Equilibrando-me entre o futebol e o tênis

Sou daqueles homens que podem passar horas abobalhados assistindo a um jogo de futebol ou de tênis. O que fazer se nascemos com esta estranha necessidade, tão comum entre os homens e tão rara entre as mulheres? Tenho absoluta certeza de que o motivo maior pelo qual fico vendo futebol não é o ódio mortal (e perfeitamente natural) que cultivo ao Grêmio nem o amor que devoto ao Inter (algo mais natural ainda). Posso ficar igualmente hipnotizado se a atração for Boca X River, Manchester United X Milan, Náutico X Íbis ou uma pelada entre garotos. Trata-se de um defeito de fabricação muito comum entre nós, seres mais apreciados por elas pela produção de testoterona.

E o pior é que tenho absoluta certeza de que o motivo pelo qual gosto de futebol e tênis é estético, é plástico… Entendem? O futebol, principalmente quando visto no campo, é algo belíssimo, digníssimas senhoras. A movimentação, a tática que os jogadores obedecem ou não, é muito interessante. A dinâmica do jogo é complexa e alguns treinadores levam enorme tempo para gerar aquela sincronia a qual denominamos bom futebol. Tá bom, concordo que isto é parcialmente desmentido pelas entrevistas que ouvimos aos finais de jogos. Nossas mulheres devem questionar se a mente de quem fala daquela maneira pode gerar, noutras circunstâncias, quaisquer pensamentos abstratos. Outra dúvida possível é se a complexidade do futebol não é um fato apenas imaginado por nós com a finalidade de valorizar o triste fato de sermos fanáticos adoradores de algo imbecil. Mas sei que alguns jogadores podem ser verdadeiramente geniais dentro de campo, tal como Johan Cruyff, Tostão e Zidane; enquanto que outros — como Ronaldinho Gaúcho — são provas vivas de que uma excepcional coordenação motora pode ser comandada por um cérebro burro sem grandes problemas…

Algumas mulheres se irritam conosco, outras — mais espertas — suportam bravamente nossas características. A minha está no segundo time. Ela já foi adestrada (desculpe, meu amor) por um marido italiano que passava todo o domingo na frente da televisão em Verona. Como sou capaz de ficar apenas 3 horas contínuas atento aos jogos, talvez eu seja uma evolução em sua vida. Semana passada, durante uma preguiçosa e amorosa manhã, víamos um torneio de tênis e tratei de explicar-lhe as regras que regem um jogo daqueles. Foi complicado, pois não conheço a raiz histórica que faz com que contemos os pontos de forma tão estapafúrdia — 1 a 0 no game é 15-0, 2 a 0 é 30-0, 3 a 0 é 40-0… –, só sei que é assim. Como ela não costuma aceitar explicações vagas, tendo a irritante mania de dominar todos os conceitos fundamentais, não é adequado dizer-lhe que é assim porque é. Graças ao bom Deus, ela concluiu que devia ser algo inventado por ingleses, povo que tem o sistema monetário e de medidas mais complicado do planeta. No final, ela já estava até fazendo comentários pertinentes…

Ontem pela manhã, liguei a TV para ver LDU x Pachuca. Me entusiasmei além da conta com a cobrança de falta de Bolaños e disse o que deveria ter evitado: Olha, a trajetória desta bola! Não é pura arte? E completei a merda de forma condigna: Parece um traço de Picasso. De onde tirei uma besteira dessas? Recebi de volta apenas um arquear de sobrancelhas. Aquele arquear, entendem? Aquele que significa 100% de ceticismo, que nos reduz a meros adoradores de algo que não vale coisa alguma e que só poderá ser reequilibrado se ela ficar duas horas se arrumando para uma festa, provocando constrangedor atraso…

Céus, quanto investimento jogado fora!

