começam a exibir sua verdadeira — e sombria — natureza. A situação se agrava quando o jovem e aparentemente ridículo reverendo Colley atrai a antipatia e animosidade dos marinheiros, e a vergonha e humilhação podem se tornar mais perigosas do que o próprio oceano.

Cinco ou seis dias, de Danich Hausen Mizoguchi (Dublinense, 192 páginas, R$ 59,90)

Um livro muito interessante sobre juventude e escolhas. João e Dante são dois amigos recém-saídos da universidade no despertar dos anos 2000. São idealistas e cheios de planos. Enquanto Dante acredita que pode fazer sua parte através de uma empresa inovadora, João tenta entender o mundo a partir da vivência nas ruas. De um lado, a ideia de que uma mudança real possa acontecer de dentro do sistema; do outro, o estado de constante vigilância e o medo de quem decidiu se juntar ao elo mais frágil da sociedade. Entre ideais compartilhados e ações opostas, os dois tentam manter a amizade e os sonhos enquanto lidam com a… falência das suas escolhas.

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Escritores que você deveria cancelar (VIII): William Golding

Escritores que você deveria cancelar (VIII): William Golding

[Ironic & Provocation Mode ON]

O Senhor das Moscas é um dos melhores e mais assustadores livros já escritos. A trama gira em torno de um grupo de meninos que acaba em uma ilha deserta, dividem-se em facções assassinas e voltam à selvageria da Idade da Pedra. É um dos romances essenciais quando se trata de explorar o lado negro do homem … algo que o autor William Golding conhecia muito bem. Em 2009, foi revelado que ele havia registrado um incidente profundamente perturbador em seus diários privados. De acordo com o próprio Golding, quando ele era um estudante universitário de 18 anos, ele tentou estuprar uma garota de 15 anos chamada Dora.

O ataque aconteceu alguns anos depois que os dois se conheceram, quando Golding voltava do primeiro ano em Oxford. Golding justificou seu desejo dizendo que, aos 14 anos, Dora “já era sexy como um macaco”. E aos 15, enquanto caminhavam à noite na rua, ele decidiu que a jovem adolescente definitivamente desejava um avanço agressivo. Mas acabou que ela não estava interessada em fazer sexo — e lutou bravamente contra Golding. Como disse Golding, ele “tentou estuprá-la desajeitadamente”, e os dois lutaram como inimigos“.

Por fim, Dora livrou-se de Golding, que foi forçado a recuar, enquanto repetia: “Não vou machucar você”. OK, então ela saiu correndo, deixando-o.

Só nos diários, né?

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A Autobiografia, de Woody Allen

A Autobiografia, de Woody Allen

Charles Dickens difamou sua esposa porque desejava se separar. J. D. Salinger era esquisito com as meninas adolescentes… George Orwell denunciou stalinistas para o serviço secreto inglês — alguns denunciados eram “amigos” seus e dizem que foi pago por isso. (Não sou stalinista, OK?). Gertrude Stein parecia admirar fascistas. Ernest Hemingway foi espião da KGB. Jack London era racista. Monteiro Lobato também. Roald Dahl era antissemita e todo mundo lê seus livros e vê A Fantástica Fábrica de Chocolates. William Golding tentou estuprar uma garota de 15 anos. Norman Mailer quase assassinou sua esposa — apunhalou-a no estômago e nas costas. Céline era um fascista de 4 costados. Muita gente lê estes autores e, olha, Woody Allen me parece ser bem mais tranquilo, além de ter sido profundamente investigado e inocentado. É estranha a perseguição que ainda sofre.

OK, não é muito normal casar-se com a filha da namorada — ela era filha adotiva de Mia Farrow e André Previn –, admito. Mas não vou me preocupar com isso.

Antes de escrever algo sobre o livro, digo que o editor brasileiro foi desrespeitoso para com seu título original, coisa que não aconteceu em Portugal, como vemos ao lado. O nome do livro em inglês é Apropos of Nothing. Este é o primeiro problema, o segundo é a tradução, que apenas eventualmente traz integralmente a voz e o estilo de Allen e usa certas gírias que ou são antiquadas ou muito Região Sudeste, não sei bem. Conheço mais 3 pessoas de Porto Alegre que leram o livro e todas reclamaram do trabalho do tradutor.

