O Monólogo Amoroso (XIII)

Após uma noite de paranoia e preocupação, em que temeu algumas maquinações dos médicos e de sua filha, Nina recebeu os calmantes prescritos e continuou o monólogo.

O retorno à vida normal não foi nada fácil. Era como ter saído de uma piscina num dia quentíssimo para enfrentar uma longa caminhada. Porto Alegre é uma cidade insuportável no verão e neste período deveria alterar seu nome para Forno Alegre. Minha paciência encurtava na medida em que considerava os dias de convivência amorosa, pacífica e interessante que tivera e vislumbrava como seriam os seguintes. Em nossa despedida não houve promessa alguma; a vida deveria correr livremente então. E havia outro modo? Certamente não, mas ficava incomodada com a indeterminação, sei lá. Estava decidida a cumprir o que tinha planejado fazer e, antes que o verdugo da rotina me hipnotizasse, disse para minha mãe, em voz um tanto histérica, que desejava deixar as coisas claras para mim e para todos – parentes e amigos. Queria a separação. De enfiada, pedi para continuar morando em meu quarto contigo. Ela me pediu calma, o que significava “Olha, filha, vamos varrer esta sujeira para baixo do tapete e aguardar”. Era óbvio que o paradoxo da mãe solteira porém casada lhe agradava. Meu pai, sempre ausente e ao sabor dos ventos, desta vez entrou na discussão: insistiu para que eu desse uma chance para o rapaz; afinal, Raul era um bom menino. A mim, os dois pareciam doidos varridos; ainda contavam que acabaríamos formando uma harmoniosa família a três… Resolvi então falar com Raul.

Anunciei-lhe que queria me separar oficialmente. E logo. Mas uma separação não é simples. Ou melhor, acho que até poderia ser se eu fosse direto a um advogado, sem muita conversa. Porém, alguns casais primeiro tentam enfiar seu inferno pessoal um na cabeça do outro, precisam tornar impossível o entendimento para então poder encher a boca e declarar: não dá mais, é insustentável! Ele ouviu, deu meia volta e sumiu. Dias depois, voltou, disse que me amava mas que eu nunca lhe dera uma chance real, que tínhamos uma filha e que eu deveria ser responsável e pensar no teu futuro. Quando ouvi aquilo, parecia que ia ter uma convulsão, tal o ódio de que fui tomada. Passei a gritar, será que o menininho despreparado e silencioso, que morava na casa da mãe após minha negativa de ir para um apartamento com ele, o surdo-mudo que evitava falava sobre a relação paupérrima que tínhamos, que evitava inclusive a relação, agora estava pronto a mudar de vida? Éramos uns namoradinhos que tinham gerado uma criança e ele se escondera na hora de resolver o problema e mais ainda quando tu nascente, quando passou a ser um objeto figurativo enquanto eu cuidava de ti e estudava. Estava transtornada e disse, claro, verdades e injustiças. Acusei-o de não fazer absolutamente nada, de nunca me ajudar e de passar o tempo maquinando coisas com sua mãe. Ele respondia no mesmo tom: ele sustentava uma prostituta que tinha sua filha como refém, eu o ignorava, eu o expulsava da casa em que sua filha morava, ele estava trabalhando ao passo que eu ficava em casa fazendo coisa nenhuma, indo para a rua procurar homens, eu usava os serviços de uma babá inútil e explorava a ele e a minha família fazendo um curso para mulheres desocupadas, uma faculdade de espera-marido, etc.

Enfim, quase conseguimos. Tanto fizemos que quase tornamos impossível qualquer diálogo. Eu não sei, não sei mesmo quem tinha razão e nem se interessava saber. Não sei o dia nem a hora em que deixamos de conversar para viver cada um sua vida com uma criança entre nós. Ele entrava em nossa casa, brincava contigo – tu adoravas o papai – e ia embora. É, acho que nunca dei-lhe uma chance, mas ele também nunca se impôs, sempre foi omisso e obediente. E cometi mais um erro. Propus dar um tempo… Pouco depois, voltei ao assunto.