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  1. Essa mulher é uma santa!
    Mas me lembrastes uma coisa que li.
    Depois do Seda, que amei, estou lendo o Mundos de vidro do Baricco. Ontem li um capítulo que um dos personagens decide fazer uma linha férrea e compara o movimento do trem ao de um projétil – “a metáfora perfeita do destino”.
    Vamos combinar, bem melhor que “Parece um traço de Picasso”, né?
    santa mulher…

  2. Milton,
    concordo com o Romulo.
    Explicação tenística. A contagem deve porque a contagem representa uma caminhada até à rede. Então ganhas um ponto caminhas 15 passos do inicio da quadra (lina de base), ganhas outro, caminhas mais 15, ganhas o terceiro, opa, após 10 passos chegamos à rede.
    Um português sugeriu aumentar a quadra, outro que deveríamos caminhar de gatinhas pois, como os passos são menores, há um divisor adequado de quarenta, outra sugeriu mais pontos.
    Talvez seja para complicar mesmo. Assim, alguns logicamente desabilitados seriam impedidos de jogar.
    Si non é vero….
    Branco
    Branco

  3. Milton, li certa vez a explicação para a pontuação do tênis. Não era uma fonte muito confiável, mas aproveito para mandá-la para você a título de curiosidade.

    O tênis, no fim da Idade Média, início da Idade Moderna, era jogado apenas pela nobreza. Os nobres, entretanto, não iriam cumprir a função indigna de ir pegar bolinhas e se posicionar para sacar. Portanto, quem fazia isso eram pessoas do populacho que recebiam essa enorme honra de fazer esse favor aos nobres. Por isso mesmo, quem está sacando tem o “serviço”, palavra que, teoricamente, vem de servo.

    Pois bem. O servo, portanto, é que corria atrás da bolinha/peteca (ou o raio que fosse) para sacar. Ele que se posicionava. Então, o jogador que estava do lado do serviço (do lado do saque) tinha uma vantagem: se ele marcasse o ponto, o servo que sacava tinha direito a avançar 15 passos (ou 15 pés, não me lembro bem). Se ele marcasse um novo ponto, o servo andava mais 15 (portanto, teria andado 30). Com o terceiro ponto, se o servo avançasse mais 15, ficava muito perto da/encostava na rede. Sendo assim, ele só avançava 10 passos/pés (portanto, do 30, ia para o 40). Se o nobre marcasse mais um ponto, virava o jogo e o servo passava a sacar para o outro nobre e tudo começava novamente.

    Fui claro?

    Abraços.

  4. Gostei do teu texto, mas devo discordar em relação às mulheres não gostarem de futebol.Quem vai ao campo vê que quase metade do público é feminino(a?).Na sua voz,parece que as mulheres ainda fazem só se “empetecar” para os maridos…ledo engano…rs, de qualquer forma, o post está divertido.Me fez rir e pensar.Isso sempre vale a pena.

  5. Pessoal, obrigado pelos comentários. Todos muito bons. Essas explicações sobre o tênis… só vendo!

    Respondo à Adriana que vou a estádios todas as semanas e sei da presença e do conhecimento sobre futebol das mulheres. Até diria que passo muito tempo observando a beleza dos cabelos de vocês sobre nosso manto vermelho…

    Acho maravilhosa a presença de mulheres, porém, para o texto, precisava forçar a barra nos arquétipos. Ah, e nem minha mulher é uma perua empetecada!

    Beijo.

  6. Se somos feitos da matéria dos sonhos, como formulou Shakespeare e confirmou Sigmund Freud, muito compreensível que sejamos adoradores de non-sense, como 22 homens correndo atrás da pelota. Ou que elejamos Volpi e recusemos a bandeirola desenhada pelo menino do vizinho. Se não nos “entretermos”, filosofaremos sobre a “insustentável leveza do ser” e a insuportável certeza do não-ser. Então, meu caro, vamos aos estádios, liguemos a tv, façamos poemas e outras letrices, bloguemos e, principalmente, encontremo-nos em torno de uma mesa de boteco: Belo Horizonte é a capital brasileira (quiçá mundial) dos botecos, sabia? E aqui tem rancho e pousada para figura tão ímpar como você e sua fiel escudeira, Mme. Antonini. E agregados, por que não? Aguardamos sua visita.

  7. Não sei se você leu o livro do Cristovão Tezza, O Filho Eterno (minha esposa leu enquanto eu via futebol), mas o capítulo final explica o gosto das pessoas em geral (não só masculino, embora minha esposa…) pelo futebol. Ela me mostrou (e está escrevendo uma mensagem para o blog dela) a razão básica nas últimas linhas: gostamos porque não sabemos o que acontecerá, nem por que. Então é aquele desenrolar de espaçp/tempo por meio de força/habilidade tendo por resultado (significado) zero. Nada. É nele que a gente se encontra.

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