Apesar de tudo isso, curti o livro. A cada página há piadas hilariantes e boas histórias sobre conhecidas personalidades do cinema. Meu interesse só caiu quando a autobiografia foi interrompida pelo Caso Mia. É claro que o caso é incontornável — afinal, o fato interrompeu a vida profissional do cineasta, mas eu já conhecia bem a história e o texto não acrescentou muita coisa ao que eu já sabia, só preencheu algumas lacunas. Porém, fica claro que o livro só existe porque ele queria deixar clara sua visão.

Antes, ele descreve sua infância e nos leva pelo caminho através do qual se estabeleceu como um dos grandes cineastas americanos da década de 70 em diante. É um deleite ler sobre as décadas de 70 e 80, onde produziu filmes inesquecíveis como Annie Hall, Manhattan, Hanna e suas irmãs e outros. Os filmes mais recentes, mesmo os excelentes Match Point e Meia-Noite em Paris, recebem menor destaque. O texto de Allen é muitíssimo engraçado e ele releva-se modesto, sempre falando na sorte que teve. Seu único motivo de orgulho parece ser o fato de ter nascido cômico e de ter uma incrível capacidade de trabalho. Imaginem que ele assinou mais de 50 filmes, atuando em muitos deles. Filho de um livreiro e descendente de judeus de origem alemã, Woody Allen frequentou a Universidade de Nova Iorque, mas não completou os estudos. Muito jovem, começou a vender textos de humor para comediantes. Os primeiros filmes que o tornaram famoso foram as comédias leves, como Bananas (1971), Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo mas tinha medo de perguntar (1972) e O Dorminhoco  (1973). Só depois vieram seus clássicos, que permitiram a Allen explorar alguns dos seus temas preferidos: a cidade de Nova Iorque, a religião judaica, a psicanálise e a burguesia intelectual norte-americana. Ele também analisa sua tendência e admiração pelos filmes sérios, mas que se sai melhor provocando risadas, para o que sua figura ainda contribui.

Fica óbvio que, como cineasta, a imagem que Allen tem de si é bastante diferente daquela que percebemos como cinéfilos. E é interessante entender isso.

Penso que o livro seja altamente recomendável para fãs do cineasta. Para os demais, vale a leitura para conhecer de perto este episódio inacreditável criado pela “moral” estadunidense. Tudo faz crer que o cancelamento de Woody seja apenas um protesto contra a sua relação com Soon-Yi, que a maioria da sociedade americana, em sua hipocrisia religiosa, considera um “pecado” mais que um fato pouco comum. Sim, é um fato pouco comum e nada muito além disto. Certas coisas, definitivamente, só acontecem nos Estados Unidos. Seus filmes continuam sendo vistos na Europa e em muitos outros países, mas não nos EUA. Curioso.

Woody Allen, o cineasta interrompido | Foto: Divulgação

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Valeu a pena ver Ian McEwan ontem no Araújo Vianna

Valeu a pena ver Ian McEwan ontem no Araújo Vianna

Ontem, fui assistir à palestra de Ian McEwan no Fronteiras do Pensamento. Foi uma boa palestra sobre seu projeto de literatura realista. O que me encantou é que foi uma fala de ficcionista, com as teses explicadas através de exemplos curiosos e engraçados. O resultado foi claro e elegante. McEwan não tentou dar soluções para o mundo, limitando-se ao campo da literatura, que já é suficientemente vasto. Muito tranquilo e pausado, de fala mansa, ele é um inglês que demonstra um surpreendente espírito italiano para se expressar. Mexe-se e usa os braços.

ian-mcewan

Falou sobre a importância dos detalhes. Relatou que, para escrever Sábado, passou dois anos seguindo um amigo neurocirurgião. Muitas vezes, acordava às 6h e dirigia-se para o hospital a fim de observar a rotina do cara. McEwan contou que um dia estava numa sala tomando notas, vestido com um jaleco, e foi abordado por duas residentes de neurocirurgia que queriam assistir ao procedimento e o confundiram com o médico. Para saber se já havia aprendido o suficiente, ele conversou com elas por cinco minutos como um especialista o faria. Quis saber em que nível elas estavam e explicou-lhes a cirurgia. Elas não notaram nada de estranho nele.