E tudo recomeçou. Raul passou a falar comigo duas ou três vezes por dia, fazendo os mais incríveis pedidos e promessas. Eram súplicas que me deixavam acabrunhada. Eu era ora má, ora a mulher com que ele sempre sonhou, ora excelente mãe, ou péssima, era linda e inteligente, mas também burra e pretensiosa, um martírio. Eu nunca sabia que versão de Raul encontraria, ele mais parecia uma fila inteira de suplicantes e… Procurei mais um adiamento, cuidando para que tu ficasses fora da discussão. Mas agora ele tomava as iniciativas. Eu encarnava ao mesmo tempo tudo o que havia de bom e ruim, tudo o que ele precisava e o que ele conhecia de mais nauseabundo. Era adorável e repugnante, uma boa e desejável mãe e, ao mesmo tempo, uma megera aproveitadora e calculista que estava destruindo sua vida e planos. Como as discussões eram na minha casa, meus pais opinavam: ele dizendo nem tão veladamente que eu era uma inconseqüente, ela me aconselhando a deixar a coisa como estava. Não foi nada divertido, passei três meses no pior dos ambientes, já era março e nada tinha acontecido, pois eu estava aguardando que Raul parasse com as brigas. Mas um belo dia brigamos tanto que efetivamente conseguimos. Era impossível a menor conversa. Deves estar rindo de toda essa bagunça, Ana. Afinal, ainda hoje, deitada nesta cama de hospital, sou oficial e inutilmente casada com teu pai. Nunca nos separamos, apenas permanecemos alguns anos falando mal um do outro pelas costas e depois nem isso.

As aulas recomeçaram e, quando entrou na sala o professor de Literatura Brasileira Roberto Simões, pensei: este homem, apesar daquela aliança, me atrai. Nunca houve nada entre nós, nunca nos tocamos, mas ele me ajudou muito. Comecei a me arrumar melhor para assistir suas aulas. Fazia-lhe perguntas tentando mostrar-me inteligente. Como não estava alcançando meu intento, passei a estudar a matéria antes que fosse ensinada para poder fazer perguntas ainda mais inteligentes. Trazia as perguntas prontas e passamos a conversar depois das aulas; ele me emprestou um livro e lembrei de Ricardo; vi que ele almoçava no bar da Filosofia e resolvi que iria almoçar ali quando, coisa rara, tivesse algum dinheiro ou tempo sobrando. Nunca consegui almoçar com ele, mas passei a sentir-me observada. Dias depois, em plena aula, ele me usou como exemplo de beleza para caracterizar a bela Virgília, de Memórias Póstumas de Brás Cubas, personagem de quem não gostava muito, mas que, naquele momento, me servia; só não gostei quando ele disse que Virgília tornara-se amante de Brás aos 28 anos e concluiu que eu ainda precisaria esperar alguns anos. (Procurei esta idade no livro e não encontrei). Um dia, ele, o professor Roberto Simões, chefe do Departamento de Letras, ofereceu-me carona para casa.

O percurso foi uma comédia. Ele mostrou-se engraçado descrevendo a vida de um professor sob a censura e me contando que tinham sido excluídos todos os autores contemporâneos do currículo do curso de Letras por absoluta falta de distanciamento histórico… Não valia a pena estudar autores que ainda estavam produzindo suas obras, ora. Depois, discorreu sobre o incrível número de alunas desinteressadas das letras, da literatura, da cultura. Chamou-me de avis rara e eu respondi mentalmente avis rara, avis cara. Sim, minha filha, se antes dos militares não tivessem retirado também o latim do currículo dos colégios, saberias que este ditado faz referência a uma visita rara, porém bem-vinda. Ele brincava comigo: enquanto eu flertava, ele satisfazia sua vaidade com uma aluna, mas não queria problemas. Despediu-se como um agente secreto, revelou que seu carro era um Skoda, fabricado na Tchecoslováquia, e que, portanto, eu tinha sido transportada num carro comunista. Aquela carona era a antítese do que estava vivendo em casa. E repetiu-se nos dias seguintes, repetiu-se na verdade por anos. Tudo indicava que eu ficaria célebre como a promíscua do bairro.

Ainda agitada, mas agora sorridente, ela desliga o gravador.

Quem é a Globo que cobre os ataques à Faixa de Gaza?

É Renata Malkes, 28 anos, jornalista. Ela deletou seu blog, é claro, mas ele pode ser lido aqui. Basta clicar nos meses.

Eis algo que ela publicou em 2002-03-15:

Em algum momento do futuro

Pai e filho caminham pelas ruas de Nova York quando o pai, desolado, pára em frente a um terreno vazio, suspira e diz para o filho:
– E pensar que aqui neste lugar, um dia, estavam as torres gêmeas – diz em tom de desabafo.
O filho olha espantado para o pai e dispara:
– Papai, o que são as torres gêmeas?
– Meu filho querido, as torres gêmeas eram dois prédios extremamente altos, lotados de escritórios, que eram considerados o coração dos Estados Unidos. Mas, há muitos anos os árabes destruíram os prédios.
Curioso, o garoto pergunta:
– Papai, o que são árabes?!
HAHAHAHAHA! Você não achou graça? EU ACHEI! Foi mandada, em inglês, pelo meu amigo Moshe. Eu tomei a liberdade de traduzir e fazer pequenas modificações.

Simply Renatinha at 3:24 PM

Há mais, há mais. E melhor. Como ela poderia realizar a cobertura se… Bem, encontrei esta pérola no dia 17 de setembro de 2002, sob o título Time to decide a respeito de seu desejo de entrar nas forças armadas israelenses:

In December, I must leave the Ulpan where I live, find an apartment to rent, get a regular job and so on… Before that, I must decide about something that is making me very unconfortable: going (or not) to serve the Israeli Army. This is something I really wanted to do. REALLY! If you know me, know about my cultural background and my passion for military issues, guns, information and other related stuff. It would be great for my Hebrew skills, for understanding Israel, for knowing people and for introducing myself into the society here. In fact, I don’t have to serve anymore, I am just considering being drafted as a volunteer.

Seu blog parece um diarinho virtual de pequenas crueldades e piadinhas anti-árabes. Parece uma adolescente maluquinha. Mas é a Globo em Israel. É REPUGNANTE.

Comecei a vasculhar o blog da menininha da Globo a partir deste post.

Da Cloaca News: Aqui, Renata Malkes exulta por ter seu blog reconhecido pelo jornal israelense Yediot Aharonot como um “warblog”, ou seja, de divulgação de propaganda sionista.

E agora há um blog novo, equlibrado, imparcial, feito com exclusividade só para você, meu amigo da Rede Globo.

A paz não passa pelo massacre, por Milton Hatoum

O texto abaixo é o melhor e mais claro que li desde o início dos ataques. Como é cada vez mais raro um escritor brasileiro preocupar-se com seu tempo, saúdo o grande Milton Hatoum — do qual me orgulho ter sido aluno — que parece não alimentar-se apenas de sopas de letrinhas.

Retirado daqui.

I

O veterano jornalista israelense Uri Avneri afirmou várias vezes que o governo de Israel deve negociar com o Hamas, com a Síria e com a Autoridade Palestina a fim de obter um amplo acordo de paz na região. Mas Israel prefere agir militarmente a sentar à mesa de negociação. Isso porque, para Avneri, Israel tornou-se um Estado militarista, dotado de uma arrogância típica de uma potência ocupante.

De fato, a ocupação militar da Cisjordânia é a mais longa da história moderna. A ocupação, o muro que usurpou dez por cento de terras palestinas, a construção ininterrupta de assentamentos de colonos ortodoxos na Cisjordânia e na parte árabe de Jerusalém, tudo isso causa desespero à população palestina e impossibilita qualquer perspectiva de paz.

Quanto à Gaza, ninguém concorda com o lançamento de mísseis (mesmo de baixa potência) contra cidades israelenses, mas o bloqueio de toda a região de Gaza é muito mais do que uma provocação. Trata-se de um deliberado exercício de crueldade aplicado a 1,5 milhão de pessoas. Não menos cruel é o recente bombardeio, iniciado no dia 27 de dezembro de 2008 e que já matou mais de 500 pessoas, sendo mais de cem civis, entre mulheres e crianças. Se esse for o preço a pagar para que os partidos do atual governo israelense ganhem as eleições de fevereiro próximo, então mais uma vez Israel mostra que sua “democracia”, a única no Oriente Médio, é uma aberração. Não há democracia com ocupação militar, muito menos com massacres sistemáticos, prisões arbitrárias e tortura. Isto serve também ao governo “democrático” de George W. Bush, o pior presidente dos Estados Unidos, segundo o escritor Philip Roth.