Também seguiu uma juíza especialista em direito de família para criar Fiona Maye, narradora de A Balada de Adam Henry, uma respeitada juíza do Tribunal Superior da Inglaterra.

E falou dos erros que tais detalhes podem causar. Seus personagens já viram estrelas que só eram possíveis de ver no hemisfério sul em julho. Estavam em Veneza. Também em Sábado, seu médico fala de características que não existem em seu carro, um certo modelo de Mercedez Benz. Contou a história de William Golding e de seu O Senhor das Moscas, onde o menino de óculos tinha um problema visual que era corrigido por um tipo de lente que não poderia concentrar os raios solares para fazer fogo, mas que no livro fazia. Falou das cartas de leitores que apontavam estes erros e que ele os corrigia todos nas novas edições, mas que Golding negava-se.

Defendeu o realismo e os detalhes usando o exemplo da primeira página de A Metamorfose. Há algo extraordinário acontecendo, mas aquilo só se torna crível quando Kafka cita as perninhas. Há o sensacional início: “Quando, certa manhã, Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Mas o final do parágrafo é que joga a “realidade” na cara do leitor: Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos. Sim, o detalhe é que torna tudo crível.

Ao falar do humor, disse que não gostava das comic novels. Parece que o escritor está continuamente fazendo cócegas no leitor para que este ria. Ele prefere o humor que surge naturalmente, como consequência inevitável. Cria-se a situação humorística e a questão do quanto explorá-la.

Ao comentar seu último livro, Enclausurado, defendeu sua ideia de realismo:

— É biologicamente impossível que um feto narre histórias, mas considero que meu romance é realista, porque depois dos primeiros parágrafos, onde deixo claro o acordo que desejo estabelecer com o leitor, tudo o mais é escrito na tradição do realismo. Por exemplo, como a mãe bebe, o feto passa a fazer comentários avaliando a qualidade dos vinhos ingeridos e estabelece seus gostos como sommelier. E ouve um crime sendo preparado.

Também criticou acidamente Hollywood, dizendo que lá estão as piores pessoas. Como vários escritores, tentou enfiar à fórceps profundidade e inteligência em filmes para o grande público, mas disse que isto era muito raro e que foi vítima de uma traição em seu roteiro para O Anjo Malvado. “Em Hollywood, as pessoas são más como Maquiavel descreveu em O Príncipe. É como se tivéssemos penetrado na corte de César Bórgia”.

Bem, não vou resumir tudo. Vou apenas completar dizendo que a inabilidade do entrevistador Daniel Galera ia contra a boa qualidade do evento. Não é proibido ficar nervoso, mas é inaceitável não ouvir o palestrante. Galera conseguiu fazer perguntas amigáveis que sugeriam a negação daquilo que McEwan recém falara em sua palestra. Ou seja, devia estar tratando seu nervosismo ao invés de ouvir o inglês. Não tem o traquejo do entrevistador que leva mil perguntas pré-prontas e que evita aquelas que não contribuirão ou que farão a estrela repetir coisas. Galera é bom escritor e será complicado evitar tais eventos, mas tem de ser melhor orientado. Tulio Milman, mesmo desculpando-se por não ser um expert em literatura, foi muito mais interessante ao perguntar sobre o Nobel de Dylan, o Brexit, os filmes baseados em suas obras e sobre como despedir-se de um livro — esta talvez tenha sido uma pergunta da plateia.

Foi muito bom ver McEwan e comprar alguns volumes que faltavam, além de presentear a Bárbara com o esplêndido Na Praia. Também foi ver o Araújo Vianna quase lotado para ver um escritor, mesmo que nem todos saibam se comportar.

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