II

Algo de errado está acontecendo com Israel e seus cidadãos. Durante a Segunda Guerra, quando milhões de judeus já tinham sido assassinados pelos nazistas, o que fez a “comunidade internacional” para deter o Holocausto? Nada. Essa mesma comunidade – países ricos e poderosos, Estados Unidos à frente, mas também países árabes – continua a ser cúmplice de genocídios na África, no Oriente Médio e em todos os países onde os mais fracos são humilhados e massacrados. Não deixa de ser assustador que a maioria da população israelense aceite e até aprove a matança de civis palestinos e a destruição de escolas, hospitais, mesquitas, universidades e de toda a infraestrutura de Gaza.

Sem dúvida há milhares de judeus no mundo todo que condenam essas ações bárbaras das Forças de Defesa de Israel. Mencionei Avneri, mas há vários historiadores e intelectuais judeus que criticam com veemência a política belicosa e expansionista de Israel. Gostaria de citar dois. O primeiro é Richard Falk, relator especial do “Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas para os Territórios Palestinos Ocupados” e professor emérito de Direito Internacional na Universidade de Princeton. No ano passado, bem antes do atual massacre contra o povo palestino, Falk assim relatou o cerco israelense de Gaza:

“Será um exagero irresponsável associar o tratamento dos palestinos às práticas de atrocidades coletivas dos nazistas? Não creio. Os recentes desenvolvimentos em Gaza são particularmente inquietantes porque exprimem de modo evidente uma intenção deliberada da parte de Israel e dos seus aliados de submeter toda uma comunidade humana a condições da maior crueldade que põem em perigo a sua vida. A sugestão de que este esquema de conduta é um holocausto em vias de ser feito representa um apelo bastante desesperado aos governos do mundo e à opinião pública internacional para que ajam com urgência a fim de impedir que estas tendências atuais ao genocídio não conduzam a uma tragédia coletiva”.

III

No artigo Israel e suas bombas nunca quiseram a paz, Haim Bresheeth, professor-titular de Estudos sobre Mídia na University of East London, escreveu:

“O exército de Israel é suficientemente poderoso para destruir todo o Oriente Médio (e, de fato, também para destruir parte importante do ocidente). O único problema é que, até hoje, jamais conseguiu mandar, sequer, no território em que lhe caberia mandar. O mais poderoso exército do mundo está detido, ainda, pela resistência palestina. Como entender essa contradição?

Bem, para começar, Israel jamais trabalhou para construir qualquer paz com os palestinos; jamais usou outro meio que não fossem os meios do extermínio, da limpeza étnica, do holocausto, para matar as populações nativas e residentes históricas na Palestina, desde a fundação do Estado de Israel, em maio de 1948.

Israel expulsou 750 mil palestinos, converteu-os em refugiados e, em seguida, passou a impedir sistematicamente o retorno deles e de seus filhos (hoje, também, já, dos netos deles), apesar das Resoluções da ONU, ao mesmo tempo em que continuou a destruir cidades e vilas, ou – o que é o mesmo – passou a construir colônias de ocupação sobre as ruínas das cidades e vilas palestinas.

Desde 1967, Israel fez tudo que algum Estado poderia fazer para tornar impossível qualquer solução política: colonizou por vias ilegais territórios ocupados por via ilegal e recusou-se a acatar os limites de antes das invasões de 1967; construiu um muro de apartheid; e tornou a vida impossível para a maioria dos palestinos. Nada, aí, faz pensar em esforço de paz. Antes, é operação continuada e sistemática para a limpeza étnica dos territórios palestinos ocupados ilegalmente.

Assim sendo, se a paz implicar – como implica necessariamente – o fim do mini-império construído por Israel, Israel continuará a fazer o que estiver ao seu alcance para que não haja paz, mesmo que a paz lhe seja oferecida numa bandeja, como a Iniciativa de Paz dos sauditas, recentemente, por exemplo. Outra vez, não se entende: se os israelenses só tinham a esperar esse tipo de oferta, se desejassem alguma paz, porque a rejeitaram, praticamente sem nem a considerar?

Faz tanto tempo que Israel rejeita toda e qualquer possibilidade de paz, que a maioria dos israelenses já nem são capazes de ver que rejeitar a paz converteu-se, para Israel, numa espécie de segunda natureza.

Mas o motivo mais aterrorizante pelo qual nenhuma iniciativa de paz jamais teve qualquer chance de prosperar tem a ver, de fato, conosco, com o ocidente.

Israel continua a ser apoiada pelas democracias ocidentais como uma espécie de força delegada, como batalhão ocidental avançado, implantado na entrada do mundo árabe, mais indispensável, tanto quanto mais dependente do ocidente, que regimes-clientes, como os sauditas e como o Iraque de Saddam até 1990.

Como uma espécie de ‘encarnação’ da tese do “choque de civilizações” de Huntington, Israel é, como sempre foi, mais exposta ou mais veladamente, um bastião do mundo judeu-cristão, contra os árabes e o Islam.

Isso já era verdade há décadas, mas jamais foi mais verdade do que na última década, quando a Ordem do Novo Mundo entrou em crise terminal, e começou-se a ouvir falar da “Doutrina do Choque”, de “Choque e Horror”, de várias ‘operações’ tempestade contra os desertos da Ásia e sempre contra os islâmicos.

Israel, não o Iran, possui armas nucleares e é capaz de usá-las – e várias vezes já ameaçou usá-las. Mas fala-se como se o perigo viesse do Iran, não se Israel. Os que propõem a destruição do Iran são os mesmos mercadores de tragédias que impingiram aos EUA e à Inglaterra o custo altíssimo da guerra do Iraque”.(1)

Esse texto do professor Haim Bresheeth resume o que muitos intelectuais pensam sobre o atual massacre. A essas vozes críticas, somam-se o protesto de escritores israelenses como David Grosmann e ativistas do movimento Paz Agora. Todos eles exigem a desocupação dos territórios palestinos, o fim do cerco à Faixa de Gaza e uma imediata abertura de negociações com as partes envolvidas no conflito. Reivindicam também – e com justa razão – o fim do lançamento de mísseis contra a população civil no sul de Israel. Mesmo assim, David Grossman pediu uma trégua imediata e incondicional dos bombardeios israelenses. Claro que não foi atendido, como tampouco foi atendido seu clamor pelo fim do ataque israelense contra o Líbano em agosto de 2006. Ele perdeu um filho nessa outra guerra insana, que matou 150 israelenses e mais de mil libaneses, e destruiu milhares de casas e toda a infra-estrutura do Líbano.

IV

Por fim, um artigo recente Robert Fisk, o mais respeitado correspondente europeu no Oriente Médio, contextualiza a atual agressão israelense aos palestinos de Gaza. O artigo de Fisk – Porque bombardear Asklan é a mais trágica ironia – foi publicado no jornal londrino The Independent (30-12-2008). Vale a pena ler o texto de Fisk, pois assim o leitor saberá quem são os miseráveis moradores de Gaza.

“Como é fácil desconectar o presente da história palestina, apagar a narrativa de sua tragédia e evitar a ironia grotesca de Gaza que, em qualquer outro conflito, os jornalistas estariam descrevendo desde suas primeiras reportagens: qual seja, que os habitantes originais e legais da terra israelense almejada pelos foguetes do Hamas, hoje vivem em Gaza.

Por isso existe Gaza: porque os Palestinos que vivem em Ashkelon e campos ao seu redor – Asklan em árabe- foram destituídos de suas terras em 1948, quando foi criado o Estado de Israel e empurrados para onde residem hoje, na Faixa de Gaza. Eles -ou seus filhos, netos e bisnetos- estão entre um milhão e meio de Palestinos espremidos na fossa séptica de Gaza. 80% dessas famílias viviam no que é hoje o Estado de Israel.

Assistindo os noticiários, tem-se a impressão de que a história começou apenas ontem, que um bando de lunáticos islâmicos barbudos antissemitas apareceu de repente nas favelas de Gaza -um lixão povoado por pessoas destituídas de origem- e começou a atirar mísseis contra o democrático e pacífico Israel, apenas para dar de encontro com a indignada vingança da força aérea israelense. Nessa história simplesmente não consta o fato de que as cinco meninas mortas no campo de Jabalya tinham avós oriundos da mesmíssima terra de onde os atuais habitantes as bombardearam até a morte.

Percebe-se porque tanto Yitzhak Rabin como Shimon Peres declararam, ainda na década de 1990, que desejavam que Gaza simplesmente desaparecesse, ou que sumisse no fundo do mar. A existência de Gaza é um indício permanente das centenas de milhares de Palestinos que perderam suas casas para o Estado de Israel, que fugiram apavorados ou foram expulsos por temor à limpeza étnica executada por Israel há 60 anos, momento em que uma imensa onda de refugiados varria a Europa no pós Segunda Guerra Mundial, e um punhado de árabes expulsos de suas propriedades não importava ao mundo.

Mas agora o mundo deveria se preocupar. Espremido nos poucos quilômetros quadrados mais densamente povoados do mundo, há um povo destituído, vivendo no isolamento, no esgoto, e, durante os últimos seis meses, na fome e no escuro, sancionados pelo Ocidente. Gaza sempre foi insurrecional. A “pacificação” sangrenta de Ariel Sharon, começando em 1971, levou dois anos para ser completada e não vai ser agora que conseguirão dobrar Gaza. Infelizmente para os palestinos, perderam sua mais poderosa voz política – refiro-me a Edward Said e não ao corrupto Yasser Arafat (e como os Israelenses devem sentir sua falta)-, ficando a sua sorte, em grande medida, sem explicação, no que depender dos seus atuais porta-vozes ineptos. “É o lugar mais deplorável que já vi”, disse Said, certa vez, sobre Gaza. “É um lugar terrivelmente triste devido ao desespero e à miséria em que vivem as pessoas. Não estava preparado para encontrar campos que são piores do que qualquer coisa que eu tivesse visto na África do Sul”.

Claro que ficou a cargo da Ministra de Relações Externas, Tzipi Livni, admitir que “às vezes os civis também pagam o preço”, um argumento que ela não usaria se a estatística de mortes fosse invertida. Foi certamente educativo ouvir ontem um membro do Instituto Empresarial Americano -repetindo fielmente os argumentos israelenses- defender o indefensável número de mortos palestinos, dizendo que “não faz sentido entrar no mérito dos números”. No entanto, se mais de 300 israelenses tivessem sido mortos, contra dois palestinos, pode ter certeza que se entraria “no mérito dos números”, e a violência desproporcional seria absolutamente relevante. O simples fato é que as mortes palestinas importam muito menos que as mortes israelenses. É verdade que 180 dos mortos eram membros do Hamas, mas e o restante? Se a estatística conservadora da ONU de 57 civis mortos for verdade, ainda assim seria uma desgraça.

Não é de surpreender que nem os EUA nem a Grã-Bretanha condenem o ataque israelense e ponham a culpa no Hamas. A política norte-americana para o Oriente Médio é indistinguível da israelense, sendo que Gordon Brown está assumindo a mesma devoção de cão à administração Bush, já demonstrada pelo seu antecessor.

Como sempre, os Estados árabes clientes – pagos e armadas pelo Ocidente – permanecem absurdamente em silêncio, convocando uma cúpula árabe para discutir e (se chegar a isso) apontar um “comitê de ação” que redigiria um relatório que jamais será escrito. É assim que funcionam o mundo árabe e seus líderes corruptos. Quanto ao Hamas, este terá, é claro, que suportar a desmoralização dos Estados árabes enquanto cinicamente esperam que Israel fale com eles. É o que farão. De fato, dentro de alguns meses, chegará a notícia de que Israel e Hamas mantêm ‘diálogos secretos’ – assim como outrora ouvimos falar em relação a Israel e a ainda mais corrupta OLP. Mas, até lá, os mortos estarão enterrados e estaremos ingressando na próxima crise do Oriente Médio”. (2)

(1) tradução de Caia Fitipaldi
(2) tradução de Arlene Clemesha

A ilusão da vitória na Faixa de Gaza, por Daniel Barenboim

Por Daniel Barenboim*, (publicado no THE GUARDIAN)

O regente e pianista Daniel Barenboim é judeu, cidadão israelense e cidadão de honra da Palestina.

Tenho apenas três desejos para o ano-novo. O primeiro é que o governo de Israel se conscientize, de uma vez por todas, que o conflito no Oriente Médio não pode ser resolvido por meios militares. O segundo é que o Hamas se conscientize que não defenderá seus interesses pela violência, e que Israel está aqui para ficar. O terceiro é que o mundo reconheça que esse conflito não é igual a nenhum outro em toda a história.

É um conflito intricado e sensível, um conflito humano entre dois povos profundamente convencidos de seu direito de viver no mesmo pedaço de terra. É por isso que não poderá ser resolvido nem pela diplomacia nem pelas armas.

Os acontecimentos dos últimos dias são extremamente preocupantes para mim por várias razões de caráter humano e político.

Embora seja óbvio que Israel tem o direito de se defender, que não pode e não deve tolerar os constantes ataques contra seus cidadãos, os bombardeios brutais sobre Gaza suscitam profundas indagações na minha mente.

Mortes

A primeira é se o governo de Israel tem o direito de considerar todo o povo palestino culpado pelas ações do Hamas. Será que toda a população de Gaza deve ser responsabilizada pelos pecados de uma organização terrorista?

Nós, o povo judeu, deveríamos saber e sentir mais profundamente do que qualquer outro povo que o assassinato de civis inocentes é desumano e inaceitável. Os militares israelenses argumentam, de maneira muito frágil, que a Faixa de Gaza é tão densamente povoada que é impossível evitar a morte de civis.

A debilidade desse argumento me leva a formular outras perguntas. Se as mortes de civis são inevitáveis, qual é a finalidade dos bombardeios? Qual é a lógica, se é que existe alguma, por trás da violência, e o que Israel espera conseguir por meio dela? Se o objetivo da operação é destruir o Hamas, a pergunta mais importante a ser feita é se esse objetivo é viável. Se não é, todo o ataque não só é cruel, bárbaro e repreensível, como também é insensato.

Por outro lado, se for realmente possível destruir o Hamas por meio de operações militares, que reação Israel espera que haja em Gaza depois que isso se concluir? Em Gaza vivem 1,5 milhão de palestinos, que seguramente não cairão de joelhos de repente para reverenciar o poderio do Exército israelense.

Não devemos esquecer que o Hamas, antes de ser eleito, foi encorajado por Israel como tática para enfraquecer o então líder palestino Yasser Arafat. A história recente de Israel me faz acreditar que, se o Hamas for eliminado por meio de bombardeios, outro grupo certamente tomará o seu lugar, um grupo que talvez seja mais radical e mais violento.

Vingança

Israel não pode se permitir uma derrota militar porque teme desaparecer do mapa. No entanto, a história demonstrou que toda vitória militar sempre deixou Israel em uma posição política mais fraca do que a anterior por causa do surgimento de grupos radicais.

Não pretendo subestimar a dificuldade das decisões que o governo israelense precisa tomar a cada dia, nem subestimo a importância da segurança de Israel. Entretanto, continuo convencido de que o único plano viável para a segurança em Israel, no longo prazo, é obter a aceitação de todos os nossos vizinhos.

Desejo para o ano de 2009 a volta da famosa inteligência que foi sempre atribuída aos judeus. Desejo a volta da sabedoria do Rei Salomão para os estrategistas israelenses, a fim de que a usem para compreender que palestinos e israelenses gozam de idênticos direitos humanos.

A violência palestina atormenta os israelenses e não contribui para a causa palestina. A retaliação militar israelense é desumana, imoral e não garante a segurança de Israel. Como disse antes, os destinos dos dois povos estão inextricavelmente ligados e os obriga a viver lado a lado. Eles terão de decidir se querem que isso se torne uma bênção ou uma maldição.

Porque é hoje é sábado, Liv Ullmann

Ontem, vi o último filme do homem que afaga Liv Ullmann e abraça Julia Dufvenius

Queria evitá-lo, como o condenado à morte evita terminar seu derradeiro prato

Mexendo o garfo de um lado para outro, debaixo do olhar indiferente do algoz.

Acho abomináveis os passadistas, saudosistas, decorridos, danificados, apodrecidos senhores

que não prezam a contemporaneidade e o presente, porém…

Porém o ano começava e resolvi finalmente conhecer Sarabanda, de Ingmar Bergman.

Fui à locadora e vim com o ponto final de meu mestre preferido sob o braço

E constatei que o homem de 85 anos, alguém que nascera quando os filmes

Eram em preto e branco

E sem som

Sabia e fazia mais do que o batalhão tecnológico de dólares e entretenimento de hoje.

Será que nossa época — minha geração – só serve para apanhar

a humanidade em vídeo-locadoras?

Será que só serve para vê-la — àquela que Bergman chamava de “meu Stradivarius”

— em antigos filmes?

Pergunto à Liv onde a fórmula das pequenas grandiosidades perdeu-se;

e quando e se voltarão.

Cai apoio ao ataque em Israel

A humanidade começa a brotar… Espero que ela vote em fevereiro.

Guardian, UK, 1/1/2009 (em http://www.guardian.co.uk/world/2009/jan/01/israel-gaza) :

Pesquisa publicada hoje no jornal Haaretz mostra que baixou de 82 para 52% o número de israelenses favoráveis à continuação dos ataques contra Gaza (ao mesmo tempo, 20% apóiam o cessar-fogo; e 19% são favoráveis à invasão por terra ao território da Palestina). O líder do Hamás, Ismail Haniyeh, exige que cessem os ataques, que o bloqueio econômico seja levantado e que se abram os postos de passagem, como condição para qualquer negociação.

Na primeira indicação de que há divisões entre as autoridades israelenses, o primeiro-ministro Ehud Olmert defendeu pessoalmente que os ataques prossigam, depois de o ministro da Defesa, Ehud Barak – o mais condecorado soldado israelense e ex-comandante do exército – ter dado sinais de aceitar um cessar-fogo de 48 horas.

[…] Olmert reuniu-se com Barak, com a ministra dos Negócios Estrangeiros e com os comandantes militares, para um visivelmente muito tenso encontro de 4 horas, na 4ª-feira à noite. Em reunião do gabinete de segurança, decidiu-se que o bombardeio continuará.

Aparentemente, o governo de Israel está tentando não deixar transparecer qquer divisão interna, para evitar que se repita o que aconteceu na Guerra do Líbano, em 2006, quando divisões internas no governo, sobre o rumo da guerra, provocaram muitas críticas ao governo, até que a opinião pública passou, de uma posição em que a maioria apoiava a guerra, à declarada oposição ao governo e aos comandantes militares.

A maioria dos analistas militares diz que é pouco provável que Israel decida-se a favor da reocupação de Gaza, ocupação considerada impossível, ou excessivamente custosa. E não há tropas posicionadas em terra em quantidade suficiente. Para a maioria, a ameaça é operação de propaganda, que visa a manter sob pânico a população civil local.

Em todo o Oriente Médio, a tentativa de invasão por terra é considerada “situação favorável aos combatentes que lutam nos grupos armados”. Muitos analistas lembram que Israel jamais venceu guerra em situação de guerrilha urbana.

O mais provável é que prossigam os ataques aéreos. Contudo, a situação hoje já não é tão favorável a Israel, como no momento dos primeiros ataques, nem no cenário interno, nem no cenário internacional, e crescem as pressões para pôr fim à violência, tanto pelos governos ocidentais quanto pela ONU e agências de socorro humanitário.

[…] Já há mais de um ano, Israel impede a entrada em Gaza de quaisquer produtos importados (em Gaza, TUDO é importado de Israel). Nos últimos tempos, impede também a entrada de qualquer tipo de ajuda humanitária. Além disso, dada a proibição de que saiam de Gaza quaisquer produtos de exportação, Israel já destruiu toda a estrutura comercial e de negócios na região.